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Título II Do Crime Relação de causalidade Art. 13. O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Superveniência de causa independente § 1º A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou. Relevância da omissão § 2º A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado. Notícia — O artigo 11 da anterior Parte Geral do Código Penal foi aproveitado pela Lei nº 7.209/84 como artigo 13. Alterou-se a redação do então parágrafo único, acrescentando-lhe a palavra relativamente, passando o mesmo a receber o numero 1º. Um novo parágrafo, o 2º, contendo três alíneas, foi introduzido por fim. Tema — O primeiro elemento a ser observado a partir da rubrica do Titulo II é a noção de crime. O nosso Código Penal não chega a definir textualmente o que se deva entender como tal. A noção sobre o tema advém-nos do teor do artigo 1º, do Decreto-Lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941 (Lei de Introdução ao Código Penal e à Lei de Contravenções Penais), ao estabelecer que crime e contravenção são espécies do gênero delito. O primeiro é “a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa”. Por outro lado, o segundo tipo de ilícito penal, a contravenção, é “a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.” Sem dúvida o critério utilizado mostra-se impreciso e insuficiente, notadamente em nossa atual normatização criminal, porquanto crimes existem a que são cominados somente pena de multa. De qualquer sorte, podemos ter em mente que as contravenções penais são sempre consideradas como delitos de menor poder ofensivo, são os chamados delitos anões (delitti nani), no dizer dos italianos. Modernamente a nossa legislação admite como crimes de menor potencial ofensivo todos aqueles cuja pena máxima não ultrapasse dois anos de privação de liberdade, a teor do estabelecido pelas leis nº 9.099, de 26 de setembro de 1995 e nº 10.259, de 12 de julho de 2001. Do ponto de vista material, pode conceituar-se o ilícito como a violação dum bem protegido pelo ordenamento jurídico. Do ângulo formal, tê-lo-emos como o comportamento humano conforme descrito em lei (tipicidade), comissivo ou omissivo, que se venha apresentar contrariamente ao interesse do Estado (antijuridicidade) e perpetrado livre e conscientemente por alguém culpável (culpabilidade). Várias são as formas pelas quais se podem classificar os delitos, partido elas de duas óticas básicas: a legal e a doutrinária. A classificação legal decorre da norma em si, em razão do bem jurídico afetado pela conduta delituosa e da sua inclusão num dos Títulos que compõem a Parte Especial do Código Penal. Desta forma, na classificação legal observa-se o nomem iuris específico e o genérico. É o caso, por exemplo, do homicídio (nomem iuris específico), onde o objeto jurídico protegido é a vida humana; incluindo-se ele dentre os crimes contra a pessoa (nomem iuris genérico). Por seu turno, as classificações doutrinárias decorrem da observação criteriosa de elementos comuns a determinados tipos, permitindo uma abordagem didática, teórica e analítica acerca do conteúdo, da forma ou do modo de execução de cada uma das figuras penais. Desta maneira os doutrinadores criam suas próprias classificações a partir da maneira como abordam os diversos crimes descritos na legislação criminal. Temos, assim, crimes que são classificados, considerando o diploma legal em que se encontram inseridos, como comum ou especial. A primeira aplica-se aos ilícitos contidos no Código Penal; a segunda é reservada para os delitos estabelecidos por leis criminais específicas, e têm natureza própria, a exemplo daqueles do Código Penal Militar, do Código de Trânsito Brasileiro, da lei antitóxico, etc. Partindo-se da perspectiva do sujeito ativo (também válido em relação ao sujeito passivo) classifica-se o crime como comum, quando pode ser praticado por qualquer pessoa, desnecessitando ela de condição ou qualidade especial, a exemplo do homicídio, do furto, do roubo, do estelionato; próprio, se decorre de qualidade ou condição especial exigida pelo tipo em relação ao autor, como no caso do funcionário público, exercentes de cargos eletivos, etc; e de mão-própria, hipótese em que a execução somente pode ser realizada por determinado sujeito em razão de qualidade ou condição especialíssima e cuja ação não pode ser realizada por terceiros, não se admitindo sequer a co-autoria. Do ponto de vista da ação desenvolvida, poderá ser o crime classificado como comissivo, na hipótese dum atuar positivo (comportamento de fazer) por parte do agente. Dito de outra forma, no crime comissivo exige-se um comportamento positivo do agente descrito na figura penal decorrendo daí um resultado naturalístico. Ainda tomando por base a ação praticada o crime poderá ser omissivo, quando o sujeito ativo deixa de agir (inação), isto é, não faz aquilo que o Estado espera seja feito. Em tal crime a conduta descrita é negativa, vale dizer, importa em um não fazer daquilo que a lei espera seja realizado, implicando em transgressão da norma jurídica. É o caso de deixar o médico de comunicar doença (art. 269 do CP), não sendo necessário qualquer resultado naturalístico; da mesma forma que a omissão de socorro (art. 135 do CP), porquanto temos a previsão legal duma omissão pura, vale dizer, a simples abstenção da realização dum ato, não interessando o resultado da omissão; ela, em si mesma, é suficiente para a configuração do delito. Estamos a falar aqui do crime omissivo próprio. Pode, ainda, o crime omissivo apresentar-se como impróprio (comissivo por omissão), o qual se nos apresenta como omissão na transgressão do dever jurídico, na qualidade de garante, de impedir o resultado. Isto é, a lei descreve uma conduta de fazer e o sujeito ativo nega-se a cumprir com o seu dever. Significa dizer que a obrigação jurídica de agir necessariamente existe na previsão legal, devendo a inação produzir um resultado naturalístico. É o caso da mãe que deixa de alimentar o filho (comissivo por omissão), ação essa que implica em crime de evento, produz resultado naturalístico. Serve, também, como exemplo o salva-vidas que assiste, inerte, ao afogamento de alguém, vez que daí pode decorrer a prática de homicídio ou lesões corporais por omissão. Observe-se que o artigo 13, caput, do CP é claro ao considerar como causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. Some-se a isso o disposto no § 2º do mesmo mandamento ao estabelecer que a omissão é penalmente relevante quando o omitente devia agir e estabelecendo quem tem o dever legal de assim proceder. Conclui- se, portanto, que na comissão por omissão temos o dever legal de impedir um determinado resultado e somente sendo possível a conseqüência pela inação do sujeito; ou seja, comete-se o delito por praticar-se uma omissão, onde a lei equipara o nom facere a um facere.Tendo em vista o momento do efeito do ato delituoso pode-se classificar o crime como instantâneo, quando encerra-se ele com a própria consumação, a exemplo do homicídio, o qual se exaure com a morte da vítima; e permanente, se a consumação prolonga-se no tempo, perdurando com a ação ou a omissão do sujeito ativo, o que se verifica no cárcere privado e no seqüestro. Alguns autores falam, também, em crime instantâneo de efeito permanente, referindo-se àquele que, uma vez consumado, seus efeitos não podem ser anulados ou minorados, perdurando eles independentemente da vontade do agente. Atentando para a singularidade ou pluralidade de agentes exigida pelo tipo temos que o crime poderá ser unissubjetivo ou plurissubjetivo. Aquele poderá ser cometido solitariamente por uma só pessoa, nada impedindo que venha a ser praticado por pluralidade de agentes (homicídio, calúnia, furto). O último tem na lei a exigência de dois ou mais sujeitos ativos (quadrilha, rixa). São também classificados os crimes como unissubsistentes, quando perpetrado num só ato e, por via de conseqüência, não admite a forma tentada (é o caso dos crimes de mera conduta), como a invasão de domicílio; e plurissubsistente, aquele que se perfaz por atos identificáveis, isto é, fazes que podem ser separadas e, em decorrência, admitem a forma tentada, a exemplo do aborto, do furto e do estelionato. Naquilo que respeita à atuação contida na figura penal a maioria dos autores classifica o crime como de ação única ou de ação múltipla (ação alternativa ou de conduta variada). Diz-se de ação única quando o tipo contém um só núcleo verbal (matar, expor, abandonar, constranger, etc). Se o recorte criminal prevê mais duma conduta, expressa por verbos, estamos diante de crime de ação múltipla (induzir ou instigar; destruir, inutilizar ou deteriorar; comprar, vender, ter em depósito, etc). Em que pese tal classificação ser aceitável ela deixa brechas, razão porque propomos uma outra mais pormenorizada. Em sendo assim temos que o crime pode ser de ação e resultado únicos; de ação alternativa e resultado único; de ação única e resultado variado; e de ação alternativa e resultado variado. O crime de ação e resultado únicos distingue-se pelo núcleo constituído de um só verbo e somente sendo possível resultado único, a exemplo do homicídio (art. 121, caput, do Código Penal). Por sua vez o crime ação alternativa e resultado único caracteriza-se pelo núcleo composto de verbos diversos, representativos duma unidade de desígnio em relação à finalidade, e que sempre resultam em um único delito, a exemplo do tráfico de entorpecentes, o qual configura-se pela venda, armazenando, depósito, transporte, etc. da substância tóxica não permitida (art. 33 da Lei nº 11.343/2006). São também exemplos os artigos 122 (induzir, instigar, prestar auxílio), 150 (entrar, permanecer), 163 (destruir, inutilizar, deteriorar), 164 (introduzir, deixar), 202 (invadir, ocupar), 291 (fabricar, adquirir, fornecer), todos do Código Penal. Em casos tais os verbos constituem fases do mesmo delito, não se falando em concurso de crimes apenas pela incidência de mais que uma das ações listadas no núcleo. Torna- se indiferente o agente praticar todas as ações ou uma só, sempre restará cometido apenas um só ilícito. Já o crime de ação única e resultado variado, particulariza-se por núcleo verbal único, porém com distintos elementos constitutivos de finalidades, implicando em resultados possíveis diversos, permitindo continuidade delitiva nos termos do artigo 71 do Código Penal. É o caso do artigo 213 do CP, com a redação dada pela Lei nº 12.015/2009. Por fim, o crime de ação alternativa e resultado variado prevê comportamentos expressos por verbos diferentes, indicando-se, para cada um resultados distintos, resolvendo-se o concurso pelas regras da continuidade delitiva. Serve como exemplo o atual artigo 215 do Código Penal. Considerando-se o resultado classifica-se o crime como de dano ou de perigo. Aquele é assim tido quando a figura típica contempla o efetivo prejuízo, isto é, somente se consuma com a lesão concreta do bem jurídico protegido (lesão corporal, homicídio, estelionato, etc). Este último consuma-se com a simples possibilidade do dano, vale dizer, com a criação do perigo para o bem jurídico (perigo de contágio venéreo, rixa, incêndio, dentre outros). Ainda do ponto de vista naturalístico e normativista podemos ter o crime como material, formal ou de mera conduta. Discorrendo sobre tal distinção, aliás, o douto Damásio Evangelista de Jesus, ensina haver “crimes em que o tipo descreve a conduta do agente e a modificação do mundo exterior causado por ela (resultado). Outros descrevem apenas o comportamento do sujeito, não fazendo referência a qualquer mudança no mundo externo produzida por ela. De observar-se que a modificação no mundo externo (resultado) não se contém na ação, i. e., a ação é uma modificação do mundo externo, mas a mudança que constitui o evento não é a da ação, mas a causada por ela. Como diz Petrocelli, o resultado é ‘una modificazione del mondo esterno che segue a quell’altra modificazione del mondo che è l’azione’ (Principii di diritto penale, 1944, v. 1, p. 326). No homicídio há a ação (p. ex., desfechar tiros de revólver) e o resultado (morte). O fato se compõe do comportamento humano e da modificação do mundo externo operada por ele. Na violação de domicílio, porém, o tipo só contém a descrição da conduta, sem referência a qualquer modificação do mundo exterior. É um crime sem resultado naturalístico. Às vezes, não obstante a ação se dirigir à produção de um resultado, a impaciência do legislador o leva a antecipar o momento consumativo do crime. É o que ocorre na ameaça (art. 147), que se consuma quando o sujeito passivo toma conhecimento do mal pronunciado pelo agente, independentemente da produção do evento a que a ação se dirige, que é a intimidação. Em face do exposto, entendemos que há crimes: a) de mera conduta (sem resultado naturalístico); b) formais (de evento naturalístico cortado ou de consumação antecipada); c) materiais (de resultado). Distinguimos os crimes formais dos de mera conduta. Estes são sem resultado; aqueles possuem resultado, mas o legislador antecipa a consumação à sua produção. No crime de mera conduta o legislador só descreve o comportamento do agente. Exs.: violação do domicílio (art. 150), desobediência (art. 330) e reingresso de estrangeiro expulso (art. 338). No crime formal o tipo menciona o comportamento e o resultado, mas não exige a sua produção para a consumação. Exs.: crimes contra a honra, ameaça, divulgação de segredo, violação de segredo profissional etc. No Crime material o tipo menciona a conduta e o evento, exigindo a sua produção para a consumação. Exs.: homicídio, infanticídio, aborto, participação em suicídio, lesão corporal, furto, roubo etc.”1 Reza o caput do artigo 13, em sua parte final, que a causa dum evento criminoso é o agir humano, de forma positiva (comissiva) ou negativa (omissiva), o qual se encontra necessariamente ligado de forma naturalística ao resultado ocorrido. Em resumo, como ensina a Lógica, inexiste fato incausado. Os elementos anteriores que possibilitaram a produção do resultado são tidos, assim, como suas causas eficientes naturais e, conseqüentemente, legais. O Código Penal pátrio, destarte, adota o princípio da conditio sine qua non (condição sem a qual não), ou seja, a teoria da equivalência do resultado, enaltecida pelo sempre festejado Mestre Nelson Hungria, assentando ser ela “a preferíveldentre todas as fórmulas sobre a causalidade física, pois serve a uma solução simples e prática do problema. A pergunta — quando a ação ou omissão é causa do resultado?, ela responde de modo preciso e categórico: a ação ou omissão é sempre causa quando, sumprimida in mente (‘processo de eliminação hipotética’, na frase de Thiren), o resultado in concreto não teria ocorrido. Mas a causalidade física não é, nem podia ser o único pressuposto da punibilidade; acha-se esta, igualmente, subordinada à culpabilidade do agente. Após a averiguação de um evento penalmente típico na sua objetividade, tem-se de apurar, não somente se foi causado por alguém, mas, também, se o agente procedeu dolosa ou culposamente. O requisito da culpabilidade é, sob o prisma jurídico-penal, um corretivo à excessiva amplitude do conceito de causa (no sentido puramente lógico). Assim, no exemplo acima figurado, o fabricante da arma 1 Damásio E. de Jesus, Direito Penal (Parte Geral), São Paulo, Saraiva, 18ª ed., 1994, 1º vol., pp. 167-168. ofensiva não é penalmente chamado a contas pelo resultado ‘morte’, pois este não lhe pode ser psiquicamente imputado a título de dolo ou culpa.”2 Temos, assim, que além dos elementos diretamente causais dum ilícito, encontramos alguns outros que se lhes seguem posteriormente e de forma autônoma, isto é, são supervenientes ao primeiro evento e conduzem a um resultado não diretamente conseqüente do primeiro. Trata destes o parágrafo 1º do artigo em tela. Como decorrência da inteligência do preceito, temos aquilo que sobrevém ao fato danoso, produzindo resultado por si só e de forma relativamente independente, como eliminante da atribuição de culpabilidade. Ainda segundo a lição do insigne Nelson Hungria, “Se a causa superveniens se incumbe sozinha do resultado, e não tem ligação alguma, nem mesmo ideológica, com a ação ou omissão, esta passa a ser, no tocante ao resultado uma ‘não-causa’. Tomemos o exemplo formulado por Von Liszt: A fere mortalmente o barqueiro B, mas este, antes que sobrevenha a morte em conseqüência do ferimento, perece afogado, porque um tufão fez soçobrar o barco. Em face do art. 11, 3 caput, é claro que a A não pode ser imputada a morte de B, pois, ainda que suposta inexistente a sua ação, tal resultado teria igualmente ocorrido.”4 Os fatos anteriores ao evento último, entretanto, seguindo a regra geral da cabeça do artigo 13, imputam-se a quem os praticou. O parágrafo segundo preenche uma lacuna, porquanto trata dos crimes omissivos (já analisados anteriormente), estabelecendo uma relação normativa entre uma abstenção no agir e um resultado danoso. Sobre isso o douto Magalhães Noronha ensina que a “ação negativa ou omissão, entra no conceito de ação (genus) de que é espécie. É também um comportamento ou conduta e, conseqüentemente, manifestação externa, que, embora não se concretize na materialidade de um movimento corpóreo — antes é abstenção desse movimento — por nós é percebida como realidade, como sucedido ou realizado.”5 É com fulcro nessa idéia do comportamento de não fazer e que produz resultado, que o Código Penal criminaliza certas omissões consideradas relevantes. Conforme já explanamos ut retro, para que se caracterize uma omissão como criminalmente importante necessário se faz a presença de dois fatores: o dever legal de agir e a possibilidade concreta de praticar a ação. Temos, em resumo, que a imposição de agir comissivamente para evitar resultado danoso decorre de três situações: a) obrigação legal de cuidado, proteção ou vigilância; b) responsabilidade pessoal de impedir o evento; c) comportamento originador da criação do risco. Como já afirmamos anteriormente o crime é tido como omissivo, quando o sujeito ativo deixa de agir (inação), isto é, não faz o que o Estado espera seja feito. O crime omissivo pode 2 Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1958, 4ª ed., Vol. I, Tomo II, pp. 66-67. 3 O autor está referindo-se ao Código Penal, antes da reforma advinda da Lei nº 7.209/84. 4 Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1958, 4ª ed., Vol. I, Tomo II, pp. 67-68. 5 Edgard Magalhães Noronha, Direito Penal, São Paulo, Saraiva, 30ª ed., 1993 (atualizada por Adalberto José Q. T. de Camargo Aranha), vol. 1, p. 95. ser tido como próprio ou impróprio. Diz-se próprio quando temos a previsão legal duma omissão pura, vale dizer, a simples abstenção da realização dum ato, não interessando o resultado da omissão; ela, em si mesma, é suficiente para a configuração do delito, como no caso da omissão de socorro, previsto no artigo 135 do Código Penal. Já o impróprio é aquele em que existe o dever legal de impedir um determinado resultado e somente possível tal conseqüência pela inação do sujeito; ou seja, comete-se o delito por praticar-se uma omissão, a lei equipara o nom facere a um facere. Jurisprudência Concurso de Agentes – Teoria da Equivalência Causal. “Conforme a teoria da equivalência causal, albergada no art. 13 do Código Penal, respondem pelo delito todos que nele colaboraram, agindo ou se omitindo, indiferentemente do grau de participação que somente é relevante para fins de fixação de pena.”6 Causa Superveniente – Princípio da Personalidade – Nexo de Causalidade. “A relação de causalidade cuidada pelo art. 13 e seus parágrafos do CP encontra limitações. Não pode conduzir a absurdos com conclusões aberrantes com a realidade. ‘Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido’, é o que estabelece o art. 13 do CP. Evidentemente, a lei não se refere a qualquer causa, cabendo ao julgador estabelecer, com critério e de maneira lógica, qual a causa que conduziu a ação havida como delituosa. Já alertara o eminente Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, à época em que pontificava no TJDF, que ‘o princípio da personalidade impede que a infração cometida por uma pessoa seja, em suas conseqüências suportadas por um outra’ (DJU 17.3.80, p. 1.394), mesmo porque, como anotara o eminente Des. Acácio Rebouças, ‘não se podendo afirmar o nexo de causalidade existente entre a morte da vítima e o ato do acusado, não há de responsabilizá-lo pelas severas sanções do art. 129, § 3º, do CP’ (RT 380/68). Não se podendo afirmar o nexo de causalidade entre o suicídio da vítima e o ato de autoridade policial determinando seu recolhimento devido ao estado de embriaguez, não há de responsabilizá-la por homicídio doloso.”7 Causa Superveniente – Relação de Causalidade – Hipótese de Não Caracterização. “Não há vedação de os crimes comissivos por omissão, em casos especiais, contemplarem forma culposa, o que vem de encontro com a doutrina. H. H. Jescheck, ao comentar os delitos de omissão imprópria na modalidade culposa, assevera “Los delitos de omissión impropria no regulados em la ley puedem cometerse por imprudência sempre que el corresponiente tipo de comissón considere suficiente la culpa’, in Tratado de Derecho Penal, Parte Generale, vol. II, Barcelona, Bosch, 1981, p. 868. Tal posição é acompanhada pela doutrina brasileira. Desta forma, tem-se que a imputação contida na denúncia e aceita pela sentença está correta, eis que, em tese, qualquer delito culposo comporta a ocorrência da modalidade omissiva imprópria. No entanto, é de se ponderar que nos crimes comissivos por omissão, mais fortemente na modalidade culposa, o ‘especial dever jurídico de atuar’ é característica do tipo, resultando a sua não observância por parte da denúncia em atipicidade da denúncia e conseqüentemente nulidadeda sentença que a acolhe (cf. Heleno Cláudio 6 TAMG, 1ª CCrim, v. u., publ. em 22/out/92 – ApCrim 119219-0 – Rel. Juiz Carlos Biasutti — COAD 60867. 7 TJSP, Rel. Des. Cunha Bueno — RT 700/322. Fragoso, in Lições de Direito Penal, José Bushatsky, 1978, p. 262 e ss.). O especial dever jurídico de atuar nos delitos de omissão imprópria se dá em razão do dever de garante ou dever objetivo de cuidado. ‘Para los delitos de omissión impropria deve añadir-se la especialidad de que em los hechos imprudentes, en parte, coincide el deber de garante y el deber objetivo de cuidado, aunque deben diferenciarse conceptualmente para que pueda medirse correctamente el alcance que les corresponde. Ejemplos: el constructor tiene, para assegurar el tráfico (apertura de una fuente de peligro al abrir una zanja de obras) el dever de adoptar las usuales precauciones de cierre, pero aquí termina también su deber de cuidado. Quien, por ejemplo, abre un ferrocarril de montana para esquiadores, em caso de una helada extrema debe cierrar a tiempo las zonas de partida (BGHNJW, 1973, 379). Finalmente, la imprudência también puede referirse aquí a la posición de garante. Ejemplo: La maestra que ve desde el aula cómo juegan pelogrosamente a trepar unos niños uno de los cuales sufriria un accidente mortal, actúa imprudentemente si no comprueba si se trata de niños de sua propria escuela a los que deberia prohibir el juego’ (Tratado de Derecho Penal — Parte General, Bosch, vol. II. H. H. Jescheck, p. 869). É de se observar que o art. 13, do diploma repressivo, é que fixa estes parâmetros, ou seja, só há responsabilidade penal quando o agente deveria (atuando) evitar o resultado, pois, encontrava-se como garante da situação ou tinha em relação à situação fática um dever objetivo de cuidado. Assevera Heleno Cláudio Fragoso: ‘em face da definição da nossa lei, podemos dizer que ela equipara o não impedimento à causação, considerando como causa a omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido, ou seja, quando através de um juízo hipotético, for possível afirmar que a ação esperada, possível e devida, com segurança, teria impedido o resultado’ (in Lições de Direito Penal, José Bushatsky, 1978, p. 226/67). No entanto, tem-se que a conduta do paciente não se encontra inserida naquelas hipóteses previstas na Lei (alíneas ‘a’ a ‘c’, do § 2º, do art. 13, do CP). Em primeiro lugar inexiste norma que imponha ao paciente como sócio-gerente de firma construtora obrigação de cuidado, proteção ou vigilância quanto aos serviços ordinários de sua firma e, sim, de que este deve garantir materialmente a execução dos serviços, o que foi feito, pois a denúncia e sentença colocam bem que o evento delituoso deu-se em razão da operação de montagem e desmontagem do balancim e não em decorrência de causa material direta. Em segundo lugar, não há nada que aponte tenha o paciente assumido a qualquer modo condição de garante que lhe possibilitasse impedir próxima ou remotamente o evento. Por derradeiro, não se pode falar em comportamento anterior imputável ao paciente que tenha criado o risco, a não ser, se se considerasse de forma absurda a contratação de obra e dos empregados como fato gerador do risco. No nosso entender, na espécie, não se vislumbra base que possibilite a apuração de responsabilidade criminal, pois em assim entendendo-se estar-se-ia transplantando para o Direito Penal a responsabilidade objetiva em razão de fato acarretado por preposto (mestre de obra) que tem ressonância no âmbito do direito civil para efeitos de indenização, mas foge ao âmbito do penal, onde a responsabilidade, salvo casos expressos e que guardam entre si nexo de causalidade entre o evento e o resultado, funda-se de modo pessoal. Exemplificando: a prosperar a tese esposada na denúncia, todo e qualquer sócio de rima seria em princípio co-autor dos eventuais atos cometidos por seus empregados quando em serviço, tão-só em face da possível omissão de não Ter verificado previamente as condições operativas de trabalho de seus empregados, embora estes — empregados — fossem técnicos abalizados. A responsabilidade decorrente de péssimas condições de trabalho, omissão em fornecer equipamentos apropriados para a segurança do serviço, imposição de executar trabalhos perigosos, são hipóteses que podem recair no âmbito penal, mais especificamente dentro da relação causa- efeito decorrente de evento específico e, nunca, fundada em base tão- só objetiva. Ora, o não impedimento (omissão), no caso, in concreto, não poderia ser atribuída ao ou aos donos da construtora que tinham como dever de garantia, tão-só, já que estes não executavam concomitantemente, conforme a peça acusatória, atos próprios da construção, a qualidade dos serviços postos à sua disposição, no caso, a contratação de um mestre de obras, no que foi feito. A peça acusatória, no que foi acompanhada pela sentença tão-só alude a responsabilidade objetiva — dever de responder por preposto habilitado — incompatível com a ação penal. A conduta descrita na denúncia é atípica, pois não descrita a ‘inobservância do dever jurídico de cuidado com a que estava adstrito o agente’ (cf. Heleno Fragoso, ob. cit., 269), nem sua posição de garante.”8 Homicídio Culposo – Erro Médico – Responsabilidade Por Omissão. “O erro de diagnóstico e terapia, provocado pela omissão de procedimentos recomendados ante os sintomas exibidos pelo paciente, acarreta responsabilidade médica, nos termos do art. 13, § 2º, ‘b’, do CP, e só pode ser excluído da cadeia causal se houver prova plena de que não comprometeu as chances de vida e integridade da vítima.”9 Homicídio e Lesão Corporal Culposos – Omissão Como Causa. “O resultado de que depende a existência do crime somente é imputável a quem lhe deu causa, entendida esta como a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado, seja por força de lei, seja por ter criado o risco da sua ocorrência (art. 13 e § 2º, CP). É responsável penalmente, a título de crime culposo, o profissional (médico e físico hospitalar) que, atuando no ramo da medicina nuclear, e ciente dos riscos dos equipamentos operados nessa atividade (clínica de radioterapia), resolve deixar equipamento radiológico em prédio abandonado, sem comunicação aos órgãos competentes, com isso ensejando a sua manipulação por pessoas do povo (comerciantes de ferro velho) e a sua contaminação por material radioativo (Césio-137), causando-lhes graves danos — mortes e lesões corporais.”10 Homicídio – Concausa Superveniente. “A concausa superveniente é aquela que derivando-se de um fato de outrem ou de um acontecimento estranho ao agente, se intercala na cadeia causal por este inaugurada. Ora, não fosse a ação do réu do que resultaram as lesões corporais, a septicemia não se instalaria no corpo da vítima, pois, como concluíram os técnicos, a infecção derivou daquelas lesões.”11 Latrocínio – Concausa Superveniente – Caracterização. “No cometimento de roubo a mão armada, já anoitecendo e em acostamento de movimentada rodovia, a eventualidade de precipitar-se uma das vítimas em fuga na direção das autopistas desdobra-se em significância previsível ao agente.”12 8 STF, 2ª T, julg. em 31/mar/89 – RHC 67.286-8 – SP – Rel. Min. Carlos Madeira — RT 644/354. 9 TARS, 3ª CCrim, v. u., em 17/ago/93 – ApCrim 293102406 – Rel. Juiz Fernando Mottola — COAD 63474. 10 TRF da 1ª R, 3ª T, publ. em 17/ago/95 – ApCrim 93.01.03115.9 – GO – Rel. Juiz Olindo Menezes — Síntese 500048. 11 TJSP,5ª CCrim, v. u. em 15/abr/93 – ApCrim 114.382-3/10 – Rel. Des. Celso Limongi — RT 697/280. 12 TJSP, 3ª CCrim, julg. em 9/mai/94 – ApCrim 156.893-3 – Rel. Des. Gonçalves Nogueira — RJ 213/132. Atentado Violento ao Pudor – Corrupção de Menor – Delito Formal. “Se o delito de corrupção de menores só pode ser praticado contra menor de 18 anos e maior de 14 anos, daí resulta que o menor de 14 anos não pode ser sujeito passivo desse crime. Por não ser um delito meramente formal, para que se configure o crime de corrupção de menores, deve ser adequadamente provado que os menores ficaram corrompidos. É de se considerar presente a figura do crime continuado na prática do atentado violento ao pudor, se o réu, por diversas vezes e por mais de um ano, constrangeu a menor a com ele manter ato libidinoso diverso da conjunção carnal.”13 Art. 14. Diz-se o crime Crime consumado I – consumado, quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal; Tentativa II – tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente. Pena de tentativa Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços. Notícia — O artigo 12 da anterior Parte Geral do Código Penal, sem qualquer alteração quanto ao texto, passa a ser numerado como 14, pela Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984. Como ficou explicitado na Exposição de Motivos, (item 14) da nova Parte Geral, ficaram “mantidas, nos arts. 14, 15, 17 e 18, as mesmas regras do Código atual, constantes, respectivamente, dos arts. 12, 13, 14 e 15, relativas aos conceitos de crime consumado e tentado, de desistência voluntária e arrependimento eficaz, de crime impossível, de dolo e culpa stricto sensu.” Tema — Entende-se como crime aquele comportamento humano descrito em lei (tipicidade), praticado comissiva ou omissivamente, que contraria interesse do Estado (antijuridicidade), realizado livre e conscientemente por alguém culpável (culpabilidade). A prática do ilícito penal às vezes (no caso de crime doutrinariamente classificado como plurissubsistente) pode ser dividida em fases que se alongam no tempo (iter criminis). São elas: a) cogitação, espaço temporal inicial em que o agente apenas imagina e projeta a ação delituosa; b) preparação, fase posterior onde já se operam fatos concretos visando a prática delituosa, tais como aquisição ou preparo de arma, escolha do local mais adequado, variáveis de fuga, etc; c) execução, o momento da efetivação do comportamento descrito no recorte criminal, onde ressai a prática indicada no núcleo (verbo); e d) consumação, que se perfaz com o preenchimento de todos os requisitos descritos no preceito legal, fechando-se assim, o ciclo danoso. As duas fases iniciais (a e b), regra geral e salvo disposição específica, são criminalmente impuníveis, pois que atípicas, a teor do inscrito no artigo 14, do Código Penal, que aqui adota o critério objetivo. Observe-se que elas preparam caminho e podem possibilitar o crime, ainda não iniciado 13 TJMG, 3ª CCrim, v. u. publ. em 14/out/95 – ApCrim 42648/6 – Rel. Juiz Kelsen Carneiro — COAD 71691. legalmente, encontrando-se tão-só no plano subjetivo. Não se confundem, portanto, com as duas últimas (c e d), onde já foi deflagrada a ação descrita no tipo e a partir de quando a quebra de continuidade somente é ocasionada por arrependimento eficaz ou por uma interferência externa impeditiva. Fica, por via de conseqüência, fácil de entender o enunciado no inciso I, referindo-se a crime consumado, pois que este implica na presença da totalidade dos elementos contidos na definição legal, vale dizer, foram inteiramente percorridas todas as fases do crime. De outra banda, a tentativa, de que cuida o inciso II, implica na ausência de plenificação do último momento do iter criminis (a consumação). Isto é, o agente não alcança o resultado pleno objetivado, em razão de força alheia à sua vontade, durante a execução (tentativa imperfeita), ou após a realização de toda a execução (tentativa perfeita ou crime falho). Outra hipótese, a que nos referimos, de não complementação dos atos executórios seria a livre decisão do agente em retroceder no seu intento ilícito, dando lugar, então, à aplicação do preceito contido no artigo 15, em sua parte inicial. A tentativa é tão condenável quanto o próprio ilícito consumado e, decorrentemente, é também punível. Considerando, entretanto, que os resultados, na tentativa, são de menor monta a lei manda que se lhe aplique a pena do delito objetivado, diminuída de um e dois terços, se de outra maneira já não estiver regulada. Exemplo desta exceção é o artigo 352, prevendo “Evadir-se ou tentar evadir-se”. Jurisprudência Cogitação. “A mera cogitatio não basta para configurar o conatus.”14 Atos Preparatórios – Homicídio Mediante Pagamento. “Se a ré tencionava matar o ex-exposo, mas quando das prévias tratativas com o agente policial, que se fazia ardilosamente passar por matador de aluguel, surpreendida vem de ser por ele presa em flagrante — deixa este de prevalecer — porquanto não indo o proceder incriminado além de simples atos preparatórios, a tentativa de homicídio não se tipificou, ademais de se ter para a hipótese verdadeiro crime impossível.”15 Atos Preparatórios – Impunibilidade. “Em vista do critério do art. 14, II, do CP, nem a cogitação do crime, nem os atos preparatórios são puníveis. O inciso fala em : ‘iniciada a execução’.”16 Atos Preparatórios – Início de Execução. “Desde que os agentes, de conformidade com o plano criminoso, adrede cogitado, se encontram preparados para um assalto e prestes a consumá-lo, iniciam sua execução, ainda que não desenvolvendo atividade típica, por circunstâncias alheias às suas vontades, tem-se como configurada mera tentativa.”17 Momento Consumativo – Apropriação Indébita. “O momento consumativo do crime de apropriação indébita e, pois, de aperfeiçoamento do tipo, 14 TJSP, Rel. Des. Marino Falcão — RT 605/287. 15 TJSP, Rel. Des. Gonçalves Nogueira — RT 703/279. 16 TAPR, 2ª CCrim, v. u. em 21/mar/90 – HC 36.137-5 – Rel. Juiz Idevam Lopes — RT 669/356. 17 TACrim/SP – Rel.: Juiz Gonzaga Franceschini — RT 601/351. coincide com aquele em que o agente, por ato voluntário e querido, inverte o título da posse exercida sobre a coisa, passando dela a dispor como proprietário, e o crime, uma vez operada a inversão, está perfeito e acabado.”18 Tentativa – Homicídio. “Incomprovado o animus necandi19 e emergente da prova a desistência voluntária de prosseguimento na agressão, impõe-se a desclassificação para tentativa de homicídio.”20 Tentativa – Roubo. “Sem que ocorra a efetiva subtração, mostra-se improvável a aceitação do roubo como consumado. E por efetiva subtração há que se entender aquela que afasta significativamente o bem da esfera de vigilância e disponibilidade do seu titular, assegurando ao agente posse tranqüila, desvigiada e incontestável dela.”21 Tentativa – Estupro. “Revelando o auto de exame de corpo de delito que as vítimas são virgens e nada informando sobre a circunstância de serem possuidoras de hímen complacente ou tolerável, não há que se falar em crime de estupro consumado. Se não há introdução do membro viril ou se ocorre simples contato superficial dos órgãos genitais, deverá ser reconhecida a tentativa de estupro.”22 Tentativa – Tóxico – Tráfico Internacional. “Não se consumou o tráfico internacional se a res não ultrapassoua fronteira, nem o agente teve a posse tranqüila da coisa em território brasileiro. Está caracterizada, neste caso, uma tentativa, um início de execução de um crime de tráfico, para o qual o legislador previu pena menor, a ser calculada mediante o auxílio da regra amplificadora da tipicidade, que pune a tentativa. Se o réu importou, na forma tentada, uma das condutas permutáveis da enumeração legal, excluído ficou o transporte, na forma consumada, até mesmo porque solução mais favorável ao réu, que limita a discricionariedade judicial.”23 Tentativa – Redução da Pena – Fundamentação. “Da mesma forma que se exige fundamentação para a aplicação da pena acima do mínimo legal, idêntica exigência se faz em relação à redução da reprimenda pela tentativa. Assim, se o magistrado não justifica a redução mínima, em razão do delito tentado, deve-se aplicar a redução máxima, ou seja, dois terços.”24 Tentativa – Crime Culposo – Inadmissibilidade. “Tentativa e culpa são noções antitéticas, pois o agente, na tentativa, fica aquém do que queria e, na culpa, vai além do que desejara. Assim, impossível submeter ao Júri o quesito do excesso culposo nos delitos de tentativa de homicídio, dada a inexistência, em nosso sistema penal, da figura da ‘tentativa de homicídio culposo’.”25 18 TACrim/SP, 14ª C, v. u. em 24/out/95 – ApCrim 952959/7 – Rel. Juiz Oldemar Azevedo — COAD 72706. 19 Animus Necandi: expressão latina (idêntica a animus occidendi) significando intenção de matar, figuras previstas nos artigos 121 a 128 do Código Penal. 20 TJTO, UCCrim, 3ª Tj, v. u., em 08/jun/94 – RSE 111/93 – Rel. Des. Antônio Félix — DJTO 241, pp. 22/3. 21 TJSP, 1ª CCrim, julg. em 19/set/94 – ApCrim nº 165.879-3 – Rel. Des. David Haddad — Síntese 500057. 22 TJRJ, 2ª CCrim, julg. em 3/mai/94 – ApCrim nº 1.179/92 – Rel. Des. José Lucas Alves de Brito — Síntese 500050. 23 TRF da 4ª R, 2ª T – ApCrim 95.04.09512.7 – PR – Rel. Juiz Dória Furquim — DJU de 25/out/95. 24 TACrim/SP – Rel. Juiz Albano Nogueira — RT 563/348. 25 TJMG – Rel. Des. Monteiro de Barros — RT 620/336. Desistência voluntária e arrependimento eficaz Art. 15. O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados. Notícia — A Lei nº 7.209/84 numera, como 15, o artigo 13 da primitiva Parte Geral do Código Penal, substituindo-lhe a expressão desiste da consumação do crime por desiste de prosseguir na execução. Tema — O desistir de prosseguir na execução implica necessariamente em renunciar à consumação do crime, independentemente do motivo. Quebra-se, por essa via, o iter criminis no que respeita às suas duas últimas fases (execução e consumação). Forçoso é fazer a distinção entre a desistência voluntária e o arrependimento eficaz. Na primeira, o agente, conscientemente, cessa a prática dos atos executórios, não mais procurando a obtenção do resultado inicialmente desejado. No segundo, o agente, mesmo depois de praticados todos os atos de execução, busca voluntária, espontânea e eficazmente impedir o resultado. Em ambos os casos a renúncia ao ilícito é voluntária, mas não necessariamente espontânea. Nesta voluntariedade, aliás, reside a distinção que se faz entre estes e a tentativa, onde a quebra do iter criminis verifica-se por força estranha e superior à do agente. Tanto na desistência voluntária quanto no arrependimento eficaz o autor somente será responsabilizado pelos atos até então praticados. Doutrinariamente procura-se verificar se a desistência voluntária e o arrependimento eficaz seriam causa de exclusão da punibilidade ou de atipicidade da conduta. Admitir a exclusão da punibilidade por motivos de política criminal é a posição albergada pelo saudoso Celso Delmanto e a quem seguimos neste ponto. Exemplos: a) Desistência voluntária, furto — A ingressa sorrateiramente na casa de B com o intuito de subtrair pequenos objetos. Após colocar vários deles em uma caixa e já à porta de saída, resolve voluntariamente (por medo de ser descoberto posteriormente, puro arrependimento, etc.) repor tudo nos devidos lugares, procurando, em seguida, abandonar o local. b) Tentativa de furto — A ingressa sorrateiramente na casa de B com a intenção de subtrair pequenos objetos. Após colocar vários deles em uma caixa e já à porta de saída é surpreendido por C. Assustado, abandona a caixa com os objetos e procura fugir do local. c) Arrependimento eficaz, homicídio — A pretendendo assassinar B desfere-lhe dois golpes de faca. Vendo a vítima caída e inteiramente à sua mercê, ao invés de continuar investindo contra a mesma, coloca-a em um veículo e busca um médico para que preste os socorros necessários para salvar a vida da vítima. Jurisprudência Desistência Voluntária – Caracterização. “Quando a não consumação do delito ocorrer por ato voluntário de quem iniciou o processo executivo, inexistirá crime tentado. Só responderá o agente, pelos atos já praticados.”26 Desistência Voluntária – Configuração. “A desistência voluntária só pode ser reconhecida quando demonstrada por atos objetivos e que permitam identificar o retrocesso da intenção até então manifestada no desejo, ou dolo, de obter a realização do evento.”27 Desistência Voluntária – Espontaneidade e Voluntariedade – Não Configuração. “Não há falar em arrependimento eficaz ou em desistência voluntária se o iter criminis foi interrompido por circunstâncias alheias à vontade do acusado. Não há confundir espontaneidade com voluntariedade.”28 Desistência Voluntária – Não exigência da Espontaneidade. “Para a caracterização da desistência voluntária não se exige eu a renúncia do propósito criminoso seja espontânea, bastando que seja voluntária. Qualquer que seja a motivação do agente, é suficiente que não tenha sido obstado por causas exteriores, independentes de sua vontade. É indiferente a razão interna do arrependimento ou da mudança de propósito: a recompensa da impunidade (parcial, no caso) é condicionada exclusivamente à efetividade da voluntária não consumação do crime.”29 Desistência – Requisito da Voluntariedade – Tentativa. “A desistência voluntária somente se configura se a renúncia ao resultado da ação criminosa decorre de circunstâncias internas à pessoa do agente como o medo, a piedade, o receio de ser descoberto, a decepção com a vantagem do crime, o remorso, a repugnância pela conduta, etc. Mas se a circunstância for alheia à vontade do agente a hipótese é de tentativa.”30 Desistência Voluntária e Tentativa. “A desistência voluntária somente ocorre quando não forçada por elementos circunstanciais, hipótese em que deve ser reconhecida a figura da tentativa.”31 Desistência e Arrependimento Eficaz – Causas de Extinção da Punibilidade. “Trata-se de um benefício concedido por razões de política criminal; um prêmio pelo afastamento do desistente ou do arrependido de seu projeto criminoso. Se o poder estatal cominasse, nessas situações, sanção punitiva, correr-se-ia o risco mais sério de incentivar o agente a complementar a ação delituosa, impelindo-o à fase consumativa. Mas, se o próprio agente se incumbe, por vontade própria, de suspender a execução do delito ou de obstar, de forma ativa, à concretização do resultado criminoso, atende a um interesse político do Estado que seja ele recompensado com a impunidade, 26 TJSP, 5ª CCrim, julg. em 8/abri/92 – ApCrim 118.308-3/2 – Rel. Des. Celso Limongi — RT 682/312. 27 TJSP, 3ª CCrim, v. u. em 18/jul/90 – ApCrim 73.025-3– Rel. Des. Silva Leme — RT 664/256. 28 TJSP – Rel. Des. Dirceu de Mello — RT 599/325. 29 TJSC, 3ª CCrim, v. u. em 29/jun/89 – RCrim 8647 – Rel. Des. Reynaldo Alves — RT 649/305. 30 TACrim/SP – Rel. Juiz Ralpho Waldo — RT 586/321. 31 TACrim/SP, 1ª C, v. u., em 21/mai/92 – ApCrim 697.337-1 – Rel. Juiz Silva Rico — RT 688/326. respondendo exclusivamente pelos atos já realizados, desde que corporifiquem crimes ou contravenções, menos graves, já consumados.”32 Denunciação Caluniosa – Retratação – Arrependimento Eficaz. “Válida a retratação do agente de denunciação caluniosa feita poucas horas após a imputação, não permitindo nem mesmo o início das investigações contra a vítima, eis que não consumado, portanto, o crime, caracterizando o arrependimento eficaz. Ademais, feita a atribuição falsa em autodefesa quando interrogado o agente na polícia, não se configura o crime do art. 339 do CP.”33 Tóxico – Arrependimento Eficaz – Hipótese de Não Configuração. “Não há falar em arrependimento eficaz face à apresentação espontânea do tóxico à Polícia, feita pelo acusado, uma vez que, com a aquisição e guarda do mesmo, já consumara o delito.”34 Atos Preparatórios – Desistência Voluntária – Co-autoria. “Não há falar-se em co-autoria quando se dá a desistência voluntária do agente, ou seja, inocorre o vínculo psicológico inserindo a vontade individual na coletiva, antes que o iter criminis haja ultrapassado a fase dos atos preparatórios.”35 Desistência, Arrependimento e Exaurimento. “Tratando-se de delito consumado, não há, na hipótese, falar em desistência voluntária ou arrependimento eficaz. Essas figuras tipificam-se quando o agente desiste de prosseguir na execução do delito voluntariamente. somente se pode desistir de prosseguir na execução de um delito quando este não se consumou. Se já ocorreu a consumação, qualquer desistência ou arrependimento é inócuo. Não se pode desistir de algo que já foi concretizado.”36 Arrependimento posterior Art. 16. Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços. Notícia — O dispositivo é inteiramente novo, fruto da Lei nº 7.209/84. Tema — O presente dispositivo é decorrente de política criminal visando objetivos específicos: a) o arrependimento e a emenda do agente delituoso; e b) o rápido e eficaz ressarcimento patrimonial sofrido pela vítima. A teor do insculpido no mandamento são requisitos para a redução da reprimenda: a) reparação do dano ou restituição da coisa; b) voluntariedade do agente; c) observância do limite temporal (denúncia ou queixa) para a prática do ato voluntário. Uma vez preenchidos tais requisitos, obrigatória passa a ser a redução da pena, nos limites indicados, e não devendo ser confundida com a atenuante prevista no artigo 65, inciso III, alínea b. 32 TACrim/SP – Rel. Juiz Paulo Franco — RT 632/325. 33 TJSP, 1ª CFer, julg., em 30/jan/91 – HC 102.517-3 – Rel. Des. Nélson Fonseca — RT 669/309. 34 TACrim/SP – Rel. Juiz Dínio Garcia — RT 468/363. 35 TAMG, CCReun, v. u. em 26/nov/89 – RevCrim 659 – Rel.: Juiz Edelberto Santiago — RT 640/338. 36 TACrim/SP, 6ª C, v. u. em 7/jun/89 – ApCrim 570.703-1 – Rel. Juiz Almeida Braga — RT 644/302. Exemplos: a) Arrependimento posterior, abigeato — A furta quinze bezerros pertencentes a B. Instaura-se o devido inquérito policial e se chega ao autor do fato. Tendo noticia das conclusões policiais, imediatamente A procura B e lhe restitui todos os animais. b) Arrependimento posterior, estelionato — A compra um aparelho de TV à firma B, utilizando, como pagamento, um cheque pessoal que sabe não ter a devida provisão de saldo. Após saber que a ordem de pagamento à vista foi devolvida pelo banco, A procura a empresa com valor em dinheiro correspondente ao cheque e concretiza o pagamento. Jurisprudência Arrependimento Posterior – Amenização da Pena. “O arrependimento posterior (CP, art. 16) introduzido pela Reforma Penal, de 1984, é causa especial de diminuição de pena. Não exclui a criminalidade. Ameniza, em homenagem à conduta do réu, o rigor penal.”37 Arrependimento Posterior – Lesão Corporal – Ressarcimento de Danos Materiais. “Faz jus à diminuição de pena prevista pelo art. 16 do CP o agente que antes do recebimento da denúncia ressarciu os danos materiais causados pelo crime mas não reparou os danos físicos porque a vítima a estes renunciou alegando, no contraditório, a inexistência de quaisquer despesas relacionadas às lesões a ela culposamente causadas.”38 Arrependimento Posterior – Reparação de Danos – Extensão aos Co- autores. “A reparação do dano é um dado do mundo da realidade, portanto circunstância objetiva, que não se restringe à esfera pessoal de quem a realiza, tanto que extingue a obrigação erga omnes. Estende- se, portanto, aos co-autores e partícipes, condenados pelo mesmo fato.”39 Arrependimento Posterior – Cheque Sem Fundos – Ressarcimento – Súmulas 246 e 554 do STF. “Validade dos verbetes sumulados e sua compatibilização com o art. 16 da nova Parte Geral do Código Penal. Havendo fraude na emissão do cheque sem fundos, o pagamento deste caracteriza o arrependimento posterior (art. 16 do CP). Não havendo fraude — situação que muitas vezes se revela pelo pagamento antes da denúncia — não há crime a punir.”40 Arrependimento Posterior Alegado – Não Comprovação. “Se não se acha demonstrado, nos autos, o alegado ressarcimento do prejuízo causado à Fazenda Pública, não há falar-se em redução de pena por efeito de arrependimento posterior.”41 Arrependimento posterior – Peculato. “Restituição do valor apropriado aos cofres públicos, ainda que com alguma pressão procedimental, antes 37 STJ, 6ª T, publ. em 29/mar/93 – RHC 2.020-2 – SP – Rel. Min. Vicente Cernicchiaro — Síntese 500067. 38 TACrim/SP, 9ª C, v. u. em 18/jul/90 – ApCrim 593.875-2 – Rel. Juiz Haroldo Luz — RT 664/285. 39 STJ, 5ª T, publ. em 6/fev/95 – RHC 4.147-1 – SP – Rel.: Min. Assis Toledo — Síntese 500068. 40 STJ, 5ª T, publ. em 11/dez/89 – RHC 381 – DF – Rel. Min. Assis Toledo — Síntese 500071. 41 STF, Pleno, julg. em 28/jun/91 – HC 68.742-3 – DF – Rel. Min. Ilmar Galvão – RT 698/448. do recebimento da denúncia. Circunstância que, aliada à primariedade do agente, possibilita a diminuição da reprimenda no grau máximo. Inteligência e aplicação do art. 16 do CP.”42 Arrependimento Posterior – Reparação de Danos Por Familiares. “Sutilezas de detalhes como a presença do réu no momento do pagamento, ou a providência por terceiro, em seu nome, no caso, seu irmão, não podem militar em desfavor da aplicação da redução da pena reclamada.”43 Crime impossível Art. 17. Não se pune a tentativa quando, por ineficácia do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar- se o crime. Notícia — A rubrica de crime impossível já constava da anterior Parte Geral do Diploma Penal, como artigo 14. A Lei nº 7.209/84 numerou-o como 17 e manteve intacta a sua redação, excluído apenas a remissão ali constante, referente à aplicação da medida de segurança (hoje, artigo 96). Tema — Duas hipóteses distintas de crime impossível se nos apresentam no preceito comentado. A primeira quando se procura praticar um delito utilizando-se de meio totalmente ineficaz. É o caso de tentar matar alguém com disparo de arma de fogo e usando como recurso um revólver desmuniciado. Ou, procurarcomprar algo utilizando-se de moeda visível e grosseiramente falsificada e elaborada inclusive em papel comum. Ou, ainda, exemplo clássico, envenenar alguém utilizando-se de substância inócua. A segunda, refere-se ao objeto material do delito ser absolutamente impróprio para a caracterização da figura criminal. Seria, verbi gratia, o caso de transportar ou vender leite em pó imaginando tratar-se de cocaína. Ou, o agente tentar furtar um veículo de sua propriedade. Ou, mais uma referência clássica, esfaquear um cadáver pretendendo assassinar alguém. É de lembrar-se, neste ponto, que se enquadra na categoria de crime impossível, salvo melhor juízo, o chamado flagrante preparado, porquanto os meios utilizados serão sempre necessariamente ineficazes. Alfim, é de gizar-se que a presente rubrica não se confunde com o crime putativo, isto é, o crime imaginário. Neste caso, o agente acredita praticar um delito que, em verdade, não se encontra descrito em lei. Temos, nesta última hipótese, um fato atípico simplesmente. Exemplos: a) Crime imaginário, sedução — A, sendo virgem e contando com 20 anos de idade, é persuadida por B a manter relações sexuais com o mesmo. B acredita ter praticado sedução, crime inclusive não mais existente em nossa legislação. b) Crime imaginário, furto — A subtrai, sem qualquer violência, um relógio do seu pai e posteriormente o vende para conseguir dinheiro, acreditando ter comedido um furto. 42 TJSP, 2ª CCrim, julg. em 3/set/90 – ApCrim 82.134-3 – Rel. Des. Ângelo Gallucci — RT 671/302. 43 TACrim/SP, 4ª C, julg. em 6/ago/91 – EmbInf 605.483-3 – Rel. Juiz Walter Theodósio — RT 685/325. Jurisprudência Crime Impossível – Ineficácia Absoluta do Meio. “Não se caracteriza tentativa de furto, por ineficácia absoluta do meio, se o agente que pretendia adentrar em estabelecimento comercial pelo telhado, não dispunha das ferramentas necessárias para perfurar a laje respectiva.”44 Crime Impossível – Ineficácia do Meio Utilizado. “Pratica crime impossível o agente que não ignora a absoluta ineficácia do meio utilizado, ante o rígido controle exercido sobre os marcadores acumulativos, destinados ao registro da retirada dos combustíveis e da entrada de dinheiro. Com a adoção integral da teoria objetiva pela Lei nº 7.209/84, o autor do crime impossível fica isento de pena e de qualquer medida de segurança, uma vez abolida a figura do ‘quase- crime’.”45 Crime Impossível – Ineficácia Absoluta do Meio Empregado. “Se desde o início a vítima percebeu a fraude, inidôneo, portanto, o meio iludente, empregado, não há tentativa de estelionato punível, mas crime impossível.”46 Crime Impossível – Homicídio – Ineficácia Absoluta do Meio Utilizado. “Estando o revólver empunhado pelo réu desmuniciado, com todas as balas já deflagradas, absolutamente ineficaz o seu uso para a prática do homicídio. Tem-se, na espécie, pois, autêntica tentativa impossível.”47 Crime Impossível – Flagrante Preparado. “Ré que é induzida a contratar falso pistoleiro. Prisão em flagrante quando do pagamento de parte do dinheiro exigido pelo agente provocador. Atos meramente preparatórios. Hipótese de crime impossível. Trancamento da ação penal por falta de justa causa. HC concedido. Inteligência dos arts. 14, II, e 17 do CP.”48 Crime Impossível – Flagrante Preparado – Tráfico de Tóxico. “Entende- se por agente provocador aquele que, por iniciativa própria ou por iniciativa da autoridade policial, induz outrem à prática de infração penal com o fito de vê-lo devidamente sancionado ou, como define Cavaleiro de Ferreira, é aquele que pretende ou instiga o executor a cometer uma tentativa de crime, com o fim de evitar a consumação ou obter prova de um crime ideado ou em vias de realização pelo executor. Trata-se, no caso, do chamado crime de experiência ou de ensaio. Tem- se entendido, tanto do ponto de vista doutrinário, como do prisma jurisprudencial, que se cuida, na espécie, de crime putativo, porque embora a inidoneidade não exista no meio ou no objeto, existe no conjunto de circunstâncias, adrede preparadas, que eliminam a possibilidade de constituir-se em crime. Há apenas um simulacro de ação que concretiza o tipo. Somente na aparência é que ocorre um crime exteriormente perfeito. Na realidade o seu autor é apenas um protagonista inconsciente de uma comédia. O elemento subjetivo do crime existe, é certo, em toda a sua plenitude; mas, sob o aspecto 44 TACrim/SP, 8ª C, v. u. em 20/ago/92 - ApCrim 668.893-7 – Rel. Juiz Silva Pinto — RT 692/286. 45 TJDF, 2ª T, publ. em 13/mai/92 – ApCrim 11.922 – DF – Rel. Des. Lécio Resende — Síntese 500076. 46 TAPR, Rel. Juiz Idevan Lopes — RT 669/356. 47 TJSP – Rel. Des. Camargo Sampaio — RT 514/336. 48 TJSP, 3ª CCrim, julg. em 4/out/93 – HC 153.111-3/0 – Rel. Des. Gonçalves Nogueira — RJ 206/123. objetivo, não há violação da lei penal, senão uma insciente cooperação para a ardilosa averiguação da autoria de crimes anteriores, ou uma simulação, embora ignorada do agente, da exterioridade do crime.”49 Crime Impossível – Furto – Cheque Sem Preenchimento. “Não configura crime de furto a subtração de cheque em branco, em razão da ausência de seu valor econômico, incapaz de representar, por si só, perigo ao bem jurídico tutelado, não havendo tampouco de se cogitar de tentativa, por enquadrar-se tal ato na figura jurídica do crime impossível (art. 17 do CP).”50 Crime Impossível – Apropriação Indébita – Impropriedade do Objeto. “Sendo o crédito do réu maior que o débito, existe até mesmo absoluta impropriedade do objeto material do crime de apropriação indébita, de sorte que impossibilitada a consumação. Em casos tais, o que se vislumbra é o crime imaginário ou impossível, não punido pela sistemática penal em vigor.”51 Crime Impossível – Impropriedade do Objeto. “Ocorre crime falho ou impossível se, não obstante realizados os atos de execução do roubo, este, porém, não se consuma, por não trazer a vítima qualquer valor consigo. Trata-se, pois, de inidoneidade absoluta do objeto.”52 Crime Impossível – Impropriedade Relativa – Crime Tentado. “Em tema de roubo não há que se falar em crime impossível, mas, sim, em delito tentado, na conduta do agente que, praticando atos idôneos de começo de execução, vê frustrados seus objetivos pelo fato de encontrar-se a vítima desprovida de qualquer bem. Em tal caso, é relativa, e não absoluta, a impropriedade do objeto.”53 Crime Impossível – Furto Tentado – Bagatela. “Tentativa de subtração de lata de leite condensado e de lanterna em supermercado. Fato penalmente irrelevante pela insignificância do valor da res furtiva insuscetível de lesionar o interesse protegido, aliado à ausência de perigosidade social da conduta incriminada, não justifica o reconhecimento do crime nem a imposição de pena. Inidoneidade absoluta do meio empregado. iter criminis executado sob a observação atenta da segurança da empresa que somente atua quando possibilitada a configuração do ilícito tentado. Denúncia rejeitada.”54 Crime Impossível x Furto Tentado. “Respondem por furto tentado as agentes que, após ocultarem sob as vestes mercadorias expostas à venda em supermercado, saíram do estabelecimento sem nada pagar, mas acabaram detidas por funcionário de segurança que presenciou a subtração e as seguiu até o estacionamento da loja. A hipótese não caracteriza crime impossível, porque essa conduta, valorada de acordo com o plano concreto do fato, no momento do começo da execução, colocou em perigo o patrimônio da vítima,pois, além de suficiente ao apoderamento da coisa alheia, mostrou-se apta ao desapossamento, 49 TJSC, 2ª CCrim, v. u. publ. em 9/jun/95 – HC 12138 – Rel. Des. Álvaro Wandelli — COAD 71686. 50 TAMG, 1ª CCrim, julg. em 26/nov/91 – ApCrim 118.579-7 – Rel. Juiz Caio de Castro — RT 693/390. 51 TACrim/SP – Rel. Juiz Silva Pinto — RT 631/315. 52 TACrim/SP – Rel. Juiz Ercílio Sampaio — RT 517/363. 53 TACrim/SP – Rel. Juiz Manoel Carlos — RT 595/378. 54 TARS, 1ª CCrim, julg. em 14/ago/91 – RSE 291.063.840 – Rel. Juiz Léo Afonso Enloft Pereira — Síntese 500080. afinal não consumado por contingências alheias à vontade das autoras.”55 Art. 18. Diz-se o crime: Crime doloso I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo; Crime culposo II – culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Parágrafo único. Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. Notícia — O artigo 15, do Decreto-Lei nº 2.848/40, foi renumerado como 18 na nova Parte Geral do Código Penal, ex vi da Lei nº 7.209/84, não se produzindo alteração no texto, apesar de ser dividida a rubrica. Tema — Já conceituamos crime como o comportamento humano descrito em lei (tipicidade), praticado comissiva ou omissivamente, que contraria interesse do Estado (antijuridicidade), realizado de forma livre e consciente por alguém culpável (culpabilidade). Temos, portanto, que a tipicidade, a antijuridicidade e a culpabilidade são elementos constitutivos essenciais da conduta humana tida como delituosa. Vale dizer: uma conduta pode ser prevista em lei (típica) e contrária ao Direito (antijurídica), porém não sendo culpável não constitui crime, como no caso daquela cometida por inimputável; a ação poderá ser cometida de forma livre e consciente (culpável) e encontrar-se prevista em lei (típica), mas se não for oposta ao interesse do Estado (antijurídica) não será delituosa, a exemplo do homicídio praticado em legítima defesa; o comportamento poderá apresentar- se como livre e consciente (culpável) e contrariar de alguma forma o interesse do Estado, contudo se não estiver descrita em lei criminal (tipicidade) também não constituirá ilícito penal. Em resumo, somente estaremos diante dum crime quando, numa relação lógica necessária, a conduta for típica, antijurídica e culpável e é nessa ordem que deve ser analisada. Inicialmente constatar-se a tipicidade da ação; e, em existindo, procura-se verificar a antijuridicidade; ocorrendo os dois primeiros pressupostos, e somente aí, procura-se verificar a culpabilidade. Esta, por via de conseqüência, é o terceiro e último elemento constitutivo e caracterizador do fenômeno criminoso. A culpabilidade resume-se na potencial consciência da ilicitude em relação à conduta, na liberdade da sua prática e na exigibilidade de conduta diversa (culpa), apresentando-se, portanto, como o nexo psicológico interligando o sujeito ativo do delito e o evento danoso. Tal culpabilidade poderá apresentar-se na forma de dolo ou de culpa stricto sensu. Reforçando, sem dolo e sem culpa não existe crime. O nosso Código Penal, com a reforma introduzida pela Lei nº 7.209, de 11 de julho de 1984, não alterou seu posicionamento 55 TACrim/SP, 2ª C, v. u. em 23/ago/90 – ApCrim 615.609-5 – Rel. Juiz Haroldo Luz — RT 664/292. acerca da matéria agora tratada. Três teorias (a da vontade, a da representação e a do consentimento) procuram explicar o que seja dolo. Tais hipóteses representam uma evolução no pensamento da Ciência Criminal. Segundo a teoria da vontade, o dolo implica em comportamento conscientemente dirigido para a prática de ato que se sabe ser contrário à lei. Já a teoria da representação entende o dolo como a previsibilidade do resultado, independentemente da vontade de produzi-lo. Por sua vez, a teoria do consentimento (ou do assentimento) diz ser dolosa a conduta do agente que, apesar de não desejar o resultado, prevê a sua possibilidade e dá o seu assentimento à ocorrência eventual. Como se vê, a teor do inciso I, do artigo ora gizado, adota-se, entre nós, tanto a teoria da vontade quanto a teoria do assentimento, fazendo-se referência às duas formas de dolo: 1) o direto, aquele em que o agente deseja um determinado resultado bastante preciso; e 2) o indireto, onde o agente não determinou de forma precisa seu objetivo. O dolo indireto, por seu turno, poderá ser: a) eventual, quando o sujeito não o quer, porém conscientemente assume o risco de produzir um resultado criminalmente reprovável; e b) alternativo, em que a vontade do agente é dirigida para dois ou mais resultados, indiferentemente. No que respeita à culpa, tratada no item II, do presente mandamento, fica clara a adoção do critério da previsibilidade como limite de distinção entre a culpa e o caso fortuito, como ensina Nelson Hungria.56 Identificam-se, assim, três modalidades de culpa: a) imprudência, ao praticar-se ato sabidamente perigoso, agindo-se com desleixo comissivo, num ato de afoiteza (culpa in comittendo); b) negligência, pela qual se deixa de observar cuidados necessários de precaução, cuidando-se de ação omissiva (culpa in omittendo); e c) imperícia, que se caracteriza por falta de capacidade técnica, teórica ou prática, para a realização dum determinado ato. Neste último caso, concordando com Celso Delmanto, entendemos somente ser aplicável às pessoas no exercício de arte, ofício ou profissão. 57 O parágrafo único deste artigo 18 estabelece que somente se pune alguém por fato previsto como crime se a pratica resultar de dolo. Em se tratando de conduta culposa a reprimenda somente pode ser imposta se expressamente assim o dispuser a lei. Tal mandamento coaduna-se perfeitamente com o princípio da reserva legal, expresso no artigo 1º, do Código Penal, e no inciso XXXIX, do artigo 5º, da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988. Exemplos: a) Crime doloso, homicídio — A discute com B em público e por questão de pouca monta. B, sentindo-se ofendido, procura A, no dia seguinte, em sua residência, e sem qualquer aviso, desfere- lhe 6 tiros de revólver, em conseqüência dos quais A vem a falecer. 56 Nelson Hungria, Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1958, 4ª ed., Vol. I, Tomo II, p. 184. 57 Celso Delmanto, Código Penal Comentado, Rio de Janeiro, Renovar, 3ª ed. (atualizada e ampliada por Roberto Delmanto), 1991, p. 31. b) Crime culposo, imprudência — A, tem sérios problemas de visão que o obrigam a usar óculos corretivos. Durante uma viagem em seu automóvel tem as lentes dos óculos quebradas e, em decorrência, não mais consegue enxergar com precisão. Apesar deste fato, ele resolve continuar dirigindo o veículo e finda por chocar-se com a traseira de outro veículo, provocando lesões corporais em passageiro. c) Crime culposo, negligência — A, fazendeiro, manipula constantemente substâncias agrotóxicas. O depósito em que as armazena é de fácil acesso a qualquer pessoa, inclusive crianças. B e C, filhos menores de um dos empregados da fazenda, resolvem brincar com as substâncias tóxicas e findam por intoxicarem-se gravemente. d) Crime culposo, imperícia — A, motorista amador, resolve dirigir um caminhão-carreta de sua propriedade, totalmente carregado, em auto-estrada movimentada. Em conseqüência, provoca acidente danificando um outro veículo e causando lesões em terceiros. e) Crime culposo, imperícia — A, médico veterinário, resolve ministrarmedicamentos a B, visando curar-lhe uma determinada enfermidade. B vem a sofrer graves lesões com a ingestão dos remédios prescritos. f) Crime culposo, culpa consciente — A, exímio atirador, pede a B que segure um cigarro entre os dedos para que o possa cortar ao meio com um tiro de revólver. A tem consciência de que pode ocorrer uma lesão em B, caso haja um erro de pontaria, mas confia inteiramente na sua habilidade. Apesar disto, termina por atingir B, causando-lhe lesão corporal. g) Dolo eventual — A, piloto profissional, resolve testar a velocidade máxima de um veículo de passeio em uma estrada vicinal. Ele tem consciência de que um pedestre ou animal pode cruzar aquela via, ocasionando um acidente. Apesar disto ele concretiza seu intento, não se preocupando com qualquer resultado danoso que possa acontecer. Como decorrência, finda por atropelar uma criança. Jurisprudência Culpabilidade – Inexigibilidade de Conduta Diversa. “Culpabilidade e responsabilidade são conceitos que não se confundem, conforme vimos. Exprime, contudo, aspectos distintos da mesma realidade, já que culpabilidade implica (acarreta) sempre responsabilidade. Quem é culpado é responsável e quem é responsável pode ser chamado a prestar contas pelo fato a que deu causa. Como, entretanto, em Direito Penal a responsabilidade é pessoal e intransferível (ninguém pode ser punido por um comportamento que não seja seu), torna-se indispensável, antes da aplicação da pena, fixar-se, de uma vez por todas, a quem pertence verdadeiramente a ação que se quer punir. E isso precisa ser feito não com um significado puramente processual (que também é importante, na determinação da autoria), mas em sentido penalístico, mais profundo, ou seja: há que se estabelecer se a ação que se quer punir pode ser atribuída à pessoa do acusado, como algo realmente seu, ou seja, derivado diretamente de uma ação (ou omissão) que poderia ter sido por ele de algum modo evitada. Essa possibilidade de evitar, no momento da ação ou da omissão, a conduta reputada criminosa é decisiva para a fixação da responsabilidade penal, pois, inexistindo tal possibilidade, será forçosa a conclusão de que o agente não agiu por conta própria, mas teve seus músculos acionados, ou paralisados, por forças não submetidas ao domínio de sua inteligência e/ou vontade. Há, pois, que se distinguir a mera causa física do comportamento humano ‘responsável’. Em outras palavras: o que é impossível de ser evitado só pode ser reconduzido ao mundo físico, puramente causal, não à pessoa humana, entendida esta como sujeito responsável, isto é, dotado, no mundo das relações inter-humanas, da faculdade de dizer ‘sim’ ou ‘não’, dentro de determinadas circunstâncias e, é claro, de certos limites. Ora, essa fixação de responsabilidade pessoal pelo fato-crime, que antecede a aplicação da pena criminal e que não se confunde com o anterior — é também necessário — ‘acertamento’ da autoria, é feita no âmbito do juízo de culpabilidade, mediante a constatação de que o agente, no momento da ação ou da omissão, embora dotado de capacidade, comportou-se como se comportou, realizando um fato típico penal, quando dele seria exigível, nas circunstâncias, conduta diversa. A contrario sensu, chega-se à conclusão de que não age culpavelmente — nem deve ser, portanto, penalmente responsabilizado pelo fato — aquele que, no momento da ação ou da omissão, não poderia, nas circunstâncias, ter agido de outro modo, porque, dentro do que nos é comumente revelado pela humana experiência, não lhe era exigível comportamento diverso. A inexigibilidade de outra conduta é, pois, a primeira e mais importante causa de exclusão da culpabilidade. E constitui um verdadeiro princípio de Direito Penal. Quando aflora em preceitos legislados, é uma causa legal da exclusão. Se não, deve ser reputada causa supralegal, erigindo-se em princípio fundamental que está intimamente ligado com o problema da responsabilidade pessoal e que, portanto, dispensa a existência de normas expressas a respeito.”58 Culpabilidade – Inexigibilidade de Conduta Diversa – Norma Jurídica e Realidade Histórica. “Se o Direito reflete a vida, obviamente, na interpretação da norma penal, o aplicador há de recorrer também a elementos de ordem histórica, de sorte que não poderá ignorar a situação em que se encontrava a sociedade no momento em que, aparentemente, alguém veio a transgredi-la. Há de meditar sobre o ‘porquê’ dessa transgressão; há de apurar, acuradamente, a finalidade com que o agente praticou o fato, para averiguar se era razoável exigir-lhe conduta diversa; há, enfim, de sopesar as imposições e pressões criadas por uma terrível crise econômica, geradora de certas distorções e anormalidades incontornáveis. Relevante insistir que o conceito de certos valores pode ser diferentemente sopesado de acordo com as épocas ou os locais em que são invocados. Com os pés no chão, sentido as generalizadas dificuldades de um nefasto momento histórico, deve o juiz aplicar o Direito sem ignorar a palpitante realidade do momento em que o fato foi cometido. Por sinal, Guiseppe Berttiol preleciona que ‘cabe ao juiz, que exprime o juízo de reprovação, avaliar a gravidade e a seriedade da situação histórica na qual o sujeito age, dentro do espírito do sistema penal, globalmente considerado: sistema que jamais pretende prescindir de um vínculo com a realidade histórica na qual o indivíduo age e de cuja influência sobre a exigibilidade da ação conforme ao Direito o único juiz deve ser o magistrado (Diritto Penale, 7ª ed., pp. 466 e 467).”59 Culpabilidade – Inexigibilidade de Conduta Diversa – Causa Supralegal – Inadmissibilidade. “O entendimento de que a inexigibilidade de conduta diversa deve ser aceita como causa supralegal de exculpação, com o suprimento de suposta lacuna no ordenamento jurídico positivo 58 STJ, 5ª T, v. u. em 23/mai/90 – REsp 2.492 – RS – Rel. Min. Assis Toledo — RT 660/358. 59 TACrim/SP, 8ª C, v. u. em 20/abr/89 – ApCrim 535.181-9 – Rel. Silva Pinto — RT 642/318. pela analogia in bonam partem, nunca foi dominante entre nós e não merece consagrado, agora, após reforma legislativa que ensejou a modernização do sistema penal em matéria de dirimentes e no momento em que essa proposta de extensão analógica vem sendo francamente repudiada pela doutrina dos povos cultos. Nelson Hungria — maestro di color che sanno — já se insurgia contra a pretendida extensão à luz do Código Penal de 1940, lembrando que os preceitos relativos à exclusão da culpabilidade ‘são de caráter excepcional e as exceções às regras da lei são rigorosamente limitadas aos casos a que se referem. Exceptiones sunt strictissimi juris. Os preceitos sobre causas descriminantes, excludentes ou atenuantes de culpabilidade, constituem jus singulare em relação aos preceitos incriminadores ou sancionadores e, assim, não admitem extensão além dos casos taxativamente enumerados’ (Comentários ao Código Penal, vol. 1º, t. 1/85 e 86, 2ª ed., Forense, 1953 — destaques do original). Que a inexigibilidade de conduta diversa não deveria ir além, como dirimente, de hipóteses expressamente previstas reafirmou-o o insigne penalista ao prever, no Código Penal de 1969, a par da coação moral irresistível e da obediência hierárquica (art. 24, ‘a’ e ‘b’), o estado de necessidade exculpante, filiando o malogrado diploma à teoria diferenciadora do estado de necessidade: ‘Art. 25. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo
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