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Brasília-DF. Zoonoses Bacterianas e rickéttsias Elaboração Iracema Gomes de Araujo Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APrESEntAção ................................................................................................................................. 4 orgAnizAção do CAdErno dE EStudoS E PESquiSA .................................................................... 5 introdução.................................................................................................................................... 7 unidAdE i MecanisMos de defesa e adaptação das bactérias ...................................................................... 9 CAPÍtuLo 1 coMo as bactérias se instalaM no organisMo aniMal .................................................. 9 unidAdE ii transMissão interespecífica de bactérias e riQUétsias ................................................................ 16 CAPÍtuLo 1 doenças bacterianas coMUns ao hoMeM e aos aniMais ............................................. 16 CAPÍtuLo 2 riQUetsioses coMUns ao hoMeM e aos aniMais ............................................................. 64 rEfErênCiAS .................................................................................................................................. 95 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta para aprofundar seus estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, apresentamos uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. 6 Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 introdução Zoonoses são definidas, pela Organização Mundial de Saúde, como: “Doenças ou infecções naturalmente transmissíveis entre animais vertebrados e seres humanos”. Essa definição deixa nas entrelinhas que um animal pode ter um agente etiológico de uma doença e eliminá-lo de forma assintomática, sem apresentar nenhum sintoma da enfermidade. E deixa a entender também, que tal definição não se enquadra às doenças transmitidas dos animais ao homem apenas sob condições experimentais. Acredita-se que casos de zoonose existam desde os primórdios da humanidade. Mas, foi há aproximadamente oito mil anos antes de Cristo, que as condições para transmissão de agentes patogênicos de animais vertebrados para o ser humano se tornou mais favorável, pois nessa época teve início a estruturação das práticas da agricultura, início da organização da vida urbana e aldeias e a domesticação de muitas espécies animais. No período da Idade Média, cerca de 800 a 1.200 anos depois de Cristo, a estruturação das cidades medievais dentro dos castelos feudais, contribuiu ainda mais para o aumento do número de casos de diferentes zoonoses; pois esses lugares apresentavam aglomerações de pessoas sob condições de higiene precárias, mau armazenamento dos alimentos e falta de medicamentos específicos para tratar os enfermos. Nessas condições, as zoonoses tornaram-se o elo de doenças transmissíveis que acometem populações humanas e animais, tendo destaque considerável para as zoonoses bacterianas e rickettsioses, assunto que será abordado aqui neste material didático. As zoonoses têm importante destaque na Saúde Pública Veterinária e representam a interseção entre a Saúde Pública e a Saúde Animal. Hoje, as doenças transmitidas ao homem por hospedeiros vertebrados é um dos maiores desafios para a saúde humana. objetivos » Deixar claro a importância das zoonoses bacterianas e rickettsioses na história da humanidade e da Medicina Veterinária ao longo de muitos séculos. » Explicar a relação da domesticação de várias espécies animais com o surgimento das zoonoses e a necessidade da evolução da Medicina Preventiva. » Estabelecer uma relação entre a Medicina Humana e a Medicina Veterinária, atrás dos estudos em Saúde Pública. 8 9 unidAdE i MECAniSMoS dE dEfESA E AdAPtAção dAS bACtériAS CAPÍtuLo 1 Como as bactérias se instalam no organismo animal fatores de virulência e patogenicidade de bactérias definições e conceitos Patogenicidade refere-se à capacidade de um micro-organismo causar doenças. Os micro-organismos capazes de causar doenças nas circunstâncias apropriadas são denominados patógenos. A virulência refere-se geralmente ao grau de patogenicidade num grupo ou numa espécie de micro-organismo. A virulência de um micro-organismo geralmente não é atribuída a um fator único, dependendo, isto sim, de vários parâmetros que estão relacionados ao organismo, ao hospedeiro e à interação dinâmica entre eles. Esse equilíbrio entre o hospedeiro e o “potencial patógeno” é uma área de interesse crescente entre os microbiologistas. De modo geral, a virulência compreende duas características do micro-organismo patogênico: sua infectividade (isto é, a capacidade de iniciar uma infecção) e a gravidade (severidade) da condição produzida. Cepas altamente virulentas, moderadamente virulentas e/ou avirulentas podem ocorrer numa espécie ou num grupo de micro-organismos que são geralmente considerados patogênicos. A infecção do hospedeiro por um micro-organismo é uma etapanecessária na produção de doença. Entretanto, a infecção nem sempre causa doença. Os membros da microbiota normal se estabelecem na superfície ou no interior do hospedeiro e persistem por toda a sua vida. A infecção por bactérias exógenas pode ser abortada pela microbiota normal que já ocupa o nicho ecológico do potencial patógeno. Se isso de fato ocorrer, a infecção só poderá ser evidenciada pela demonstração de uma resposta 10 UNIDADE I │ MEcANIsMos DE DEfEsA E ADAptAção DAs bActérIAs de anticorpos com eliminação do micro-organismo exógeno. Em alguns casos pode se evidenciar um estado de portador assintomático ou se manifestar uma doença fraca. A capacidade de um micro-organismo causar doença, sem dúvida, envolve tanto fatores microbianos como do hospedeiro, e há, atualmente, muito interesse na variedade de respostas adaptativas de bactérias que acarretam expressão de características envolvida na patogenia das doenças. Por exemplo, Pseudomonas aeruginosa é um micro-organismo ubíquo no solo e na água que, devido à sua versatilidade genética, se adaptou com êxito a ambientes humanos, como hospitais, para criar seu próprio nicho específico, ao longo de seu período de coexistência com os seres humanos. P. aeruginosa surgiu como um patógeno hospitalar e oportunista que expressa vários fatores de virulência geneticamente determinados, incluindo várias exotoxinas, hemolisinas, lipases, elastase e proteases, polissacarídios capsulares altamente mucoides e resistência a fármacos antimicrobianos mediada por plasmídios ou transpósons. Essas respostas adaptativas geneticamente determinadas proporcionaram à P. aeruginosa a versatilidade necessária para sobreviver e até se desenvolver em ambientes potencialmente hostis. O processo da medicina também nos possibilitou apreciar as respostas adaptativas da microbiota humana normal. Quando os mecanismos de defesa do hospedeiro são anulados por causas não infecciosas subjacentes ou por intervenções diversas (por exemplo, neoplasias, diabetes, terapia imunossupressora), os micro-organismos endógenos também podem causar patologias e de doença devido à expressão fenotípica de características que refletem uma nova resposta adaptativa do micro-organismo a seu hospedeiro. As bactérias desenvolveram métodos sofisticados para captar seu ambiente e regular a expressão dos genes envolvidos na virulência. A transdução de sinais de dois componentes refere-se aos pares de proteínas reguladoras que funcionam sequencialmente na detecção de alterações no ambiente externo e na produção de respostas adaptativas no organismo. requisitos para a patogenicidade O primeiro passo no estabelecimento de um processo infeccioso consiste na capacidade de um micro-organismo em penetrar no hospedeiro e desencadear uma infecção. O contato inicial depende da capacidade do micro-organismo em se fixar às superfícies das mucosas do hospedeiro. A fixação se dá pela interação de diversas adesinas bacterianas com receptores na superfície celular. Alguns micro-organismos se fixam a células epiteliais, sem invadir tecidos mais profundos. Nesses casos, as toxinas ou enzimas elaboradas pelos micro-organismos são geralmente responsáveis pela patologia, e os 11 MecanisMos de defesa e adaptação das bactérias │ Unidade i efeitos das toxinas podem ser locais ou sistêmicos. Alguns micro-organismos se fixam às células epiteliais da mucosa e subsequentemente ultrapassam essa barreira. A posterior multiplicação dos micro-organismos nos tecidos subepiteliais acarreta a destruição do tecido por fatores bacterianos (p. ex., proteases, colagenases, hialuronidases) e pela resposta imunológica (isto é, citólise mediada pelo complemento, reações imunológicas mediadas por células). Micro-organismos mais invasivos podem se fixar, penetrar nas superfícies celulares epiteliais, multiplicar-se e estender-se aos tecidos mais profundos, acabando por ter acesso à corrente sanguínea e causar infecção disseminada. Muitos micro-organismos são bastante específicos quanto aos tipos de tecido que podem infectar. Por exemplo, N. meningitidis pode ser um ambiente normal da garganta, e o estado de portador assintomático é bem caracterizado. Em circunstâncias apropriadas, podem invadir as meninges e a corrente sanguínea. S. pneumoniae também pode habitar a garganta e a nasofaringe, porém as cepas virulentas invadem preferencialmente o trato respiratório inferior e a corrente sanguínea, causando pneumonia e/ou sepse pneumocócica. As especificidades teciduais podem refletir a presença de receptores na mucosa para antígenos de superfície das bactérias ou a presença de nutrientes que servem como quimioatraentes para os micro-organismos (p. ex., alguns aminoácidos, íons ou carboidratos). Um exemplo clássico dessa dependência nutricional é observado com Brucela abortus, a causa do aborto contagioso no gado bovino. Esse micro-organismo tem uma necessidade específica de crescimento do álcool açúcar eritriol, que está presente em concentrações elevadas no útero e no tecido placentário bovino. Assim, esse micro-organismo pode efetivamente “buscar” o trato genital bovino devido a essa predileção nutricional. fatores de virulência dos micro-organismos Os fatores de virulência de bactérias são componentes estruturais ou produtos de bactérias que possibilitam ao micro-organismo causar danos ao hospedeiro de alguma maneira. Alguns fatores de virulência estão associados a células, enquanto outros podem ser extracelulares. Além disso, alguns dos fatores envolvidos na produção de doenças fazem parte da decomposição anatômica ou fisiológica da célula, e o seu papel como fatores de virulência é acidental no ciclo vital do micro-organismo. Adesinas Para infectar um hospedeiro, os micro-organismos primeiro têm de aderir à superfície mucosa. A aderência bacteriana é geralmente um processo específico, envolvendo estruturas da superfície celular bacteriana que são geralmente designadas como adesinas 12 UNIDADE I │ MEcANIsMos DE DEfEsA E ADAptAção DAs bActérIAs e receptores complementares na superfície de células sensíveis. As adesinas bacterianas podem incluir fímbrias, componentes da cápsula bacteriana, ácidos lipoteicóicos que se projetam para fora do peptidoglicano da parede celular de bactérias gram-positivas, proteínas da membrana externa ou outros antígenos da superfície celular. A proteína fibronectina da superfície celular humana é um receptor do hospedeiro para alguns patógenos bacterianos. Agressinas Para sobreviver e se multiplicar no interior do hospedeiro, muitos micro-organismos produzem várias substâncias que lhes possibilitam evitar ou controlar mecanismos de defesa do hospedeiro. Essas substâncias, denominadas agressinas incluem carboidratos de superfície, enzimas, toxinas e outras pequenas moléculas. As estruturas capsulares de algumas bactérias possibilitam evitar a fagocitose, impedindo a interação entre a superfície celular bacteriana e as células fagocitárias ou escondendo componentes da superfície celular bacteriana que de outra forma iriam interagir com as células fagocitárias ou o complemento e ocasionar sua ingestão. Anticorpos específicos dirigidos contra o material capsular causam a opsonização dos micro-organismos. Após a opsonização, as bactérias encapsuladas são prontas e rapidamente ingeridas e mortas pelas células fagocitárias. Alguns micro-organismos produzem cápsulas e, portanto, não são reconhecidas como estranhas pela vigilância imunológica. Algumas bactérias apresentam proteínas de superfície que participam da aderência e de outras funções associadas à virulência. Por exemplo, a proteína M dos estreptococos grupo A desempenha muitos papéis na patologia da infecção por esse micro-organismo, incluindo aderência, resistência à fagocitose,invasão intracelular, comprometimento da função do complemento e efeitos líticos sobre leucócitos polimorfonucleares. Algumas bactérias são capazes de produzir proteases que pode hidrolisar e inativar imunoglobulinas secretoras (Ig A). Essa imunoglobulina age localmente impedindo a aderência bacteriana, portanto, estimula a colonização da mucosa. Algumas agressinas agem depois da fagocitose, interferindo na fusão fagossomo/lisossomo e na atividade do sistema mieloperoxidase. Micobactérias e brucelas são capazes de se adaptar a uma existência intracelular em células do hospedeiro, pela elaboração de substância que impedem a destruição intracelular dos micro-organismos. Nas micobactérias isso pode ser devido a micosídios e sulfolipídeos associados à parede celular que são incorporados ao fagossomo e impedem a fusão fagossomo/lisossomo. O fato de esses micro-organismos assumirem residência nas células fagocitárias também contribui para virulência, por proteger os referidos micro-organismos da destruição por anticorpos específicos e pelo complemento. 13 MecanisMos de defesa e adaptação das bactérias │ Unidade i A existência intracelular também tem uma influência significativa sobre a terapia. As infecções por espécie de Brucella e por Francisella tularensis devem ser tratadas por antibióticos que sejam capazes de agir intracelularmente (p. ex., tetraciclina, aminoglicosídeos) para afetar esses micro-organismos protegidos. Muitas bactérias produzem enzimas ou toxinas ou possuem componentes celulares que têm efeitos tóxicos ou necrosantes diretos sobre células inflamatórias do hospedeiro e sobre outros componentes do sistema imunológico. A leucocidina e a alfa-hemolisina produzidas por S. aureus causam arredondamento e intumescimento de células polimorfonucleares e macrófagos expostos a elas, seguidos de desgranulação, ruptura nuclear e lise celular. As bactérias gram-positivas possuem polímeros de peptidoglicano na parede celular e ácidos teicoicos de membrana que podem causar uma liberação semelhante de citocinas e podem ocasionar sintomas semelhantes de choque séptico. Essa propriedade pode facilitar a disseminação das bactérias na corrente sanguínea e os vasos linfáticos, ocasionando infecção sistêmica ou o estabelecimento de focos infectados em locais distantes do local da infecção inicial. O ferro é um nutriente essencial para muitos micro-organismos e um requisito para virulência de alguns patógenos bacterianos. Em relação a isso, bactérias patogênicas bem-sucedidas desenvolveram maneiras para obter ferro do ambiente ou do meio restrito em ferro dos tecidos do hospedeiro, em que o ferro livre é mantido em concentrações baixas por ligação à transferrina e à proteína lactoferrina. Os micro-organismos obtêm esse ferro pela produção de sideróforos, que são pequenas moléculas que funcionam com quelantes de ferro de alta afinidade. A produção de sideróforos é considerada, portanto, um fator de virulência. Além disso, a produção de muitos produtos microbianos extracelulares, incluindo toxinas, é particularmente regulada em nível transcricional pelas concentrações de ferro no meio circundante. Embora os plasmídeos propriamente ditos não sejam fatores de virulência, os genes codificam muitos dos produtos celulares bacterianos responsáveis pela virulência residem frequentemente em plasmídeos bacterianos. Os fatores R (plasmídeos que contêm genes que codificam a resistência a agentes antimicrobianos) podem ser considerados fatores de virulência, porque a aquisição de resistência a fármacos antimicrobianos estimula o crescimento e a disseminação continuados das infecções bacterianas, apesar das intervenções terapêuticas. Algumas bactérias contêm igualmente plasmídeos que codificam pili sexuais e mobilização dos cromossomos. Esses dois fatores possibilitam a um micro-organismo transferir material genético (de origem plasmidial, cromossômica ou de ambos os tipos) para outros micro-organismos. 14 UNIDADE I │ MEcANIsMos DE DEfEsA E ADAptAção DAs bActérIAs Exotoxinas e endotoxinas As toxinas de origem microbiana se distribuem por dois grupos: exotoxinas e endotoxinas. As exotoxinas bacterianas são as mais potentes toxinas biológicas conhecidas e são produzidas principalmente por bactérias gram-positivas, embora algumas bactérias gram-negativas também as elaborem. As exotoxinas são geralmente de natureza proteica e são termolábeis. Por serem proteínas, muitas delas podem ser inativadas ou destruídas por enzimas proteolíticas. Por outro lado, algumas exotoxinas são ativadas unicamente após hidrólise parcial (chanfradura) por enzimas proteolíticas. A atividade tóxica de algumas exotoxinas pode ser destruída pelo tratamento com formaldeído (desenvolvimento de toxoide) e neutralizada por anticorpos específicos. A exploração dessas propriedades ocasionou o desenvolvimento de toxoides diftérico e tetânico, que são usados, respectivamente, para a imunização ativa contra difteria e tétano. Em geral, as exotoxinas bacterianas se distribuem por dois grupos. O primeiro grupo consiste em toxinas citolíticas, que agem sobre as membranas celulares causando a formação de poros e a lise subsequente da célula. O segundo grupo consiste de duas subunidades A-B, ou toxinas bipartidas. Essas toxinas contêm uma subunidade B (ou de ligação), que se liga a um receptor específico nas células do hospedeiro, e uma subunidade A (ou ativa), que penetra na célula e interage com o alvo. Algumas doenças como tétano, botulismo, difteria e cólera se devem quase que totalmente aos efeitos das toxinas sobre seus órgãos e tecidos-alvo. O tétano é causado pelos efeitos sistêmicos da neurotoxina tetânica, a toxina produzida por Clostridium tetani. O tétano geralmente ocorre em consequência da infecção de uma ferida por C. tetani ou, em raras ocasiões, pela injeção de materiais contaminados com células vegetativas ou esporos de C. tetani. A neurotoxina do tétano é liberada por lise celular após o crescimento bacteriano em condições anaeróbicas (p. ex., em feridas por punção profunda). O efeito espasmogênico da toxina se deve à sua ação sobre os reflexos pré-sinápticos envolvendo interneurônios na medula espinhal. A toxina bloqueia a inibição pós-sináptica normal dos neurônios motores espinhais após impulsos aferentes, por impedir a liberação de neurotransmissores inibitórios. Esse bloqueio pré-sináptico dos neurônios centrais acarreta o aumento do tônus muscular e reflexos hiperativos. A consequente sensibilidade a impulsos excitatórios, não contrabalançada pelos mecanismos inibitórios, produz a paralisia espástica generalizada característica do tétano. O botulismo decorre da ingestão de toxinas formadas por Clostridium botulinum crescendo em alimentos, cujos principais veículos são frutas e legumes enlatados de forma inadequada (geralmente enlatados caseiros), condimentos e frutos do mar. O botulismo em feridas consiste em intoxicação sistêmica decorrente cocrescimento de 15 MecanisMos de defesa e adaptação das bactérias │ Unidade i C. botulinum e da produção da toxina em feridas. C. botulinum também pode colonizar o trato intestinal de lactentes e produzir toxinas nesse local (botulismo neonatal). A toxina se acumula em células de C. botulinum durante a germinação dos esporos e o crescimento ativo das células vegetativas, mas é liberada somente por lise das células. No caso de colonização do trato intestinal por C. botulinum, depois de ser absorvida a toxina chega a neurônios sensíveis (em junções neuromusculares e sinapses autonômicas periféricas) pela corrente sanguínea. Aí ela se liga a terminais pré-sinápticos, em que bloqueia a liberação de acetilcolina por terminações nervosas motoras colinérgicas. A característica típica do botulismo inclui envolvimento de nervos cranianos,enfraquecimento e paralisia bilaterais e descendentes de músculos esqueléticos, e a condição se caracteriza por fadiga, tonteiras, náuseas, vista turva, fala empastada, dilatação das pupilas, retenção urinária, paralisia flácida geral dos músculos esqueléticos e paralisia respiratória. A difteria é outro exemplo de doença que se deve basicamente à ação de uma toxina. É interessante assinalar que somente cepas de C. diphtheriae que contêm um bacteriófago lisogênico (β-corinefago) são capazes de produzir a toxina diftérica. A molécula da toxina é formada por C. diphtheriae em associação com a membrana celular e é secretada pela célula como um único peptídeo, que posteriormente será clivado em duas cadeias principais A e B. Com a ligação à célula-alvo por meio do peptídeo B, a toxina penetra na célula por endocitose mediada por receptores. As endotoxinas, por outro lado, são produzidas unicamente por bactérias gram-negativas e consistem principalmente em lipopolissacarídio (LPS), que é um componente estrutural da membrana externa desse tipo de bactérias, constituindo os determinantes antigênicos somáticos (O). As endotoxinas são termolábeis e são apenas parcialmente neutralizadas por anticorpos específicos. Em comparação a muitas das exotoxinas, as endotoxinas possuem toxicidade relativamente baixa. Embora a endotoxina possa escapar para os líquidos ao redor (como “vesículas” na superfície de bactérias gram-negativas), a célula inteira geralmente conserva a principal parte de sua atividade tóxica. As atividades biológicas e tóxicas da endotoxina são amplas. Quantidades de nanograma de endotoxina causam febre em seres humanos e a liberação de pirógenos endógenos. Doses mais altas causam hipotensão, redução da contagem de leucócitos polimorfonucleares e plaquetas por marginação aumentada dessas células às paredes dos pequenos vasos sanguíneos, hemorragias e, por vezes, coagulação intravascular disseminada por ativação de mecanismos de coagulação. A endotoxina também é mitogênica para linfócitos B e estimula a liberação de várias citocinas por macrófagos. 16 unidAdE ii trAnSMiSSão intErESPECÍfiCA dE bACtériAS E riquétSiAS CAPÍtuLo 1 doenças bacterianas comuns ao homem e aos animais zoonoses causadas por bactérias bartonelose (doença da Arranhadura do gato) As bartoneloses são doenças provocadas por alfaprotobactérias da Ordem Rhizobiales, Família Bartonellaceae, cujos gêneros mantêm relação filogenética remota com os membros da Família Rickettsiaceae. Essa ordem taxonômica ficou estabelecida a partir de 1993, com o auxílio da biologia molecular, em que as espécies anteriormente agrupadas na Família Rochalimaea passaram a ser descritas na Família Bartonellaceae, deixando, assim, a Ordem Rickettsiales. Sinonímia A Doença da Arranhadura do Gato (DAG) também é conhecida como Doença de Carrión, Febre de Oroya ou Febre das trincheiras. Agente etiológico As bactérias conhecidas como bartonelas são bacilos pequenos, gram-negativos, aeróbicos e oxidase negativos, que parasitam células endoteliais e eritrócitos de mamíferos. As bartonelas apresentam distribuição geográfica ampla, de forma que mais de 30 espécies e subespécies de Bartonella spp. são conhecidas atualmente, muitas das quais capazes de causar enfermidades em humanos. 17 Transmissão inTerespecífica de bacTérias e riQUéTsias │ Unidade ii A Doença da Arranhadura do Gato (DAG) consiste em uma zoonose causada pela B. henselae e de ampla distribuição mundial, sendo, também, associada às espécies B. quintana, B. clarridgeiae, B. koehlerae e B. doshiae. Do ponto de vista geográfico, B. Quintana e B. clarridgeiae são as responsáveis por causar a Doença da Arranhadura do Gato na América do Sul. reservatórios e vetor B. bacilliformis tem como reservatório flebotomíneos do gênero Lutzomyia e o próprio ser humano. Já B. quintana tem como reservatório Pediculus humanus corporis (piolho humano) e o próprio homem. Também já foi isolada de gatos, cães com endocardite e macaco. Vale ressaltar que foi identificado DNA dessa bactéria a partir de Ctenocephalides felis (pulga do gato), de carrapatos e da polpa dentária de gatos. Por outro lado, B. henselae têm os felinos domésticos sãos como reservatórios. O conjunto de sinais clínicos que podem ser causados pela infecção por Bartonella spp. ainda não foi totalmente investigado já que, de forma geral, o gato infectado por B. henselae apresenta um estado físico aparentemente saudável. No entanto, o sinal clínico clássico de infecção por B. henselae caracteriza-se por linfadenopatia regional, que pode ser acompanhada de sinais clínicos inespecíficos como anorexia, febre e perda de peso. Em estudos experimentais com a indução de infecção por B. henselae, foram observadas desordens neurológicas e reprodutivas. Período de incubação Em relação ao período de incubação, quando a bactéria é inoculada em um hospedeiro reservatório (mamífero), é necessário um período para replicação das bactérias no endotélio vascular até que elas possam ganhar a corrente sanguínea e, consequentemente, infectar os eritrócitos, o que vai garantir a manutenção da bacteremia e favorecer, consequentemente, a transmissão vetorial contínua (Figura 1). Geralmente, o período de incubação da Doença da Arranhadura do Gato é de sete dias a partir da arranhadura ou mordedura do gato infectado. 18 UNIDADE II │ TrANsmIssão INTErEspEcífIcA DE bAcTérIAs E rIQUéTsIAs figura 1. representação das diferentes fases da infecção por Bartonella spp. a. inoculação da bactéria presente nas fezes da pulga; b. fagocitose da bactéria por células migratórias de defesa do organismo; c. a Bartonella spp. atinge o nicho primário de replicação, persistindo no endotélio vascular; d. a bactéria ganha a circulação podendo invadir eritrócitos, ou mesmo, outras células do endotélio vascular; e. a replicação da Bartonella spp. no interior de eritrócitos é limitada; f. persistência da Bartonella spp. no nicho intraeritrocitário favorecendo a transmissão da bactéria para outros artrópodes; g. a pulga se infecta ao se alimentar com sangue infectado por Bartonella spp. fonte: harms a, dehio c. clin. Microbiol. rev.; 25:42-78, 2012. Modo de transmissão e patogenia Muitos aspectos da transmissão desses patógenos ainda estão em estudos, mas pesquisas realizadas identificaram a pulga Ctenocephalides felis como principal vetor da bartonelose: as bactérias se multiplicam no sistema digestório desse vetor e permanecem viáveis nas fezes deste por dias. Ainda, a pulga Ctenocephalides felis parece estar relacionada com a transmissão da bartonelose de gato para gato. Sugere-se que a transmissão da bartonelose possa ocorrer tanto por meio da arranhadura quanto da mordedura do gato infectado com a Bartonella spp. O prurido intenso causado pelo parasitismo da pulga (infectada com Bartonella spp.) no gato, pode causar a contaminação das unhas do gato com as bactérias presentes nas fezes da pulga, e a consequente inoculação dos micro-organismos em humanos ou animais pela arranhadura do gato. Ainda, o hábito de lambedura dos gatos pode levar à contaminação da cavidade oral desses animais, por meio tanto da ingestão das fezes das pulgas contaminadas com a Bartonella spp. quanto da ingestão da própria pulga infectada, o que poderá predispor a transmissão dos micro-organismos por meio da mordedura. Manifestações Clínicas A bartonelose é caracterizada pela presença de pequenas pústulas eritematosas, com surgimento a partir de sete dias após o contato (mordedura ou arranhadura) com o gato 19 Transmissão inTerespecífica de bacTérias e riQUéTsias │ Unidade ii infectado. Em até 14 dias, os linfonodos responsáveis pela drenagem da região infectada encontram-se entumescidos, podendo até abscedere supurar em cerca de 10% dos casos. Além disso, há relatos de febre, anorexia, mal-estar, cefaleia, prostração, problemas hepáticos, desordens oftálmicas, complicações neurológicas e cardiovasculares. diagnóstico diferencial O diagnóstico diferencial para a Doença da Arranhadura do Gato inclui inúmeras dermatopatias, como infecção bacteriana secundária a dermatites alérgicas, infecções por micobactérias e doenças malignas, quando há comprometimento de linfonodos regionais ao local da arranhadura e inoculação da bactéria no ferimento. diagnóstico O diagnóstico da infecção por Bartonella spp. pode ser realizado por meio da detecção de anticorpos no soro de pacientes, pela histopatologia dos linfonodos entumescidos, e até da pele, fígado ou de outros órgãos afetados, além de análises através de isolamento bacteriano ou de biologia molecular. Nesse contexto, o uso da biologia molecular tem sido cada vez mais frequente no auxílio do diagnóstico das infecções por Bartonella spp., sendo de extrema importância para a detecção de infecções recentes (nesses casos, a sorologia não é eficiente devido ao curto tempo para indução da síntese de anticorpos contra o antígeno). tratamento A terapia com eritromicina, azitromicina, rifampicina e doxiciclina, durante quatro a seis semanas, são as mais utilizadas no tratamento contra a bartonelose. No entanto, devido à grande variedade de sinais e sintomas da infecção por bartonelose, a implementação de uma metodologia terapêutica deve levar em consideração cada caso, individualmente. Quando o animal infectado pertence a um paciente imunossuprimido, recomenda-se que o tratamento antimicrobiano seja realizado também nos gatos, reduzindo, assim, a probabilidade de desenvolvimento de resistência às drogas, assim como favorecendo a redução da bacteremia e, consequentemente, o potencial de transmissão da doença. Epidemiologia Apesar de a frequência de bartonelose não ser bem conhecida no Brasil, estudos têm sugerido a circulação de Bartonella spp. em felinos no estado do Rio de Janeiro (detectados por testes sorológicos e moleculares). 20 UNIDADE II │ TrANsmIssão INTErEspEcífIcA DE bAcTérIAs E rIQUéTsIAs Prognóstico De forma geral, o prognóstico é favorável, o processo costuma ter involução espontânea dentro de dois a seis meses. Prevenção Para a prevenção contra a Doença da Arranhadura do Gato, recomenda-se o uso regular de antipulgas em animais de estimação. brucelose A Brucelose é uma zoonose de ampla distribuição em nossos rebanhos. Os graves danos que a Brucelose pode causar em pacientes crônicos culminam com intensas e drásticas consequências, tanto do ponto de vista sanitário quanto econômico. O baixo índice de suspeita da Brucelose por parte dos médicos e médicos veterinários é consequência de diversos fatores, como, por exemplo, ser uma enfermidade de difícil, pela falha nas notificações aos laboratórios credenciados e por falhas na identificação dos micro-organismos em testes de diagnóstico comerciais rápidos (pela baixa especificidade dos testes rotineiros). Ainda, práticas laboratoriais inseguras, assim como acidentes em laboratórios têm sido responsáveis pelo aumento no número de casos de exposição ao agente patogênico e o consequente adoecimento. Assim, a Brucelose é uma zoonose diretamente relacionada ao trabalho, tendo em vista que a sua transmissão pode se dar pelo contato com material contaminado de animais infectados durante as atividades profissionais. Sinonímia A Brucelose também é conhecida como: Febre do Mediterrâneo, Febre de Malta (Melitococia), Febre Ondulante, Febre de Gibraltar, Febre de Constantinopla, Doença das Mil Faces. Agente etiológico A primeira identificação das bactérias do gênero Brucella foi feita por Sir David Bruce em 1887. A Brucelose é uma enfermidade que tem como agente etiológico bactérias gram-negativas (cocobacilos), aeróbicas e não fermentadoras, e intracelulares facultativas do gênero Brucella (Figura 2). Atualmente, temos mais de nove espécies descritas, sendo B. melitensis, B. abortus, B. suis e B. canis as principais espécies associadas à enfermidade em humanos (apesar de raramente ser isolada no Brasil, a B. 21 Transmissão inTerespecífica de bacTérias e riQUéTsias │ Unidade ii melitensis está associada aos casos mais graves de Brucelose). Ainda, a Brucella spp. é considerada um potencial agente para uso como arma biológica, sendo classificado como categoria B pelo Centro de Controle e Prevenção de Doença (do inglês, Centers for Disease Control and Prevention; CDC) americano. figura 2. ilustração de Brucella spp. fonte: <https://5bioterrorismdiseases.wikispaces.com/3++brucellosis>. reservatórios Além do ser humano, as espécies de Brucella spp. podem ser encontradas em outras espécies (sempre com, pelo menos um hospedeiro preferencial). A seguir, listamos os hospedeiros preferenciais de cada espécie: » B. melitensis: caprinos, ovinos e camelídeos; » B. abortus: bovinos e bubalinos; » B. suis: suínos e vários mamíferos selvagens; » B. canis: cães; » B. ovis: ovinos; » B. neotomae: ratos de florestas e do deserto; » B. microti: roedores; 22 UNIDADE II │ TrANsmIssão INTErEspEcífIcA DE bAcTérIAs E rIQUéTsIAs » B. inopinata: humanos; » B. delphini, B. pinnipediae e » B. ceti: animais marinhos, como golfinhos, focas e baleias. Período de incubação Geralmente, o período de incubação das espécies de Brucella spp. Varia entre cinco e 60 dias, podendo perdurar por até dois anos em alguns casos. Modo de transmissão e Patogenia A transmissão de Brucella spp. dá-se por diversas vias, como por exemplo: » contato direto com material biológico contaminado (sangue, urina, secreções, fetos abortados, restos placentários); » contato direto com a conjuntiva ou pele lesionada; » consumo de produtos contaminados não pasteurizados (lácteos) ou mal cozidos (vísceras, carne e medula óssea, por exemplo); » aerossolização, ou seja, inalação do agente infeccioso (quando da limpeza de estábulos, movimentação do gado, procedimentos em abatedouros, ordenha ou laboratórios); » inoculação acidental durante a vacinação dos animais. Nesse contexto, a Brucella spp. é uma bactéria que pode permanecer viável na água e no solo úmido por mais de 10 semanas, podendo ser facilmente inativada por agentes desinfectantes comuns ou calor (a temperatura elevada é um excelente inativador desse micro-organismo). O tempo de viabilidade dos micro-organismos em produtos não processados adequadamente está resumido na Tabela 1. Casos de transmissão entre pessoas são extremamente raros, mas já foram descritos na literatura casos de contaminação por meio de relação sexual, transfusão de sangue e transplante de medula óssea. Nesse mesmo contexto, a possibilidade de transmissão vertical e por aleitamento materno ainda não é bem estabelecida havendo, assim, a necessidade de mais estudos sobre esse assunto. De toda forma, a orientação é manter os pacientes internados em condições-padrão de contenção. 23 Transmissão inTerespecífica de bacTérias e riQUéTsias │ Unidade ii tabela 1. tempo médio de viabilidade de Brucella spp. em diferentes meios Meio Tempo Leite Cerca de 17 dias Leite congelado > 800 dias Queijos até seis meses Manteiga até quatro meses Iogurte – 43ºC a 46ºC / pH 3,9 De 2,5 a 3,5 horas Iogurte – 18ºC a 34ºC / pH 3,7 De 89 a 96 dias fonte: diretoria de Vigilância epidemiológica de sc, jan. de 2012. A ação do sistema imune após a entrada de bactérias das espécies de Brucella spp. no organismo é evitada por mecanismos ainda não muito bem esclarecidos e, por isso, ainda não existem atualmente vacinas eficazes em humanos. Sugere-se que haja cobertura de lipopolissacarídeos, cobre-zinco,superoxidodismutase, que ofereceria proteção contra o ambiente ácido do estômago. Além disso, as bactérias são fagocitadas, porém não inativadas, e, consequentemente, não há desenvolvimento de imunidade duradora (o pico de produção de IgM quanto IgG ocorre quatro semanas após a exposição). Manifestações clínicas Após a infecção por Brucelose, alguns pacientes podem apresentar a forma subclínica da doença, não desenvolvendo sintomas ou, ainda, apresentando sintomatologia inicial inespecífica. Por outro lado, nos pacientes que desenvolvem sintomatologia, o quadro clínico varia, podendo ser agudo, subagudo ou crônico. A Brucelose pode durar semanas ou meses, se não tratada. A Brucelose caracteriza-se, de forma geral, por febre intermitente acompanhada de sudorese, mal-estar, anorexia e prostração. No aspecto mais específico, o período inicial da doença é caracterizado por uma tríade de sintomas que, embora inespecífica, pode caracterizar a doença como descrito na literatura: » febre superior a 38ºC pode se apresentar de forma remitente, intermitente, irregular ou ondulante, apresentando acentuação vespertina e prolongando-se durante a noite, com período de remissão matinal; » sudorese profusa, predominantemente noturna, acompanhada de odor desagradável; » dor, caracterizada por artralgia de pequenas e grandes articulações, mialgia e cefaleia. 24 UNIDADE II │ TrANsmIssão INTErEspEcífIcA DE bAcTérIAs E rIQUéTsIAs Pesquisadores analisaram a frequência dos sintomas em pacientes com Brucelose, de forma que ele observou que 98,7% apresentaram febre, 84% apresentaram sudorese, 75% apresentavam sintomas constitucionais (como perda de peso, prostração, anorexia e astenia). Cerca de 35,2% dos pacientes diagnosticados com Brucelose ainda apresentaram hepatomegalia, e em 20,8% dos casos, apresentaram esplenomegalia. Apesar de casos de abortamento em humanos ser raro, nos casos de evolução para as formas crônicas, é comum encontrarmos problemas em órgãos-alvo em decorrência da Brucelose. Por exemplo, em quase metade das complicações focais, observa-se comprometimento osteoarticular, que pode ser representado por sacroileíte, espondilite, artrite periférica e osteomielite. Em crianças acometidas por Brucelose, é comum que o acometimento osteoarticular seja pela presença de monoartrite, geralmente dos joelhos ou quadris. A ocorrência de manifestações neurológicas e psiquiátricas não é tão comum, mas pode ocorrer em alguns casos, havendo, inclusive, relatos de confusão mental e depressão. Complicações genitourinárias também podem ocorrer em pacientes acometidos pela Brucelose, como casos de gromerulonefrite, abcesso renal e orquiepididimite. O comprometimento cardíaco é considerado o mais grave de todos, podendo levar, inclusive, ao óbito, devido a lesões em válvulas, principalmente na aórtica, além de lesões em múltiplas áreas cardíacas. As alterações hematológicas encontradas podem variar entre leucocitose ou leucopenia, trombocitopenia e anemia. Nos casos complicados, problemas pulmonares podem ocorrer como derrame pleural e pneumonias. Na pele e mucosas podem ser observadas lesões eritematopapulosas, púrpura, cistos dérmicos e síndrome de Stevens-Johnson (reação cutânea grave com elevado potencial de morbidade e mortalidade). Para saber mais sobre a síndrome de Stevens-Johnson, leia o artigo Síndrome de Stevens-Johnson e Necrólise Epidérmica Tóxica em Medicina Intensiva, de Bulisani et al. (2006). diagnóstico diferencial Sendo a Brucelose uma doença com amplo espectro clínico, seus sintomas podem mimetizar uma grande variedade de enfermidades infecciosas como, por exemplo, a Tuberculose, a Febre Tifoide, a Endocardite Infecciosa, a Leptospirose, a Criptococose, a Histoplasmose, a Amononucleose, a Malária, além de doenças do Colágeno/Vasculites, as Neoplasias, a Síndrome da Fadiga Crônica e os Transtornos Neuropsiquiátricos 25 Transmissão inTerespecífica de bacTérias e riQUéTsias │ Unidade ii (principalmente depressão). Assim, é de extrema importância a história epidemiológica, pesquisando o contato do indivíduo com animais potencialmente infectados, bem como da ingestão de produtos contaminados (e não adequadamente processados). diagnóstico O diagnóstico laboratorial específico para a Brucelose pode ser realizado por meio de testes diretos [como cultura e reação em cadeia de polimerase (PCR, do inglês, polymerase chain reaction)] ou por testes indiretos imunológicos (Rosa Bengala, teste de soroaglutinação, teste de microaglutinação, ELISA, Ensaio Homogêneo de Fluorescência Polarizada, Imunofluorescência Indireta, dentre outros). Para a Brucelose humana não há um protocolo de diagnóstico definitivo, recomendando-se a realização de um teste de triagem (soroaglutinação com antígeno brucélico corado pelo Rosa Bengala) e, posteriormente, e se necessário, um teste para confirmação. Para a realização de culturas, é importante saber que Brucella spp. precisa de meio enriquecido para seu crescimento aliado ao tempo prolongado de incubação. Além disso, os testes com cultura apresentam uma queda gradual da positividade do exame na fase aguda quando comparados à fase crônica; por essa razão, o isolamento do agente etiológico na frase crônica torna-se difícil. Atualmente, há dificuldade em determinar quais testes podem ser utilizados em larga escala para confirmação diagnóstica no homem. A Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), por exemplo, não é utilizada como rotina nos casos suspeitos de Brucelose, devido à falta de validação de alguns testes comerciais. Nesse contexto, nos casos de pacientes com impossibilidade de realização de testes confirmatórios (casos prováveis), mas que haja uma clínica compatível associada a uma história epidemiológica positiva (contato direto com animais doentes e/ou confirmados com Brucelose ou consumo de produtos desses animais), esses serão considerados como casos confirmados da doença. Em caso de exposição à cepa vacinal de Brucella abortus RB51, os testes disponíveis serão negativos, pois são baseados na detecção de anticorpos da cepa lisa nos indivíduos expostos e, no presente caso, a exposição induz à síntese de anticorpos da cepa rugosa (Figura 3). 26 UNIDADE II │ TrANsmIssão INTErEspEcífIcA DE bAcTérIAs E rIQUéTsIAs figura 3. fluxograma do diagnóstico de brucelose humana Caso suspeito de Brucelose: clínica e epidemiologia Teste de Triagem: Rosa Bengala Positivo Negativo Teste confirmatório* Repetir Rosa de Bengala em 30 dias Positivo Negativo Caso Confirmado Positivo Negativo Manter acompanhamento clínico para realizar diagnóstico diferencial * na falta de teste confirmatório: utilizar diagnóstico provável (clínica + epidemiologia + teste de triagem positivo). fonte: diretoria de Vigilância epidemiológica de sc, jan. de 2012. tratamento A Brucelose é uma enfermidade com ampla gama de sintomas, podendo apresentar formas graves e de elevada morbidade. Nesse contexto, sabe-se que as medicações comumente utilizadas induzem efeitos colaterais, por vezes considerados tão graves quanto a própria doença, havendo, também, a elevada possibilidade de resistência bacteriana. Assim, o tratamento deve ser planejado, devendo ser cada caso avaliado individualmente. Nesse contexto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que todos os casos confirmados (ou seja, que tenham quadro clínico e epidemiologia compatível), além da comprovação laboratorial (teste de triagem e teste confirmatório positivo), sejam tratados. Por outro lado, caso não haja a possibilidade de realização dos testes para a confirmação do diagnóstico, admite-se a possibilidade de tratamento dos casos prováveis (com suspeita clínica + epidemiologia+ teste de triagem positivo). Os medicamentos usados seguem protocolos da OMS, atualizados por revisões publicadas em revistas de renome internacional e sumarizados no Quadro 1. Vale ressaltar que a associação de doxiciclina com rifampicina, embora de posologia mais fácil (por via oral), tem sido rejeitada por alguns especialistas em troca da associação de doxiciclina com um aminoglicosídeo (preferencialmente estreptomicina ou eritromicina, como 27 Transmissão inTerespecífica de bacTérias e riQUéTsias │ Unidade ii segunda escolha), associação essa que parece apresentar melhor resposta terapêutica, apesar de serem drogas injetáveis. Vale ainda ressaltar que em casos de pacientes com suspeita de infecção associada à cepa vacinal de Brucella abortus RB51, o protocolo de tratamento não deverá conter rifampicina, já que essa cepa possui resistência intrínseca a essa droga. Devemos ter total atenção para os efeitos colaterais das drogas utilizadas no tratamento e reforçar a adesão ao tratamento, já que é um protocolo terapêutico prolongado em pacientes, muitas vezes, oligossintomáticos. Quadro 1. esquemas terapêuticos para brucelose Droga Dose Intervalo Duração Tratamento de eleição para adultos Doxiciclina + Rifampicina 100mg 300mg A cada 12h A cada 12h 42 dias 42 dias Tratamento de eleição para crianças se oito a 14 anos Doxiciclina + Rifampicina 1-2mg/kg/dose 7,5-10mg/kg/dose A cada 12h A cada 12h 42 dias 42 dias Tratamento de eleição para crianças menores de oito anos SMZ + TMP + Rifampicina ou Estreptomicina2 ou Gentamicina2 4mg/kg/dose 7,5-10mg/kg/dose 30mg/kg/dose 5mg/kg/dose A cada 12h A cada 12h A cada 24h A cada 24h 42 dias 42 dias 21 dias 10 dias Tratamento de eleição para gestantes e nutrizes Rifampicina + SMZ + TMP3 ou Estearato de eritromicina 300mg 800mg + 160mg 500mg A cada 12h A cada 12h A cada 6h 42 dias 42 dias 42 dias Tratamento de eleição para adultos com intolerância/alergia a rifampicina e para profissionais infectados pela vacina RB51 Doxiciclina + Estreptomicina2 ou Gentamicina2 100mg 1g 160mg A cada 12h A cada 24h A cada 24h 42 dias 14 dias 14 dias Tratamento de eleição para adultos com intolerância/alergia a doxiciclina Ciprofloxacina + Rifampicina 500mg 300mg A cada 12h A cada 12h 42 dias 42 dias 1. O uso de tetraciclinas deve ser evitado em menores de oito anos. Em caso de intolerância a sulfametaxazol, avaliar risco-benefício e utilizar a eritromicina (7,5-12,5 mg/kg, a cada seis horas). 2. Aplicação intramuscular ou intravenosa. 3. O tratamento com sulfametoxazol + trimetoprim (SMZ-TMP) deve ser evitado no terceiro trimestre do puerpério, devido ao risco de icterícia neonatal. fonte: diretoria de Vigilância epidemiológica de sc, jan. de 2012. 28 UNIDADE II │ TrANsmIssão INTErEspEcífIcA DE bAcTérIAs E rIQUéTsIAs Algumas complicações podem ocorrer em consequência da Brucelose, como endocardite, espondilite e neurobrucelose; nesses casos, além de o tratamento ser mais longo (por até mais de oito semanas), pode haver a necessidade de intervenção cirúrgica, para drenagem de abscessos, reparo de válvulas cardíacas, dentre outros. Nesse contexto, o término do tratamento será avaliado de acordo com a resposta clínica do paciente, bem como de seus exames complementares. No tratamento contra a neurobrucelose, deve-se evitar o uso de aminoglicosídeos, devido à sua baixa permeabilidade na barreira hematoencefálica. Já os casos de endocardite com reposição valvar, o tratamento com antimicrobiano deve ser mantido por várias semanas seguidas após a cirurgia de reparação. A ocorrência de recidivas é fenômeno muito comum em pacientes acometidos por Brucelose, sendo descritas em cerca de 20% dos pacientes tratados de forma monoterápica no primeiro ano pós-tratamento. Nesses casos, a doença geralmente é menos sintomática quando comparado ao evento inicial, além de ser raramente associado a quadros de resistência microbiana. Assim, recomenda-se que o mesmo protocolo terapêutico já utilizado seja seguido em casos de recidiva, sendo o tempo de tratamento mais prolongado a única ressalva sugerida por alguns profissionais, apesar de ainda não termos evidências que comprovem cientificamente o seu benefício. Seguimento ambulatorial Um dos principais objetivos do seguimento ambulatorial no que tange à Brucelose consiste na busca das formas de contágio do paciente enfermo, com o objetivo de realizarmos uma triagem nos indivíduos/contatos que tiveram a mesma forma de exposição ao agente. Nesses casos, os profissionais de saúde do município onde o paciente reside serão responsáveis pela triagem laboratorial inicial, devendo os profissionais ser capacitados e ter recursos para a realização dos testes para diagnóstico diferencial, tanto para o acompanhamento dos indivíduos expostos com títulos ascendentes nos testes sorológicos de triagem (Rosa Bengala) quanto para os casos confirmados. Casos suspeitos de Brucelose Pacientes que apresentem sintomas clínicos compatíveis com a Brucelose devem ser submetidos aos exames laboratoriais específicos (conforme Figura 3) para que o diagnóstico seja concluído. Em casos de suspeita da forma aguda da doença, recomenda-se a repetição dos exames dentro do prazo de 30 dias, caso os resultados sejam negativos na primeira bateria de exames específicos. Ainda, caso após a repetição o resultado permanecer negativo, deve-se realizar o acompanhamento ambulatorial do paciente para a realização do diagnóstico diferencial. Vale ressaltar a supraimportância 29 Transmissão inTerespecífica de bacTérias e riQUéTsias │ Unidade ii da história clínica e epidemiológica do paciente e das áreas correlatas, com o objetivo de constatarmos as possíveis formas de transmissão da doença. Casos confirmados de Brucelose O plano terapêutico descrito no presente material deve ser adotado tanto para os casos confirmados (positivos do ponto de vista clínico, epidemiológico e laboratorial), bem como para aqueles casos ditos “prováveis”, ou seja, positivos do ponto de vista clínico, epidemiológico e por meio do teste de triagem (nos casos de ausência de testes laboratoriais para a confirmação). No Quadro 2 (adaptado da Nota Técnica do Ministério da Saúde do Peru) sugere-se a forma de acompanhamento do paciente tanto com consultas periódicas quanto com avaliações de controle sorológico, com o objetivo de avaliar a melhora clínica do paciente, bem como a sua adesão ao tratamento. A utilização de teste sorológico no controle dos pacientes deve ser feita com muita cautela, uma vez que pode não ajudar adequadamente em recidivas, já que a titulação de anticorpos decresce lentamente, podendo ser negativada apenas entre seis a doze meses após o tratamento. Se houver suspeita de recidiva nesse período, os anticorpos detectados podem ser em consequência da primeira infecção. Assim, é recomendada a comparação entre os resultados dos dois testes realizados, desde que tenham seguido a mesma metodologia e sido realizados no mesmo laboratório. No primeiro ano após o tratamento contra a Brucelose, é muito comum os pacientes serem acometidos por recidivas. Assim, durante esses primeiros 12 meses, o paciente deve ser monitorado por exames clínicos e laboratoriais (como proteína C reativa e transaminases, que são considerados indicadores da doença em atividade). Quadro 2. acompanhamento ambulatorial de pacientes com brucelose humana Período Tipo de controle 1a semana de tratamento Avaliação clínica e verificação da adesão ao tratamento 3a semana de tratamento Avaliação clínica e verificaçãoda adesão ao tratamento Final do tratamento Avaliação clínica e sorológica – Teste Rosa de Bengala Pós-tratamento 1o mês ------------------------------------------------ 2o mês ------------------------------------------------ 3o mês ------------------------------------------------ 6o mês ------------------------------------------------ 12o mês ---------------------------------------------- 18o mês ---------------------------------------------- 24o mês ---------------------------------------------- Avaliação clínica Avaliação clínica Avaliação clínica e sorológica – Teste Rosa de Bengala Avaliação clínica e sorológica – Teste Rosa de Bengala Avaliação clínica e sorológica – Teste Rosa de Bengala Avaliação clínica e sorológica – Teste Rosa de Bengala Avaliação clínica e sorológica – Teste Rosa de Bengala – Alta do Paciente fonte: diretoria de Vigilância epidemiológica de sc, jan. de 2012. 30 UNIDADE II │ TrANsmIssão INTErEspEcífIcA DE bAcTérIAs E rIQUéTsIAs A solicitação dos exames pode ser feita por médico assistente ou pela equipe de veterinários do município. Já a coleta deve ser feita no município de origem e o material deve ser devidamente encaminhado para o centro de análise credenciado pelo Mapa. Pessoas expostas à Brucelose Os indivíduos expostos à Brucella spp. (seja pelo contato com material contaminado em suas atividades profissionais ou pela ingestão de alimentos não processados adequadamente) devem ser submetidos a avaliações clínicas e laboratoriais em uma unidade de saúde. Aqueles que apresentarem sintomatologia compatível com casos de Brucelose devem ser encaminhados para as unidades de referência. figura 4. representação esquemática do manejo de indivíduos expostos à brucelose. Pessoa assintomática exposta à Brucelose Teste de triagem: Rosa de Bengala Positivo Negativo Manter acompanhamento ambulatorial e sorológico a cada seis meses até dois anos Repetir Rosa de Bengala em 30 dias Positivo Negativo Clínica compatível com Brucelose Títulos crescentes na sorologia Seguir fluxograma de diagnóstico de Brucelose humana Ambulatório de referência Alta do acompanhamento* * orientar sintomatologia e retorno, se necessário. fonte: diretoria de Vigilância epidemiológica de sc, jan. de 2012. 31 Transmissão inTerespecífica de bacTérias e riQUéTsias │ Unidade ii Indivíduos expostos e assintomáticos devem ser devidamente acompanhados e orientados quanto aos principais sintomas da doença, devendo estes serem reavaliados, inclusive com novo teste de triagem, caso haja aparecimento de clínica compatível. Epidemiologia A Brucelose é considerada uma zoonose hiperendêmica em diversas regiões do planeta, de forma que mesmo em locais livres de Brucelose podem ocorrer casos provenientes de outras regiões. Assim, naquelas propriedades que não apresentam casos de Brucelose em sua produção, cuidados devem ser tomados principalmente no momento da compra, para evitar que a Brucelose animal entre no rebanho por meio de animais sem o teste para diagnóstico dessa doença (de acordo com a legislação vigente, a apresentação de testes negativos tanto para a Brucelose quanto para a tuberculose é obrigatória para o trânsito interestadual de bovinos e bubalinos). Prognóstico A Brucelose pode fazer você se sentir muito mal e ser de longa duração, no entanto, raramente é fatal em humanos. A maioria das pessoas se recupera completamente sem complicações após tratamento antibiótico. No entanto, se não for tratada, até 2% dos pacientes podem desenvolver endocardite (infecção do coração), o que pode ser fatal. Prevenção Prevenção da Brucelose humana A prevenção da Brucelose humana está diretamente relacionada com o controle e/ou erradicação da doença nos animais, por meio de métodos de identificação e eliminação de animais infectados, bem como pela vacinação do rebanho (animais provenientes de propriedades com foco de Brucelose, com idade igual ou superior a oito meses e não reagentes a testes sorológicos). Além disso, a população deve ser orientada sobre o consumo de produtos devidamente pasteurizados e cozidos, e que sejam provenientes de locais com controle sanitário e fiscalizado por órgãos competentes. Conduta frente à exposição de animais ou alimentos à Brucella spp. A partir da devida notificação do caso suspeito (e/ou confirmado) de Brucelose animal, a vigilância epidemiológica do município deverá obedecer aos seguintes passos: 32 UNIDADE II │ TrANsmIssão INTErEspEcífIcA DE bAcTérIAs E rIQUéTsIAs » Buscar e identificar (com registro dos dados pessoais) todos aqueles considerados expostos à Brucelose, por meio do preenchimento da ficha de notificação: › as fichas de notificação serão encaminhadas para vigilância epidemiológica do município, juntamente com as amostras sorológicas para a requisição do exame. 1. Orientar os indivíduos (tanto os considerados expostos quanto aqueles da propriedade em questão) sobre os riscos dessa zoonose, assim como as formas de prevenção da doença. 2. Todos aqueles indivíduos considerados expostos devem ser encaminhados para avaliação clínica. 3. Todos aqueles indivíduos identificados pelo contato direto com os animais infectados ou que tenham consumido produtos provenientes de animais suspeitos e/ou confirmados de Brucelose animal naquela propriedade devem ser encaminhados para análise sorológica. Conduta do serviço oficial frente aos animais positivos A propriedade com casos confirmados de Brucelose possui o trânsito de animais interditado. Os animais cujos testes (clínicos e laboratoriais) forem positivos são separados para a devida eutanásia pelos órgãos competentes, podendo ocorrer tanto na própria propriedade (sendo a carcaça ali mesmo enterrada) ou levados para abate em estabelecimentos com serviço de inspeção. Os demais animais do rebanho devem ser submetidos a repetidos testes (clínicos e laboratoriais) para a Brucelose, até que se tenha a certeza de que não exista mais foco da doença e, assim, a propriedade pode ser desinterditada. doença de Lyme A Doença de Lyme é uma infecção bacteriana sistêmica causada pela espiroqueta Borrelia burgdorferi e transmitida por carrapatos dos gêneros Ixodes e Amblyomma, que pode acometer o homem, assim como animais domésticos e silvestres. A apresentação clínica da Doença de Lyme é muito ampla, podendo iniciar com erupções cutâneas e evoluindo para manifestações cardíacas, musculoesqueléticas, artríticas, neurológicas e, inclusive, psiquiátricas. Apesar de a grande maioria dos sintomas terem chances de ser eliminados por tratamento precoce com antibióticos, quando o tratamento tem início tardio (ou é realizado de forma inadequada), o paciente 33 Transmissão inTerespecífica de bacTérias e riQUéTsias │ Unidade ii tem grandes chances de desenvolver o “estágio tardio” da Doença de Lyme que, além de ser debilitante, é de difícil tratamento. Sinonímia A Doença de Lyme também é conhecida como Borreliose ou Borreliose de Lyme ou Meningopolineurite por Carrapatos, Artrite de Lyme, Eritema Migratório. Agente Etiológico O agente causador da Doença de Lyme é Borrelia burgdorferi, uma bactéria gram-negativa, espiralada e multiflagelada, microaerófila e nutricionalmente exigente para o seu lento crescimento. Essa bactéria é intracelular obrigatória, e apresenta protoplasma e uma membrana externa rica em lipoproteínas (Figura 5). figura 5. ilustração da espiroqueta Borrelia burgdorferi, agente causador da doença de lyme fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/borrelia_burgdorferi>. Período de incubação O período de incubação varia de três a 30 dias após a picada do carrapato. reservatórios e vetor Os reservatórios para Borreliaburgdorferi são carrapatos dos gêneros Ixodes (Figuras 6A e 6B) ou Amblyomma (Figura 7), que têm o ciclo de vida exposto na figura a seguir (Figura 8). 34 UNIDADE II │ TrANsmIssão INTErEspEcífIcA DE bAcTérIAs E rIQUéTsIAs figura 6. carrapatos da espécie Ixodes ricinus, pertence à família Ixodidae. possuem escudo dorsal não ornamentado, os hipostômios podem apresentar dentições. presença de um macho (A) no canto superior esquerdo da figura, o escudo cobre todo o corpo e presença de quatro fêmeas (b) na figura, escudo dorsal no terço anterior do corpo, podem ficar acinzentadas quando ingurgitadas. fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/carrapato-estrela>. figura 7. carrapatos da espécie Amblyomma cajennense ou carrapato-estrela, pertence à família Ixodidae. possuem escudo dorsal ornamentado, palpos e gnatossoma longos. o macho (A) tem escudo dorsal que cobre todo o corpo e a fêmea (b) tem escudo apenas no terço anterior do corpo. fonte: <https://hiveminer.com/tags/micrura>. 35 Transmissão inTerespecífica de bacTérias e riQUéTsias │ Unidade ii figura 8. ciclo de vida do carrapato Amblyomma cajennense, vetor da doença de lyme. fonte: <http://carrapatos.cnpgc.embrapa.br/museu.html>, foto de Jaqueline Matias e <https://pt.wikipedia.org/wiki/ carrapato-estrela>, respectivamente. Borrelia burgdorferi é transferida via transovariana da fêmea do carrapato para seus ovos e se mantém nas larvas, as quais irão transferir o agente etiológico para os animais que picarem (Figura 9). figura 9. ciclo que ilustra a transmissão de Borrelia burgdorferi ao longo dos estágios da vida do carrapato e deste para vários animais fonte: <http://www.oswaldobuzzo.com.br/artigos/doencas-rurais?tmpl=%2fsystem%2fapp%2ftemplates%2fprint%2f&showpri ntdialog=1>. Modo de transmissão e Patogenia A infecção humana por Borrelia burgdorferi ocorre pela saliva do carrapato (gêneros Ixodes ou Amblyomma) contendo a espiroqueta. A disseminação das espiroquetas no indivíduo hospedeiro ocorre pela sua associação ao plasminogênio sem ativadores, e à 36 UNIDADE II │ TrANsmIssão INTErEspEcífIcA DE bAcTérIAs E rIQUéTsIAs ativação do complemento. Apesar de não serem conhecidos os mecanismos de elevação das respostas imunitárias do hospedeiro nas recorrências febris, sabe-se que essas espiroquetas permanecem na corrente sanguínea do indivíduo durante os episódios de febre, induzindo, assim, a produção de anticorpos específicos contra as lipoproteínas da membrana plasmática da Borrelia spp. Assim, o término das manifestações clínicas é atribuído à atividade humoral específica de anticorpos que seria maior quando comparado às células fagocíticas. Por outro lado, as lipoproteínas expressas durante a infecção por Borrelia burgdorferi desencadeia processo infeccioso, levando a uma evolução da doença com remissão e exacerbação dos sinais clínicos. A imunidade patogênica do hospedeiro contra Borrelia burgdorferi induz reações autoimunes que podem induzir artrite e, até mesmo, lesões cardíacas, de forma que esse mecanismo de imunidade intrínseca pode ter alguma influência na constância dos sintomas clínicos. Alguns estudos mostram que o organismo humano apresenta fatores protetores contra esses anticorpos para Borrelia burgdorferi, como a decorina, por exemplo. A decorina é um proteoglicano com importante função na manutenção da matriz extracelular da pele, articulações e, em menor quantidade, no coração. Assim, a presença de decorina nesses sítios favorece a concentração das espiroquetas nessas regiões e, consequentemente, a instalação de uma infecção crônica. Vale ressaltar, ainda, que a exposição primária a um carrapato não contaminado é um fator de proteção, fato esse sugerido pelas evidências de que moradores de regiões endêmicas de carrapatos dos gêneros Ixodes ou Amblyomma não desenvolvem a doença. Autores sugerem que esse fator de proteção pode ser em decorrência de uma hipersensibilidade cutânea desenvolvida em resposta à saliva do carrapato, o que poderia culminar com uma reação imune local protetora. No entanto, tal proteção parece ser transiente, já que o indivíduo não consegue manter a imunidade natural contra a Doença de Lyme, podendo, assim, sofrer uma reinfecção a partir de um novo contato com a salina do carrapato. Manifestações clínicas As manifestações clínicas podem ser divididas em três estágios. A principal e primeira manifestação é o eritema migratório que aparece no local da picada. A lesão se inicia, em média, de três a 30 dias após a picada. Dos infectados, de 60% a 80% apresentam essa lesão. Esse estágio 1 vem acompanhado de sintomas semelhantes ao da gripe, como cefaleia, febre, mialgia, fadiga e artralgia. O rash cutâneo mede aproximadamente 0,5cm de diâmetro, demonstra expansão centrífuga e lenta, mas, também, pode 37 Transmissão inTerespecífica de bacTérias e riQUéTsias │ Unidade ii expandir-se rapidamente. Possui a região central mais clara e a borda mais avermelhada. Aproximadamente 50% dos indivíduos infectados apresentam somente uma lesão quando se inicia em outros lugares, é sinal de doença disseminada (Figuras 10A e 10B). figura 10. ilustração de eritema migratório em antebraço esquerdo de uma pessoa picada por carrapato (A). lesão característica após picada do carrapato (b) fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/doen%c3%a7a_de_lyme>. Nessa situação, inicia-se o estágio 2. São manifestações que podem aparecer após semanas ou meses do início do eritema migratório. Elas podem durar pouco, ou até meses, podem ser recorrentes e também se tornarem crônicas. Os sistemas mais acometidos são: neurológico, cardíaco e, ocasionalmente, ocular. As principais manifestações de SNC são comprometimento de condução nervosa, perda de reflexo, parestesia, neuropatia craniana, radiculopatia, meningite, cefaleia, fadiga e mudanças comportamentais. Afecções cardíacas são mais raras, mas podem acontecer arritmia, miocardite, angina, vasculite e bloqueio atrioventricular. Esse último é o mais comum. Geralmente, a lesão é reversível, melhora em dias ou semanas, e, algumas vezes, está associada à miocardite, palpitação e bradicardia. Em alguns casos pode haver manifestações oculares como alterações visuais, cegueira, lesão de retina, atrofia óptica, conjuntivite, uveíte, coroidite, ceratite, inflamação, dor, diplopia e papiledema. Pode ocorrer também acometimento do nervo óptico com neurite óptica ou neurorretinite. Embora rara, pode haver paralisia do abducente, oculomotor e troclear. O estágio 3 acontece meses ou anos após infecção e, frequentemente, é caracterizado pela artrite crônica, acrodermatite, encefalomielite. Já foi descrita Lyme congênita. A transmissão do agente por via transplacentária no primeiro trimestre da gestação aumenta a chance de complicações neonatais. Pode ocorrer parto prematuro e morte neonatal. Não há transmissão do agente pelo leite materno nem entre pessoas. Em crianças, as manifestações mais comuns são: eritema migratório, artrite, paralisia do nervo facial, meningite asséptica e cardiopatia. Na meningite infantil por Lyme há pouca 38 UNIDADE II │ TrANsmIssão INTErEspEcífIcA DE bAcTérIAs E rIQUéTsIAs febre, porém, há cefaleia e rigidez nucal. É importante pensar em coinfecção quando o aspecto clínico é diferente da infecção isolada. Tratamento antibiótico adequado evita essa transmissão. figura 11. esquema que resume os sintomas da doença de lyme fonte: <http://www.wort.lu/pt/luxemburgo/doenca-de-lyme-tratada-com-pincas-no-luxemburgo- 56bb2a000da165c55dc52b30>. Outras alterações laboratoriais que os pacientes podem apresentar são: anemia, VHS aumentado, leucocitose e trombocitopenia, além do aumento nas enzimas hepáticas. diagnóstico diferencial Para os casos mais complicados de serem diagnosticadosou que não se tenha dados suficientes para se fechar o diagnóstico de boreliose, deve-se fazer o diagnóstico diferencial para sífilis, doença reumatoide, mononucleose infecciosa e morphea. diagnóstico O diagnóstico da Doença de Lyme consiste na associação dos sintomas com dados epidemiológicos (naquelas regiões de grande endemicidade) e testes laboratoriais. Dentre os exames laboratoriais mais utilizados para o diagnóstico dessa doença é o ELISA seguido pelo Western-Blot, sendo esse o melhor teste diagnóstico. Apesar de o 39 Transmissão inTerespecífica de bacTérias e riQUéTsias │ Unidade ii exame de PCR não ser muito utilizado, ele teria maior sensibilidade quando comparado ao Western-Blot na fase aguda da Doença de Lyme. Na anamnese, deve-se averiguar o número de semanas que o paciente apresenta os sintomas, sendo esse dado de suma importância para o pedido dos exames a serem feitos. Enquanto em pacientes de alto risco (sintomáticos e provenientes de áreas endêmicas) não são necessários exames laboratoriais, pacientes com sintomas suspeitos por até quatro semanas, recomenda-se solicitar o ELISA e Western-Blot tanto para IgM quanto para IgG. Por outro lado, estando o animal com sintomas com mais de quatro semanas, somente a quantificação de IgG deve ser solicitada, a fim de evitar resultados falso-positivos. Na clínica veterinária encontramos elevados índices de resultados falso-negativos e falso-positivos. Os exames falso-positivos para a Doença de Lyme podem ocorrer quando o animal apresenta outras infecções por espiroquetas (como mononucleose infecciosa, sífilis, doença reumatoide, e morphea). Já os animais que receberam a vacina composta por gene derivado de B. burgdorferi também podem apresentar resultados falso-positivos. Além do ELISA e Western-Blot, técnicas alternativas são utilizadas para o diagnóstico da Doença de Lyme, como a biópsia cutânea, por exemplo, que, apesar de ter baixa especificidade, é de grande utilidade para o diagnóstico devido à caracterização de infiltrados na pele de linfócitos, histiócitos e eosinófilos. Outra técnica diagnóstica é a biópsia cutânea, que, apesar de não ser tão específica, mostra-se útil no diagnóstico pelas características do infiltrado de linfócitos, histiócitos e eosinófilos na pele, que apresenta uma disposição específica em torno dos vasos (em forma de manguito), assim como no interstício. Já a detecção do agente causador da Doença de Lyme por meio de histologia não é recomendada, já que os micro-organismos apresentam-se de forma escassa e não homogênea nas lesões, apesar de ainda haver divergências entre os autores sobre essa forma de diagnóstico. A cultura, por sua vez, também é extremamente difícil, assim como a visualização microscópica, já que os micro-organismos não absorvem corantes. tratamento A antibioticoterapia profilática não é recomendada para quem teve contato com o carrapato, mas apresenta-se assintomático; no entanto, o paciente deve ser acompanhado e ficar em observação para possível aparecimento de sintomas compatíveis com a Doença de Lyme, como artralgia, febre ou rash. 40 UNIDADE II │ TrANsmIssão INTErEspEcífIcA DE bAcTérIAs E rIQUéTsIAs Para os pacientes sintomáticos, o tratamento deve ser iniciado tão logo o diagnóstico seja concluído que, dependendo do estágio da doença, a antibioticoterapia pode ser por via oral ou endovenosa. O fármaco de primeira escolha é a doxiciclina 100mg (duas vezes por dia, via oral, durante 14 a 21 dias consecutivos) seguidos de cefuroxina e amoxicilina com probenecida e macrolídeos. Para crianças e gestantes, a droga de eleição é a amoxicilina. Já em casos com complicações cardíacas e neurológicas, indica-se a utilização de ceftriaxona 2g, uma vez ao dia, durante duas a três semanas consecutivas; já em complicações alérgicas, recomenda-se a utilização de doxiciclina. Quando o paciente apresenta febre recorrente, deve-se optar por tetraciclina 0,5g e eritromicina 0,5g (em dose única). Já nos casos em que se observa encefalite e meningite, recomenda-se o uso de penicilina, cefotaxima ou ceftriaxona, por via endovenosa, por 14 dias consecutivos. A evolução do tratamento mostra-se eficaz quando o médico veterinário verifica a melhora nos sintomas clínicos, além da normalização do pleomorfismo celular do liquor. Não é recomendado medir os anticorpos no liquor pós-tratamento, porque eles costumam persistir. Pacientes podem apresentar a síndrome pós-doença de Lyme, que é caracterizada pela persistência dos sintomas (como sintomas neurocognitivos, fadiga, cefaleia, mialgia e artralgia), mesmo após os protocolos terapêuticos. Apesar de a patogênese da síndrome pós-doença de Lyme ser desconhecida, o tratamento recomendado é puramente sintomático, tendo em vista que estudos com pacientes nessa condição revelaram que a antibioticoterapia mostrou-se ineficaz. Epidemiologia No Brasil, o principal carrapato vetor dessa doença é o carrapato Amblyomma cajennense. Já na América do Norte, o carrapato “patas negras de cervos” (Ixodes scapularis) espalhou a doença pela costa do Atlântico e o carrapato (Ixodes pacificus) espalhou o agente etiológico na costa do Pacífico. Na Europa, a transmissão ocorre pelo Ixodes ricinius. Prognóstico Quando o tratamento é iniciado na fase inicial da doença, a recuperação do paciente é completa e rápida; porém, quando ocorre nos estágios mais avançados, os sintomas 41 Transmissão inTerespecífica de bacTérias e riQUéTsias │ Unidade ii podem ser recorrentes (nesses casos, recomenda-se um segundo ciclo de terapia, com até quatro semanas de duração, já que antibioticoterapia por longos períodos mostrou-se ineficaz e até prejudicial, podendo levar a diversas complicações, incluindo morte). Prevenção Evitar aquelas áreas sabidamente infestadas por carrapatos continua sendo o melhor método diagnóstico. Para quando não for possível, recomenda-se: » usar calça e camisa de mangas compridas; » caminhar no centro das trilhas, evitando as margens; » aplicar repelentes de insetos à base de DEET (dietiltolu-amida) sobre a pele e roupa, ou repelente à base de permethrin sobre as roupas; » verificar, diariamente, se há carrapatos. Os lugares prediletos por eles são as pernas, virilhas, axilas, linhas do cabelo e dentro ou atrás das orelhas; » remover os carrapatos imediatamente usando pinça de ponta fina – não se deve espremer nem torcer o carrapato. Leptospirose A Leptospirose é uma doença infecciosa e potencialmente grave, causada por uma bactéria, que cursa com sintomatologia aguda e com febre, e de evolução benigna em cerca de 90% dos casos. A Leptospirose é uma zoonose com ampla distribuição mundial (com exceção das regiões polares), acometendo indivíduos de ambos os sexos e de qualquer idade. Sinonímia Apesar de a leptospirose ser conhecida por outros nomes (Febre dos Pântanos, Febre dos Arrozais, Febre Outonal, Doença dos Porqueiros, Tifo Canino, ou Doença – ou Síndrome – de Weil), deve-se evitar o uso de tais nomenclaturas devido à elevada possibilidade de confusão com outras enfermidades. Agente Etiológico O agente etiológico da Leptospirose é uma bactéria aeróbica obrigatória e espiroqueta (helicoidal), do gênero Leptospira. Hoje, conhecemos 14 espécies patogênicas, sendo 42 UNIDADE II │ TrANsmIssão INTErEspEcífIcA DE bAcTérIAs E rIQUéTsIAs L. interrogans a mais importante. A unidade taxonômica básica é sorovar (sorotipo): estudos já identificaram mais de 200 sorovares até o momento, e cada um tem o seu hospedeiro preferencial, apesar de que uma única espécie animal pode albergar mais de um sorovar. O tipo de sorovar pode determinar a forma da apresentação clínica da Leptospirose no homem, (por exemplo, no Brasil,
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