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1 TESTE DE COOMBS NA ROTINA LABORATORIAL HEMOTERÁPICA Coombs test in routine laboratory of blood banks Renata Schneider1, Marilei Uecker Pletsch2 As migrações externas e também internas ocorridas nos últimos séculos contribuíram para o Brasil tornar-se um dos países mais heterogêneos do mundo, fazendo da população brasileira única do ponto de vista antropológico(1,2). As mudanças no perfil epidemiológico da população brasileira e os avanços técnico-científicos na área médica, que possibilitam procedimentos terapêuticos de alta complexidade, trouxeram um aumento na demanda por transfusões, nem sempre acompanhado por um incremento no número de doadores de sangue(3,4). Mudanças na percepção do público sobre os riscos e benefícios da transfusão de sangue têm afetado a prática de doação de sangue no Brasil(5). De acordo com a Portaria nº 1353, de 14 junho de 2011(6), os Serviços de Hemoterapia devem realizar exames imuno-hematológicos para qualificação do sangue do doador, a fim de garantir a eficácia terapêutica e a segurança da futura doação. São estes: tipagem ABO e Rh (D), pesquisa do antígeno D fraco e a pesquisa de anticorpos irregulares (Coombs Indireto), sendo a realização do teste de Coombs direto não obrigatória na rotina laboratorial de doadores de sangue. O teste de antiglobulina humana (AGH) foi descrito em 1945 por Coombs e colaboradores. Assim, o uso de antiglobulina humana foi utilizado para detectar in vivo a sensibilização de hemácias por anticorpos, ajudando no diagnóstico da doença hemolítica perinatal (DHPN)(7) e anemia hemolítica auto- imune. Desta forma, o soro de Coombs pode ser considerado como a mais importante descoberta da medicina transfusional depois do sistema de grupo sanguíneo ABO(8) permitindo que outros anticorpos fossem detectados com seus respectivos antígenos, levando a descoberta e à caracterização de outros sistemas de grupos sangüíneos(7). O Teste de Coombs Direto (TAD) permite detectar in vivo a sensibilização das hemácias com anticorpos e o Teste de Coombs Indireto ou Pesquisa de Anticorpos Irregulares (PAI) detecta a presença de anticorpos irregulares no soro, com finalidade de detectar anticorpos além dos esperados (anti-A e anti-B)(9). Contudo, verifica-se a necessidade de promover, de forma sistematizada, reflexão sobre estes testes realizados rotineiramente em serviços de hemoterapia, a cerca de informação destes resultados, quando positivos, aos doadores de sangue. A reflexão recai, de maneira indissociável, primeiramente sobre uma pesquisa para revisar os aspectos que geram estes resultados positivos em doadores de sangue aparentemente saudáveis, pois 2 sabe-se que a triagem laboratorial adequada é imprescindível para obtermos segurança transfusional. Teste de Coombs Direto O teste de Coombs Direto ou Antiglobulina Direta (TAD) constitui método simples para demonstração da presença de IgG e/ou complemento revestindo a superfície dos eritrócitos in vivo(10). A aglutinação no teste ocorre quando há uma diminuição das forças de repulsão das hemácias – potencial zeta – até determinado valor (potencial zeta crítico), e para visualizarmos esta reação, devemos utilizar o soro antiglobulina humana para diminuir ainda mais o potencial zeta até o ponto crítico, promovendo a aglutinação(11). O número de sítios antigênicos nas hemácias também pode ser um ponto decisivo para que as hemácias aglutinem. Considerando que os eritrócitos normais são revestidos por pequenas quantidades de IgG e C3d e que a ligação de 200 ou mais moléculas de IgG por eritrócito e de 400 de complemento resulta no TAD positivo(9), discordando de Bencomo et al(12) que realizou um ensaio com 200 doadores de sangue saudáveis e 62 pacientes com anemia hemolítica auto-imune e observou-se que para os doadores de sangue saudáveis com TAD positivo, os valores médios foram de 58 IgG, 16 IgA e três moléculas de IgM por hemácia. Apesar do TAD não ser prática comum na rotina imunohematológica em doadores de sangue, a prevalência da positividade do TAD em doadores de sangue é baixa, ficando entre 1:9.000 a 1:14.000(13,14,15) quando realizado um análise criteriosa das reações positivas e 1:1.000 a 1:36.000, segundo Rottenberg et al(16). Usualmente, o TAD é realizado nas seguintes situações: - em estudos imunohematológicos, quando os exames realizados rotineiramente são positivos ou discordantes; - quando há discrepância na tipagem Rh(D) - pesquisa do antígeno e o controle Rh(D) positivos; - na pesquisa de anticorpos irregulares positiva, onde se realiza a identificação de anticorpos irregulares (IAI) e TAD; e ainda, - durante as provas pré-transfusionais, onde o concentrado de hemácias do doador é cruzado com soro/plasma do paciente, sendo todos os exames do paciente negativos (PAI e TAD), e suspeita-se de auto-anticorpo do doador, deve-se realizar o TAD. As condições clínicas que podem resultar na cobertura in vitro das hemácias com anticorpo e/ou complemento são: anemias hemolíticas autoimunes; anemias hemolíticas induzidas por drogas; doença hemolítica perinatal; reações hemolíticas transfusionais(9,18), transfusão de sangue ou componentes contendo plasma ABO- incompatível e em outras situações específicas que são detectadas após criteriosa avaliação clínica para identificar a causa do TAD positivo. 3 Anticorpos contra diversas drogas e aditivos também podem causar resultados positivos nos testes de anticorpos. As drogas podem resultar em ampla variedade de anormalidades hematológicas, incluindo teste de antiglobulina direto positivo(19,20). A causa mais comum destas reações positivas é a formação de auto-anticorpos. Segundo Garratty(20), as drogas causam teste de Coombs positivos por três mecanismos diferentes: - A droga se liga firmemente à membrana de glóbulos vermelhos, e anticorpo contra a droga vai combinar-se com o fármaco na membrana levando a hemácias IgG sensibilizadas (Exemplo: penicilina). - Há modificação química da membrana dos glóbulos vermelhos através da droga, de modo que ele ocupa muitas proteínas não especificamente (Exemplo: cefalosporinas). - Formação de um complexo imune com o medicamento e o seu anticorpo específico. Este complexo imune se liga a membranas celulares e há ativação do complemento no processo (Exemplos; fenacetina, quinina, quinidina) Em casos nos quais os doadores apresentam TAD positivo, devido ao mecanismo de complexo imune, as reações podem ser positivas, desde que a droga ainda esteja na circulação sanguínea do doador. Quando diminui o nível da droga, a reatividade torna-se cada vez mais fraca e finalmente negativa(9). Interpretar o significado de um TAD positivo requer conhecimento da situação clínica do doador de sangue, de sua terapia medicamentosa, história transfusional, lembrando que um TAD positivo pode acontecer sem manifestações clínicas de hemólise(9). Os resultados de testes sorológicos não são diagnósticos e o significado só pode ser avaliado em relação ao estado clínico(26), pois a presença de TAD positivo não significa, necessariamente, que um indivíduo tenha anemia hemolítica, sendo, por vezes, positivo em indivíduos hematologicamente normais. Teste de Coombs Indireto A pesquisa de anticorpos irregulares consiste na aplicação da técnica indireta da antiglobulina visando à triagem dos anticorpos direcionados aos antígenos de grupos sanguíneos, excluindo-se o ABO(18). A importância clínica destes anticorpos é determinada pela capacidade de destruição celular in vivo, pela possibilidade de atravessar a barreira placentária e pela relativa frequência do antígeno(28). Sabendo que os anticorpos irregulares ocorrerem em aproximadamente0,3 a 2% da população em geral(9,11), a triagem e identificação adequadas de anticorpos são indispensáveis para adequada seleção de sangue para transfusão e também na investigação da Doença Hemolítica do Recém Nascido. As informações relativas à idade, sexo, raça, história de transfusões e gestações, medicações em 4 uso e soluções intravenosas podem oferecer pistas para os estudos de identificação destes anticorpos(9). Em pacientes que recebem múltiplas unidades de sangue (politransfundidos), é previsível a imunização contra antígenos não investigados. Nestes casos, deve-se realizar a fenotipagem do doador e do receptor, quanto a antígenos raros do sistema Rh ou de outros sistemas não rotineiramente investigados. Segundo Pahuja et al(29), em pesquisa realizada recentemente, um total de 7.756 doadores foram selecionados, dos quais 98,6% do sexo masculino e 1,4% do sexo feminino, com número máximo de doadores pertencente a faixa etária dos 26-30 anos. 0,05% dos doadores mostraram a presença de aloanticorpos, sendo dois deles anti-C, um anti-Le(a) e um autoanticorpo. Zhu(30) em 2007, realizou um estudo onde 15.033 doadores foram triados; 42 amostras apresentaram pesquisa de anticorpos irregulares positiva, sendo mais frequente no sexo feminino e os anticorpos mais comuns foram: anti-D e anti-E. Em uma pesquisa com 200.000 indivíduos, 4.168 apresentaram pesquisa de anticorpos irregulares positiva, sendo cerca de 50% anti-D, 15% dos anticorpos pertencia ao sistema Lewis e 2,1% dos indivíduos descritos possuía um ou mais anticorpos irregulares(31). Já Trentin(34) observou que a prevalência de anticorpos irregulares em doadores de sangue foi de 0,32%, sendo mais frequente no sexo feminino do que no masculino. No grupo pesquisado, o anticorpo irregular mais prevalente foi o anti-D. Depois do anti-D, dos anticorpos do sistema Rh, o anti-C e o anti-E foram os mais prevalentes. Para os outros grupos sanguíneos, os anticorpos mais freqüentes foram o anti- M, anti-Le(a) e anti-K. Os anticorpos menos prevalentes nesta pesquisa foram o anti-Lu(a), anti-Jk(b) e anti-Fy(b). Considerações finais A realização da triagem e identificação de anticorpos irregulares, juntamente com a investigação de frequência e distribuição destes anticorpos contribui excepcionalmente para minimizar os riscos transfusionais, pois a exposição a antígenos eritrocitários por transfusão sanguínea pode resultar na produção de anticorpos em pacientes e levar a várias complicações, incluindo atraso na obtenção de sangue compatível e reações transfusionais hemolíticas. Não menos importante, é a comunicação ao doador sobre o alo-anticorpo identificado, pois este doador poderá vir a ser um paciente futuramente. Considerando que a aloimunização a antígenos eritrocitários ainda é um problema na prática transfusional, e havendo uma variação importante dos antígenos entre diferentes populações, é evidente 5 que a realização de ensaios adicionais de doadores de sangue (principalmente para Rh e antígenos Kell) deveria ser implementado como uma rotina para evitar, tanto quanto possível, a incidência de aloimunização e aumentar a segurança nas transfusões sanguíneas. Avaliando os resultados deste estudo, para o teste de antiglobulina humana direto, consideramos de extrema importância apoiar a prática de notificar os doadores de sangue saudáveis sobre o teste de Coombs direto positivo, informando-os a respeito da possível presença de doença auto-imune não diagnosticada, uma malignidade oculta ou apenas por precaução, para realização de exames médicos complementares e acompanhamento médico periódico.