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Vitamina B1 (Tiamina) A vitamina B1, conhecida como tiamina, fator anti-beribéri, aneurina e fator anti-neurítico, é formada por uma pirimidina substituída que está unida a um anel tiazol combinado através de uma ponte metilênica. Apresenta ampla distribuição nos alimentos, mas na maioria em quantidades relativamente baixas. A doença do sistema nervoso periférico (beribéri) devido à deficiência em tiamina é relatada há cerca de 1.300 anos. Tornou-se um problema de saúde pública no século XIX com a introdução do arroz polido. A tiamina foi descoberta como fator de descarte da cutícula do arroz durante o seu polimento, vindo-se a descobrir que esta possuía grande concentração da vitamina e que protegia contra a polineurite. Embora, atualmente, essa doença esteja praticamente erradicada, em algumas regiões do mundo esse problema persiste, em especial, entre povos cujas dietas são ricas em carboidratos. Uma condição diferente, que afeta preferencialmente o sistema nervoso central, a síndrome de Wernick-Korsakoff, também por causa da deficiência em tiamina, ocorre nos países desenvolvidos, especialmente em indivíduos alcoolistas. A tiamina foi a primeira vitamina a ter uma função metabólica claramente definida como coenzima. Apesar disso, o mecanismo pelo qual a deficiência em tiamina resulta em lesões do sistema nervoso central ou periférico ainda permanece obscuro. Além de seu papel já estabelecido como coenzima, a tiamina parece também atuar na transmissão nervosa. Absorção e metabolismo da tiamina O fosfato de tiamina é hidrolisado por fosfatases intestinais. A tiamina livre é absorvida por um processo ativo independente de sódio, no duodeno e jejuno, com pequena absorção no restante do intestino delgado. O sistema de transporte é saturável com concentrações relativamente baixas de tiamina (cerca de 2 micromol/L), limitando, portanto, a quantidade de tiamina que pode ser absorvida. Em altas concentrações, há alguma absorção passiva da vitamina, que representa menor contribuição. Em indivíduos adequadamente alimentados, o aumento de uma dose-teste de tiamina de 2,5 para 20 mg teve um efeito negligível na concentração plasmática de B1 ou na excreção urinária. Contrariamente, a absorção passiva das alitiaminas solúveis em lipídios não é limitada. A absorção da tiamina é prejudicada no alcoolismo. A ATPase dependente de Na e K na membrana basolateral, que se acredita ser responsável pelo efluxo ativo da vitamina para o fluido serosal, é inibida pelo etanol. Tanto a tiamina livre quanto o monofosfato de tiamina circulam no plasma; cerca de 60% do total são como monofosfato. Embora quantidade significativa de tiamina recentemente absorvida seja fosforilada no fígado, todos os tecidos podem captar ambas as formas, tiamina e monofosfato de tiamina, e são capazes de fosforilar essas tiaminas para di e trifosfato. A tiamina que não está ligada à proteína plasmática (sobretudo albumina) é rapidamente filtrada nos glomérulos e aparentemente não ocorre reabsorção tubular de tiamina ou de pequenas quantidades de fosfato. A diurese aumenta a excreção da vitamina e o suor pode conter 30-56 nmol de tiamina/L em condições climáticas muito quentes, o que pode representar perda significativas da vitamina. Uma pequena quantidade da vitamina é excretada na urina sem modificações, representando cerca de 3% de uma dose teste, junto com pequenas quantidades de tiamina monofosfato e difosfato. Um dos maiores produtos de excreção é o tiocromo; a ciclização para o tiocromo é a base do método normal de determinação de B1, portanto, a maioria das publicações de excreção é, de fato, de tiamina dissulfito, formada pela oxidação da tiamina tiol, bem como cerca de vinte metabólitos resultantes da oxidação da cadeia lateral e da quebra de pontes metileno, com oxidação de cadeias laterais, resultantes de produtos de pirimidina e tiazol. Funções metabólicas da tiamina Os estudos de Peters, nas décadas de 1920 e 1930, estabeleceram o papel de coenzima da tiamina difosfato na descarboxilação oxidativa de 2-oxo-ácidos e na transcetolase. A tiamina, em combinação com o fósforo, forma a coenzima tiamina pirofosfato (TTP), que atua como uma co-carboxilase. Essa forma é necessária para a descarboxilação oxidativa do piruvato, formando acetato e acetil coenzima A, componente principal da via de Krebs. De modo geral, a TPP é necessária para a descarboxilação de outros alfa-cetoácidos (ácido alfa-cetoglutárico e cetocarboxilatos) sendo necessária no metabolismo de carboidratos, gorduras e proteínas; entretanto, os efeitos da deficiência em tiamina estão mais ligados ao metabolismo cerebral dos carboidratos. Por suas funções essenciais no sistema nervoso, a tiamina é conhecida como vitamina antineurítica. Tem-se, também, utilizado a tiamina no tratamento da acidose metabólica, que pode ocorrer em pacientes submetidos à nutrição parenteral. O difosfato de tiamina é a coenzima para três complexos multienzimáticos mitocondriais envolvidos na descarboxilação oxidativa de 2-oxo-ácidos, piruvato desidrogenase e 2-oxoglutarato desidrogenase; na via metabólica central de geração de energia e na cadeia ramificada oxoácido desidrogenase e no catabolismo de leucina, isoleucina e valina. A transcetolase é a enzima-chave na via da pentose fosfato do metabolismo de carboidratos. Catalisa a transferência de duas unidades de carbonos de um doador cetose para um aceptor aldose açúcar. O doador de cetose forma um intermediário de transição com a tiamina difosfato, que sofre clivagem para liberar uma aldose de dois carbonos menores que o substrato cetose, deixando o difosfato de tiamina ligado à enzima diidroxietil. Esta reage com um aceptor aldose para formar uma cetose maior de dois carbonos. A via da pentose fosfato é o principal caminho do metabolismo de carboidratos em alguns tecidos e uma alternativa significativa para a glicólise em todos os tecidos. A importância principal dessa via é a produção de NADPH para uso nas reações biossintéticas (em especial da lipogênese) e na ressíntese de ribose para a síntese de nucleotídeos. Cerca de 2 a 3% da tiamina no tecido nervoso estão presentes como trifosfato, que não é um intermediário na formação ou no catabolismo de tiamina difosfato. A tiamina trifosfato também ocorre em quantidades significativas no músculo esquelético, especialmente em fibras musculares de contração rápida. Diferentemente do sistema nervoso, no qual o trifosfato é encontrado exclusivamente na fração da membrana, uma proporção significativa da tiamina trifosfato muscular se encontra no citosol. O total de tiamina nas diferentes regiões do sistema nervoso central é variável: o cerebelo tem a maior quantidade de tiamina, ainda que com menor razão de glicose e utilização de oxigênio. O desenvolvimento de anormalidades neurológicas na deficiência experimental de tiamina não ocorre ao mesmo tempo que o prejuízo da atividade da piruvato e do 2-oxoglutarato desidrogenase ou da atividade da transcetolase, e as regiões nas quais os distúrbios metabólicos são mais marcantes não são as mais vulneráveis a lesões anatômicas na deficiência. O trifosfato de tiamina no tecido nervoso está protegido na deficiência em tiamina. Ao passo que o conteúdo de tiamina no cérebro de animais deficientes diminui para cerca de 20% em relação aos níveis de grupos-controles dentro de 4 semanas, com queda similar da tiamina livre, mono e difosfato, ocorre pouca perda de tiamina trifosfato. Sugere-se que o trifosfato de tiamina tem ação no sistema nervoso separada de sua função como coenzima de tiamina difosfato. Embora esse mecanismo não seja claro, ele aparentemente age na bomba iônica da membrana do nervo, possivelmente como doador de fosfato para a fosforilação de uma das proteínas do canal de sódio. Fontes alimentares, ingestão e necessidades de tiamina Conteúdos de tiamina (vitamina B1) em alimentos Alimentos Peso (g) Tiamina (mg) Carne de porco grelhada 100 0,9 Presunto cozido 100 0,7 Castanha-do-pará 700,7 Pistache 64 0,5 Noz-pecã picada 60 0,5 Avelã 68 0,3 Massa cozida 140 0,3 Caju 65 0,3 Aveia cozida 234 0,26 Suco de laranja 248 0,25 Ervilhas verdes cozidas 80 0,23 Noz picada 60 0,23 Bife de fígado cozido 100 0,21 Feijão preto cozido 86 0,21 Uva 160 0,15 Pão branco 30 0,28 Batata assada com casca 122 0,14 Arroz branco cozido 79 0,13 Melancia 152 0,12 Manga 207 0,12 Carne bovina cozida 100 0,12 Iogurte com pouca gordura 245 0,11 Abacate 100 0,11 Suco de tomate 243 0,11 Amêndoas 78 0,10 Arroz integral cozido 98 0,09 Leite 245 0,09 Suco de abacaxi 125 0,09 Beterraba cozida 72 0,08 Vagem cozida 80 0,08 Frango cozido 100 0,07 Cenoura crua 72 0,07 Farelo de aveia 6 0,07 As EARs e RDAs atuais para tiamina estão expostas no quadro abaixo, segundo estágio de vida e sexo. Tanto gestantes quanto lactantes necessitam de 1,4 mg de tiamina/dia. Um grupo que necessita de quantidades maiores de tiamina é o de pacientes sob terapia renal, hemodiálise ou diálise peritoneal, além daqueles com síndrome de má absorção. Estágio de vida e grupos especiais EAR (mg/dia) RDA (mg/dia) 0-6 meses - 0,2 (AI) 7-12 meses - 0,3 (AI) 1-3 anos 0,4 0,5 4-8 anos 0,5 0,6 Homens 9-13 anos 0,7 0,9 14-70 anos 1,0 1,2 >70 anos 1,0 1,2 Mulheres 9-13 anos 0,7 0,9 14-18 anos 0,9 1,0 19-70 anos 0,9 10,1 >70 anos 0,9 1,1 Gravidez e lactação ≤18-50 anos 1,2 1,4 Deficiência em tiamina A deficiência em tiamina pode resultar em três síndromes distintas, como: Neurite crônica periférica, beribéri que pode ou não estar associado a insuficiência cardíaca e edema; Beribéri agudo pernicioso (fulminante), no qual a insuficiência cardíaca e as anormalidades metabólicas predominam, com pouca evidência de neurite periférica; e Encefalopatia de Wernicke com psicose de Korsakoff, condição que responde à tiamina, associada especialmente ao alcoolismo ou ao abuso de narcóticos. Em geral, uma deficiência aguda está envolvida com as lesões do sistema nervoso central da síndrome de Wernicke-Korsakoff. O beribéri seco está ligado a uma deficiência mais prolongada e presumivelmente mais grave, em geral associada a uma baixa ingestão alimentar, ao passo que a alta ingestão de carboidratos e a atividade física predispõem ao beribéri úmido. Entre as alterações metabólicas que ocorrem na deficiência em tiamina, pode-se enumerar: 1ª A ação da tiamina difosfato na piruvato desidrogenase resulta em prejuízo na conversão do piruvato para acetil-CoA, portanto há diminuição na entrada de piruvato no ciclo do ácido cítrico. Assim, a deficiência em tiamina em indivíduos com dieta rica em carboidratos leva ao aumento das concentrações plasmáticas de lactato e piruvato, o que pode levar à acidose lática com ameaça à vida. Portanto, o aumento de lactato e piruvato no plasma, depois de uma dose-teste de glicose, é utilizado como meio de avaliar estado nutricional dos indivíduos em relação à tiamina. Um defeito genético da piruvato desidrogenase é encontrado em crianças que apresentaram ataques intermitentes de ataxia cerebelar e elevação de lactato, piruvato e alanina na urina e no plasma. Ambos, sinais clínicos e danos neurológicos dessa doença são diferentes daqueles observados na deficiência em tiamina, fornecendo evidências de que, enquanto a descarboxilação do piruvato está alterada na deficiência, não é este o fator prioritário para a lesão metabólica. 2ª A transcetolase é mais afetada pela deficiência que a piruvato desidrogenase, e a redução da atividade da transcetolase está correlacionada com a vulnerabilidade às lesões. Entretanto, a apo-trascetolase é suscetível à proteólise, e o conteúdo dos tecidos da apoenzima cai na deficiência. A administração de tiamina em animais deficientes corrige os sinais clínicos, sem, entretanto, restaurar a atividade da transcetolase. 3ª Tiaminases e antagonistas da tiamina também podem diminuir a biodisponibilidade da vitamina. Enzimas tiaminolíticas são encontradas em uma variedade de microrganismos e alimentos. Compostos termoestáveis presentes nos alimentos (especialmente polifenóis) também causam quebra oxidativa da tiamina, assim como o sulfito, que é largamente utilizado no processamento dos alimentos. Em populações cuja ingestão de tiamina é baixa ou limítrofe, a colonização do trato gastrintestinal com microrganismos tiaminolíticos pode ser um fator para o desenvolvimento do beribéri. As tiaminases presentes em peixes crus também podem resultar em paralisia por causa da destruição da tiamina e podem ser importantes em regiões onde a principal fonte de tiamina das dietas seja proveniente de peixes crus ou fermentados. Polifenóis e tiaminases também podem provocar a deficiência, entre os quais podem-se citar o ácido tânico do chá e a noz-de-areca, que são associados à deficiência humana em tiamina. Avaliação do estado nutricional dos indivíduos em relação à tiamina Conforme descrito, a diminuição da atividade da piruvato desidrogenase na deficiência em tiamina resulta em aumento considerável da concentração plasmática de lactato e piruvato; portanto, as mudanças nas concentrações de lactato, piruvato e glicose depois de uma dose oral de glicose e exercício moderado podem ser uma forma de avaliação do estado nutricional. O teste não é específico para a deficiência em tiamina, uma vez que uma série de outras condições também podem resultar em acidose metabólica, além disso, é pouco utilizado para verificar o estado nutricional. Embora haja vários metabólitos urinários de tiamina, uma quantidade significativa pode ser excretada inalterada, especialmente se a ingestão for adequada. A excreção de uma dose teste de tiamina é utilizada como índice para avaliar o estado nutricional do indivíduo em relação à vitamina; assim, uma dose parenteral de 5mg de tiamina (19micromol), em indivíduos bem nutridos, levará a uma excreção superior a 300nmol da vitamina em 4 horas; já em indivíduos deficientes, a excreção será menor que 75nmol. A tiamina no sangue total não é um indicador sensível do estado nutricional. A ativação da apo-transcetolase nos eritrócitos, lisados pela tiamina difosfato adicionada in vitro, tem-se tornado o índice mais aceito do estado nutricional em relação à tiamina e, portanto, é mais amplamente utilizado. A apo-transcetolase é instável tanto in vivo quanto in vitro, portanto podem haver problemas na interpretação dos resultados, especialmente se as amostras forem armazenadas por tempo apreciável. Coeficiente de ativação maior que 1,25 é indicativo de deficiência, e menor que 1,15 é considerado adequado em relação ao estado nutricional. Perspectivas em saúde Há uma síndrome anêmica, caracterizada por alguns aspectos clínicos, como anemia megaloblásica, diabetes mellitus e doença sensorial e neural progressiva, que responde a doses de tiamina. As células de pacientes com essa síndrome são sensíveis à deficiência em tiamina em nível nanomolar e vários trabalhos mostram que doses farmacológicas da vitamina podem melhorar a anemia e o diabetes nesses casos. Uma proteína de membrana com afinidade submicromolar para tiamina está, possivelmente, envolvida na patogênese. Doses suplementares de tiamina podem ser utilizadas em casos de vômitos persistentes e náuseas graves em gestantes ou que possam provocar desidratação, cetose e perda de peso, entre outros distúrbios. Os mecanismos fisiopatológicos ainda não estão esclarecidos, mas são listados fatores hormonais, mecânicos e psicológicos. A suplementação de tiamina é utilizada nos casos de internação hospitalar combinada a reposição hidroelétrica, antieméticos convencionais e apoio psicológico. Deficiências em tiamina que causem processos neurodegenerativos podem também provocar estresseoxidativo. A reversão dos efeitos da deficiência nessa vitamina por antioxidantes e a melhora de algumas formas de estresse oxidativo com doses suplementares de tiamina sugerem que essa vitamina pode ser um antioxidante de atuação específica e que a interação de processos dependentes de tiamina com estresse oxidativo pode ser crítica em processos neudegenerativos. A relação de tiamina com câncer tem-se mostrado controversa e necessita de esclarecimentos futuros. Por promover a síntese do ácido nucléico ribose e a proliferação neoplásica por meio da via não-oxidativa da transcetolase, questiona-se se a suplementação usual de tiamina em casos de câncer não poderia ser fator interferente na terapia anticâncer. Compostos antitiamina inibem significativamente a síntese de ribose e a proliferação celular in vitro e in vivo em vários tipos de neoplasias. Toxidade Não há evidências de qualquer efeito tóxico da tiamina, embora altas doses por via parenteral são associadas com depressão respiratória em animais e choque anafilático em seres humanos. Hipersensibilidade e dermatite de contato são documentadas em trabalhadores da área farmacêutica que manuseiam a tiamina. A absorção de tiamina é limitada, não podendo ser absorvido mais que 10 micromol (2,5mg) em uma única dose; a tiamina livre é rapidamente filtrada pelos rins e excretada. Segundo Hathcock, o NOAEL ainda não foi estabelecido. Dados de trabalhos com dietas brasileiras não apontam para deficiência nessa vitamina, entretanto, considerando a importância da tiamina no metabolismo energético, deve-se estar atento também para o suprimento das necessidades da população para essa vitamina.