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Ciberespaço, jurisdição e litígios transnacionais sobre marca e nome de domínio

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CIBERESPAÇO, JURISDIÇÃO E LITÍGIOS TRANSNACIONAIS SOBRE MARCA E 
NOME DE DOMÍNIO: UMA BREVE ANÁLISE1 
 
 
Antonio Eduardo Reichmann Seixas2 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1. DA LEX MERCATORIA À LEX DIGITALIS ....................................................................... 1 
2. INTERNET E CIBERESPAÇO........................................................................................... 5 
2.1. Territorialidade no ciberespaço.................................................................................... 5 
2.2. Recursos virtuais e finitos da Internet .......................................................................... 8 
2.2.1. Endereços de Protocolo da Internet (IP) ............................................................... 9 
2.2.2. Sistema de Nomes de Domínio (DNS) ................................................................ 10 
2.2.3. Números de Sistema Autônomo (ASNs) ............................................................. 12 
2.3. Atores da governança da Internet .............................................................................. 13 
3. MARCA E NOME DE DOMÍNIO ...................................................................................... 17 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 21 
 
 
 
 
 
1 Trabalho apresentado em dezembro de 2018 ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Univer-
sidade de São Paulo (USP), como parte integrante da avaliação na disciplina “Os fundamentos do 
Direito Internacional da Propriedade Intelectual”, ministrada pela Prof.ª Dr.ª Maristela Basso, com a 
colaboração do Prof. Dr. Paulo Eduardo Lilla. 
 
2 Mestrando em Direito Internacional pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de 
São Paulo (USP), sob a orientação da Prof.ª Dr.ª Maristela Basso. Número USP: 9741705. 
 2 
1. DA LEX MERCATORIA À LEX DIGITALIS 
 
 
No final da Idade Média, a classe dos mercadores, na esteira dos avanços 
tecnológicos nas navegações, expandia suas operações de trocas pelo mundo afora 
e almejou formar para si um direito que lhe fosse próprio, independente em relação 
ao direito civil de raízes romanas. 
Conforme observa Francesco Galgano (2010, p. 9), o ius mercatorum ou 
lex mercatoria caracterizou-se não somente por regular a atividade dos mercadores, 
mas, sobretudo, por tratar-se de um direito criado pelos mercadores, sem a interfe-
rência da sociedade política, tendo como base os estatutos das corporações de ofício, 
os costumes dos comerciantes e a jurisprudência das curiae mercatorum. 
Por mais que à época moderna ― a era das codificações ― o Estado tenha 
monopolizado a regulação de todas as relações sociais, o ‘particularismo’ construído 
pelo ius mercatorum deixou suas marcas. O direito comercial adquiriu autonomia, 
mostrou-se mais aberto a modificações (em atendimento às exigências do tráfico) e, 
o quanto mais possível, buscou ser ‘a-nacional’, em contraposição ao acentuado ca-
ráter local do direito civil (GALGANO, 2010, p. 10). 
Ao longo dos séculos XVIII e XIX, porém, a evolução do processo de naci-
onalização do direito contribuiu para um paulatino enfraquecimento do caráter ‘univer-
sal’ do direito comercial. Os costumes tornaram-se uma fonte jurídica de ‘segunda 
classe’ e, no campo do comércio internacional, as controvérsias passaram a ser regu-
ladas unicamente por leis domésticas, determinadas por métodos de solução de con-
flitos entre as legislações dos vários Estados soberanos. Em certa medida, acabou-
se por regredir ao cenário vivido pelos mercadores medievais, no que diz respeito a 
um panorama normativo marcado por um confinamento do fenômeno jurídico, diante 
de um comércio em franca expansão para além das barreiras definidas pelos poderes 
políticos locais. 
 Somente em meados do século XX voltou-se a discutir a emergência de 
uma ‘nova lex mercatoria’, cujo objetivo é nada menos do que contornar as mesmas 
inadequações do direito estatal frente às constantes transformações da economia 
 3 
global. Com frequência cada vez maior, empresários recorrem à arbitragem privada e 
a fontes normativas heterodoxas, capazes de prover um melhor arcabouço jurídico 
para seus contratos. No intuito de escapar da aplicação de leis domésticas (e, tam-
bém, de tratados e leis uniformes incorporados aos ordenamentos dos Estados), pro-
cura-se adotar diretrizes editadas por associações profissionais, modelos de contratos 
e cláusulas-padrão, princípios e regras costumeiras do comércio internacional, dentre 
outros exemplos de regulamentos não estatais (GOLDMAN, 2009). 
Em resumo, séculos depois do ius mercatorum, ou seja, próximo ao fim do 
segundo milênio e em plena era da globalização, teóricos e práticos do comércio in-
ternacional identificaram o ressurgimento da lex mercatoria, evidentemente com outra 
roupagem, mas ainda com semelhanças em relação à antecessora medieval. 
Um dos aspectos mais relevantes da pretensa ‘ordem jurídica dos merca-
dores’ diz respeito à percepção de territorialidade completamente distinta daquela que 
norteia os sistemas jurídicos modernos. Sobretudo após a Paz de Vestfália, o fenô-
meno do direito liga-se fundamentalmente à ideia de soberania, confinando-se, por 
consequência, aos limites territoriais tracejados pelos Estados nacionais. 
A fragmentação do fenômeno jurídico por sobre o globo, desde o medievo 
enfrentada por iniciativa de uma classe que, em suas operações, sempre desconside-
rou divisões geopolíticas, encara novos desafios no século XXI. Desta vez, para além 
da impressionante expansão dos negócios internacionais, a profusão da comunicação 
pela Internet põe em xeque estruturas tradicionais do direito. 
Os reflexos da ‘rede das redes’ no ‘mundo real’ definitivamente não são 
acompanhados a contento pelo direito. O ‘ciberespaço’ não reproduz as fronteiras es-
tabelecidas por Estados soberanos, e dificulta sobremodo o regramento de questões 
jurídicas, sobretudo daquelas essencialmente ligadas à territorialidade, como, por 
exemplo, as que envolvem proteção da Propriedade Intelectual. 
O caráter inexoravelmente transnacional da Internet demanda o desenvol-
vimento de novos institutos jurídicos e, mesmo, de uma lex digitalis, um ordenamento 
próprio, como almejou-se ― e ainda se almeja ― fazer com a lex mercatoria? Ou, 
então, os institutos jurídicos existentes podem ser manejados de modo a trazer solu-
ções adequadas aos conflitos de alcance global surgidos do ciberespaço? 
 4 
O presente trabalho tem por objetivo explorar rapidamente essas questões, 
efetuando, de início, uma rápida investigação sobre as características elementares da 
Internet, na medida em que isso seja necessário para compreender como funciona a 
governança da rede, e, também, como se apresenta territorialidade do ciberespaço. 
Em seguida, dar-se-á especial atenção a um dos mais notáveis fenômenos 
jurídicos territoriais e o seu confronto com os aspectos espaciais da Internet ― a pro-
teção de marcas e o registro de ‘nomes de domínio’. 
A organização responsável pelo gerenciamento desse recurso virtual cons-
tituiu um sistema próprio de solução de controvérsias, cujo caráter transnacional deve 
ser motivo para observação dos estudiosos do direito internacional privado, com en-
foque no fenômeno do eventual surgimento de uma lex digitalis. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 5 
2. INTERNET E CIBERESPAÇO 
 
 
2.1. Territorialidade no ciberespaço 
 
 
As mais novas tecnologias desenvolvem-se em um ambiente global sem 
fronteiras, onde a informação move-se instantaneamente através dos limites físicos 
de qualquer país. A despeitode suas origens históricas, em um curto espaço de 
tempo, a Internet tornou-se muito mais do que um simples fórum de discussão e troca 
de ideias. Sua natureza global e descentralizada transformou radicalmente a identi-
dade e o papel de atores tradicionais em uma série de atividades, do comércio à pro-
dução cultural e a disseminação de informação (SCASSA; CURRIE, 2010, p. 1018). 
A variedade e a importância de boa parte das atividades realizadas na In-
ternet ― assim como o seu impacto em questões domésticas como crime, segurança 
nacional e economia ― compeliu os Estados a envolver-se em assuntos que trans-
bordam as fronteiras tradicionais de sua autoridade legal. Conforme observam Teresa 
Scassa e Robert J. Currie (2010, 1018), devido ao fato de a Internet desconhecer 
fronteiras geopolíticas, os Estados deparam-se com a necessidade de regular condu-
tas e sujeitos em contextos cujo nexo territorial é apenas parcial e, em certos casos, 
indeterminável. À medida que a Internet e a conectividade foram se espalhando pelo 
mundo, surgiram constantes e inevitáveis conflitos entre jurisdições. Esses conflitos 
desafiam frontalmente o sistema internacional que se seguiu à Paz de Vestfália, assim 
como os meios tradicionais de cooperação jurídica desenvolvidos para resolvê-los. 
Sob uma perspectiva histórica, as interações transnacionais sempre foram 
raras em relação às de alcance local ou nacional, razão pela qual os instrumentos de 
cooperação internacional foram forjados para atender a uma expectativa de tal mag-
nitude. Na Internet aberta, porém, as interações através das divisões geopolíticas es-
tão se tornando ‘o novo normal’. Consequentemente, conflitos transnacionais entre 
 6 
usuários, os servidores que eles usam, autoridades públicas e a combinação desses 
atores são cada vez mais comuns (CHAPELLE; FEHLINGER, 2016, p. 1). 
Como determinar a legislação aplicável quando as interações atravessam 
limites territoriais está se tornando um problema cada vez mais difícil de resolver, uma 
vez que o atual sistema internacional é baseado em uma ‘colcha de retalhos’ de juris-
dições nacionais segmentadas e territorialmente delimitadas. 
Nesse contexto, para Bertrand de la Chapelle e Paul Fehlinger, apresen-
tam-se dois grandes desafios. De um lado, trata-se de preservar a natureza global do 
ciberespaço, respeitando, ao mesmo tempo, as leis nacionais. De outro lado, deve-se 
combater todo tipo de abuso e a utilização indevida da Internet, sem deixar de garantir 
a proteção dos direitos humanos. Enfrentar esses desafios no contexto da Internet 
exige o desenvolvimento de mecanismos de cooperação e procedimentos transparen-
tes de caráter transnacional, de modo a assegurar eficiência e respeito a um processo 
justo e legal (CHAPELLE; FEHLINGER, 2016, p. 1). 
Ao tratar da governança no ciberespaço, Henry H. Perritt Jr. (2012, p. 1116) 
afirma que a ‘Constituição’ da Internet não se encontra expressa em um documento 
único. Ao contrário, essa ‘Constituição’ compreende toda a ‘arquitetura aberta’ da 
rede, inerente aos protocolos tecnológicos, juntamente a um conjunto de políticas pú-
blicas, atos legislativos e decisões judiciais que visam proteger a filosofia básica do 
ciberespaço ― assegurando um espaço de livre iniciativa, sem deixar de combater o 
abuso de poder político e econômico. 
Lawrence Lessig (2000), em célebre artigo publicado na Harvard Magazine, 
utilizou outra figura de linguagem para lembrar que o ciberespaço tem um regulador 
que lhe é próprio, o “código”. Esse código compreende toda a ‘arquitetura da Internet’, 
o software e o hardware que fazem o ciberespaço ser como ele é. 
O ‘código básico’ da Internet implementa um conjunto de protocolos, deno-
minado TCP/IP, que permite a troca de dados entre redes interconectadas. Como ex-
plica Leslie Daigle (2015, p. 2), os protocolos definem os padrões de comunicação 
válidos para todos os dispositivos conectados à Internet ao redor do mundo ― são as 
‘regras de trânsito’, a língua franca das comunicações na Internet. 
 7 
O intercâmbio de dados pelo ciberespaço ocorre sem que os operadores 
das redes saibam o conteúdo das informações trocadas ou a identidade da pessoa 
que envia um determinado bit. É possível afirmar, portanto, que, ao menos em tese, o 
atual código é ‘neutro’ em relação aos dados e usuários que transitam na Internet. 
No entanto, esse código está mudando, e à medida que o código muda, as 
características do ciberespaço mudam também. No entendimento de Lessig (2000), o 
ciberespaço provavelmente deixará de ser um ambiente que protege o anonimato, a 
liberdade de expressão e o controle individual para tornar-se um local em que será 
difícil manter-se anônimo, haverá menos liberdade de expressão e o controle indivi-
dual ficará restrito a um pequeno grupo de experts. 
Para o escritor norte-americano (2000), não há pensamento mais perigoso 
em relação ao futuro da liberdade na Internet do que a crença em uma liberdade eter-
namente garantida pelo código. O código não é permanente e outras ‘arquiteturas’ 
podem sobrepor-se aos protocolos básicos TCP/IP ― arquiteturas essas que podem 
tornar o comportamento no ciberespaço fundamentalmente regulável. 
Lessig (2006, p. 24) ressalta, nesse sentido, que algumas arquiteturas do 
ciberespaço são mais ‘reguláveis’ do que outras, ou seja, umas arquiteturas permitem 
um melhor controle de conteúdo e usuários do que outras. Resta saber se os atores 
responsáveis por definir o código da Internet conseguirão impor novas arquiteturas 
aos sujeitos do ciberespaço. 
De toda forma, é preciso destacar que, desde o início, a arquitetura técnica 
da Internet foi concebida como transnacional e ‘não territorial’. Chapelle e Fehlinger 
(2016, p. 2) apontam ao menos quatro fatores que podem exercer um papel determi-
nante na definição sobre a lei aplicável quando houver conflito de jurisdição no cibe-
respaço: (i) a localização do usuário da Internet; (ii) a localização dos servidores que 
armazenam os dados; (iii) o local do estabelecimento das operadoras de Internet que 
oferecem esse serviço; e, potencialmente, (iv) os “registrars” e “registries” responsá-
veis pelo registro de nomes de domínio. 
 8 
Para que se possa compreender melhor cada um desses fatores, e espe-
cialmente o último, é imprescindível analisar-se, mesmo que de forma sintética, como 
a Internet se mantém operacional e quem determina as linhas-mestras de sua gover-
nança atual. Isso implica, necessariamente, na revisão de alguns aspectos da própria 
estrutura da rede mundial de computadores ― tema que será objeto do item a seguir. 
 
 
2.2. Recursos virtuais e finitos da Internet 
 
 
A transmissão de dados pela Internet ocorre por meio de um processo tec-
nológico que pode ser descrito como uma espécie de ‘quebra’ das informações em 
vários ‘pedaços’, que, por sua vez, são reunidos em ‘pacotes’. Esses pacotes contêm 
todas as especificações sobre o destino que se pretende dar aos dados, mas não 
necessariamente o caminho que eles devem percorrer pela estrutura da rede global. 
Isso significa que os pacotes transitam pela estrutura da Internet sem um trajeto pré-
definido, chegando ao destino final por meio dos canais que funcionarem melhor no 
momento em que forem enviados (DAIGLE, 2015, p. 2). 
Para além de recursos físicos, o funcionamento da Internet depende da 
alocação e do consumo de ‘recursos virtuais’ finitos, também chamados de Recursos 
Críticos da Internet (CIRs, de “Critical Internet Resources”). Os CIRs compõem uma 
área de alta complexidade tecnológica e institucional na administração do mundo on-
line. Há três tipos de CIRs, sem os quais não é possível acessar, utilizar, ou tornar-se 
um operadorda Internet. São eles: (i) ‘endereços da Internet’, (ii) nomes de domínio, 
e (iii) Números de Sistema Autônomo (ASNs, de “Autonomous System Number”) (DE-
NARDIS, 2014, p. 34). Abordaremos cada um deles a seguir. 
 
 
 9 
2.2.1. Endereço de Protocolo da Internet (IP) 
 
 
Em termos gerais, uma rede é um sistema que interliga diferentes sujeitos. 
A Internet é uma ‘rede de redes’, e os participantes do mundo virtual são tradicional-
mente chamados de hosts (ou ‘hospedeiros’). Cada host, isto é, cada um dos disposi-
tivos que trocam informações por meio da Internet, possui uma numeração binária 
única no mundo que identifica a sua localização virtual ― trata-se do endereço de 
Protocolo da Internet (IP, de “Internet Protocol”). 
Essa sequência de números, atribuída de forma permanente ou temporária, 
permite com que os roteadores (com que os hosts estão conectados) encaminhem ao 
destino pretendido os pacotes de dados lançados na Internet. De acordo com Laura 
DeNardis (2014, p. 38), os endereços IP consistem no recurso mais elementar para 
que a Internet se mantenha operacional. 
No sistema precursor da Internet, a ARPANET,3 o baixíssimo número de 
participantes permitia com que os computadores interligados fossem identificados 
com endereços de 5 bits de ‘extensão’. Por trata-se de um código binário, com apenas 
dois valores possíveis (0 ou 1), o padrão desenvolvido comportava no máximo 32 
endereços diferentes. Com a expansão da rede ao longo dos anos, estabeleceu-se, 
em 1981, o atual padrão de endereços IP, com 32 bits. Batizado de Internet Protocol 
version 4 (IPv4), esse protocolo permite a criação de aproximadamente 4,3 bilhões de 
identificadores únicos no mundo (DENARDIS, 2014, p. 39). 
Durante a década de 1990, engenheiros perceberam que em um futuro pró-
ximo os endereços de IP iriam se esgotar, motivo pelo qual recomendaram a criação 
de um novo padrão de identificação. Surgiu, então, o Internet Protocol version 6 (IPv6), 
que conta com numerações individuais de 128 bits, possibilitando a atribuição de apro-
ximadamente 340 undecilhões4 de endereços diferentes. Apesar do lançamento do 
IPv6, a implementação do novo sistema (em substituição ao atual IPv4) tem sido 
 
3 Trata-se da abreviação de Advanced Research Projects Agency Network. Em tradução livre, ‘Rede 
de Agências para Projetos de Pesquisas Avançadas’. 
 
4 Um undecilhão é um numeral seguido por 36 zeros. Portanto, 340 undecilhões, por extenso, corres-
ponde a 340.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000. 
 10 
bastante difícil e demorada, devido a uma série de limitações técnicas e, também, por 
interesses políticos de várias ordens (DENARDIS, 2014, p. 40). 
 
 
2.2.2. Sistema de Nomes de Domínio (DNS) 
 
 
Diante do padrão de identificação binário dos endereços IP, seja com 32 
ou 128 bits, não se mostra nada cômodo digitar-se um longo código cada vez que um 
usuário deseje acessar um simples site da Internet. Para contornar esse problema, 
desenvolveu-se um sistema mundial de entrada alfanumérica, chamado Sistema de 
Nomes de Domínio (DNS, de “Domain Name System”), que permite aos indivíduos 
facilmente digitar ou pesquisar localizações virtuais. Os usuários da Internet depen-
dem dos ‘nomes de domínio’ para realizar tarefas cotidianas como enviar e-mails, 
acessar sites de redes sociais, ou simplesmente navegar na web. 
 Conforme expõe Laura DeNardis (2014, p. 41-42), o sistema desenvolvido 
no início dos anos 1980 é uma tecnologia fundamental para a governança da Internet, 
uma vez que proporciona a conversão de todos os nomes de domínio, digitados por 
usuários em qualquer lugar do mundo, nos endereços IP correspondentes. 
Desse modo, o DNS compreende um sistema de pesquisa que atende dia-
riamente a bilhões e bilhões de consultas. Trata-se de um enorme sistema de geren-
ciamento de dados (DBMS, de “data-base management system”) distribuído em inú-
meros servidores ao redor do mundo, cujo propósito é fornecer instantaneamente a 
localização de recursos virtuais como websites e endereços de e-mail. 
Esse sistema apresenta uma peculiar estrutura hierárquica, fruto da esco-
lha de seus desenvolvedores em distribuir o gerenciamento em vários grupos de no-
mes, ou ‘domínios’. No centro da estrutura estão os ‘domínios de topo’ (TLDs, de “top-
level domains”). Em 1984, criou-se uma série de domínios de topo ‘genéricos’ (gTLDs, 
de “generic TLDs”), assim como códigos para os países (ccTLDs, de “country-code 
TLDs”), que são baseados, com raras exceções, no padrão de siglas da Organização 
 11 
Internacional para Padronização (ISO, de “Organisation internationale de normalisa-
tion”) (DENARDIS, 2014, p. 43). 
 
Tabela 1 ― Nomes de domínio genéricos (gTLDs) mais comuns
.aero 
.gov 
.name 
.asia 
.info 
.net 
.biz 
.int 
.org 
.cat 
.jobs 
.pro 
.com 
.mil 
.tel 
.coop 
.mobi 
.travel 
.edu 
.museum 
.xxx 
 
Fonte: DENARDIS, 2014, p. 44. 
 
Os domínios de topo são ainda segmentados em subdomínios, todos eles 
representados na sintaxe do ‘localizador uniforme de recursos’ (URL, de “uniform re-
source locator”). Tome-se como exemplo a entrada do sítio eletrônico da Faculdade 
de Direito da USP, <www.direito.usp.br>. Nesse endereço, “br” é o domínio de topo, 
“usp” é o domínio de segundo nível e “direito” é o domínio de terceiro nível. 
Os domínios de topo e os subdomínios agrupam uma série de registros por 
um sinal de identificação comum (e.g. “br” para o código de país do Brasil), por meio 
da qual é possível fornecer respostas às consultas formuladas sobre a localização de 
recursos dentro da esfera de influência correspondente. 
Toda estrutura hierárquica tem um vértice. No DNS, o vértice técnico con-
siste nos ‘servidores-raiz’ da Internet (“root name servers”) e um único arquivo-mestre 
conhecido como ‘arquivo de zona raiz’ (“root zone file” ou “root zone database”). Os 
servidores-raiz, replicados mundo afora com abundância e eficiência, constituem o 
ponto de partida para a conversão de nomes em endereços IP. Descrever como o 
DNS funciona é um prelúdio da explicação sobre quais instituições e entidades atual-
mente o operam (DENARDIS, 2014, p. 44). 
Como é possível imaginar, a administração do DNS reproduz a hierarquia 
dos grupos de nomes de domínio. Para Leslie Daigle (2015, p. 4), essa distribuição 
de gerenciamento é muito importante, pois não seria possível um único servidor su-
portar uma base de dados com tal magnitude e atender diariamente a uma demanda 
 12 
em escala mundial. Além disso, a delegação do gerenciamento de grupos de domínio 
proporciona a manutenção dos dados atualizados de forma mais próxima (geografi-
camente) às organizações interessadas, principalmente nos casos de ccTLDs. 
A coordenação de tarefas necessária para que o DNS se mantenha opera-
cional envolve diversas responsabilidades, dentre elas (i) atribuir nomes de domínio 
aos solicitantes, (ii) realizar a conversão dos nomes de domínios em endereços IP, 
(iii) controlar e efetuar mudanças no ‘arquivo de zona raiz’, (iv) autorizar a criação de 
novos domínios de topo, (v) cuidar dos litígios envolvendo disputas sobre marcas re-
gistradas e nomes de domínio, (vi) operar e manter os ‘servidores-raiz’, (vii) autorizar 
o uso de novas linguagens de script no DNS e (viii) proteger o DNS como um todo 
(DENARDIS, 2014, p. 45). Cuidaremos melhor desses aspectos no item 2.3. 
 
 
2.2.3. Números de Sistema Autônomo (ASNs) 
 
 
Por ora, cumpre analisar brevemente o terceiro e último ‘recurso crítico da 
Internet’, os Números de Sistema Autônomo (ASNs, de “Autonomous System Num-
ber”).Conforme mencionado anteriormente, a Internet é uma ‘rede de redes’. Enormes 
‘roteadores-núcleo’ de alta performance, destinados a operar no backbone da Inter-
net,5 mantêm-se diuturnamente conectados para formar essa grande rede global. 
Dentro de cada rede operadora da Internet, implementam-se protocolos lo-
cais que instruem os ‘roteadores de ponta’6 a trocar informações diretamente com os 
pares da mesma rede. Para comunicar-se com redes diferentes, é preciso utilizar um 
protocolo específico, denominado BGP (de “Border Gateway Protocol”). Todas as in-
terconexões entre redes no mundo são baseadas no BGP (DENARDIS, 2014, p. 45). 
Na nomenclatura da governança da Internet, um ‘sistema autônomo’ (AS, 
de “autonomous system”) é, a grosso modo, um operador de rede, como uma 
 
5 Backbone é o termo em inglês comumente utilizado para designar a ‘espinha dorsal’ da Internet. 
 
6 Roteadores de ponta são aqueles que proporcionam a conexão dos hosts ou usuários finais à Internet. 
 13 
companhia de telecomunicações, um grande provedor de conteúdo ou uma operadora 
de Internet. Na linguagem técnica, um AS é uma coleção de prefixos de roteamento, 
que se comunicam entre si (dentro do próprio AS) com protocolos locais e com redes 
‘vizinhas’ utilizando o BGP. A combinação de todos os sistemas autônomos espalha-
dos pelo mundo forma a Internet (DENARDIS, 2014, p. 45-46). 
Cada um dos sistemas autônomos detém uma numeração binária única 
que o identifica e possibilita essa comunicação ‘exterior’, ou seja, com outras redes e, 
consequentemente, com a ‘rede mundial de redes’. Na compreensão de Laura De-
Nardis (2014, p. 46), os ASN são muito valiosos porque receber um ASN é um pré-
requisito essencial para uma rede de um provedor local de Internet tornar-se parte da 
Internet. Nesse sentido, a lógica do ASN é bastante similar à do sistema de atribuição 
de endereços IP, combinando, atualmente, dois padrões, de 16 e 32 bits. 
 
 
2.3. Atores da governança da Internet 
 
 
Observou-se no item anterior que o acesso de um indivíduo à Internet sim-
plesmente não pode ocorrer sem que ele possua um número de endereço IP, código 
binário geralmente atribuído aos consumidores finais por um provedor de rede. Esse 
mesmo provedor, por sua vez, não pode operar na ‘rede mundial de redes’ sem deter 
um ‘bloco’ próprio de endereços IP, identificado por uma numeração denominada 
ASN. Por fim, os websites, e-mails e recursos semelhantes apenas são acessíveis 
pelos usuários comuns através de um sistema de entrada alfanumérica, o sistema de 
nomes de domínio, que instantaneamente ‘traduz’ a expressão digitada para o ende-
reço de IP correspondente ao servidor responsável pelo recurso utilizado, permitindo, 
assim, o correto direcionamento da comunicação por parte do roteador. 
Algumas características técnicas fazem da regulação mundialmente coor-
denada dos ‘nomes e números’ da Internet algo absolutamente necessário. Dentre 
essas características, destaca-se o fato de que os três recursos virtuais esmiuçados 
na seção anterior devem ser únicos no ciberespaço ― não fosse assim, os roteadores 
 14 
não poderiam encaminhar corretamente os ‘pacotes de dados’ ao destino desejado 
pelo host remetente. Graças a esses e outros fatores, as organizações que controlam 
e coordenam a alocação dos recursos críticos da Internet detêm um poder considerá-
vel e exercem uma função essencial à governança da Internet. 
De fato, não surpreende que a autoridade sobre a administração dos ‘no-
mes e números’ da Internet constitua um campo controverso e objeto de disputas 
transnacionais. Conforme observa Laura DeNardis (2014, p. 46-47), o aparato institu-
cional que mantém operacionais, eficientes e seguros sistemas como o DNS exerce 
uma função crucial de governança da Internet ― trata-se de uma atividade imprescin-
dível, pode-se dizer, ao próprio funcionamento básico da sociedade moderna. 
Economicamente, as preocupações relativas à administração dos CIRs en-
volvem questões como distribuição eficiente e alocação justa de recursos. Do lado 
político, as controvérsias dizem respeito a assuntos de soberania nacional, igualdade, 
e a questão de qual a legitimidade das novas instituições globais que gerenciam essa 
espécie de recurso. 
O sistema institucional de coordenação global dos CIRs mudou significati-
vamente ao longo dos anos, acompanhando o crescimento e a internacionalização da 
Internet. Atualmente esse sistema compreende uma série de organismos, que incluem 
a Autoridade para Atribuição de Números de Internet (IANA, de “Internacional Assig-
ned Numbers Authority”), a Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Nú-
meros (ICANN, de “Internet Corporation for Assigned Names and Numbers”), os Re-
gistros Regionais da Internet (RIRs, de “Regional Internet Registry”), operadores dos 
‘servidores-raiz’, “registrars” e “registries” de nomes de domínio, dentre outras entida-
des (DENARDIS, 2014, p. 47). 
Fundada em 1998 e com sede em Marina del Rey, cidade localizada no 
estado norte-americano da Califórnia, a ICANN é uma entidade privada, sem fins lu-
crativos, cujo objetivo precípuo consiste em manter a estabilidade operacional da In-
ternet. Trata-se de uma entidade regulatória que, ao incorporar a IANA desde a sua 
criação, tem o poder de gerir todos ‘nomes e números’ da Internet (endereços IP, 
ASNs e nomes de domínio). 
A IANA, precursora da regulação da Internet, manteve seu papel histórico 
como organização central responsável por alocar endereços IP e ASNs, mesmo que, 
 15 
hoje, esteja formalmente subordinada à ICANN. A IANA delega a distribuição de nu-
merações binárias únicas e a autoridade para atribuí-las a cinco entidades de Registro 
Regional de Internet (RIRs), instituições influentes e cruciais para a governança do 
ciberespaço. Os cinco RIRs espalhados pelo mundo são: 
 
− AfriNIC: African Network Information Centre (África); 
− APNIC: Asia Pacific Network Information Centre (Região da Ásia banhada pelo 
Oceano Pacífico e Oceania); 
− ARIN: American Registry for Internet Numbers (Canadá, Estados Unidos e ilhas 
do Atlântico Norte); 
− LACNIC: Latin America and Caribbean Network Information Centre (América 
Latina e Caribe); 
− RIPE NCC: Réseaux IP Européens Network Coordination Centre (Europa, Ori-
ente Médio e partes da Ásia Central). 
 
Essas instituições privadas não têm fins lucrativos e são aprovadas e reco-
nhecidas pela ICANN. Os RIRs gerenciam ‘espaços’ de numerações binárias únicas 
e distribuem para diversos registradores locais, chamados de Registros Nacionais de 
Internet (NIRs, de “National Internet Registries”). Estes, por sua vez, alocam e atri-
buem ‘endereços virtuais’ aos provedores e usuários finais. 
Em resumo, os ‘nomes e números’ da Internet são gerenciados e atribuídos 
a partir de uma estrutura hierárquica, com a IANA atuando como órgão de coordena-
ção global. Vale lembrar que, no jargão da Internet, ‘alocar’ numerações únicas signi-
fica delegar um bloco de endereços virtuais a uma outra organização para subse-
quente distribuição; ‘atribuir’ significa distribuir endereços virtuais diretamente a uma 
empresa, provedor de Internet ou outros usuários finais (DENARDIS, 2014, p. 54). 
No que diz respeito a nomes de domínio, escritórios de registro, historica-
mente referidos pelo acrônimo em inglês NICs (de “Network Information Centers”), são 
as instituições responsáveis por manter atualizada uma base de dados com todos os 
eles (e, também, os respectivos endereços IP) registrados com um determinado do-
mínio de topo. 
 16 
A IANA, em seu papel de supervisionar globalmente o DNS, delega a au-
toridade de gerenciamentodos TLDs para esses escritórios de registro. Há um ope-
rador de registro para cada TLD de código de país e TLD genérico. Alguns desses 
operadores de registro também são chamados, em inglês, “registrars”, o que significa 
que eles atribuem nomes de domínio para indivíduos e instituições que façam esse 
tipo de solicitação (DENARDIS, 2014, p. 51). 
Uma grande variedade de operadores de registro cuida dos domínios de 
topo. A VeriSign, Inc., por exemplo, opera o “.com” e o “.net”, dentre outros. Essas 
entidades apresentam diversas formas organizacionais ― empresas privadas, orga-
nizações sem fins lucrativos, agências governamentais, etc. 
É bastante notável a similaridade entre as palavras em inglês “registry” 
(usualmente empregado como “registry operator”, ou ‘operador de registro’) e “regis-
trar”. Laura DeNardis (2014, p. 52-53) esclarece que os operadores de registro (“re-
gistry operator”) mantêm a base de dados com todos os nomes de domínio registrados 
sob determinado TLD. “Registrars”, por sua vez, são empresas que comercializam os 
registros de nome de domínio para os consumidores finais. Em alguns casos, o ope-
rador de registro também é um “registrar”, como, por exemplo, o responsável pelo TLD 
“.edu”. Em outros casos, os domínios de topo têm centenas e centenas de “registrars” 
credenciados que podem atribuir nomes de domínios com vários TLDs diretamente 
aos usuários finais. 
 
 
 
 
 
 17 
3. MARCAS E NOMES DE DOMÍNIO 
 
 
Discutir a regulação da Internet implica inevitavelmente no debate sobre 
questões de competência legislativa e competência jurisdicional. Enquanto o alcance 
de ambas é fundamentalmente local, delineado pelas fronteiras dos Estados sobera-
nos, a Internet é, como se viu, intrinsecamente global, perpassando essas fronteiras 
(PERRITT, 2012, p. 1134). 
Um fenômeno jurídico bastante ligado à questão da territorialidade consiste 
na propriedade de bens sujeita a registro público ― em geral, bens imóveis e alguns 
bens imateriais, como marcas. A proteção das marcas, por suas próprias característi-
cas, a despeito da construção de um sólido regime internacional ao longo dos últimos 
séculos, ainda consiste em uma área regulada essencialmente pelos ordenamentos 
jurídicos domésticos. Enquanto isso, nomes de domínio são acessados ― e podem 
ser registrados ― a partir de qualquer localidade do globo terrestre. 
A Convenção da União de Paris (CUP) sobre propriedade industrial, de 
1883, tratou do princípio da territorialidade. Deve-se lembrar que os registros são 
constitutivos e declaratórios, mas também territoriais e independentes. 
Desde a Idade Média, os juízes, por mais que aplicassem o direito estran-
geiro em um amplo leque de matérias, sempre excluíram de sua competência os bens 
objeto de registro, à época apenas imóveis, mas, mais modernamente, ampliados aos 
registros de propriedade industrial. 
Com a criação da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI, 
de “Organisation mondiale de la propriété intellectuelle”) na década de 1970, e a ela-
boração do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes (PCT, de “Patent Coope-
ration Treaty”), que diminuiu os custos de registro internacional de patentes, além de 
sistemas análogos, como o Sistema de Madri para Marcas, atenuou-se um tanto a 
força do princípio da territorialidade. No entanto, ele ainda permanece vigente. 
A evolução da Internet e do Sistema de Nomes de Domínio impactou de 
modo significativo o desenvolvimento do direito de marca no cenário internacional. 
 18 
Não há conexão direta entre o sistema de registro de marcas, submetido 
ao princípio da territorialidade e administrado por escritórios especializados, e o sis-
tema de registro de nomes de domínio, integralmente gerenciado por entes privados 
e que não leva em consideração ex ante a titularidade de direitos de marca. Entre-
tanto, soluções jurídicas de origem doméstica para disputas sobre direito de marca na 
Internet nem sempre se mostraram eficientes devido às complexidades dos litígios e 
a conflitos de jurisdição. 
Em atendimento às demandas dos titulares de marcas, que reclamavam a 
respeito do uso não autorizado (dessas marcas registradas) em nomes de domínio, 
especialmente nos casos em que há comprovado uso ‘de má fé’ (como o redireciona-
mento de usuários da Internet para websites com conteúdo pornográfico, ou a poste-
rior venda do registro do nome de domínio para o legítimo proprietário da marca por 
um valor substancial), a OMPI deu início a um processo que culminou na adoção pela 
ICANN de uma política uniforme de resolução de disputas, usualmente referida pelo 
seu acrônimo em inglês, UDRP (de “Uniform Domain Name Resolution Policy”). 
Se um titular de uma marca suspeita de alguém que está utilizando-a irre-
gularmente para registrar um nome de domínio, ele tem a opção de ingressar em juízo 
contra o titular do registro do nome de domínio em uma corte com jurisdição apropri-
ada, ou, então, submeter o litígio a sistema da ICANN. 
A UDRP aplica-se, em princípio, a todos os nomes de domínio registrados 
com domínios de topo genéricos (e.g. os gTLDs contidos na tabela 1) e, também, com 
uma variedade de TLDs de códigos de país. A ICANN credenciou alguns tribunais 
arbitrais, incluindo o Centro de Mediação e Arbitragem da OMPI, para aplicar a UDRP 
e estabelecer diretrizes relacionadas aos litígios que envolvam nomes de domínio re-
gistrados e pretensamente utilizados de forma abusiva. Atualmente, além do tribunal 
vinculado à OMPI, outras três cortes arbitrais são autorizadas pela ICANN: 
 
− Asian Domain Name Dispute Resolution Centre; 
− National Arbitration Forum; 
− The Czech Arbitration Court’s Arbitration Center for Internet Disputes. 
 
 19 
As diretrizes acima mencionadas devem ser elaboradas pelos próprios ár-
bitros apontados pelos litigantes. Os comentários oficiais ao Acordo sobre Aspectos 
dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPS, de “Agre-
ement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights”) (UNCTAD-ICTSD, 
2005, p. 260) destacam, de um modo geral, que as avaliações sobre o sistema de-
senvolvido pela OMPI e adotado pelo ICANN são bastante positivas, sobretudo por 
proporcionar um grau razoável de ‘ordem legal’ ao campo dos nomes de domínio. 
Cumpre mencionar que árbitros chamados a decidir casos sob o UDRP 
costumam participar da resolução de disputas sobre marcas envolvendo partes de 
diferentes países, invocando uma ampla gama de direitos domésticos. Particular-
mente como resultado do efeito ‘harmonizador’ do TRIPS (que foi citado em uma série 
de decisões do UDRP), os árbitros estiveram aptos a adotar em maior ou menor grau 
abordagens comuns a questões envolvendo conflitos entre marcas e nomes de domí-
nio. De toda forma, o sucesso do UDRP pode servir de presságio para o desenvolvi-
mento de outros sistemas simplificados de resolução de disputas sobre Propriedade 
Intelectual (UNCTAD-ICTSD, 2005, p. 260). 
Apesar do otimismo em relação ao sistema da UDRP, assim como muitas 
das atividades da ICANN, ele não esteve isento de críticas. Conforme observou-se 
anteriormente, a UDRP foi concebida para solucionar controvérsias envolvendo regis-
tros de nomes de domínio e proteção de marca, aplicando-se, de início, a todos os 
domínios de topo genéricos. Todos os registradores de gTLDs credenciados junto à 
ICANN aceitaram adotar essa política, que, no entanto, opera-se efetivamente entre 
um “registrar” e o titular do registro, e é contratualmente aceita por este último durante 
o processo de registro do nome de domínio. 
A primeira grande crítica ao UDRP diz respeito ao modo como esse meca-
nismo internacional de resoluçãode disputas foi criado. A UDRP não foi estabelecida 
por meio do mesmo processo de construção deliberativa internacional que dá legitimi-
dade a mecanismos semelhantes, como aqueles submetidos à ratificação pelo corpo 
legislativo de diversos Estados. 
Além disso, a UDRP foi implementada em apenas dois anos, com base, 
inicialmente, em uma proposta do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, 
atendendo a uma recomendação da OMPI. O sistema da UDRP ostenta um ‘inerente 
 20 
caráter multilateral’, diante ausência de um quadro legal internacional nos moldes tra-
dicionais, como ocorre nos casos de tratados internacionais. 
Nada obstante esse déficit de ‘legitimação internacional’, conforme pondera 
DeNardis (2014, p. 194), o processo ‘tradicional’ de criação de um foro de caráter 
internacional provavelmente se arrastaria por anos a fio, permitindo justamente a livre 
violação, nesse ínterim, dos direitos de marca sobre nomes de domínio. Vale lembrar 
que a UDRP foi criada em 1999, logo no ano seguinte à criação da ICANN. 
É preciso considerar, também, que a UDPR é um sistema de governança 
sobre marcas relativamente recente, e, portanto, ainda em evolução. Apesar das crí-
ticas sobre a forma da sua criação e operações, inegavelmente tem proporcionado 
um procedimento de solução de controvérsias muito mais célere e muito menos cus-
toso do que litigar-se em tribunais estatais ou mesmo tribunais arbitrais privados, 
tendo em vista as complicações transnacionais de tais litígios. Trata-se de um meca-
nismo bastante interessante, também, conforme observou-se anteriormente, por 
constituir um exemplo de sistema de governança global que foge do tradicional (DE-
NARDIS, 2014, p. 195). 
Sobre esse último ponto, André de Carvalho Ramos (2017, p. 513) observa 
que as regras e as decisões tomadas sob os auspícios da ICANN têm implicações em 
inúmeras áreas, como comércio eletrônico, propriedade intelectual, proibição de con-
teúdo ilícito e prevenção de delitos. Diante desse poder regulamentar sobre o ciberes-
paço, que se coloca acima dos Estados nacionais, surge a discussão sobre a existên-
cia de um “direito transnacional da Internet, ou seja, uma ordem legal autônoma, que 
normatiza as relações jurídicas entre atores privados e públicos, que transcendem as 
fronteiras. É a chamada lex digitalis.” 
 
 
 
 
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