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2 º trabalho HERMENEUTICA

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FUMEC
Curso de Direito
JOÃO VITOR ANTUNES RIBEIRO
2º Trabalho de Hermenêutica
Belo Horizonte - MG
2018
1) Com relação à ADPF 54, julgada pelo STF, explique de forma fundamentada seu posicionamento acerca do aborto de fetos anencéfalos.
Após leitura do voto do Ministro Marco Aurélio, Relator da ADPF nº 54, concordo com sua Excelência em prol da descriminalização do aborto de fetos anencéfalos.[1: BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54. Disponível em: <www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADPF54.pdf> Acesso em: 12/05/2018.]
Em primeiro lugar, destaco que a Constituição Federal de 1988, apesar de ter o direito à vida como uma das garantias fundamentais dos indivíduos, não o fez uma garantia absoluta, prevendo a possibilidade de pena de morte em caso de guerra declarada nos termos do art. 84, XIX.[2: BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 1988. ]
Em relação ao aborto, a lei penal também previu exceções à proibição da prática, mais especificamente em seu artigo 128:[3: BRASIL. Decreto-Lei Nº 2.484, 7 de dezembro, 1940. Código Penal, Brasília, DF, dez 1940. ]
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Em ambas situações acima descritas, não se questiona a viabilidade ou não da vida da criança. Esta é desconsiderada em relação ao direito à vida da mãe, em relação ao inciso I, ou mesma à vida digna da mãe, em relação ao inciso II.
Assim, ao realizarmos uma interpretação sistemático das leis, vemos que o legislador parece apontar para uma preponderância do direito à vida da gestante em relação à vida do nascituro. Não que o direito não deva proteger o feto. Pelo contrário, o direito protege toda a vida humana, inclusive aquela em potencial. A conclusão parecer dizer que, no confronto entre o direito à vida da gestante e no direito à vida do feto, ainda que este último seja viável, deverá prevalecer aquela.[4: SACCO, Ricardo Ferreira. Hermenêutica – Roteiro de Curso 2018, Belo Horizonte, 2018]
Ainda em relação à vida, o direito brasileiro não define quando esta se inicia, mas, como pontuado pelo então advogado Luís Roberto Barroso em sua sustentação oral perante a Suprema Corte no julgamento da ADPF nº 54, há definição de quando esta termina. Nos termos do art. 3º da Lei nº 9.434/94, Lei de Transplante de Órgãos, a morte é diagnosticada pela morte encefálica.[5: ADPF 54 – Anecefalia – Sustentação Oral Profº Luís Roberto Barroso. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=plUKobkpBB4. Acesso em 12/05/2018.]
No caso de anencefalia, conforme colocado pelo Ministro Marco Aurélio, especialistas que participaram da audiência pública da ADPF nº 54 relataram que o feto anecéfalo não possui atividade cerebral, tal como um morto cerebral. Assim, como bem colocado pelo Ministro, “O anencéfalo jamais se tornará uma pessoa. Em síntese não se cuida de vida em potencial, mas de morte segura. O fato de respirar e ter batimento cardíaco não altera essa conclusão, até porque[...] a respiração e o batimento cardíaco não excluem o diagnóstico de morte cerebral. ”
Se o anencéfalo não possui vida em potencial, a gestante, por outro lado, possui vida real a qual merece toda a proteção que o direito e o Estado possam garantir. E além de simples vida, entende-se vida digna. 
A gestação do feto anencéfalo pode trazer grande sofrimento à mulher que o gera. Não sendo viável afinal a gestação, que justificaria haveria para que o Estado obrigasse a mulher a levar a termo tal situação frente a alegado sofrimento psíquico?
Assim, a possibilidade de aborto no caso da anencefalia, uma vez cuidadosamente diagnosticada por profissional capacitado, se mostra como direito de escolha e de autodeterminação da mulher, consubstanciado na proteção à dignidade da pessoa humana, à saúde, à privacidade, e à autonomia.
2) Com relação ao aborto como direito de escolha da mulher, explique de forma fundamentada seu posicionamento.
Nenhum direito, ainda que constitucional, é absoluto, devendo ser analisado à luz de cada caso. Mesmo o direito à vida apresenta suas exceções como descrito no exercício anterior.
O nascituro tem direito à vida. A gestante, além do direito à vida, lhe tem assegurado o direito à igualdade, à busca pela felicidade, à privacidade.
O princípio da dignidade da pessoa humana pressupõe que o indivíduo tem o direito de buscar sua felicidade da forma que esta lhe convier, desde que não afronte a valores preservados pela sociedade. Não poderá, dessa feita, a pessoa furtar outro indivíduo, ou retirar-lhe a vida indiscriminadamente. Mas poderá escolher quantos filhos deseja ter, que profissão gostaria de exercer, com quem deseja se casar, o lugar em que deseja morar.
Entretanto, no caso de uma gravidez indesejada, as consequências recaem principalmente sobre a mulher, parecendo ser afronta ao princípio da liberdade e da igualdade que esta seja obrigada a levar uma gestação a termo contra sua vontade. 
Inúmeros são os casos de pais que não assumem os filhos, sendo necessárias, inclusive, ações judiciais para sanar tal situação. E, frequentemente, o máximo que esses indivíduos darão a essas crianças será um sobrenome e, talvez, parca ajuda financeira em seu sustento. Não fornecerão apoio emocional necessário ao desenvolvimento sadio do ser humano, não participarão da rotina diária da criança, não estarão presentes durante o seu crescimento. 
Por outro lado, essa opção não é assegurada à mulher. Ela hoje é obrigada e levar a gravidez a termo, sofrendo em seu próprio corpo as consequências físicas de gerar e parir uma criança. A ela não é dada, por 9 meses, a liberdade de escolher não ser mãe, sob pena de ter sua conduta, e daquele que a ajudar, tipificada pelo ordenamento jurídico penal. E, ainda, caso opte por entregar a criança à adoção, deverá fazê-lo com cuidado também sob o risco de ser acusada de abandono de incapaz.
Outra consequência frequentemente suportada sozinha pela mulher é a despedida (aparentemente sem justa causa) ao término do período de estabilidade garantido à gestante. Mesmo tendo a legislação se preocupado em resguardar o direito à licença gestante e à estabilidade de emprego por 5 meses após o parto, inúmeros são os casos de mulheres que são despedidas ao término do período de estabilidade. 
As consequências psicológicas advindas de uma gravidez indesejada também recaem primordialmente na mulher e, mais tarde, sobre a criança que não será criada com o afeto que poderia lhe garantir o melhor desenvolvimento de suas atividades. 
Além disso, a criminalização do aborto não impede sua realização ao longo do território nacional. Pelo contrário, apenas estabelece uma barreira para aquelas que não possuem condições financeiras de realizá-lo em melhores condições de segurança e higiene, muitas vezes levando a óbito a própria parturiente.
Dessa feita, em respeito ao princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana, deveria caber à mulher decidir sobre interromper ou não a gravidez, uma vez que é ela quem tem um feto dentro de si, porque será com ela o vínculo filial.
 Considerando que o direito deve acompanhar a evolução da sociedade, a descriminalização de algumas condutas deverá acontecer, como de fato acontece, sempre que necessário. Desse processo de despenalização de condutas são exemplos: o uso pessoal de substâncias entorpecentes, que não mais sujeita o agente a pena privativa de liberdade (art. 28, Lei nº 11.343/2006); o adultério, tipificado como crime no Código Penal no art. 240, e excluído pela Lei nº 11.106/2005. Nesse mesmo diapasão, e considerando a explanação anterior, defendo o direito da mulher de optar pelo aborto, sendo que essa prática deveria ser legalmenteconsiderada sempre realizada de forma segura, com consentimento expresso e informado da gestante.
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3) Com relação ao texto retirado livro “Freakonomics, o lado oculto de tudo”, explique a correlação feita entre a decisão do caro Roe vs Wade e a redução dos índices de criminalidade nos EUA a partir do final da década de 1980.
O texto “Freakonomics, o lado oculto de tudo” argumenta que, ao contrário daquilo que foi apresentado pelos especialistas à época, a verdadeira causa para a queda da criminalidade no final da década de 1980 teria sido a descriminalização do aborto 20 anos antes.
Segundo os autores, o caso Roe vs Wade acarretou na legalização do aborto em todo o país. Em consequência, nos anos seguintes, diversas crianças deixaram de nascer em ambientes familiares adversos que propiciariam seu envolvimento mais tarde na criminalidade. Isto porque, até o caso em questão, os abortos ilegais eram muito caro, sendo inacessíveis às mulheres que pertenciam às camadas mais baixas da sociedade, onde haveria a maior probabilidade das crianças se tornarem criminosos.
Consequentemente, 20 anos depois, caso essas crianças tivessem nascido, estariam engrossando os números da criminalidade então esperados. O que não teria acontecido exatamente frente à possibilidade que mães as tiveram de optar pelo aborto.
Assim, segundo os autores, o que explicaria satisfatoriamente a imensa queda na criminalidade percebida a partir do final da década de 1980 não teria sido o crescimento econômico da época ou as leis de controle sobre armas, mas sim a descriminalização do aborto para toda a sociedade, permitindo que diversas crianças que mais tarde adentrariam à criminalidade não nascessem.

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