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Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo COMUNICAÇÃO E EDUCAÇÃO: TERRITÓRIO DE INTERDISCURSIVIDADE Profa. Nádia C. Lauriti Cada vez que o reino humano me parece condenado ao peso de paredes, digo para mim mesmo que à maneira de Perseu eu devia voar para outro espaço. Quero dizer que preciso mudar meu ponto de observação, considerar o mundo sobre outra ótica, outra lógica, outros meios de conhecimento. Abstract Este texto insere-se na sub-área dos estudos epistemológicos sobre a inter-relação comunicação/educação como fenômeno cultural emergente. Nesta direção propõe uma reflexão sobre a interdiscursividade como um dos possíveis eixos construtores deste campo, que se configura como espaço de relação insaturadora de um "modus comunicandi e/ou educandi". As investigações nesta área de confluência têm a polifonia discursiva como seu elemento estruturante, daí a necessidade de um aprofundamento teórico deste referencial analítico, que supere a análise pontual de práticas que tematizam prioritariamente a incorporação das tecnologias da comunicação e da informação no processo educativo. Leituras na área evidenciam uma mistura de conceitualizações e de relatos de práticas. Parece que o desafio que aí se insatura é o de rastrear os conceitos essenciais de cada uma das áreas, que consolidem um patamar conceitual transdisciplinar, re-visitado por uma ótica circular que veja estruturas continuamente recorrentes, processos contínuos de mudanças ao invés de cadeias lineares de causa e efeito, ou fotos instantâneas. Trata-se de resgatar os "fios dialógicos" (BAKHTIN), através dos rizomas conceituais (DELEUSE e GUATARI) que fundam este novo campo de pesquisa teórica, de renovação de práticas e de ação política. Assim, torna-se urgente inaugurar atitudes teóricas e práticas que possam situar-se para além da estreiteza que as paredes dos paradigmas constroem. É preciso reconfigurar epistemologicamente o que é educar neste novo contexto, delineado por tecnologias da comunicação e da informação que provocam o surgimento e o exercício de diferentes temporalidades nos espaços educomunicativos. Introdução Tentando atravessar as paredes que separam a comunicação e a educação pela abertura que a relação metonímia entre ambas instaura, constata-se que a violência não é necessária a: as portas não têm de ser forçadas, embora isto não signifique que as portas se abram de imediato. Um delicado trabalho de serralheria conceitual é necessário, para que através de um sinuoso caminho se possa transformar paredes em ponte. Este novo campo epistemológico emergente que une a comunicação e a educação pode se configurar como esta ponte: que inaugura um discurso-transverso (Pêcheux 1988), isto é, um discurso apoiado em inter-relacionamentos, em processos circulares de interpenetração ao invés da análise de processos lineares marcados pela visão fragmentada da parte pelo todo(EFEITO MOEBIUS). Este encontro desloca as duas ciências dos seus metadiscursos e as faz dialogar ao mesmo tempo que desnuda suas idiossincrasias. Baccega (1998), refletindo sobre a necessária articulação da comunicação com outras áreas do saber afirma que hoje as ciências humanas e sociais estão efetivamente incorporadas ao campo da comunicação, constituindo-a. Desse modo, a apropriação das ciências humanas e sociais para a constituição desse campo se dá num processo espiralado de metassignificação, que redundam, obviamente, em novas posturas epistemológicas (p. 103). Das várias possibilidades de abordagens elegemos como eixo vertebrador deste texto a análise da trama dialógica instaurada pelos espaços de cruzamento conceituais e práticos destas duas áreas, pois o cenário pós-moderno é mais suscetível a pontes do que a paredes. Mais do que perspectiva de análise a cultura da pós-modernidade é no dizer de Soares (1998) Tempo de ousadias, de abertura para o novo, de conquistas, de medos, de retrocessos, de incertezas, de comunicação. O discurso da Educação não consegue isoladamente posicionar-se diante do novo contexto criado pelas novas tecnologias da comunicação e da informação. Sua metanarrativa é insuficiente para ressignificar seu discurso diante dessas novas mediações. Assim, educador e comunicador não podem ser pensáveis como atores independentes e isolados deste novo ecossistema da comunicação educativa. Para MARTIN BARBERO (1997), a simples introdução dos meios e das tecnologias na escola pode ser a forma mais enganosa de ocultar seus problemas de fundo sob a égide da modernização tecnológica. O desafio é como inserir na escola um ecossistema comunicativo que contemple ao mesmo tempo: experiências culturais heterogêneas, o entorno das novas tecnologias da informação e da comunicação, além de configurar o espaço educacional como um lugar onde o processo de aprendizagem conserve seu encanto. O "Modus Comunicandi" e o "Modus Educandi" em Paulo Freire Um dos pioneiros na inter-relação Comunicação/Educação no cenário latino-americano foi Paulo Freire. Em Extensão ou Comunicação(1971) focaliza os processos comunicacionais que se inserem no agir pedagógico libertador. Afirma que o homem é um ser de relação e não só de contatos como o animal, não está apenas no mundo, mas com o mundo. Neste contexto a comunicação é vista como um componente do processo educativo e não através do recorte do "messianismo tecnológico." Alerta que embora todo desenvolvimento seja modernização, nem toda modernização é desenvolvimento. Assim o gerundivo latino "modus" refere-se a uma forma de relação estratégica performativa que se estabelece entre comunicação e educação, através do agir. Trata-se de um modo de interação que afasta a ótica puramente instrumental da tecnologia comunicativa e informativa. Sob esta perspectiva a comunicação passa a ser vista como relação, como modo dialógico de interação do agir educomunicativo: Ser dialógico é vivenciar o diálogo, é não invadir, é não manipular, é não sloganizar. O diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o pronunciam, isto é, o transformam e, transformando-o, o humanizam (p. 43). Para o saudoso educador não é possível compreender o pensamento fora de sua dupla função: a cognoscitiva e a comunicativa. Nesta direção o igualmente saudoso educador chileno MÁRIO KAPLÚN, fala sobre a inter-relação comunicação/educação, por ele denominada "Comunicação Educativa", apontando sua natureza: ela existe para dar à educação métodos e procedimentos para formar a competência comunicativa do educando. A comunicação precisa ser pensada não como um instrumento, mas como um componente pedagógico. Não se trata de educar usando o instrumento da comunicação, mas que ela se converta no eixo vertebrador dos processos educativos: educar pela comunicação e não para a comunicação. Dentro desta perspectiva da comunicação educativa como relação e não como objeto os meios são ressituados a partir de um projeto pedagógico mais amplo. Os dois educomunicadores vinculam os três espaços: contexto sociocultural, Comunicação e Educação como uma relação não como uma área que deva ter seu objeto disputado. Esta relação estratégica apenas começa a ser delineada teoricamente e experimentada através da prática de professores, de profissionais da comunicação e também por gestores da comunicação empresarial. O desenvolvimento desta interdiscursividade reveste-se de urgência, devido ao papel, importante nas duas áreas, de conceitos que precisarão ser revisitados sem obsessão unilateral, buscando-se matrizes conceituais transdisciplinares que reformulem conceitualmente o que é educar na situação pós-moderna. Urge afastar inflexibilidadesde "paredes" e buscar a funcionalidade e os benefícios de "pontes". Há fortes razões para destacar a urgência desta aproximação: há um atraso a recuperar, considerando-se que a meta-narrativa da educação ainda resiste às inovações da cultura que emerge da Era da Informação, impondo urgente revisão dos seus paradigmas; outra razão é o surgimento na pós-modernidade de uma forma transdisciplinar de pensar explicitada tanto através de posições teóricas como de atitudes diante do mundo. ASSMANN (1998) reconhece a existência de vários pontos de articulação do novo, isto é, várias regiões disponíveis para a inovação sobretudo nos espaços que como os educativos, apresentam narrativas desgastadas que já não têm forças suficientes para promover mudanças. É justamente nestas áreas que existem possibilidades inéditas para estabelecer-se novos cenários de confluência das preocupações epistemológicas de diferentes disciplinas, voltadas para a busca de conceitos básicos comuns a diversas áreas do saber. Está avançando a elaboração de novos conceitos que têm a característica de serem transversáteis, podendo deslocar-se através de conteúdos diferentes. No que se refere à epistemologia, está surgindo uma forma de pensar acentuadamente transdisciplinar. (p. 119) Assim, urge uma ressignificação do estatuto epistemológico da educação, uma re-flexibilização do seu discurso que leve em conta sua necessária relação dialógica com a comunicação. Trata-se de uma re-fundamentação teórico-prática e ético-política, tanto do agir pedagógico, quanto do agir comunicativo. Ambos estão entremeados pela linguagem que além do valor de conhecimento, agrega também um valor de ação social que pode unir, separar, influir, integrar, persuadir, modificar ou fundamentar os comportamentos dos indivíduos. Ninguém consegue escapar dos processos interativos das linguagens, isto é, do famoso agir comunicativo de HABERMAS (1989), pois o estar-no-mundo implica a existência de um saber partilhado que permite negociação de leituras de mundo, emolduradas por confluências e discordâncias dos sentidos das nossas linguagens. Contribuem também para esta discussão dois conceitos esboçados por FAINHOLC: O de negociación transaccional permanente de significados en la construcción progresiva de saberes, referindo-se ao uso de formas e conteúdos que são apropriados pelas mediações semióticas que realiza cada aprendente, através da ativação de suas competências produtoras e recriadoras da comunicação. Esta concepção vê a recepção como espaço de interação não só com mensagens, mas com a sociedade e com os outros atores sociais. É nesta circularidade de discursos que os sentidos são construídos; E a "Interactividad pedagógica" que vai além da simples interação social, e se configura como um fenômeno articulador do discurso educacional, canalizado como espaço de atuações e ressignificações dos atores sociais, em outras palavras, espaço relacional onde o agir pedagógico adquire especificidade e cria condições básicas para a morfogênese do conhecimento. Comunicação, Educação e Interdiscursividade HUERGO (1997) legitima a abordagem semiótica como perspectiva de análise da inter-relação comunicação/educação. Tanto a Análise do Discurso (PÊCHEUX, DUCROT) quanto a Semiótica Textual (BAKHTIN) oferecem aportes conceituais que viabilizam esta análise. Para BAKHTIN a língua tem uma propriedade intrínseca: o dialogismo. Para construir seu discurso, um enunciador leva em conta o discurso do outro. Trata-se da dialogização interna de todo discurso. O princípio dialógico permeia a concepção BAKHTINIANA de discurso, de cultura, de mundo, de vida. O dialogismo é a condição de sentido do discurso. Sobre este conceito nos diz MAINGUENEAU (1982): Um discurso não vem ao mundo numa inocente solitude, mas constrói- se através de um já-dito em relação ao qual toma posição. Sobre o conceito de interdiscursividade orienta BAKHTIN (1975): Um enunciado vivo, significativamente surgido em um momento histórico e em um meio social determinados, não pode deixar de tocar em milhares de fios dialógicos vivos, tecidos pela consciência sócio-ideológica em torno do objeto e de participar ativamente do diálogo social. De resto, é dele que o enunciado saiu: ele é como sua continuação, sua réplica... Os "fios dialógicos vivos" aos quais se refere o autor são os outros discursos colocados como constitutivos do tecido de todo e qualquer discurso. É do interdiscurso que emerge o sentido. Assim a pesquisa no campo da inter-relação da comunicação/educação deve proceder a um rastreamento dos conceitos com imbricação mútua, esquecendo as linhas demarcatórias dos significados já estabelecidos para criar significados novos, já que são dois campos dialógicos por natureza que não existem isoladamente e não permitem ambiência monológica. As comunidades discursivas destes dois campos tendem a engessar os significados dos seus discursos e a aprisioná-los em campos semânticos isolados. Sentem-se donas deles sustentam seus códigos, que muitas vezes se esvaziam de sentido . É o caso do discurso pedagógico que precisa ser revitalizado e ter a interdiscursividade exercitada no diálogo com a comunicação. Talvez seja esta uma das possíveis formas de possibilitar o seu ressurgimento. Neste rastreamento é difícil tarefa definir quais os conceitos mais abrangentes ou analiticamente mais expressivos, ou, ainda, os que são centrais, entretanto é ponto de partida para configurar epistemológicamente, esta nova área. Uma direção operacional para este trabalho pode ser a sugerida por ASSMANN que utiliza em sua análise o conceito metafórico de RIZOMA, emprestado de G. DELEUSE e F. GUATARI. Diferentemente das árvores ou de suas raízes, o rizoma interliga um ponto qualquer com outro ponto qualquer. (...) O rizoma não se deixa reconduzir nem ao uno, nem ao múltiplo (...) Ele não é feito de unidades, mas de dimensões, ou antes, de direções movediças. Ele não tem começo nem fim, mas sempre um meio pelo qual ele cresce transborda. (p. 80, apud ASSMANN) A imagem do rizoma sugere que seja substituído em nosso imaginário epistemológico tudo que remete a centros fixos, troncos dominantes, ramificações delimitadas do saber, disciplinas auto- suficientes, significados fechados e certezas conclusivas. O autor dá exemplos concretos de possíveis rizomas conceituais da educação e sugere: a) Que se rastreie os conceitos que estão emergindo nas linguagens científicas das últimas décadas que são interdiscursivos ou polifônicos e fazem ponte com a educação; b) Que se exemplifique possíveis conexões rizomáticas entre eles, vale dizer que se levante, conjuntos de conceitos de alguma forma interligados. O autor elenca os seguintes rizomas conceituais ligados à educação: • [o surgimento das Formas] • Morfogênese do conhecimento • bio-semiótica • [teorias sistêmicas] • Teoria geral de sistemas / sistemas complexos e adaptativos • ecossistema • [Informação/comunicação] • informação/sinal/bit/byte/cognição • inteligência artificial • comunicação/conhecimento/ação comunicativa • [a escola como organização aprendente] • ecologia cognitiva/relação pedagógica/interação cognitiva. • experiências de aprendizagem • inteligência • info-analfabetismo / analfabetismo cultural A metáfora do rizoma conceitual possibilita que se dê materialidade operacional à polifonia discursiva, para que seja possível inaugurar um discurso ressignificado e aberto para novas posturas epistemológicas tanto na educação quanto na comunicação. Nesta investigação, considerando-se a variedade de aproximações conceituais possíveis, épreferível inicialmente optar por conceitos abertos e transversáteis, atendendo-se às exigências de um enfoque claramente transdisciplinar. Reconhecemos com HUERGO (1998) a validade dos modelos da Semiótica discursiva para o estudo da inter-relação comunicação/educação, bem como o risco da marginalização da práxis a favor das análises textuais que priorizem o semiótico, obscurecendo o interesse pelo recorte socio- político e por um projeto político substantivo para as duas áreas. Como instrumental analítico as investigações sobre a interdiscursividade realizadas a partir de BAKHTIN e PÊCHEAUX propõem uma mudança de lugar do texto/discurso, como eixo da análise que tem a interação dialógica como o verdadeiro objeto da investigação científica destas áreas afins. Não há o risco de cair-se no "semioticismo lingüístico", já que o método de investigação instituído pela Análise do Discurso que é sugerida acima incide justamente no estudo da relação da linguagem com as condições em que ela se produz, ou seja, com seu contexto sócio-histórico- cultural-ideológico. Os "DESTEMPOS" na Comunicação/Educação: CHRÓNOS x KAIRÓS É sempre tarde nos relógios que acompanham nossos ritmos. Está atrasado o tempo que nos veste Nós somos antes do que vimos sendo. Várias são as discussões científicas sobre a temporalidade nos mais diversificados contextos científicos. As teorias da física, da psicologia, da comunicação, da antropologia, da lingüística e mais recentemente da informática aglutinam-se diante desta temática que se configura como um dos eixos das narrativas da pós-modernidade. O ritmo temporal constitui um "fio dialógico" (BAKHTIN) que possibilita a interlocução entre a educação e a comunicação, configurando-se como um rizoma conceitual importante para a configuração desta área fronteiriça. MARTIN BARBERO contribui com esta discussão sobre a questão das anacronias e das diferentes relações com o tempo na cultura pedagógica e comunicativa, delineando o conceito de "destempo". Para demonstrar os conflitos entre as diferentes temporalidades parte da classificação proposta pela antropóloga americana MARGARET MEAD que estabelece uma distinção entre três tipos diferentes de cultura: a pós-figurativa em que os jovens aprendem primordialmente através dos seus adultos; a pós-figurativa é aquela que tem como modelo norteador de conduta a dos seus contemporâneos, onde tanto jovens como adultos aprendem com seus pares; e a pré-figurativa em que os adultos também aprendem com os jovens, onde os pares substituem os pais, promovendo uma ruptura de gerações sem precedentes. Para a autora, as sociedades primitivas e os redutos ideológicos e religiosos são principalmente pós-figurativos e extraem a autoridade do passado. As grandes civilizações, que necessariamente desenvolveram técnicas para a incorporação das mudanças, recorrem tipicamente a alguma forma de aprendizagem cofigurativa a partir dos pares, dos "companheiros aprendizes" A partir dos anos sessenta emerge uma cultura pré-figurativa em que os pares substituem os pais, insaturando uma ruptura entre as gerações. Em toda sociedade convivem formações culturais arcaicas, residuais e emergentes. As arcaicas celebram um passado que já nada tem a ver com o presente; as residuais referem-se àquele passado que está vivo, que configura nossa memória como grupo e as emergentes almejam o futuro, inovam e experimentam. Segundo a antropóloga Margaret. Mead, quando se começa a entender melhor os "processos circulares" mediante os quais se desenrola e se transmite a cultura, percebe-se que é preciso investir na parte mais flexível e complexa do sistema: o comportamento dos adultos...Debemos ensenãrnos a nosotros mismos a alterar la conducta de los adultos para poder renunciar a la educación postfigurativa, con suus ingredientes cofigurativos tolerados, y debemos descubrir medios prefigurativos de ensenãnza y aprendizage que mantengan abierto el futuro (p. 121). É preciso criar novos modelos de relação pedagógica e comunicativa para que os adultos ensinem não o que os jovens devem aprender, mas como devem fazê-lo e não com o que devem comprometer-se, mas qual é o valor do compromisso. A partir deste referencial MARTIN BARBERO analisa os destempos da educação, mostrando que a comunicação pedagógica, apoiada no texto impresso encarna e prolonga a temporalidade deste tipo de saber. Ela apóia-se na transmissão de conteúdos reconstituíveis e se vale de um modelo mecânico de leitura unívoca e passiva que afasta a dialogicidade. Proclama, assim, o império das letras (metáfora de MARTIN BARBERO) em detrimento da imagem que hoje dinamiza os processos de comunicação. O tempo pedagógico faz deste "modus comunicandi" uma forma de exercício de poder, já que a autonomia do leitor e a possibilidade de um ecossistema comunicativo marcado pela dialogicidade implica a descentralização da palavra autorizada e a transformação das relações sociais internas do espaço escolar. Como se pode inferir a discussão sobre o tempo pedagógico mexe com questões nucleares como acomodação ruptura de gerações, conflitos, alienação, resistências, insurgências, que polifonicamente insistem em aparecer nas entrelinhas. Analisando, ainda, a temporalidade na comunicação MARTIN BARBERO considera a tecnicidade mediática como uma dimensão estratégica da cultura, vista, muitas vezes, com desconfiança pela escola porque funciona como elemento desiquilibrador das ambiências das aprendizagens herdadas por tradição. Os meios deslocam as fronteiras entre razão e imaginação, saber e informação, arte e ciências e possibilitam o exercício de um tempo virtual que libera o aqui e o agora, inaugurando novos espaços e velocidades. Esta temporalidade reforça a ruptura entre as gerações e desloca a atenção do que deveria ser o foco das verdadeiras preocupações: Que deslocamentos epistemológicos estas novas ambiências de aprendizagem exigem? Qual é o perfil deste novo "sensorium"? Como estão se processando as modificações na percepção de espaço e tempo dos jovens, inderidos em processos de desterritorialização da experiência e da identidade e instalados numa contemporaneidade que confunde os tempos, debilita o passado e exalta o não-futuro fabricando um presente contínuo? (p.16) Refletindo sobre o nexo entre as experiências da temporalidade e as experiências da aprendizagem ASSMANN elabora uma interessante discussão sobre esta relação. Entre outras distinções estabelece a diferença entre CHRÓNOS - tempo cronológico e KAIRÓS - tempo vivido, enfatizando que a crise da modernidade é uma crise da sua concepção de tempo: o predomínio do Chrónos, enquanto a pós-modernidade postula, ainda que vagamente, um resgate também do Kairós. Segundo o autor, cada sociedade sempre está lutando com um número plural de temporalidades cronológicas e Kairológicas ao dar formas organizadas às relações sociais. A organização da sociedade pós-moderna mostra a necessidade de pensar conjuntamente CHRÓNOS (tempo natural, do relógio) e KAIRÓS (tempo histórico, das vivências). Assim, a experiência temporal não pode ser aprisionada pela exatidão do relógio, porque ela não marca a temporalidade vivencial. O Chrónos escolar implica ritmos, ciclos, reinícios que precisam ser ressignificados para que se chegue ao verdadeiro tempo pedagógico, isto é, o tempo (KAIRÓS) que cria ambiência propícia para as experiências de aprendizagem. Tempo pedagógico não é medido em horas, dias, anos, mas como tempo vivo que é avaliado por seus resultados de fruição do emergir das experiências de aprendizagem e implica convivência aberta com uma pluritemporalidade simultânea. Estão em jogo conjuntamente na educaçãouma pluralidade de tempos: horário escolar, informação instrucional, tempo de apropriação personalizada de conhecimento, tempo de leitura e estudo, tempo de auto-expressão construtiva, tempo do erro, tempo da conjuntura e da busca, tempo da inovação curricular criativa, tempo de gestos e interações, tempo do brinquedo e do jogo, tempo para desenvolver a auto-estima, tempo de dizer sim à vida, tempo de organizar esperanças (p. 232) Cruzar esta complexidade de tempos e memórias vivenciais com a cotidianeidade cronológica e burocrática requer mudanças na práxis comunicacional da educação, requer "vivificação dos tempos pessoais de todos os envolvidos." Confrontando os ritmos escolares com os ritmos temporais da mídia o autor assinala que as novas tecnologias - multimeios eletrônicos e computador - são valiosos auxiliares da otimização do tempo pedagógico, portanto não devem ser temidos, ao contrário, devem ser incorporados e trabalhados criticamente a favor das dimensão vivencial dos tempos humanos envolvidos no processo. Desta forma, avolumam-se os destempos que precisam ser superados através de um diálogo ininterrupto entre a educação e a comunicação: o destempo das diferentes gerações que interagem nos espaços educativos; o destempo de um modelo ultrapassado de educação pós-figurativa, o destempo que o discurso monológico insatura no espaço escolar; o destempo institucional marcado por dívidas com a educação que nunca são cumpridas; o destempo que as novas tecnologias da comunicação e da informação instauram; o destempo de paradigmas que compartimentalizam a leitura/construção do real. Enfim, CHRÓNOS e KAIRÓS devem estar sincronizados, a dimensão vivencial das temporalidades deve permear os projetos de uma "educação que se pretenda cidadã e emancipatória". Já que o "CHRÓNOS FUGIT" é preciso mais do que nunca "CARPE DIEM". Considerações Finais: De Paredes ... A Pontes ... Os discursos científicos têm sua enunciação delimitada pelos seus paradigmas. Suas teorias determinam o que medem e como medem. O sensoriamento da realidade que promovem apoia-se em modelos mentais ativos que moldam a forma de agir. Eles afetam a ação, porque em geral, afetam o que se vê, plasmando imagens internas profundamente arraigadas sobre o funcionamento do mundo, imagens estas que limitam tanto o pensar quanto o agir. Os paradigmas têm um caráter instrumental e transitório e tendem à resistência às mudanças e à auto-preservação, por isso transformá-los implica trazer à tona, testar e aperfeiçoar novas imagens internas, novos conceitos, novas práticas e novas linguagens. A inter-relação comunicação e educação não deve criar uma nova disciplina, um novo paradigma, sob o risco de cair numa nova rede de conceitos paralizantes que circunscrevam uma área do conhecimento territorializada, ao contrário, ela deve inaugurar um discurso transverso, constituído por e conceitos transdisciplinares com novas categorias analíticas. A interdiscursividade, vale dizer, o diálogo com outros discursos é a garantia da sua sobrevivência ao mesmo tempo que vai construindo a sua especificidade nesse processo. Este interdiscurso é multivocal e o seu elemento estruturante é a polifonia. A alteridade é a dimensão constitutiva deste palco de vozes que polemizam entre si dialogam ou complementam-se. Neste território comum há um fluxo ininterrupto de significados o que possibilita constantes ressignificações que podem ser organizado em rizomas conceituais. Estes constituem os elementos que materializam a interdiscursividade e o ponto de partida para delinear este novo campo epistemológico, constituindo-se num território onde a ressemantização se processa como diálogo, como acontecimento coletivo. Isoladamente estes conceitos são ambíguos e a significação só emerge quando inter relacionados. Levantar o rizomas conceituais deste campo emergente parece ser uma tarefa das mais urgentes para que se delineie epistemologicamente a nova área. Desta forma não se tem objetos, mas objetivos, um discurso-ação que destrói paredes e as substitui por pontes que visam a estabelecer relações significativas entre ambas. A configuração destes rizomas diminui o risco e "imperialismo" quer pedagógico, quer comunicativo, vale dizer, do olhar unilateral, da voz unívoca que insista na construção de paredes, como por exemplo, a que associa este campo somente à reflexão sobre o uso das tecnologias da comunicação e da informação. Há necessidade de teorização e de reflexão crítica sobre os projetos para que se constitua este campo, tornando-o um novo espaço de luta material e discursiva. Estamos, assim, diante de um processo, de um modus operandi capaz de inaugurar posturas teóricas e práticas que se situem para além das paredes paradigmáticas, reconceitualizando a relação entre educação e comunicação e direcionando-a para uma "educação cidadã emancipatória" e que seja forte para romper com a narrativa dominante de uma cidadania associada ao consumo, a partir da prática e do interdiscurso da educomunicação que se apóia na concepção de um novo sujeito, de uma nova espacilidade, de uma nova temporalidade e de uma nova construção do significado e da práxis. Assim, o grande desafio é a construção de um projeto pedagógico que transforme a práxis da comunicação em qualquer contexto aprendente, já que a escola divide hoje a tarefa de socialização do saber com outras instâncias comunicativas. Esta transformação não pode ser confundida com o torpor que as modernizações tecnológicas podem vir a causar no sistema educativo. Elas podem dar a falsa impressão de que os conflitos estão resolvidos, de que a univocidade pode substituir a dialogicidade inerente às práticas educativas. A escola deve interagir com os campos de experiência onde hoje se processam as mudanças, mas superar a concepção instrumental dos meios e das tecnologias. Neste novo projeto descentralizado e plural algumas reflexões devem ser contempladas: a natureza da comunicação interpessoal na relação educativa; as dimensões do tempo/espaço nesta relação; a necessidade de um interdiscurso híbrido para a reformulação conceitual do que é educar na situação pós-moderna; a revisão dos paradigmas que impedem a interdiscursividade; a configuração de um novo "SENSORIUM" (MARTIN BARBERO) que impõe emergentes formas de ler, ouvir, ver e sentir o mundo na sua relação direta com o ato de aprender; a caracterização das múltiplas alfabetizações que o novo entorno exige e, principalmente, os objetivos de uma educação solidária e cidadã que emancipe os com ela envolvidos. Trata-se, assim, de criar novos significados compartilhados, para novos atores que reconceituam a cidadania, (construída constantemente como significado e exercitada como prática) e que fundam novas lógicas capazes de reunir os conceitos necessários para traduzir este ideário em ações fundamentalmente novas. Embora muito se tenha ouvido que "todas as palavras já estão habitadas", acreditamos que tudo ainda está por dizer. Há sempre uma palavra que, ansiosa, aguarda seu próximo e novo morador para ressignificá-la, para revisitá-la de um modo novo, especial e único. Nada está completamente dito e mesmo que isto fosse possível, ainda assim haveria muito o que falar, o que dizer e o que mostrar pelo verbo ou pela ausência dele. Estamos no amanhecer da reflexão de um novo campo epistemológico, no despertar de um novo sentido para este e para o mundo. Por enquanto é melhor que nos posicionemos no intervalo semântico da interdiscursividade, na polifonia das entrelinhas que também é um lugar de onde se pode escutar a vida ... Bibliografia ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência., Ars Poética, São Paulo,1996. ASSMANN, Hugo. Metáforas novas para reencantar a educação., Editora Unimep, Piracicaba, 1996. ________________ Reencantar a educação. Rumo à sociedade aprendente, Ed. Vozes, Rio de Janeiro, 1998. BACCEGA, Maria Aparecida. Comunicação e Linguagem. Discursos e Ciência., Moderna, São Paulo, 1998. BAKHTIN, Mikhail. Problemas da Poética de Dostoiévski. Trad. Brasileira, Ed. Forense - Universitária, Rio de Janeiro, 1972. _________________ Du Discours Romanesque. in Esthètique et théorie du Roman, Gallimard, Paris, 1975. BARBERO, Jésus Martin. Dos meios às mediações às mediações. Rio de Janeiro/UFRJ, 1997. __________________. Heredando el futuro. Pensar la educación desde la comunicación. Nomadas. 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