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APOSTILA O APARELHO PSÃ__QUICO (1)

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1 
 
2 
 
 
IVANI TEIXEIRA MENDES 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O APARELHO PSÍQUICO 
 
 
 
 
 
 
 
Capa por Rodrigo Rivera. 
 
 
 
 
 
Apostila elaborada com o objetivo de apresentar informações sobre o aparelho psíquico com 
fins de organizar o material discutido durante grupo de estudo. 
3 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
 
 
INTRODUÇÃO 04 
 
OS IMPULSOS 06 
 
O APARELHO PSÍQUICO 09 
 
PSICOPATOLOGIA 17 
 
PERVERSÃO 19 
 
ESTUDO DE CASO 23 
 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 34 
 
 
 
 
 
 
 
4 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
 Este trabalho apresenta anotações discutidas em grupo de estudo 
sobre os princípios básicos da psicanálise. Enfatiza o funcionamento do 
aparelho psíquico proposto por Freud e apresenta no final um estudo de caso 
sobre perversão. 
 A teoria psicanalítica é um corpo de hipóteses a respeito do 
funcionamento e do desenvolvimento da mente do homem, quer seja em seu 
funcionamento normal quer seja patológico. Duas hipóteses são fundamentais: 
o princípio do determinismo psíquico e a proposição de que a consciência é 
um atributo excepcional dos processos psíquicos. 
 A primeira hipótese prevê que cada evento é determinado por aqueles 
que o precedem, isto é, não existe descontinuidade na vida mental. Assim as 
casualidades são provocadas por um desejo ou intenção da pessoa 
envolvida, em estrita conformidade com o princípio do funcionamento 
mental. 
 Os sonhos, assim como os sintomas neuróticos seguem este mesmo 
princípio. Cada sonho e mesmo cada imagem em cada sonho, é a 
conseqüência de outros eventos psíquicos e mantém uma relação coerente e 
significativa com o restante da vida psíquica da pessoa que sonha. 
 A relação entre as duas hipóteses fundamentais é tão íntima que 
dificilmente se pode examinar uma sem suscitar a outra. Quando um 
pensamento, um sentimento, um esquecimento acidental, um sonho ou 
sintoma parecem não se relacionar com algo que aconteceu antes na mente, 
isso significa que sua conexão causal se apresenta em algum processo mental 
inconsciente em vez de um processo consciente. Descobrindo a causa ou 
causas inconscientes, então todas as descontinuidades desaparecem e a 
seqüência torna-se clara. 
 Os métodos para estudar tais fenômenos são indiretos. O mais eficiente 
e de maior confiança de que dispomos é a psicanálise. 
 Freud citado por Brenner (1975) começou sua carreira médica como 
neuroanatomista. Teve que tratar pacientes que hoje chamamos de 
neuróticos ou psicóticos. No tempo em que começou a clinicar não havia 
uma forma de tratamento psiquiátrico. Em 1885 foi a Paris onde estudou na 
Clínica de Charcot. Familiarizou-se com a hipnose. Freud procurou banir os 
sintomas de seus pacientes pela sugestão hipnótica. 
 
 Breuer apud Brenner (1975) comunicou a Freud que, vários anos antes, 
tratara de uma mulher histérica por hipnose e verificara que seus sintomas 
desapareceram quando ela foi capaz, em estado hipnótico, de recordar a 
experiência e a emoção associada que conduzira ao sintoma em questão. 
5 
 
 Cada vez mais Freud prosseguia na experiência hipnótica e verificou 
que ela não era uniformemente fácil de induzir, que os bons resultados 
tendiam a ser transitórios e que pelo menos algumas de suas pacientes 
tornaram-se sexualmente apegadas a ele durante o tratamento hipnótico. 
 Bernheim apud Brenner (1975) demonstrara que a amnésia de um 
paciente, durante as experiências hipnóticas, podia ser removida sem voltar a 
hipnotizar o paciente. 
 Freud deduziu que poderia ser capaz também de remover a amnésia 
histérica sem hipnose e começou a fazê-lo. A partir desse início, desenvolveu a 
técnica psicanalítica, cuja essência consiste em que o paciente empreende a 
comunicação ao psicanalista de quaisquer pensamentos, sem exceção, que 
lhe venham à mente abstendo-se de exercer sobre eles uma orientação 
consciente ou uma censura. (BRENNER 1975) 
 Assim, Freud ouvindo as associações livres do paciente – que eram 
afinal livres apenas do controle consciente – era capaz de formar uma 
imagem, por inferência, do que conscientemente estava ocorrendo na mente 
do paciente. 
 No estudo dos fenômenos mentais inconscientes, Freud descobriu que 
estes poderiam ser divididos em dois grupos: o primeiro grupo compreendia 
pensamentos, lembranças etc., que poderia facilmente se tornar conscientes 
por esforço da atenção. Freud os chamou de pré-conscientes. O grupo dos 
fenômenos inconscientes são aqueles que poderiam se tornar conscientes a 
custo de considerável esforço. É o que encontramos na amnésia histérica. 
 Por meio da técnica psicanalítica, Freud apud Brenner (1975) pôde 
demonstrar que por trás de todo sonho existem pensamentos e desejos 
inconscientes ativos, e assim estabelecer, como regra geral, que, quando se 
produzem sonhos, estes são provocados por uma atividade mental que é 
inconsciente para a pessoa que sonha, e que assim permaneceria a menos 
que se empregue a técnica psicanalítica. 
 Para Freud a maior parte do funcionamento mental se passa fora da 
consciência. A consciência e o funcionamento mental são sinônimos. Ela não 
precisa participar e freqüentemente não participa das atividades mentais, que 
são decisivas na determinação do comportamento do indivíduo. (BRENNER 
1975) 
6 
 
 OS IMPULSOS 
 De acordo com Freud citado por Brenner (1975) sabe-se que o autor 
acreditou que algum dia os fenômenos mentais poderiam ser descritos em 
termos de funcionamento cerebral. 
 Um impulso é um constituinte psíquico, geneticamente determinado, 
que, quando em ação, produz um estado de excitação psíquica ou, de 
tensão. Essa excitação ou tensão impele o indivíduo para a atividade, que é 
geneticamente determinada de um modo geral, mas que pode ser 
consideravelmente alterada pela experiência individual. Essa atividade deve 
levar a algo que podemos chamar ora de cessação da excitação ou tensão, 
ou de gratificação. 
 Os impulsos impelem os indivíduos para a atividade, assim como a 
energia física produz a capacidade de produzir trabalho. 
 Freud presumiu que há uma energia psíquica que constitui uma parte 
dos impulsos, ou que de certa forma deriva deles. A analogia entre energia 
psíquica com física tem por intenção servir ao propósito de simplificar e facilitar 
nossa compreensão dos fatos da vida mental. Freud utilizou esta analogia 
falar do quantum de energia psíquica com o qual um objeto ou determinada 
pessoa estão investidos. Para esse conceito, ele usou a palavra Catexia. A 
rigor catexia é a quantidade de energia psíquica que se dirige ou se liga à 
representação mental de uma pessoa ou uma coisa. (BRENNER 1975) 
 O impulso e sua energia são fenômenos puramente intrapsíquicos. A 
energia não pode fluir através do espaço e catexizar ou se ligar a um objeto 
externo diretamente. Quanto maior a catexia, mais importante é o objeto 
psicologicamente falando e vice - versa. 
 As hipóteses de Freudsobre a classificação dos impulsos se modificaram 
no transcurso de três décadas (1890 – 1920): 1- Freud dividiu os impulsos em 
sexual e de auto-conservação; 2 – considerou as manifestações instintivas 
como parte ou derivadas do impulso sexual; 3 – em 1920 ele formulou a teoria 
dos impulsos que de modo geral é aceita pelos analistas. (BRENNER 1975) 
 Nessa última formulação ele propôs que, os aspectos instintivos de nossa 
vida mental, pressupõem a existência de dois impulsos: o sexual e o agressivo. 
O primeiro impulso dá origem ao componente erótico das atividades mentais, 
enquanto que o outro gera o componente puramente destrutivo. 
 Assim, em todas as manifestações instintivas que podemos observar, 
sejam normais ou patológicas, participam ambos o impulso sexual e o 
agressivo. Para empregar a terminologia de Freud, os dois impulsos se 
encontram regularmente fundidos embora não necessariamente em 
quantidades iguais. 
 O impulso agressivo é sinônimo daquilo que chamamos comumente de 
agressividade. O sexual é o desejo de uma relação sexual. 
 A distinção refere-se à existência de duas espécies de energia psíquica: 
aquela que é associada ao impulso sexual e a que se associa ao impulso 
7 
 
agressivo. A primeira tem o nome específico de “libido”. A segunda não possui 
nome específico, embora em certa época tenha sugerido chamá-la 
“destrudo” por analogia a “destruir”. 
 Em sua formulação original Freud apud Brenner (1975) procurou 
relacionar a teoria psicológica dos impulsos com conceitos biológicos mais 
fundamentais, e propôs que os impulsos se denominassem, respectivamente 
impulsos de vida e de morte. Estes impulsos corresponderiam 
aproximadamente aos processos do anabolismo e catabolismo, e teriam um 
significado mais que psicológico. Seriam características instintivas de toda a 
matéria viva. 
 Há analistas que aceitam a existência de um impulso de morte e outros 
não. 
 O impulso sexual ou erótico já está em atividade no bebê, 
influenciando o comportamento e clamando por gratificação, que mais tarde 
produz os desejos sexuais do adulto, com todo o seu sofrimento e êxtase. 
 Existem evidências de desejos e comportamentos sexuais em crianças 
pequenas, que se tornam parte do comportamento sexual do adulto e que se 
subordina e contribui para a excitação e gratificação genitais. 
 Em casos de desenvolvimento anormal um dos interesses ou ações 
torna-se a principal fonte de gratificação sexual adulta. 
 Em seu trabalho intitulado “três ensaios sobre a teoria da sexualidade” 
publicado em 1905, Freud descreve os componentes da sexualidade, assim 
como suas fases. As fases não são tão distintas umas das outras. Na prática 
tendem a se confundir e se superpor. (BRENNER, 1975) 
 No primeiro ano e meio de vida a boca, língua, lábio são os principais 
órgãos sexuais da criança. O que permite dizer que os desejos primeiramente 
são orais. No ano e meio seguintes o torna-se ânus o local mais importante. A 
criança apresenta interesse pela expulsão e retenção das fezes em si. Já no 
terceiro ano de vida os órgãos sexuais começam a assumir papel principal. 
Nesta fase denominada fálica o pênis é o principal objeto de interesse para 
criança de qualquer sexo. Na menina pequena o clitóris é o órgão de 
satisfação e excitação e corresponde embriologicamente ao feminino do 
pênis. Isso pode continuar embora a vagina em geral substitua o clitóris. 
 As três fases citadas acima: oral, anal, fálica penetra na organização 
sexual adulta na puberdade. A fase adulta é conhecida como genital. 
 Existe uma distinção substancial entre a fase Fálica e Genital instituída 
pela capacidade de se chegar ao orgasmo na puberdade. 
 Freud apresenta nesse trabalho outras manifestações do impulso sexual 
como: desejo de olhar; desejo de se exibir; erotismo uretral; sensações 
cutâneas, audição e olfato. Para ele as variações sexuais dentre os indivíduos 
ocorrem em função das diferenças constitucionais e da influência do 
ambiente. (BRENNER, 1975) 
8 
 
 A catexia libidinal de um objeto de uma fase anterior diminui à medida 
que se alcança a fase seguinte. Porém, mesmo diminuída ela persiste depois 
de se tornar estabelecida. 
 
 Existe um percurso, ou uma versão para a libido, perante um objeto ou 
para uma modalidade de gratificação, ou seja a energia que se desprende 
de um objeto gradualmente e catexiza-se no objeto de gratificação ou 
modalidade da fase seguinte. Nenhuma catexia libidinal é completamente 
abandonada. Certa quantia permanece ligada ao objeto original. A 
persistência da catexia libidinal da infância na vida posterior chama-se 
“fixação da libido”. 
 O termo “fixação” indica comumente uma psicopatologia. A fixação 
tanto quanto a um objeto quanto a uma modalidade é em geral 
inconsciente. 
 
 É exato dizer que as lembranças dos interesses libidinais infantis são 
energeticamente barrados de se tornarem conscientes, logo, existe um fluxo 
progressivo da libido. Deve-se pontuar que pode haver também uma 
“regressão”. 
 No inicio do desenvolvimento a criança é extremamente depende o 
auto-erotismo, definido como a capacidade de gratificar suas próprias 
necessidades sexuais, dá a criança, uma “certa”, independência em relação 
ao ambiente. 
 O impulso agressivo foi menos estudado e apenas em 1920, Freud 
considerou esse impulso um componente instintivo independente na vida 
mental. Suas manifestações mostram a mesma capacidade de fixação e 
regressão e a mesma transição: oral, anal e fálica. No bebê são passíveis de 
serem descarregados por um tipo de atividade oral como morder. Mais tarde 
esse impulso se encontra no ato de evacuar ou reter as fezes. Na criança 
maior o pênis e sua atividade são empregados ou concebidos como uma 
arma ou meio de destruição. 
 
 O relacionamento entre o impulso agressivo e as diversas partes do 
corpo que acabamos de mencionar não se encontra tão próximos como no 
impulso sexual. A relação do impulso agressivo com prazer é ainda duvidosa. 
Fato é que os dois estão conectados: A satisfação do impulso agressivo traria 
em si prazer? Em 1920 Freud pensava que não, porém autores mais recentes 
como Hartmann, Kris ou Loewenstein apud Brenner (1975) todos de 1949 
pensam que sim. O termo libido é usado freqüentemente para incluir a 
energia sexual e agressiva. 
 
 
9 
 
 O APARELHO PSÍQUICO 
 
 Conforme o que foi descrito anteriormente é possível perceber que as 
hipóteses fundamentais da psicanálise são descritivas, porém a teoria sobre os 
impulsos é dinâmica. É característica da teoria psicanalítica uma abordagem 
da mente em movimento, dinâmica. Assim, mesmo a divisão da mente em 
várias partes, estabelecida pela psicanálise, assenta-se em uma base 
dinâmica. 
 
 O primeiro modelo do aparelho psíquico, no qual há uma hipótese 
telescópica, ou seja, Freud (1900) descreveu-o como semelhante a um 
instrumento constituído de muitos elementos óticos dispostos de maneira 
consecutiva. Mesmo neste esquema primitivo da mente, vemos que as divisões 
já eram funcionais. Parte do aparelho reagia aos estímulos sensoriais; outra 
intimamente relacionada à primeira produzia, quando ativada, o fenômeno 
da consciência. Outras armazenavam os traços da memória e os reproduziam 
e assim por diante. Era concebida como análoga ao impulso nervoso. Este 
primeiro modelo não tornou a ser elaborado. (BRENNER, 1975) 
 
 Em 1913 Freud fez uma nova tentativa de descrever o aparelho através 
da teoria topográfica. Neste modelo a divisão dos conteúdos da mente 
tinham como base o fato de serem ou não conscientes. Denominou Ics o 
inconsciente; Pcs o pré-conscientee Cs o consciente. Esta divisão parecia ter 
uma base estática e qualitativa. Porém é essencialmente funcional. Existem, 
neste modelo, conteúdos que poderiam ser facilmente acessados – os pré-
conscientes e elementos que só poderiam ser acessados a partir da análise. 
(BRENNER, 1975) 
 
 A hipótese estrutural foi elaborada em 1923. Este modelo procura 
agrupar e distinguir os processos e conteúdos mentais funcionalmente. 
 Assim, cada uma das estruturas mentais é na realidade um grupo de 
conteúdos relacionados entre si funcionalmente. Os três grupos ou estruturas 
são denominados de: ego; id; e superego. 
 O id é constituído pelas representações psíquicas dos impulsos. O ego 
consiste nas funções ligadas às relações do indivíduo com seu ambiente e o 
superego abrange os preceitos morais da mente. Os impulsos estão presentes 
desde o nascimento 
 O ego e o superego se desenvolvem algum tempo depois do 
nascimento. Para Freud apud Brenner (1975) a diferenciação do superego só 
se inicia por volta dos cinco ou seis anos. Só estará firmemente estabelecido 
por volta dos dez ou onze anos. A diferenciação do ego começa por volta dos 
primeiros seis a oito meses de vida estabelecendo-se de modo completo aos 
dois ou três anos. 
 A criança busca gratificação e evita o sofrimento e a aflição. O auto- 
erotismo permite que o próprio corpo proporcione um meio fácil e sempre ao 
alcance de gratificação do id. Como, por exemplo, chupar o dedo. Ambas 
as partes a sugada e a que suga vem a ter grande importância psíquica e 
10 
 
suas representações passam a ocupar lugar nos conteúdos do ego. 
Acrescenta-se o fato de que algumas partes do corpo produzem sensações 
dolorosas e o efeito acumulativo desses fatores desenvolve o ego em sua mais 
tenra idade. 
 Outro processo que tem enorme significação no desenvolvimento do 
ego é a identificação. A identificação é o ato ou processo de se tornar 
semelhante a algo ou a alguém. Pode ocorrer com pessoas com grande 
investimento de catexia; por perda do objeto; ou ainda pelo agressor. Ela 
sempre enriquece o ego quer seja para melhor ou para pior. 
 
 Existem dois processos pelos quais funcionam a mente o primário e o 
secundário. O primeiro refere-se ao funcionamento do id por toda a vida. O 
segundo desenvolve-se gradativa e progressivamente durante os primeiros 
anos de vida. É característico das atividades do ego relativamente maduro. 
 
 No processo primário as catexias do impulso são extremamente móveis. 
Ele apresenta duas características fundamentais: necessidade de gratificação 
imediata e deslocamento fácil de um objeto para outro. O deslocamento 
refere-se à substituição de uma idéia ou imagem por outra a ela ligada por 
associação. O que se desloca é a catexia. 
 
 O processo primário é característico da infância e apresenta ainda as 
seguintes características: ausência de quaisquer conjunções negativas: assim 
podem aparecer posições antagônicas uma após a outra. Podem coexistir, 
pacificamente, idéias, mutuamente, contraditórias. É freqüente a 
representação por alusão ou analogia. Parte de um objeto, lembrança, 
ou idéia, pode ser usada para representar o todo. 
 
 Apresenta, também, como característica a condensação, na qual 
vários pensamentos ou imagens podem ser representados por um só 
pensamento ou imagem. As impressões visuais, ou dos outros sentidos, podem 
substituir uma palavra. É atemporal, ou seja, o presente o passado e o futuro 
são a mesma coisa. Ocorre uma representação simbólica. O predomínio do 
processo primário ou sua atividade exclusiva constituem uma anormalidade 
quando ocorre na vida adulta. 
 O processo secundário é o do pensamento comum, consciente, ou 
seja, primariamente verbal e obedece às leis habituais de sintaxe e lógica. 
Desenvolve–se gradualmente a partir da neutralização do impulso. 
 
 Como resultado da neutralização a energia do impulso ao invés de 
pressionar para descarga imediata torna-se acessível ao ego e fica a sua 
disposição para executar tarefas de acordo com o processo secundário. A 
energia neutralizada é a que foi consideravelmente alterada em seu caráter 
original, sexual ou agressivo. (BRENNER, 1975) 
 Freud referiu-se a este processo inicialmente como dessexualização. 
Posteriormente foi introduzida a palavra desagressificação, mas por questão 
de simplicidade é preferível falar em neutralização. Se a energia do impulso 
não se tornar suficientemente neutralizada, ou se, mais tarde a neutralização 
11 
 
for anulada a energia neutra disponível se re-instintiviza. A desneutralização é 
um aspecto do fenômeno de regressão. (BRENNER, 1975) 
 
 O ego apresenta as seguintes funções: capacidade de domínio sobre o 
ambiente e controle sobre o id. 
 
 A primeira função refere-se à luta com o meio externo e a segunda 
com o próprio id. O domínio sobre o ambiente externo se dá a partir das 
percepções sensoriais; da capacidade de lembrar e das habilidades motoras. 
Estas funções são inter-relacionadas e existe uma, especial, denominado 
prova ou teste de realidade. 
 O teste de realidade refere-se à capacidade do ego de distinguir entre 
os estímulos ou percepções que surgem do mundo externo dos estímulos dos 
impulsos do id. Ela desenvolve-se gradativamente um pouco em 
conseqüência da maturação do sistema nervoso e seus órgãos sensoriais, um 
pouco pelos fatores experenciais. 
 Freud considerava as experiências de frustração como fator mais 
significativo no desenvolvimento do sentido de realidade, já que, o bebê 
aprende que certas coisas do mundo estão fora dele por mais que as deseje e 
que algumas coisas estão nele por mais que as deseje fora dele. Assim 
algumas coisas não estão fora do eu, mas são o eu. A partir destas 
experiências o ego infantil desenvolve a capacidade de analisar a realidade. 
 
 A dependência física do bebê é muito grande e prolongada, o que 
parece refletir a sua dependência psicológica. O bebê depende dos pais 
para obter gratificação. Assim, diante de um conflito entre uma exigência 
materna e o impulso do id o ego toma partido da primeira contra o segundo. 
 
 O desenvolvimento do ego diminui a energia do id sendo que a 
identificação é em grande parte responsável pelo desvio da energia psíquica 
do id para o ego. A gratificação fantasiosa e a ansiedade são fatores que 
contribuem para que o ego consiga “dominar” o id. 
 
 
 Existe uma função fundamental da ansiedade neste processo. A teoria 
original de Freud sobre a ansiedade revelava que esta resultava de uma 
descarga, de um represamento inadequado de libido. A ansiedade era 
concebida como temor patológico. 
 
 Em 1926, Freud publica uma monografia que propunha uma nova 
teoria da ansiedade baseada na hipótese estrutural e na teoria dualista dos 
impulsos. A publicação dos trabalhos denominados: “além do princípio do 
prazer” e „o ego e o id”; mudaram a teoria sobre a ansiedade. 
 
 Freud procurou explicar o lugar da ansiedade na teoria estrutural e sua 
importância na vida psíquica do homem. 
12 
 
 Ele renunciou totalmente a idéia inicial de que a libido não 
descarregada se transforma em ansiedade. Em sua nova teoria relacionou o 
aparecimento da ansiedade com o que denominou situações traumáticas ou 
situações de perigo. A primeira refere-se a uma situação na qual a psique é 
engolfada por uma afluência de estímulos demasiado grande para que os 
possa dominar ou descarregar. Quando isto acontece à ansiedade 
automaticamente se desenvolve. As situações traumáticas são mais 
freqüentes no início da vida e seu protótipoé o nascimento. 
 Na primeira parte da nova teoria da ansiedade Freud apresenta as 
seguintes idéias: a ansiedade desenvolve-se quando a psique é assaltada por 
uma grande quantidade de impulsos e não pode dominá-la ou descarregá-
la; estes estímulos podem ser de origem interna ou externa; quando a 
ansiedade se desenvolve a situação é traumática; o protótipo desta situação 
é o nascimento e finalmente a ansiedade é característica da infância devido 
a imaturidade do ego. 
 
 
 A segunda parte da nova teoria da ansiedade prevê que no decorrer 
do crescimento, a criança pequena aprende a antecipar o advento de uma 
situação traumática e a reagir à mesma com ansiedade antes que se torne 
traumática. A este tipo de ansiedade Freud chamou ansiedade de alarme. Ela 
é função do ego e serve para mobilizar suas forças para enfrentar ou para 
evitar a situação traumática iminente. 
 
 Através da ação do princípio do prazer essa ansiedade de alarme 
permite ao ego controlar ou inibir os impulsos do id, em uma situação de 
perigo. 
 
 Existe um conjunto ou uma seqüência característica de situações 
de perigo na primeira e na última infância, que sobrevive como tal, 
inconscientemente, em maior ou menor grau, por toda a vida. 
 A ansiedade de alarme é uma forma atenuada de ansiedade, que tem 
grande influência no desenvolvimento normal e é característica das 
psiconeuroses. 
 A análise da ansiedade pressupõe que quando o ego se opõe à 
emergência daquele impulso do id, o faz por achá-lo perigoso. O ego produz 
ansiedade como sinal de perigo, conquista assim a ajuda do princípio do 
prazer e se defende do id. A questão é: qual defesa pode o ego oferecer 
contra o id? (BRENNER, 1975) 
 
 Os principais mecanismos de defesa apresentados por Freud são 
apresentados a seguir. 
 
 É preciso considerar que as identificações e as fantasias são utilizadas 
pelos mecanismos de defesa juntas ou separadamente ou em qualquer 
combinação. 
13 
 
 O primeiro mecanismo de defesa reconhecido foi repressão, que 
consiste em barrar da consciência os impulsos indesejáveis sejam eles: desejos, 
lembranças, emoções. O ato da repressão estabelece na mente uma 
oposição entre o ego e o id. Traduzido em catexia do id contracatexia do 
ego. 
 Sobre a repressão é preciso considerar que é um processo que se 
desenvolve inconscientemente. O reprimido torna-se funcionalmente 
separado do ego e passa a fazer parte do id. Isto não quer dizer que a 
repressão transforma um impulso do id em uma parte do mesmo. Quando 
ocorre a repressão o todo é que foi reprimido e em conseqüência, foi 
realmente subtraído algo da organização do ego e acrescentado ao id. 
Cada repressão reduz a eficiência ou a força do ego. 
 
 A Formação reativa é um, outro, mecanismo de defesa por meio do 
qual uma de duas atitudes ambivalentes torna-se inconsciente, e assim 
permanece por uma superacentuação de outra. Exemplo: o prazer da sujeira 
é substituído pela ordem e a limpeza. 
 
 O isolamento, das emoções e de pensamentos, constitui um 
mecanismo de defesa típico de neuroses obsessivas. 
 A anulação consiste em uma ação que tem por finalidade contestar ou 
anular o dano que, inconscientemente, o indivíduo imagina que seus desejos 
podem causar. 
 
 A negação de uma parte da realidade externa desagradável ou 
indesejável quer por uma fantasia de satisfação de desejos, quer pelo 
comportamento, é denominado como mecanismo de defesa negação. 
 A projeção é um, outro, mecanismo de defesa pelo qual o indivíduo 
atribui um desejo ou impulso seu a alguma outra pessoa, ou mesmo, a algum 
objeto não pessoal do mundo externo. 
 A regressão frente a graves conflitos, na qual os desejos podem ser 
abandonados e o indivíduo pode retornar às aspirações e aos desejos da fase 
prévia também constitui um importante mecanismo de defesa. (BRENNER, 
1975) 
 
 Alguns aspectos fundamentais da hipótese estrutural será retomado 
rumo a conclusão desta proposta. 
 Em primeiro lugar é importante esclarecer que, na literatura 
psicanalítica o termo objeto é empregado para designar pessoas ou coisas do 
ambiente externo que são psicologicamente significativas para a vida 
psíquica do indivíduo. Do mesmo modo que, relações de objeto referem-se à 
atitude e ao comportamento do indivíduo para com estes objetos. 
 
14 
 
 Em segundo lugar é importante lembrar que, nos estágios iniciais da 
vida, a criança não percebe os objetos como tais e, só gradativamente, ao 
longo dos primeiros meses de seu desenvolvimento ela aprende a distinguir 
sua própria pessoa dos objetos. O próprio corpo da criança, isto é, seus dedos, 
artelhos e boca são extremamente importantes como fonte de gratificação, 
razão pela qual são altamente catexizados pela libido. A este estado de libido 
auto dirigida Freud, em 1914 denominou narcisismo segundo a lenda grega 
do jovem Narciso que se enamorou de si mesmo.Em geral emprega-se o termo 
para indicar pelo menos três coisas diferentes, embora relacionadas: 1- uma 
hipercatexia do eu; 2 – uma hipercatexia dos objetos do ambiente; 3- uma 
relação patologicamente imatura com estes objetos. 
 
 A libido do objeto deriva da libido narcísica e a ela pode retornar se, 
posteriormente, por qualquer razão o objeto for abandonado. A atitude da 
criança para com os primeiros objetos é uma atitude egocêntrica. A princípio 
a criança só se interessa pelas gratificações que o objeto proporciona, isto é, o 
realizador de suas necessidades. Os primeiros objetos são os que 
chamamos de parciais. Uma das características dessas primeiras relações é a 
ambivalência. Os sentimentos conscientes pelo objeto refletem muitas vezes, 
metade da ambivalência, enquanto a outra metade permanece 
inconsciente. 
 
 Outra característica é o fenômeno da identificação com o objeto. A 
tendência à identificação persiste inconscientemente em todos nós. Se a 
identificação continua a desempenhar um papel dominante na vida adulta 
ela revela um desenvolvimento defeituoso do ego. Os primeiros exemplos 
desse desenvolvimento defeituoso foram denominados de personalidades 
“como se”. Trata-se de pessoas cujas personalidades variavam tal um 
camaleão de acordo com suas relações de objeto. 
 
 Acrescenta-se á definição de objeto e ao narcisismo o fato de que as 
primeiras relações de objeto que até aqui foram caracterizadas são 
chamadas de relações de objeto pré-genitais. 
 As relações de objeto, da fase fálica, que abrangem o complexo 
edipiano são da maior importância tanto para o desenvolvimento mental 
normal quanto para o patológico. (BRENNER, 1975) 
 Freud cedo descobriu que seus clientes apresentavam fantasias 
incestuosas com o genitor do sexo oposto, aliadas a ciúme e à raiva homicida 
contra o genitor do mesmo sexo. A existência de tais desejos na infância e os 
conflitos originados por eles são uma experiência comum a toda a 
humanidade. Assim, o complexo edipiano é uma atitude dupla em relação 
aos dois genitores. O fato mais importante do complexo é a intensidade dos 
sentimentos envolvidos. No começo do período edipiano a criança, menina 
ou menino, mantém com a mãe sua relação de objeto mais forte. 
Paralelamente aos anelos sexuais pela mãe e ao desejo de ser o único objeto 
de seu amor, existem os desejos pelo aniquilamento ou desaparecimento de 
15 
 
quaisquer rivais, geralmente pai e irmãos. Esses desejos despertam conflitos 
graves como o medo do revide, isto é retaliação e perda de amor. A 
retaliação que o menino mais temeé a perda do pênis, ou seja, da castração. 
O menino também odeia a mãe por ter rejeitado seu “amor” e também 
deseja matá-la e ser desejado pelo pai. Assim tanto o desejo masculino como 
feminino despertam ansiedade e este conflito só poderá ser resolvido pela 
renuncia ou pelo controle através de vários mecanismos de defesa. 
 
 No caso da menina a situação é um pouco mais complicada. Ao 
desejar ser como o pai perante a mãe sente-se fracassada e inveja o pênis. A 
raiva direciona-se para mãe e ela volta-se para o pai como objeto de desejo. 
A frustração deste desejo faz com que ela reprima e renuncie ao pai. O 
medo da castração corresponde na menina em primeiro lugar ao ciúme 
“inveja do pênis” e em segundo lugar ao medo da lesão genital ocasionada 
pelo desejo de ser penetrada pelo pai. 
 
 O complexo edipiano tem uma conseqüência específica, que é a 
formação do superego. Ele corresponde às formações morais da 
personalidade que incluem: aprovação ou desaprovação de ações e desejos; 
auto observação e crítica; autopunição; exigência de reparação ou 
arrependimento; auto elogia ou auto estima como recompensa. 
 As funções do superego são em grande parte inconscientes. Os 
precursores do superego existem na fase pré-fálica. Nesta fase a criança trata 
as exigências morais com parte do seu ambiente. No decorrer desta fase as 
coisas começam a mudar e por volta dos cinco ou seis anos a moralidade 
passa a ser mais íntima. 
 À medida que a criança repudia e reprime os desejos incestuosos e 
homicidas as relações com os objetos desses desejos transformam-se em 
identificações com os mesmos. Assim, o superego consiste originalmente nas 
imagens internalizadas dos aspectos morais dos pais na fase fálica ou 
edipiana. 
 Como em grande parte as imagens introjetadas são as do superego dos 
pais, a identificação faz com que o que era catexia do objeto passe a ser 
catexia narcísica. Assim, o superego é herdeiro das relações edipianas e tem 
raízes profundas no id. 
 Acrescenta-se a estes conceitos o fato de que os impulsos diretamente 
incestuosos e homicidas da criança para com os pais não são totalmente 
abandonados. A intensidade dos próprios impulsos hostis da criança é o fator 
determinante da severidade do superego. Desta maneira, a criança cujas 
fantasias foram particularmente violentas e destrutivas terá tendência a sentir 
maior culpa do que aquela cujas fantasias tenham sido menos destrutivas. 
 Depois da fase edipiana o superego determina as atividades defensivas 
do ego contra os impulsos do id. A desaprovação do superego assume assim o 
seu lugar como a última de uma série de situações de perigo às quais o ego 
reage com ansiedade. 
16 
 
 
 As situações de perigo podem ser resumidas em: perda do objeto; 
perda do amor; medo da castração ou lesão genital; e desaprovação do 
superego. A desaprovação ou aprovação do superego tem algumas 
conseqüências conscientes e outras inconscientes: culpa; sentimento de 
inferioridade (na prática são os mesmos); felicidade; auto-satisfação. 
 
 A atividade do superego possui duas características geralmente 
inconscientes na vida adulta que revelam muito claramente sua relação com 
os processos mentais infantis. A primeira é a necessidade de expiação ou 
auto-punição e a segunda a falta de discriminação entre o desejo e a ação. 
 
 O superego surge em conseqüência da introjeção das proibições e 
exortações paternas na fase edipiana e, pelo resto da vida, sua essência 
inconsciente continua sendo a proibição dos desejos sexuais e agressivos do 
complexo edipiano, apesar dos numerosos acréscimos e alterações que sofre 
mais tarde, na infância, na adolescência e mesmo na idade adulta. (BRENNER, 
1975) 
 
 O sonho tem uma grande importância para a psicanálise, não só em 
termos históricos, mas porque é como um caminho para o inconsciente. Ele 
apresenta com clareza o modo do funcionamento psíquico no modelo 
estrutural. 
 Quando alguém sonha o que aparece á consciência é apenas o 
resultado final de uma atividade mental inconsciente durante o processo 
fisiológico que por sua natureza ou intensidade ameaça interferir com o 
próprio sono. 
 O conteúdo consciente é conhecido como manifesto. Trata-se de uma 
imagem e é uma fantasia que simboliza o desejo ou o impulso. Ele é uma 
formação de compromisso do ego entre o id e o superego. O conteúdo 
inconsciente é denominado de latente e refere-se a um desejo ou impulso. 
 No processo de elaboração dos sonhos existem dois fatores principais. A 
tradução para a linguagem do processo primário por meio da condensação 
e do deslocamento e as atividades defensivas do ego, denominada de 
censor onírico. O processo secundário torna o sonho inteligível. Desvendando 
o sonho contado pode-se compreender a psicodinâmica individual. 
(BRENNER, 1975) 
 
 
17 
 
 PSICOPATOLOGIA 
 As teorias psicanalíticas referentes às perturbações mentais 
modificaram-se e desenvolveram-se desde o início da psicanálise até os dias 
atuais. 
 No início foi introduzido o termo demência precoce para alguns casos 
que hoje conhecemos como psicose. A Neurastenia foi a denominação 
favorita para a maioria das enfermidades. 
 Charcot havia demonstrado que os sintomas histéricos poderiam ser 
eliminados ou introduzidos pela hipnose. Nesta época considerava-se que a 
constituição neuropática era a principal causa de toda enfermidade mental. 
 É neste contexto que Freud concluiu que os sintomas histéricos eram 
causados por lembranças inconscientes de acontecimentos acompanhados 
de intensas emoções que por uma ou outra razão não puderam ser 
adequadamente expressas ou descarregadas no momento do 
acontecimento real. Enquanto as emoções permanecessem impedidas de se 
manifestarem de maneira normal, persistiriam os sintomas histéricos. Assim a 
histeria era causada por traumas psíquicos. 
 
 A etiologia para os neurastênicos era totalmente diferente da histeria, já 
que Freud inicialmente considerou que ela era devido às práticas sexuais anti-
higiênicas. Tais práticas eram de duas espécies: a masturbação excessiva ou 
poluções noturnas e a excitação sexual excessiva sem uma descarga ou 
vazão adequada. Para ele estas práticas produziam estados de ansiedade e 
foram chamados de portadores de neurose de angústia. 
 
 A neurastenia e as neuroses de angústia foram agrupadas como 
neuroses atuais. Em contraste com a histeria e a neurose obsessiva. As 
classificações sugeridas por Freud baseavam-se na etiologia e não na 
sintomatologia. Assim, Freud procurava aperfeiçoar a classificação descritiva, 
agrupando as neuroses por causa comum, ou pelo menos ao mesmo 
mecanismo subjacente. 
 
 As categorias das psiconeuroses foram ampliadas e modificadas. A 
primeira alteração foi devido ao reconhecimento do conflito psíquico na 
produção dos sintomas psiconeuróticos. Na histeria e nas neuroses obsessivas 
os sintomas eram causados por um acontecimento esquecido do passado. 
Assim, uma experiência ou acontecimento psíquico deve ter repugnado o 
ego a tal ponto que este buscou se defender. 
 
 Freud considerava esta formulação válida para a histeria, para as 
neuroses obsessivas e para as fobias e propôs o agrupamento em 
“neuropsicoses de defesa”. 
 Outra contribuição da psicanálise resultou do fato de que em busca do 
acontecimento patogênico esquecido ele iria parar inevitavelmente na 
infância. Freud sugeriu que se o paciente tivesse tomado parte da sedução 
18 
 
infantil ele teria como resultado sintomas obsessivos e se fosse a criança 
tivesse sido passiva à sedução o indivíduo teria sintomas histéricos.A idéia de que as psiconeuroses da vida adulta tiveram uma raiz na 
infância tornou-se a pedra angular da psicanálise. Posteriormente, Freud 
descobre que as vivências traumáticas eram muitas vezes fantasias dos 
pacientes. Porém a descoberta da sexualidade infantil tornou-se fundamental 
para a compreensão do desenvolvimento humano. Desta maneira ele pode 
propor no desenvolvimento humano, certos componentes da sexualidade são 
reprimidos, enquanto outros são integrados a sexualidade após a puberdade. 
 No desenvolvimento dos psiconeuróticos a repressão era excessiva, na 
vida adulta ela falhava, deixando escapar, pelo menos em parte os impulsos 
sexuais infantis, que determinavam os sintomas neuróticos. Assim a repressão e 
os mecanismos de defesa assumem características fundamentais tanto no 
desenvolvimento normal como no neurótico. (BRENNER, 1975) 
 Resumidamente: o impulso reprimido escapa da repressão para formar 
um sintoma. O sintoma fica semelhante à formulação do escape do impulso 
no sonho. O sintoma assim como os sonhos manifestos são formações de 
compromisso entre um ou mais impulsos reprimidos e as forças do ego para 
impedir sua entrada na consciência. Finalmente pode-se concluir que os 
sintomas e os sonhos manifestos possuem um significado. A diferença entre o 
normal e o patológico é quantitativa e não qualitativa. 
 Tais considerações foram ampliadas e modificadas e atualmente pode-
se dizer que as perturbações mentais podem ser mais bem compreendidas e 
formuladas como evidência do mau funcionamento do aparelho psíquico em 
grau e maneira diversos. Freud concluiu que na histeria e nas neuropsicoses de 
defesa ocorre um conflito entre o ego e o id durante a primeira infância de 
maneira muito característica, durante a fase edipiana ou pré-edipiana. O 
conflito é resolvido pelo ego no sentido de que este é capaz de instruir algum 
método estável e eficaz de dominar os perigosos derivativos dos impulsos em 
questão. Este método implica em defesas e alterações do ego, como 
identificações, restrições, sublimações e talvez, regressão. Este equilíbrio pode 
ser alterado e o ego se torna incapaz de prosseguir controlando os impulsos. O 
ego torna-se enfraquecido. A falha nas defesas do ego pode levar a 
formação de compromisso. Este compromisso inconscientemente expressa 
tanto o derivativo do impulso como a reação de defesa, de medo ou de 
culpa do ego contra o perigo representado pela brecha parcial aberta pelos 
impulsos. Esta formação de compromisso é chamada de sintoma neurótico ou 
psiconeurótico e é grandemente em parte similar ao sonho manifesto. O 
sintoma tem assim um ganho primário. Uma vez formado o sintoma o ego 
pode descobrir vantagens que o sintoma pode trazer, ou seja, um ganho 
secundário. (BRENNER, 1975) 
 Existem formações de compromisso oriundas de um malogro em 
estabelecer um controle sobre os impulsos, que decorre de uma fragilidade do 
ego que não são nem inconscientes nem desagradáveis. As mais graves 
correspondem às perversões sexuais e as toxicomanias. Freud afirmava, por 
isso que as perversões eram o inverso das neuroses. 
19 
 
PERVERSÃO 
 
 Conforme descrito por Mendes 1996 para compreender a perversão de 
forma mais ampla é preciso retomar a estória de Édipo. Assim a autora 
descreve: 
 “A lenda grega do rei Édipo conta que um herói, sem proceder intencionalmente, 
mata seu pai e toma a mãe como esposa. Édipo conhecia a lei que proibia esta ação 
e o vaticínio de quem a transgredia. Abandonou Tebas, para não fazê-lo. Porém, uma 
maldição familiar obrigou-o a transgredir, embora não fizesse conscientemente. 
Isso o tornou um símbolo do desejo da transgressão. Quando Édipo 
conscientiza-se do que fez, culpa-se e recorre à auto-punição. 
Assim, Édipo, sem saber, apaixonado pela mãe e odiando o pai, 
representa nossos desejos inconscientes de amor e ódio, que tornam-se, 
posteriormente, pilares desconhecidos de nossa conduta. A obra de arte dramatiza, 
assim, os limites culturais impostos aos humanos, como foi apresentado em Totem e 
tabu (Freud, 1913). 
Em O mal estar da civilização (1930), Freud supõe que, quando o 
homem abre mão dos desejos incestuosos, constrói a civilização, existindo um 
antagonismo entre as exigências pulsionais e as restrições da civilização. 
Os primórdios da religião, da moral e da sociedade estão associados ao complexo de 
Édipo 
“conjunto organizador de desejos amorosos e hostis que a 
criança sente em relação aos pais.” (Laplanche e Pontalis, 1991 
citado por Mendes). 
 
“a ausência da satisfação esperada, a negação continuada 
do bebê desejado, devem, ao final, levar o pequeno amante 
a voltar as costas ao seu anseio sem esperança. Assim, o 
complexo de Édipo se encaminharia para a destruição por sua 
falta de sucesso, pelos efeitos de sua impossibilidade” (Freud, 
1924, p.217). 
 
 Esta é, contudo, uma das maneiras levantadas por Freud para a dissolução do 
complexo, pois ele afirma que o fundamental é a compreensão de que o 
desenvolvimento sexual da criança evolui até uma fase em que o único órgão genital 
é o masculino. Este é o tema discutido em A organização genital infantil: uma 
interpolação na teoriada sexualidade (1923), pois é durante o desenvolvimento infantil 
que ocorre uma organização da sexualidade para assumir sua forma definitiva no 
adulto. Assim, na fase pré-genital, em princípio, não existe a questão de masculino e 
feminino, posteriormente existe a masculinidade e apenas após a puberdade é que 
ocorre uma escolha entre o masculino e o feminino. 
20 
 
Destas considerações sobre as diferenças que o Édipo feminino 
apresenta em relação ao complexo de castração, Freud (1931) apresenta o estudo A 
sexualidade feminina. Assim, ele considera que o primeiro objeto de desejo da 
menina, assim como o do menino, é a mãe. Frente ao complexo de Édipo, ela se 
afasta da mãe e aproxima-se do pai, que se transforma em seu objeto de amor. 
Posteriormente, ela deverá livrar-se do pai e encontrar sua escolha final de objeto de 
desejo. 
Quando se depara com a castração, a menina rebela-se, nascendo 
desta atitude três possíveis linhas de desenvolvimento. Na primeira, ocorre um 
afastamento da sexualidade; na segunda, uma auto afirmação de sua masculinidade 
na terceira linha, é que a mulher atingirá a atitude feminina. Em 1933, Freud considera 
que a constituição física feminina não se submete a esta função sem luta. Na fase 
fálica, o clitóris constitui a principal zona erógena das meninas e deve ceder, 
posteriormente, sua importância e sensibilidade à vagina. Assim, na situação de Édipo, 
a menina se afasta da mãe em busca do pai, objeto de amor que deverá ser 
substituído caso atinja um percurso normal de desenvolvimento. A identificação com a 
mãe apresenta duas fases: a que consiste no apego a esta figura, tomando-a como 
modelo e, aquela em que deseja livrar-se da mãe, para tomar seu lugar junto ao pai. 
A representação do núcleo organizador da personalidade humana 
apresenta, em ambos os casos, um aspecto fundamental relacionado aos 
mecanismos mobilizados frente a fantasia de castração. A maneira como o Édipo se 
instala em cada um dos sexos difere, porém, como organizador da personalidade em 
termos de escolha e identificações, não apresenta diferenças, quer seja no menino, 
quer seja na menina. Na obra Freud: a trama dos conceitos, Mezan (1982) descreve 
estes fatos através da existência de tortuosas vias, nas quais o Édipo se instala em 
cada um dos dois sexos. No menino, surge em um jogo de identificação e escolha de 
objeto, para, depois, ser dissolvido pela castração imaginada; na menina, a castração 
introduz o Édipo e confunde as identificações e escolhasde objeto, invertendo estas e 
fazendo surgir aquelas. Nos dois casos, o Édipo é um núcleo decisivo para a 
constituição da personalidade do sujeito, pois, segundo este autor, ele funciona como 
princípio transcendental independente dos conteúdos empíricos válidos para o 
homem e para a mulher. Após ser dissolvido o complexo de Édipo, tal princípio 
sobrevive no superego. 
Na versão edípica inserem-se, desta maneira, a interdição e a 
transgressão. A interdição relaciona-se com a identidade sexual e a transgressão, com 
as perversões. A interdição da escolha incestuosa obriga os humanos a optarem por 
21 
 
uma sexualidade, masculina ou feminina, com acesso à genitalidade pela via da 
identificação. 
O desvio do alvo original não significa apenas uma outra via de direção 
que conduz ao prazer, mas também várias formas de deslocamentos que podem 
levar a satisfações parciais. 
Na prática, a perversão indica necessidades de ordem vital de 
complexos mecanismos psicológicos, que, em muitos casos, apresentam-se com 
finalidades aparentemente deslocadas do campo da sexualidade. 
O conceito de pulsão é essencial para a compreensão da vida mental 
em seus aspectos relacionados com a perversão. Nos Três ensaios sobre a teoria da 
sexualidade (1905), Freud conceitua perversão como relacionada às atividades 
sexuais, ou seja 
“o conjunto do comportamento psicossexual que acompanha 
atipias na obtenção do prazer sexual.” (Laplanche & Pontalis, 
1991). 
 
O estudo sobre a perversão levou à formulação do conceito de pulsão 
parcial e de todo um desenvolvimento psicossexual a partir da sexualidade infantil. Os 
componentes pulsionais sexuais durante o desenvolvimento, em princípio autônomos, 
organizam-se, secundariamente, em torno da primazia dos genitais. As pulsões parciais 
podem ainda persistir como tendências perversas no ato sexual normal, sob a forma 
do prazer preliminar. 
Para Dor (1991), a familiaridade do processo sexual perverso com o 
processo sexual normal, descrita neste estudo, permite um distanciamento das 
concepções clássicas sobre perversão. Assim, o conceito anterior de desvio a uma 
norma existente insere-se, para Freud, na própria norma. 
Em concordância com este autor, o artigo de Minerbo (1994) ressalta 
que o conceito de pulsão é essencial para a compreensão da vida mental em seus 
aspectos relacionados com a perversão, pois permite a compreensão de que a 
sexualidade, apesar de ancorada no biológico, é também uma aquisição cultural. 
Desta maneira, objeto e objetivo são construídos na subjetividade. Tais considerações 
implicam a concepção de que a sexualidade é um desvio e 
“a realidade é sempre construída pelo desejo e não apenas na 
perversão.” (Minerbo, A perversão como modo de vida, 1994, 
p.25). 
 
22 
 
Assim, o estudo do inconsciente da perversão não pode ser afastado 
da realidade que é produzida por este inconsciente. É nesta medida que os 
mecanismos psicológicos associados à perversão podem ser identificados na maneira 
como se constrói a realidade para cada um de nós. 
Um conceito fundamental para o entendimento das perversões, 
enquanto processo psíquico, insere-se na questão do complexo de castração. A 
disposição diante deste complexo, dentro do âmbito da perversão, é descrita por 
Freud (1940) em seu estudo Clivagem do ego no processo de defesa, onde ele relata 
um caso de fetichismo em que uma divisão do ego surge como uma defesa. Ele relata 
uma situação em que existia uma forte exigência pulsional, que freqüentemente era 
satisfeita, acrescentando-se, então, uma necessidade de abandonar tal satisfação 
pela existência de um perigo real. Com isso, o ego precisa decidir-se entre reconhecer 
o perigo e renunciar a satisfação pulsional ou ignorar a realidade, convencendo-se de 
que não há o que temer e manter a satisfação. Diante deste conflito, o ego assume 
duas reações contraditórias, pois, com o auxílio de alguns mecanismos, consegue por 
um lado manter a satisfação e simultaneamente reconhecer o perigo da realidade e 
tentar escapar do medo. 
 Assim é que, para Minerbo (1994), a recusa frente a castração constitui 
um mecanismo psíquico como o recalque, porém, diferencia-se deste por incidir sobre 
a realidade externa, ou seja, na ordem cultural e não sobre a realidade da vida de 
fantasia do sujeito. A autora entende, ainda, que a ordem cultural se fundamenta 
sobre a proibição ao incesto, pela ameaça da castração, enfim, pela Lei, universo 
que é recusado pelo perverso. Ela constata que a recusa é a do universo genital, que 
implica em diferenciação entre os sexos que se alia à necessidade de provar a 
superioridade através da produção de um mundo próprio. 
Em termos teóricos, o desenvolvimento psicológico revela movimentos 
em espiral mesclados por evoluções e involuções. Trata-se, porém, em termos lineares, 
de uma longa batalha do confronto entre desejo e realidade, entre desejo e limite. A 
lenda sobre o rei Édipo surge, então, como uma dramatização do percurso em que, 
para Freud, ocorrem escolhas, tanto com relação ao desejo como com relação à 
identificação. Este não é, portanto, um percurso tranqüilo, pois, para cada um de nós, 
a trama é vivida e revivida a cada momento. Um caminho marcado por, 
transgressões e impulsos destrutivos e amorosos” ( MENDES 1996) 
 
 
 
23 
 
ESTUDO DE CASO 
O caso descrito neste capítulo foi retirado do trabalho 
apresentado por Mendes 1996 
“Flávio é o primeiro de dois filhos. Mora com a mãe e o irmão, um 
ano mais novo que ele. Seus pais são separados, desde que Flávio tinha dois 
anos. A partir desta separação, Flávio teve pouquíssimos contatos com o pai, 
que está gravemente doente, em conseqüência do uso abusivo de bebidas 
alcoólicas. 
Atualmente, Flávio tem vinte e um anos, é solteiro e relatou um 
namoro que mantém há oito meses. Esta é uma situação nova para ele, pois 
seus namoros foram sempre muito efêmeros e normalmente com mulheres de 
idade muito superior. 
Trabalha na mesma empresa, desde os quinze anos, disse não 
estar satisfeito com seu salário e que seu trabalho não é financeiramente 
reconhecido. 
De acordo com o prontuário do DETRAN, sua carteira de 
habilitação foi apreendida por homicídio culposo, isto é, por ter provocado 
um acidente grave, no qual uma pessoa veio a falecer. 
Flávio informou que o processo criminal ainda está em 
andamento e que está sem a carteira há alguns meses, pretendendo 
recuperá-la quando o processo terminar. 
Flávio foi convidado a participar deste estudo diante da sugestão 
do policial que se encontrava na sala de aula do curso de Reciclagem. Após 
esta sugestão, que foi feita em sua presença, Flávio levantou os olhos em 
nossa direção e disse em tom de brincadeira: “eu já sabia”. Formalizamos o 
convite e Flávio forneceu-nos seu telefone. 
O policial informou, posteriormente, que havia sugerido o nome 
de Flávio por considerá-lo bem educado e comentou que ele ficava bastante 
quieto durante toda a aula. 
Flávio é um jovem de físico frágil. O seu modo de vestir e o corte 
de cabelo contrastam com sua fragilidade, conferindo-lhe uma aparência 
mais fortalecida. 
As entrevistas foram marcadas por telefone e Flávio pediu-nos 
para ir em seu local de trabalho no horário de almoço, pois, assim, poderíamos 
realizar a entrevista em uma sala de reunião, sem sermos incomodados. 
Chegamos no horário que havíamos marcado e Flávio estava nos esperando 
para poder autorizar nossa entrada no prédio. 
Em geral, Flávio falava pausado e procurando manter sempre o 
mesmo tom de voz, o que acentuava sua formalidade. Esta atitude não se 
modificou durante as entrevistas, sendo apenas possível perceber uma falaem tom mais baixo, quando relatou sobre o acidente e a pessoa que faleceu, 
porém, logo aumentava o tom de voz, parecendo que queria esconder seus 
sentimentos e mostrar-se indiferente. 
Flávio inicia a entrevista, dizendo que ele é calmo e, em seguida, 
fala sobre seu estudo e seu trabalho. Ele procurava descrever seu trabalho 
24 
 
detalhadamente, como se falar sobre o que ele faz fosse mais fácil do que 
falar como ele é. Em vários momentos da entrevista, ficava em silêncio e, 
depois, comentava que era difícil falar sobre si mesmo. Descrevia suas 
atividades em ordem cronológica e, quando falou do horário de almoço, disse 
que normalmente não tinha tempo para almoçar, porque estudava neste 
horário e, também, pelo curso de Reciclagem. 
Ele procurava responsabilizar o estudo e o DETRAN por ficar sem 
almoçar. Primeiro, ele diz que não iria almoçar e, em seguida, diz que irá 
depois e convida a entrevistadora para ir com ele. Assim, parecia mostrar que 
estava procurando uma maneira de se aproximar da nossa pessoa. 
“Eu sou calmo, estudando na FAAP. (...) Trabalho das 
nove até seis e meia. Fico fora o dia inteiro. (...) Almoço... 
não tenho horário de almoço, não tem dado tempo, um 
pouco por causa do DETRAN, por ter apreendido minha 
carteira, um pouco, porque eu estudo na hora do 
almoço. (...) Você fica trabalhando desde as nove horas 
da manhã até meio dia e meia e sai para almoçar, mas 
hoje eu não vou almoçar... porque eu vou depois, aliás 
eu te convido, se você quiser ir almoçar depois a gente 
vai”. 
 
Após descrever objetivamente seu trabalho, Flávio depara-se 
com o falar sobre si mesmo. Desvia de assunto, falando sobre o jeito de olhar 
da entrevistadora, como se este fosse uma ameaça, pois, para ele, nosso olhar 
era “terrível”. Esta, porém, é uma projeção de ameaça que ele utiliza em suas 
relações, pois relata uma situação em que deixou uma pessoa nervosa e sem 
jeito por utilizar um olhar que ele imagina ser “igual ao nosso”. Assim, ele 
parece se considerar “terrível”, ou melhor, com um olhar terrível, com o qual 
procura desviar o nosso interesse sobre aquilo que ele imagina que queremos 
saber sobre ele. Como se ele tivesse algo terrível para esconder. 
Ele descreve uma situação em que disse para uma pessoa que 
era estudante de psicologia e que olhava para ela com o mesmo olhar 
“terrível”. Na relação de olhares perigosos, ele introduz um terceiro elemento, 
que, no caso da entrevista, é um roteiro. Assim, ele nos pergunta se não existe 
um roteiro de perguntas para ele responder. 
“Este olhar de psicóloga... é terrível.- Terrível? 
- Não. É que para algumas pessoas deixa encabulado. 
- E, para você? 
- Não, para mim não. Porque outro dia eu fiz esta 
experiência com uma menina que eu conheci: eu falei 
que estava fazendo psicologia e a gente estava 
conversando e eu olhava para ela com este olhar aí. Ela 
falava para eu parar de olhar para ela daquele jeito. Ela 
ficou meio nervosa e as pessoas ficam meio sem jeito. 
Para mim, não faz diferença. Você não segue um roteiro? 
- Não.” 
25 
 
 
Ele procura saber qual é o roteiro da entrevista, para saber sobre 
o que queremos saber sobre ele. Diante do desconforto que parecia sentir 
com o fato da entrevista não ter um roteiro pré-estabelecido, ele procura 
inverter de posição conosco, passando de entrevistado para entrevistador. A 
pergunta que nos faz nesta posição é sobre o casamento da pesquisadora. 
Assim, perguntava de uma forma invasiva sobre a vida pessoal da 
pesquisadora. 
Quando procuro mostrar esta inversão, Flávio reage dizendo que 
não vai mais falar e vai anular suas perguntas, como se esperando uma 
reação da nossa parte. Ele dava a impressão que, na entrevista, deveria ter 
uma troca, ou seja, para saber sobre ele, deveríamos falar sobre a 
entrevistadora, caso contrário, ele não falaria mais. Esta era, porém, uma 
ameaça infantil, como em um jogo, que, quando a criança não consegue 
obter o que deseja, diz que não vai mais brincar, mas isto é apenas uma 
tentativa de manipular a situação a seu favor, pois, na verdade, continua 
participando do jogo. 
Ele procura, desta maneira, fazer da entrevista uma conversa, 
alterando, assim, a regra da entrevista, em que a proposta é saber sobre ele, 
para uma outra regra, imposta por ele, em que haja uma troca de 
informações entre as pessoas, ou seja, em uma conversa. 
“Se você tiver alguma pergunta... Vamos passar de 
entrevistado para entrevistador: Casada a quanto 
tempo? 
- Você tem perguntas. 
- Curiosidades. Por que o curso de psicologia? 
- Pelo jeito você tem um roteiro. 
- (...) Eu não costumo fazer roteiro. 
- A impressão que você me dá é que como a proposta é 
te conhecer, você quer... 
- Quero te conhecer um pouco também. 
- É como se você quisesse... 
- Não é em troca. É... é só uma curiosidade, curiosidade 
de conhecer outras pessoas. (...) Só curiosidade mesmo 
eu não vou fazer um roteiro de perguntas. Eu vou anular 
as minhas perguntas. Pronto, não falo mais... não faço 
mais nenhuma.” 
 
Para Flávio, as relações interpessoais parecem estar baseadas 
em trocas. A entrevista, assim como a vida, é um jogo igual o xadrez. Para 
vencer, ele precisa conhecer o desejo do outro e a sua estratégia, 
provavelmente, para poder controlar a situação, caso contrário, ele se sente 
perdido. Assim, ele não sabe mais falar, quando sabe que o assunto é ele. A 
26 
 
sensação é de que as relações devam ser transformadas em algo que não 
pode ser levado a sério e que não exista nem sentimentos, nem compromissos. 
“Se você tiver alguma coisa para perguntar... Assim, eu 
fico meio perdido, eu não sei que rumo você quer tomar 
na sua entrevista. 
- Sua entrevista, pois é sobre você. 
- É sobre mim. Muito bom. Interessante. Não sei o que 
falar mais.” 
 
Diante da constatação de que não existe um roteiro para 
entrevista, Flávio assume a posição de nosso porta voz, dizendo o que 
queremos saber sobre ele. Desta maneira, ele diz que queremos saber sobre 
sua vida escolar, sobre o acidente etc. Ele afirma que nós queremos obter 
com a entrevista algum material para o curso de mestrado. Demonstrava, 
assim, que diante da falta de conhecimento sobre o que queríamos, ele se 
apodera de um saber que parecia ter como função tranqüilizá-lo. A regra é a 
troca e inteirar-se sobre nossos objetivos com a entrevista lhe traz alívio, ou 
seja, ele não precisa mais ficar tão perseguido. 
“O que você quer mais que eu fale. (...) Bom, você quer 
que eu fale dos colégios. (...) Você está me 
entrevistando, mas qual é a troca que você vai ter. Você, 
ah... o mestrado”. 
 
No final da segunda entrevista, Flávio diz que, em seus 
relacionamentos amorosos, prefere mulheres com idade bem superior à sua. 
Em seguida, diz que isto não está relacionado ao fato de ter nos convidado 
para almoçar. Assim, fazia uma relação pela negativa. A impressão que ele 
nos dava é a de que aceitava participar da entrevista, desde que se 
submetesse a sua maneira de jogar, ou seja, a troca de uma proposta de 
conhecimento que ele sente como perigosa, pois não sabe aonde irá levá-lo, 
por um jogo de sedução, em que ele pensa ter o domínio da situação. Neste 
jogo, o que ele teria em troca seria uma relação fantasiada com uma mulher 
com idade superior à sua. 
“queda por mulheres mais velhas (...) eu não vou negar 
que com uma mulher bem mais velha é uma 
experiência... uma experiência super nova, super 
interessante, eu gostei bastante (...) Nada a ver sobre o 
almoço... excluindo isto... problema profissional...” 
 
O pai aparece, em seu relato, através do discurso materno, 
transformando-se em um conteúdomental dela e não concebido como 
pessoa. É pela mãe que Flávio sabe que o pai bebia e era agressivo, motivo 
pelo qual sua mãe quis separar-se. Flávio diz não ter recordações da 
agressividade do pai, mas sabe, pela mãe, que ele nunca bateu nos filhos. A 
27 
 
única lembrança que Flávio relatou ter desta época apresenta características 
agressivas, em que o pai, fragilizado pela bebida, acaba por se machucar. 
O pai é, assim, concebido como agressivo e lembrado como 
fraco. Flávio parece só encontrar aspectos negativos relacionados à figura 
paterna. Porém, devido à proteção materna, esta agressividade não o atinge. 
O pai é, então, uma responsabilidade da mãe, criação mental sua e, 
portanto, ele o deixa de lado. 
“Eles se separaram, porque ele bebia, ele era alcoólatra 
e... isto a minha mãe que contou que quase todo dia ele 
chegava bêbado em casa. Eu não tenho recordações 
disto a não ser de um lance que... ele chegou a cair da 
escada, porque estava bêbado. Ele caiu da escada, 
estava bêbado e... ele costumava bater na minha mãe. 
Na gente, ele nunca bateu, porque ela nunca deixou”. 
 
Flávio só sabe do pai aquilo que é dito pela mãe, pois, na 
verdade, para ele, é um desconhecido, uma figura ausente. 
O fato dele ser alcoolista parece resumir tudo o que ele sabe 
sobre o pai. Assim, o relato sobre o encontro que ele tem com o pai fica 
restrito ao estar ou não alcoolizado. 
Flávio distancia-se do pai tanto objetiva como afetivamente. 
Assim, ele não se importa com o pai, uma figura que, para ele, está morta e 
que assume proporções não humanas, pois o pai “grunhe”. 
“eu cheguei a encontrar no dia dos pais. A minha mãe 
perguntou: vocês querem ver o seu pai? 
A gente falou: queremos. Queremos ver como é que ele 
é, a gente não conhecia, depois que já tinha uma certa 
idade. Então... Ah... A gente encontrou ele no dia dos 
pais e ele estava bem, não tinha bebido nada... mas a 
gente sabia que ele continuava bebendo. (...) Ele está 
em uma cama. Ele não consegue falar. Ele gesticula, ele 
fala... grunhe, fica grunhindo o tempo todo. (...) Está na 
cama, praticamente morto, quase uma vida vegetal. (...) 
Eu nunca me importei muito com o meu pai. Eu não sei 
porquê, sempre deixei de lado”. 
 
A mãe possui, para Flávio, a função de saber sobre o seu desejo 
e saber como ele é. Assim, ele é quieto, porque sua mãe diz, ele quer 
conhecer o pai, porque sua mãe diz que ele quer, ele sabe do seu pai, porque 
sua mãe lhe conta. Isto remete a dois aspectos. O primeiro é que Flávio só 
sabe de si, através da figura feminina. O segundo é que a mãe não existe, 
enquanto pessoa, mas, sim, como um espelho que ele necessita para poder 
ver a si mesmo, seus desejos e a figura do pai. 
“Desde criança eu sou quieto, ainda não fiz uma 
avaliação a respeito disto. A minha mãe fala que... (...) 
28 
 
Ah... eu era muito calmo, sempre fui. (...) (minha mãe) 
Pediu o divórcio e acabou. O que aconteceu, depois de 
uns anos, eu cheguei a encontrar no dia dos pais. A 
minha mãe perguntou: vocês querem ver o seu pai? 
A gente falou: queremos. Queremos ver como é que ele 
é, a gente não conhecia depois que já tinha uma certa 
idade. (...) Ele era alcoólatra e... isto a minha mãe que 
contou.” 
 
Para Flávio, a figura materna é protetora e capaz de prover a 
ausência paterna. Enfim, a figura materna parece existir apenas em sua 
função: como uma criança pequena que possui a ilusão de que a mãe sabe 
de todas as suas necessidades e que é capaz de supri-las. 
“Na gente ele nunca bateu, porque ela (a mãe) nunca 
deixou. (...) De lá para cá, a figura paterna tem ficado 
ausente, quem tem feito este trabalho é a minha mãe”. 
 
O irmão é percebido por Flávio de uma maneira ambivalente, 
pois diz que gosta do irmão, com quem se relaciona bem, mas agradece a 
Deus por ter só um irmão. 
Flávio relata uma relação prazerosa com o irmão, até o 
momento em que este começa a namorar. Assim, a relação com o irmão 
parece necessitar de uma certa exclusividade. 
A ausência do pai é sentida pelo irmão e Flávio diz que consegue 
perceber isto. Quando perguntamos como ele percebe isto, Flávio não 
consegue responder, apenas diz que como uma figura paterna masculina. 
Flávio parece falar sobre o sentimento do irmão sem ter argumentos para isto. 
Desta forma, é como se ele conhecesse o sentimento do irmão a partir de um 
referencial interno que fica deslocado. Seu irmão surge, assim, como uma via 
de acesso para falar sobre a falta do pai. 
“Ele é um ano e quinze dias mais novo. Então, a gente se 
dá bem, estamos na mesma faixa de idade. Eu sou o 
primeiro filho e são só dois, graças a Deus. (...) A gente sai 
bastante, eu saio bastante com meu irmão. Agora não, 
porque ele está namorando. (...) Eu nunca me importei 
muito com o meu pai. Eu não sei porquê, sempre deixei 
de lado. Meu irmão sente muito mais falta e isto dá para 
perceber. 
- Como você sabe que ele sente? 
- Como uma figura paterna masculina”. 
 
Uma das poucas lembranças de infância relatadas por Flávio 
refere-se ao seu irmão. Ele lembra que esconde o irmão dentro de uma 
máquina de lavar roupa e parecia se divertir enquanto sua mãe o procurava. 
29 
 
O aspecto do risco que seu irmão corria nesta situação não foi sequer 
mencionado. Ele parecia manter a mesma atitude infantil diante deste 
episódio, pois não reconhece nem perigos nem a agressividade implícita em 
seu relato. 
“Memórias de criança. (...) Fato que eu lembro é... que 
estava brincando com meu irmão, quando era criança e 
meu irmão queria olhar dentro da máquina de lavar, 
queria subir lá. Aí eu fui ajudar ele, aí ele falou: empurra. E 
eu empurrei e ele caiu dentro da máquina, só que estava 
vazia e estava desligada. Ele dormiu lá dentro, a minha 
mãe ficou feito louca, procurando ele dentro de casa e 
eu falava que eu não sei onde que está, e ele estava 
dentro da máquina. Aí, uma hora que ela foi por roupa 
dentro da máquina, ela levantou e viu que ele estava lá”. 
 
Flávio diz que para ele a vida é como um jogo. Um jogo como o 
xadrez, que envolve estratégia e o conhecimento das regras para poder sair 
vencedor. Esta parece ter sido uma forma que Flávio encontrou para não 
levar sua vida a sério. Uma maneira de se relacionar que garanta 
distanciamento dos próprios sentimentos e, acima de tudo, uma maneira de 
fazer prevalecer a sua forma de ser. 
Neste jogo a dois, é fundamental conhecer o desejo do 
adversário, pois é a partir deste conhecimento que ele pode chegar a vencer, 
mesmo que tenha que perder algumas “peças” importantes. 
“Falar de xadrez quer dizer falar de você mesmo. Eu acho 
que é. No começo, como qualquer coisa que você faz, 
você tem que ter um plano e se a pessoa faz um lance, 
você tem que analisar este lance e ver o que ela vai 
querer até o final da partida. Qual vai ser a troca que ela 
vai querer, existe uma troca em tudo. (...) Você vai trocar 
peças e vai tentar sair vitorioso no final. A vida é um jogo, 
eu acho. Depende de você fazer os lances certos e você 
vai se dar bem e saber a hora de fazer o lance, mesmo 
que você tenha que perder uma peça grande, uma 
peça valiosa, mas você vai poder jogar o rei dele no 
chão, do seu adversário”. 
Flávio explica que o seu jeito calmo é também uma maneira de 
lidar com uma situação que o aborrece, pois, quando alguém diz algo que ele 
considera besteira, ele simplesmente se mantém calmo e não leva em 
consideração o que a outra pessoa lhe diz. Deste modo, descreve sua reação 
diante da frustração, fica surdo como se estivesse em uma posição de 
superioridade e indiferença ao outro que, de alguma maneira, o aborrece. 
“Eu soucalmo. (...) Meu jeito de ser eu não sou explosivo. 
(...) Se alguém vier te falar alguma coisa, besteira no seu 
ouvido, você olha para a cara da pessoa e tudo bem 
entra por aqui e sai por aqui. É muito mais prático, eu não 
vou ficar me revoltando por causa disto”. 
30 
 
 
Nas atividades profissionais, Flávio apresenta-se como 
indispensável. Para conseguir uma promoção, ele ameaça deixar o trabalho. 
Um trabalho que acredita ser o único capaz de realizar. 
“Vou ser promovido agora. Porque eu cheguei a... não foi 
bem uma ameaça, mas eu cheguei a dizer que eu 
estava procurando outra coisa (...) e a pessoa se 
espantou dizendo que eu não podia fazer isto, (...) mais 
ninguém vai conseguir fazer o trabalho que eu faço. Eu 
sou a única pessoa que vai saber fazer este tipo de 
trabalho”. 
 
Flávio faz uma comparação entre o cumprimento de tarefas no 
trabalho e suas relações interpessoais dentro da empresa. Ele diz que realiza 
melhor o primeiro do que o segundo, como se relacionar com as pessoas fosse 
uma tarefa que ele não desempenha muito bem. 
“Para ser bem sincero, eu trabalho melhor do que... do 
que... faço o papel social diante das pessoas. Eu sou 
quieto e não me dou bem com algumas pessoas, então, 
no fundo, é mais o trabalho mesmo”. 
 
Nos relatos de Flávio, é possível identificar um auto-engrandeci-
mento, que se sente através do bom desempenho que disse apresentar no 
trabalho. Com relação ao descontentamento, ele não fala como o sujeito do 
discurso, mas, sim, que as pessoas ficam chateadas pela falta de 
reconhecimento do trabalho. 
“... eu gosto de trabalhar aqui, me sinto bem, mas não é 
reconhecido, o trabalho no banco atualmente não é 
reconhecido. Isto aí deixa as pessoas chateadas, 
desanimadas, desmotivadas”. 
 
Flávio relata o acidente de forma descritiva e detalhada. Ele se 
apresenta em dúvida com relação a quem teve culpa pelo acidente. 
Segundo ele, uma pessoa atravessou a rua cambaleando, como se estivesse 
embriagada, obrigando-o a desviar e perder o controle sobre o veículo. 
Apesar de falar que passou a noite em um bar com seus amigos, 
diz que não bebeu nenhuma bebida alcoólica para ficar embriagado. Flávio 
relata uma obrigação em desviar como se um outro externo a ele o 
direcionasse, como se não tivesse outra alternativa. Considera-se injustamente 
acusado de estar alcoolizado pelas pessoas que testemunharam o acidente. 
Assim, uma pessoa alcoolizada, que não é ele, é a responsável pelo acidente. 
Durante o relato, Flávio mantinha o mesmo tom de voz e parecia 
estar contando um acontecimento do qual não participou, como se fosse 
apenas uma história. A sensação é a de que ele considera a pessoa que 
faleceu no acidente como uma peça de xadrez que foi tombada. 
31 
 
“Ah... de quem que foi a culpa daquele acidente? Eu 
não sei. (...) A gente foi para um barzinho e eu saí de lá 
por volta de cinco horas, (...) de repente apareceu uma 
pessoa na minha frente que (...) estava atravessando a 
pista correndo, correndo mas cambaleando, parecia 
que estava bêbado e eu fui obrigado a desviar, quando 
eu desviei, eu perdi o controle do carro (...) o que 
aconteceu com o carro desta pessoa que eu bati, 
quando eu joguei na parede, ele estava sem cinto de 
segurança, não tinha nada, daí, ele também foi 
esmagado na parede, ele teve esmagamento... 
esmagamento do tórax... Ah... quebrou a cabeça e 
acabou falecendo no caminho do hospital (...) 
acabaram dizendo que eu estava bêbado. (...) Foi este o 
depoimento que eles deram na delegacia de polícia e 
agora (...) tenho certeza de que eu não bebi nenhuma 
bebida alcoólica para poder estar bêbado na... e isto é 
que tenha causado o acidente”. 
 
Diante dos danos causados pelo acidente, Flávio assume uma 
postura de quem julga e conhece os sentimentos dos familiares da pessoa que 
faleceu. Assim, diz que a família não sentiu a morte daquela pessoa e que a 
reação de choro da viúva era apenas uma encenação. Partindo da certeza 
de que os familiares da vítima só queriam dinheiro, ele procura posicionar-se 
na situação. Ele transforma uma situação que apresenta um dano irreparável 
em uma outra, na qual é possível conceder o que acredita que lhe pedem, ou 
seja, se os familiares só querem dinheiro, isto ele pode oferecer. Imagina-se 
pagando uma dívida financeira e liberta-se da responsabilidade. 
“A família da vítima está inconsolada, mas eu não tive 
culpa (...) O que eu acho engraçado é que a família, em 
nenhum momento, ficou sentida com a morte. Eles só 
pediram uma indenização (...) não deu para sentir que 
eles... Ah... ficaram magoados por causa, porque aquele 
senhor morreu (...) queriam é pedir dinheiro. Foi o dinheiro 
mesmo, não teve nada a ver com a pessoa que faleceu. 
Apesar da viúva chorar no tribunal e tudo... uma cena, 
acho que era isto”. 
 
Flávio relata que importa-se mais com o fato de ter perdido a 
carteira de habilitação e de ter que responder um processo do que com o 
fato de uma pessoa ter falecido no acidente. Ele diz que não teve culpa e 
que como acredita que os familiares da vítima não sentiram a sua morte, ele 
não tem motivo para sentir também. Talvez, assim, esteja demonstrando o 
olhar “terrível” que ele possui da realidade. 
A relação que Flávio parece fazer entre estes acontecimentos é 
a de que ele reconhece que houve uma morte, mas não porque ele matou, 
mas, sim, porque uma outra pessoa provocou isto. Como não tem culpa, não 
tem, também, sentimentos em relação a esta morte. 
32 
 
“Eu estou mais chateado por ter... Ah... ficar sem a 
carteira, já são oito meses... de ter que responder um 
processo criminal que... eu acho que eu não sou 
culpado. Então, é este o ponto. (...) Se a família não está 
se importando com a pessoa que faleceu, por que você 
deve se importar?”. 
 
Flávio aceita participar da entrevista como se ela fosse um jogo, 
no qual ele necessita conhecer o roteiro para poder jogar. Isso remete a uma 
relação, vivenciada na entrevista, na qual ele procura introduzir um terceiro 
elemento capaz de protegê-lo da ameaça que sente frente a uma situação 
dual e desconhecida. Diante da constatação de que não existe um roteiro, 
ele assume uma postura de porta voz do desejo do outro, como se soubesse o 
que queremos que ele fale, não havendo, portanto, distância psíquica entre 
nós. Esta dinâmica narcisista remete àquela de uma criança que não é capaz 
de distinguir entre um eu e um outro (Freud, 1914 APUD MENDES 1996). 
Esta parece ser uma situação invasiva e assustadora da qual ele 
se defende, procurando transformá-la em um jogo. É neste enredo que ele 
insere “olhares terríveis”, para se defender do saber que pensa que o outro 
pode ter sobre ele, ou seja, a unidade mental. A impressão é a de existir 
desejos de fusão proibidos na realidade, mas permitidos no jogo e vivenciados 
em suas relações com as figuras femininas (Freud, 1912 APUD MENDES 1996). 
Para ele, parece ser fundamental não levar a sua vida a sério, 
transformando-a em um jogo no qual deve existir uma troca, que parece se 
traduzir em lucro. Isso sugere uma postura de desconfiança, em que está 
sempre computando os pontos ganhos e perdidos. 
Posiciona-se, diante das relações interpessoais, como uma 
criança pequena, dependente de um adulto, para fornecer-lhe sempre um 
referencial. As vivências que ele apresenta com a figura materna possuem 
características semelhantes. Assim, para ele, a mãe ainda é concebida como 
uma extensão dele mesmo, capaz de conhecer e satisfazer suas 
necessidades. Ela o livra da agressividade paterna. A percepção é de uma 
imagem que o protege da ameaça de uma figura masculina, que pode, de

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