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Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P5 1 ABDOME AGUDO VASCULAR CONCEITO E QUADRO CLÍNICO O abdome agudo vascular constitui doença grave, às vezes pouco lembrada no momento do exame clínico, com mortalidade atingindo 80% na maioria dos estudos Tal fato se deve ao diagnóstico quase sempre tardio, e pelo fato de acometer principalmente pacientes idosos, que já apresentam várias doenças crônicas, por si sós graves, além da frequente progressão da isquemia após as cirurgias de revascularização ISQUEMIA AGUDA Redução súbita do fluxo sanguíneo em determinada parte ou em todo o intestino de tal intensidade que não seja possível manter sequer o metabolismo basal, havendo consequentemente morte celular e necrose ETIOLOGIA Pode ser oclusiva e não-oclusiva Das OCLUSIVAS podemos citar como mais frequentes a EMBOLIA (origem cardíaca, aórtica, tumoral ou por cristais de colesterol) e a TROMBOSE AGUDA (secundária geralmente à aterosclerose prévia) dos principais ramos arteriais viscerais A causa predominante entre as NÃO- OCLUSIVAS é secundaria à DIMINUIÇÃO IMPORTANTE DO DÉBITO CARDÍACO (importando menos a causa da descompensação que a magnitude da insuficiência cardíaca), que pode ou não ser acompanhada do espasmo dos vasos Outras causas citadas compreendem o choque de origem medular ou traumático, gastroenterites, hemoconcentração, pneumonia, placenta prévia e espasmo das artérias distais associado ao abuso de cocaína, intoxicação por Ergot ou o emprego de vasopressores durante o tratamento do choque Paradoxalmente, estados de relativa hipertensão aguda, como pós-operatório de correção de coarctação aórtica, apresentam chance de necrose intestinal Podemos incluir como causa de sofrimento visceral a trombose das veias do sistema mesentéricoportal As causas incluem trombose primária (sem etiologia definida) e as secundárias: deficiência de proteína C ou proteína S, antitrombina III e fator V de Leidig, além de estados de hipercoagulabilidade associados a doenças neoplásicas ou inflamatórias, trauma, hipertensão portal, cirrose e, após, escleroterapia de varizes de esôfago FISIOPATOLOGIA A fisiopatologia envolve uma lesão Isquêmica inicial, decorrente da redução do fluxo arterial ou venoso (o que leva a lesões precoces na mucosa, tornando-se posteriormente transmurais), perpetuada pelo vasospasmo reflexo da circulação mesentérica e completada pela lesão de reperfusão (principalmente pela formação e ação de radicais livres de oxigênio, que desencadeiam a síndrome da resposta inflamatória sístêmica, podendo evoluir para falência de múltiplos órgãos) Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P5 2 A dor abdominal é o sintoma inicial, geralmente muito intensa, fora de proporções com os achados clínicos, que são inespecíficos A chave para o diagnóstico precoce é valorizar os sinais, ainda que inespecíficos, em pacientes com FATORES DE RISCO PARA ÍSQUEMIA MESENTÉRICA AGUDA: o maiores de 60 anos o portadores de doença aterosclerótica o infarto agudo do miocárdio recente o arritmias cardíacas, em especial a fibrilação atrial, passado de eventos tromboembólicos em outros segmentos do organismo o situações de baixo débito cardíaco como insuficiência cardíaca congestiva o estados hiperdinâmicos com má perfusão periférica, como na sepse, uso de vasoconstritores, e uso de nutrição enteral, pelo aumento não regulável do consumo de oxigênio no intestino Passada a fase inicial de dor abdominal, vem a fase intermediária, caracterizada por peritonite, que, frequentemente, confunde o quadro clínico com outras causas de abdome agudo inflamatório Na terceira fase, acentuam-se os sinais abdominais, surgindo a instabilidade hemodinâmica, o choque refratário e o óbito É o tipo de abdome agudo com mais difícil diagnóstico e tratamento PRINCIPAL CAUSA É A EMBOLIA DA ARTÉRIA MESENTÉRICA SUPERIOR Mais comum na artéria mesentérica superior devido: o Diâmetro maior que da AMI o Emergência oblíqua da AMS na aorta o Está relacionada com a inflamação de órgãos que drenam para a veia porta (apendicite, diverticulite) Normalmente, esse êmbolo vem do coração (as principais origens são os trombos murais no coração de pacientes que têm alguma alteração cardiovascular como fibrilação atrial ou algum distúrbio de válvula), causando uma obstrução aguda da MAS, levando a isquemia, necrose e posterior perfuração Paciente apresenta dor intensa e súbita e está em mau estado geral No início, vai apresentar um abdome flácido, sem sinais de irritação peritoneal. Após a necrose e perfuração, apresenta abdome em “tábua” também Quadro muito grave e alta mortalidade A aterosclerose, principal causa de isquemia crônica do intestino, tem como característica uma instalação lenta. Isso proporciona tempo para que haja acomodação da circulação colateral. De forma geral, a principal artéria responsável pela perfusão intestinal pode ser considerada a AMS; quando ocluída ou estenótica é a que mais freqüentemente causa sintomas de angina abdominal. Geralmente, a obstrução da AMI e/ou do TC costuma ser mais bem tolerada Cirurgias abdominais prévias, principalmente com ressecções intestinais, podem piorar o quadro de uma perfusão intestinal devido à perda de colaterais secundária às ligaduras dos ramos arteriais Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P5 3 QUADRO CLÍNICO Como poderíamos imaginar diante do quadro agudo, a dor abdominal é o sintoma mais frequente e marcante Apresenta-se praticamente em todos os casos, em maior ou menor grau Classicamente, diz-se que após seis horas de dor (isquemia) o tecido intestinal torna-se inviável, não se recuperando após a revascularização, visão esta que não é compartilhada por todos os autores Vômitos, alteração nas características das fezes e distensão abdominal são sintomas frequentes A ausculta abdominal pode ser aumentada, nos casos de isquemia segmentar em que a porção acometida funciona como uma obstrução, ou diminuída, quando a extensão comprometida for muito extensa, não sendo assim de muito valor prático O toque retal eventualmente traz como dado adicional sugestivo de necrose a presença de fezes com aspecto de “geléia de amoras”, consequência da necrose de regiões da mucosa intestinal Devemos ficar atentos às situações que particularmente coincidem com maior ocorrência de fenômenos de trombose ou embolia Arritmia cardíaca, miocardiopatia com dilatação, infarto do miocárdio, doença reumática das válvulas cardíacas e presença de doença aterosclerótica em outros territórios como das coronárias, das extremidades ou revascularização prévia são indicadores do aumento desse risco Isquemia decorrente da manipulação também pode ocorrer Dor abdominal difusa com distensão após cateterismo da aorta deve levantar a suspeita imediata de dissecção ostial ou embolia por deslocamento de um trombo de placa EXAMES COMPLEMENTARES Os exames laboratoriais também são inespecíficos, não existindo marcadores de isquemia ou necrose intestinal, mas HEMOCONCENTRAÇÃO, LEUCOCITOSE E ACIDOSE METABÓLICA, associados aos achados clínicos de DISTENSÃO, DEFESA E AUSÊNCIA DE PERISTALTISMO sugerem doença avançada A radiologia convencional afasta outrascausas de abdome agudo e pode mostrar espessamento da parede das alças intestinais, alças tubuliformes, fixas e imutáveis, e pneumoperitônio, o que indica lesões em fase bem avançada A ultrassonografia, principalmente associada ao recurso Doppler, pode identificar a obstrução vascular e estudar o fluxo dos vasos mesentéricos, especialmente dos segmentos proximais A angiotomografia e a angiorressonância podem ser muito úteis, ao mostrar as alterações isquêmicas nas paredes intestinais e demonstrar o local da obstrução mesentérica, mas um exame normal não exclui o diagnóstico de isquemia mesentérica Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P5 4 O diagnóstico de certeza é dado pela ARTERIOGRAFIA, que é considerada o PADRÃO-OURO no estudo da isquemia mesentérica, por suas possibilidades diagnósticas e terapêuticas A arteriografia só deve ser realizada no paciente hemodinamicamente estável. Se o paciente já apresenta sinais de irritação peritoneal no momento do diagnóstico, a arteriografia está contraindicada, devendo o paciente ser encaminhado imediatamente à cirurgia Se a arteriografia é normal, mas existem sinais de irritação peritoneal, está indicada a laparotomia, pois a causa do abdome agudo pode ser outra que não a vascular O leucograma pode estar alterado com tendência a leucocitose, mas depende muito da porção, gravidade e extensão isquêmica A amilasemia sérica também aumenta de forma moderada e a radiografia simples do abdome pode demonstrar a presença de alças paréticas e distendidas, apresentando níveis hidroaéreos, porém de forma inconstante Perante uma isquemia extensa, geralmente o doente evolui com acidose metabólica identificada através da gasometria, preferencialmente arterial De forma geral, as alterações possíveis nos exames laboratoriais observadas na isquemia intestinal aguda são pouco significativas e pouco específicas, sendo comuns a inúmeras doenças abdominais Na suspeita de um abdome agudo de origem vascular, o tratamento de eleição continua sendo a cirurgia, de preferência com uma equipe apta a realizar uma rápida revascularização intestinal Dessa forma, não observamos vantagem em adiar o tratamento definitivo ou aumentar o risco de complicações (insuficiência renal, hemorragia e dissecção arterial entre outras) realizando o estudo arteriográfico Apesar de toda propedêutica “armada” disponível atualmente, uma adequada história e um cuidadoso exame físico associados a um alto grau de alerta para a existência dessa doença continuam sendo a melhor forma de diagnóstico TRATAMENTO O tratamento visa à reanimação agressiva (com correção da volemia, dos distúrbios eletrolíticos e suporte ventilatório), revascularização do intestino (com reversão da isquemia, se possível), além da ressecção dos segmentos inviáveis, quando o infarto já foi estabelecido Recomenda-se antibiótico de largo espectro, prevenindo as complicações sépticas, já que as lesões isquêmicas facilitam a translocação bacteriana, e considerando que a diminuição da população bacteriana aumenta a tolerância da alça à isquemia Vasodilatador (papaverina) deve ser usado em todos os casos de isquemia mesentérica aguda, podendo ser o único tratamento necessário nos casos de isquemia mesentérica não oclusiva, sendo usado como adjuvante no per e pós-operatório nos demais casos, prevenindo e tratando a vasoconstrição reflexa Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P5 5 A droga é diluída em solução salina, na concentração de 1 mg/mf, usada na dose de 30 a 60 mglh e infundida seletivamente na artéria mesentérica superior. Pode ser utilizada por 5 dias, e sua suspensão deve ser orientada pelos aspectos arteriográficos observados após a sua substituição por solução salina, durante 30 min No caso de retorno do espasmo arterial, reinicia-se a administração de papaverina por mais 24 h A abordagem cirúrgica é feita por laparotomia, e visa a restabelecer o fluxo sanguíneo, avaliar a viabilidade do intestino (antes e depois da revascularização) e ressecar segmentos intestinais inviáveis, procurando sempre evitar a síndrome do intestino curto A decisão por relaparotomia deve ser tomada na primeira intervenção A embolia da artéria mesentérica superior é o tipo mais frequente, correspondendo a 50% dos casos A maioria dos êmbolos tem origem cardíaca, derivados de tromba mural associado a fibrilação atrial ou infarto agudo do miocárdio Os êmbolos normalmente se instalam nos ramos distais da artéria mesentérica superior, após a origem da artéria cólica média A dor abdominal é súbita, intensa, inicialmente periumbilical, associada a vômito e diarreia sanguinolenta O tratamento é a embolectomia, sendo possível o uso de agentes fibrinolíticos (estreptoquinase) em casos selecionados (dor com menos de 12 h de evolução, oclusões parciais da artéria mesentérica, ausência de peritonite, ausência de acidose metabólica grave, ausência de insuficiência orgânica grave) A estreptoquinase, nas doses de 5.000 a 10.000 U/h, tende a restabelecer o fluxo sanguíneo cerca de 30 a 80 h depois do início da infusão Na trombose da artéria mesentérica superior, que corresponde de 10 a 25% dos casos, o quadro clínico tem início mais insidioso, podendo durar dias. Habitualmente, o paciente apresenta angina intestinal crônica, com dor pós-alimentar, perda de peso e alteração do hábito intestinal. Tende a ocorrer na origem da artéria mesentérica superior e está associada à aterosclerose difusa avançada. O tratamento é a tromboendarterectomia ou bypass. A isquemia mesentérica aguda não oclusiva habitualmente ocorre em situações de baixo fluxo, que cursam com vasoconstrição. Corresponde a 20-30% dos casos. É comum nos estados de choque, hipovolemia, redução do débito cardíaco, uso de vasoconstritores ou agentes inotrópicos, e pelo uso de cocaína. O paciente típico é aquele portador de insuficiência cardíaca congestiva hospitalizado que evoluiu com hipotensão prolongada. O quadro clínico pode cursar sem dor em até 25% dos casos, mas há distensão abdominal importante e sangramento intestinal É comum a cianose periférica conhecida como "síndrome dos pés azuis". A arteriografia mostra estenoses sequenciais segmentares, decorrentes de vasospasmos de múltiplos Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P5 6 ramos dos vasos mesentéricos, sendo indicado o uso de papaverina. O tratamento é essencialmente clínico visando a restabelecer o fluxo esplâncnico, além da suspensão das drogas envolvidas. A trombose da veia mesentérica superior pode ser primária (onde não se identifica situação de risco associado) ou secundária a estados de hipercoagulabilidade, doenças hematológicas, uso de contraceptivos orais, sepse abdominal, doença maligna, hipertensão portal. A dor tem início insidioso, e o quadro pode ser marcado por grande distensão abdominal, desidratação precoce, náuseas e vômito (50% dos casos), com pouca alteração do hábito intestinal. O paciente normalmente tem história prévia de trombose venosa profunda ou embolia pulmonar. Normalmente, acomete o segmento ileal ou jejunal da veia mesentérica superior. Arteriografia pode ser normal. O tratamento é feito com anticoagulação (quando não existem causas tratáveis) e trombólise (estreptoquinase)Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P5 7 Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P5 8 Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P5 9 Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P5 10 Renata Valadão Bittar – Medicina Unit / P5 11
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