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INTRODUÇÃO
Quando há diminuição da sobrevida eritroide, que normalmente
é de 110 a 120 dias, diz-se haver hemólise. A hemólise será compen-
sada enquanto a hiper-regeneração medular reacional, que consegue
multiplicar a eritropoese até 6 a 8 vezes, mantiver as cifras hematimé-
tricas dentro do normal. Se a sobrevida diminuir aquém da capacida-
de máxima de reposição, haverá anemia hemolítica.
Nas anemias hemolíticas, além dos sinais e sintomas gerais de
anemia, costuma haver icterícia e esplenomegalia. A icterícia não se
acompanha de colúria e acalia; deve-se a aumento da bilirrubina in-
direta, por exagero do catabolismo hemoglobínico, superando a ca-
pacidade hepática de conjugação. Como circula ligada à albumina, a
bilirrubina não-conjugada não é filtrada nos glomérulos renais; o tur-
nover pigmentar exagerado favorece a formação de cálculos biliares.
A esplenomegalia é persistente nas anemias hemolíticas crônicas e
passageira quando houver apenas surtos de hemólise; pode desapare-
cer se a doença causar atrofia do baço. Na hemólise intravascular, há
hemoglobinúria. Há outros exames também utilizados para caracteri-
zar hemólise: dosagem da haptoglobina, que diminui, e da desidroge-
nas e láctica, que se eleva muito.
Nas anemias hemolíticas congênitas, a constante hiperplasia
eritroide, com expansão das áreas ósseas com medula vermelha du-
rante a época do crescimento, causa deformidades ósseas como alon-
gamento (em torre) do crânio, alargamento do díploe, que mostra aos
raios X estrias semelhantes a cerdas de uma escova, proeminência dos
mal ares e maxilares, ocasionando o aspecto descrito como fascies de
roedor.
122 Renato Failace & cais.
A Figura 5.1 mostra os hemo gramas de dois casos de anemia
hemolítica. Ambas são normocíticas (considerar o veM infantil, na
da esquerda) e têm os sinais de hiper-regeneraçõo, constantes e per-
sistentes nas anemias hemolíticas: policromatocitose, reticulocitose
e IRF elevada. Originam-se da hiperplasia eritroide medular sempre
presente, que torna inútil o exame da medula óssea. A contagem de
reticulócitos e a IRF em 16 casos de anemias hemolíticas podem ser
vistas nas Figuras 3.2 e 3.3, p. 114 e 115).
O diagnóstico diferencial entre as diversas anemias hemolíticas
exige cuidadoso exame microscópico no hemograma. Nos exemplos
da Figura 5.1, grande número de esferócitos no da esquerda e de
drepanócitos no da direita permitem diagnóstico conclusivo em am-
bos. Nem sempre é assim: exames complementares são usualmente
necessários.
Uma diminuição súbita da eritropoese, em paciente com anemia
hemolítica, pela curta sobrevida eritroide, causa grave intensificação da
anemia; essas crises aplásticas costumam decorrer da aplasia eritroide
fugaz que acompanha a maioria das viroses; é constante e extrema na
parvovirose e significativa na dengue. O esgotamento das reservas de
folatos, cujas necessidades são muito aumentadas pela eritropoese exa-
gerada, pode levar a uma anemia megaloblástica de rápida instalação;
isso ocorre em épocas de consumo excessivo de folatos, como o cresci-
mento (entre um e três anos e na puberdade) e a gestação.
ERITRÓClTOS 3,53
HEMOGlOBINA 10,8
HEMATÓCRITO 29,2
VCM 82,7
HCM 30,7
CHCM 37,1
RDW 14,8
Poliuomotocitose 2+
Esferócitos 3+
RETICUlÓClTOS
IRF
M/Ill
g/dl
%
fl
pg
% (hipercromio)
7,55 %
266515 fIll
0,482
ERITRÓClTOS 2,26
HEMOGlOBINA 7,2
HEMATÓCRITO 21,2
VCM 93,8
HCM 31,8
CHCM 33,9
RDW 17,1
Poliuomotocitose 3+
Dreponócitos 3+
leptócitos (torgel cells) 1+
ERITROBLASTOS 11/100
RETlCUlÓCITOS 14,2
320920
IRF 0,506
M/Ill
g/dl
%
fl
pg
%
(onisocitose)
leucócitos
%
fIll
FIGURA 5.1
Eritrogramas em anemias hemolíticas: esferocitose em paciente de 4 anos (E)
e drepanocitose em paciente de 12 anos (D).
Anemias hemolíticas 123
Anemias hemolíticas decorrem de defeitos intrínsecos aos eri-
trócitos - anemias hemolíticas intracorpusculares - ou a fatores he-
molíticos extrínsecos - anemias hemolíticas extracorpusculares. Mesmo
tomadas em conjunto, excetuando-se a malária nas zonas endêmicas
e a drepanocitose nas populações negras, as anemias hemolíticas são
relativamente raras e justificam a consulta com um hematologista.
As anemias hemolíticas intracorpusculares, quase todas genéti-
cas, são subclassificadas pela natureza do defeito causal (Tabela 5.1).
TABELA 5',1
Anemias hernolfticos intracorpusculares •
Defeitos na membrana
Esferocitose
Ovalocitose
Hemoglobinúria paroxística noturna (adquirida)
Hemoglobinopatias
Síndromes falcêmicas
Outras hemoglobinopatias
Deficiências enzimáticas
Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase
Deficiência de piruvatocinase
Deficiência de pirimidina-5-nucleotidase (rara)
Outras (muito raras)
DEFEITOS NA MEMBRANA DO ERITRÓCITO
A membrana, como parte superficial do citoesqueleto, confere
ao eritrócito flexibilidade e resistência, que lhe permite manter a in-
tegridade em traumas circulatórios e deformar-se de modo reversível
na microcirculação. É composta de lipídios, continuamente renovados
a partir do plasma, e de proteínas com múltiplas funções. Defeitos
genéticos, qualitativos ou quantitativos, na síntese das principais pro-
teínas, levam à instabilidade estrutural, à perda de vesículas lipopro-
teicas, à diminuição da superfície da membrana em relação ao volume
do glóbulo e à deformação esferoide ou eliptoide. A Tabela 5.2 mostra
os principais defeitos genéticos e suas consequências. A análise das
proteínas ou dos genes, por biologia molecular, não é utilizada na
clínica; o diagnóstico de esferocitose e ovalocitose costuma ser pura-
mente hematológico.
124 Renato Failace & cols.
TABELA 5.2
Defeitos genéticos dos proteínas da membrana
que causam ~~ferocitose e eliptocitose (ovalocitose)
Proteínas alteradas Defeitos decorrentes
Banda-3
Esferacitose dominante; := 50% dos casos
Esferocitose dominante
(com esferoacantócitos); := 30 dos casos
Esferacitose recessiva, muito rara
Eliptocitose; := 5% dos casos
Eliptocitose; := 80% dos casos
Esferocitose dominante e recessiva, raras
Esferocitose dominonte: := 20% dos casos
(com esferócitos pinçadas)
Esferocitose recessiva (dupla heterozigose), rara
Ovalocitase do sudeste asiótico
Esferocitose dominante e recessiva; raras,
prevalentes quase só no Japão
Eliptocitose; := 15% dos casos, mais em órabes
Eliptocitose; rara
Anquirina
j3-espectrina
a-espectrina
Proteína 4.2
Proteína 4.1
Glicoforina C
Esferocitose
É um defeito poligênico das proteínas da membrana, de acordo
com a Tabela 5.2. Em 75% dos casos, é autossômico dominante; re-
cessivo em == 10%; de novo nos demais. A prevalência é elevada nas
populações do norte da Europa (== 50/100.000), menor nas popula-
ções brancas latinas (20 a 30/100.000) e ainda menor em negros e
orientais. Os esferócitos têm sobrevida reduzida; são retidos e destruí-
dos precocemente no baço.
Na esferocitose, há todos os sinais clínicos e laboratoriais de he-
mólise, mas a severidade é variável, desde hemólise compensada, sem
anemia, até anemia severa, com Hgb < 8 g/dl., O hemo grama (Figura
5.1, [E]) mostra policromatocitose/reticulocitose constante. Nos ca-
sos com anemia severa, os esferócitos são numerosos e fáceis de notar
à microscopia, pela falta do centro claro por perda da biconcavidade
e pelo diâmetro menor; o VeM, entretanto, não costuma estar dimi-
nuído, sendo imprópria a denominação microesferócitos. Nos casos
leves, os esferócitos são pouco numerosos, geralmente passam des-
percebidos na rotina do hemograma, e o diagnóstico não é feito. Para
identificá-los ao microscópio, há necessidade de lâminas bem disten-
Anemias hemolíticas 125
didas e coradas, uso das objetivas de imersão recomendadas e, prin-
cipalmente, conhecimento e suspeita do defeito por parte do técnico.
Devem ser procurados com atenção em todos os casos com policro-
matocitose/reticulocitose.Nas famílias com defeito da ~-espectrina,
vários esferócitos são espiculados (esferoacantócitos); no defeito da
proteína banda-3, há esferócitos em forma de ampulheta, como se
tivessem sido pinçados no centro.
O teste diagnóstico para os casos duvidosos de esferocitose, a
determinação da resistência globular à hipotonia asmótica, é manual,
trabalhoso, poucas vezes solicitado e geralmente malfeito. Exige cui-
dadosa pesagem de NaCl não-hidratado, que é difícil de se obter e de
se manter. O resultado pode ser expresso em tabela ou gráfico, corre-
lacionando a porcentagem de hemólise a concentrações decrescentes
de NaCl, de 0,9 a O g/dl., Exemplo de curva de resistência globular
cuidadosamente feita é visto na Figura 5.2.
Curva de fragilidade osmótica eritrocitária
121,48
101,24
'" 80,99
::c
~ 60,74::t:
;3e.
40,49
20,25
r ~
/ /
I /
/ -:
- J/
0,00
0,80 0,75 0,70 0,65 0,60 0,55 0,50 0,45 0,40 0,35 0,30 0,20 0,10
% NaCI
- % Hemólise do controle - % Hemólise do paciente
FIGURA 5.2
Resultado de teste de resistência globular em paciente com esferocitose.
(Cortesia do Laboratório da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.)
O pediatra, por sua vez, deve considerar a hipótese de esferoci-
tose em todos os pacientes com anemia de longa data, com icterícia
leve (bilirrubina indireta entre 1 e 4 mg/dl.) e baço palpável. Às ve-
zes, há hemólise perinatal, com anemia e icterícia, a ser distinguida
126 Renato Failace & cais.
da doença hemolítica do recém-nascido; na incompatibilidade ABO,
os esferócitos também são numerosos. Dada a usual herança domi-
nante, o exame dos pais, muitas vezes, é esclarecedor.
A anemia da esferocitose cura-se com a esplenectomia, embora per-
sistam os esferócitos. Deve ser feita entre os cinco e os sete anos de idade.
O hemograma pós-esplenectomia costuma mostrar grande núme-
ro de esferoacantócitos, além dos usuais corpos de Howell-Jolly. A con-
tagem de reticulócitos no Cell-Dyn 4000, em seis casos do autor, mos-
trou um resultado discordante difícil de se interpretar, com contagens
de reticulócitos em média 330.000/I1L (extremos 263.000 e 574.000/
I1L),mas exame microscópico sem policromatocitose nem reticulocito-
se à coloração própria e com IRF notavelmente diminuída, em média
0,084 (extremos 0,064 e 0,113). Ou o Cell-Dyn nota e lê como reticulo-
cito se uma fluorescência inespecífica (?), ou os reticulócitos, que ama-
durecem no baço, na falta deste mantêm um mínimo de RNA, notado
pela máquina, mas não à microscopia. O aumento espúrio do número
total faz cair afração imatura a um número impossível; os reticulócitos
incluídos na IRF, entretanto, são os que estão mais de 30 canais acima
do limiar de identificação, de modo que seu número absoluto independe
dessa suposta situação. Se tomarmos as médias de Retics e IRF desses
casos e calcularmos o número absoluto de reticulócitos imaturos, tere-
mos: 330.000 X 0,084 = 27.720/!1L. Ao experimentar o Cell-Dyn 4000,
o autor encontrou 24% como valor de referência para os reticulócitos
imaturos (da IRF) dentre os totais. Considerando-se o número acima
como correspondente a essa porcentagem, teremos um número total
de reticulócitos = 115.500/!1L, um número coerente, dando verossimi-
lhança à interpretação sugerida.
Eliptocitose (ou ovalocitose)
A designação eliptocitose está predominando na literatura so-
bre ovalocitose, mas a escolha é irrelevante. O defeito poligênico é
sempre dominante. Como a maioria dos portadores é as sintomática,
a prevalência não pode ser definida com precisão, provavelmente da
ordem de 50/100.000. Como os contadores eletrônicos não notam a
eliptocitose e, não havendo anemia, não se faz mais microscopia, o
defeito só ocasionalmente é notado nos hemo gramas de rotina.
A sobrevida dos eliptócitos é próxima à normal; a hemólise mínima
é facilmente compensada. Os pacientes anêmicos são minoria; geralmen-
Anemias hemolíticas 127
te são homozigotos ou duplamente heterozigotos para genes eliptocíti-
coso Os defeitos da a-espectrina e da proteína 4.1 causam eliptocitose
assintomática nos heterozigotos e anemia hemolítica significativa, com
icterícia e esplenomegalia, nos homozigotos; nos defeitos da glicoforina
C, os heterozigotos têm eliptocitose assintomática, e os homozigotos, he-
mólise, geralmente compensada ou com mínima anemia.
No recém-nascido, a eliptocitose não é notada; os eliptócitos
surgem após o quarto mês. Paradoxalmente, as combinações gené-
ticas que incluem defeitos da a-espectrina, às vezes, causam severa
anemia hemolítica, com presença no hemo grama de extrema pecilo-
citose, com eliptócitos, esferócitos, eritrócitos fragmentados e nume-
rosos macrócitos policromáticos; o quadro denomina-se piropeciloci-
tose por assemelhar-se ao da hemólise ocasionada por queimaduras
extensas ou por aquecimento acidental do sangue no laboratório. A
tendência é a melhora em alguns meses, com lenta transformação
para um quadro usual de eliptocitose. Há descrição de casos com as-
pectos morfológicos semelhantes e anemia hemolítica duradoura, em
que a piropecilocitose decorre de combinação de genes eliptocíticos
com raros genes que retardam a síntese de a-espectrina; são preva-
lentes apenas em populações africanas. Os eritrócitos desses pacientes
são particularmente frágeis ao calor, fragmentando-se in vitro a 46°C,
temperatura inferior à necessária para fragmentar eritrócitos normais;
a designação piropecilocitose familiar é particularmente apropriada.
Há um gene, que altera a proteína banda-3, com prevalência de
20 a 30% nos indígenas da Melanésia, ilhas do Pacífico a leste da Aus-
trália e sul da Malásia. O defeito é chamado ovalocitose do sudeste da
Ásia; os eritrócitos mostram uma combinação única de ovalocitose (são
mesmo ovoides, não eliptoides) com estomatocitose. Os heterozigotos
são assintomáticos; crê-se que a homozigose cause morte fetal.
Hemoglobinúria paroxística noturna (HPN)
É uma rara doença dependente de um defeito clonal adquirido
das células primitivas da hematopoese. O gene responsável pela sín-
tese das moléculas de fosfatidil-inositol-glican (gene PIG-A), no braço
curto do cromossomo X, sofre mutação; há inúmeras variantes. Esse
glicolipídio serve de âncora para várias proteínas da membrana do
eritrócito, necessárias à regulação das moléculas do complemento
(CD59, CD55 e outras). A falta ocasiona uma suscetibilidade à lise
128 Renato Failace & cols.
mediada pelo complemento, principalmente em meio acidulado. A
mutação pode estender-se também à granulocitopoese e à trombo-
citopoese, daí haver uma curiosa combinação de anemia hemolítica
crônica com insuficiente regeneração, neutrocitopenia e trornbocito-
penia. Pacientes em recuperação parcial ou total de anemia aplástica
muitas vezes apresentam uma população clonal do tipo HPN.
A hemólise é intravascular, acentua-se nas horas de sono, e o
paciente tem hemoglobinúria ao despertar. Na experiência do autor,
a maioria dos pacientes não refere espontaneamente a passagem de
urina escura, só quando especificamente questionado. Outra tendên-
cia que dificulta o diagnóstico dessa rara doença é a dos laboratoristas
não se darem conta, no exame de urina, de que a positividade do tes-
te para hemoglobina não se acompanha de eritrócitos no sedimento;
dão a hemoglobinúria como hematúria.
A hemólise, na HPN, não se acompanha de uma hiper-regenera-
ção no nível usual das demais anemias hemolíticas. Nas contagens de
reticulócitos mostradas na Figura 3.2, p. 114, no grupo das anemias
hemolíticas, os dois casos quase idênticos, de contagem mais baixa
(reticulócitos == 180.000/I-lL), são de HPN. A filtração renal continua-
da de hemoglobina causa depósito de hemossiderina nas células tubu-
lares e hemossiderinúria; pode ser notada pela coloração de Perls do
sedimento. Alguns pacientes desenvolvem anemia ferropênica, com a
microcitose usual, pela perda crônica deferro; o tratamento com ferro
melhora esse componente da anemia, mas intensifica a hemólise pelo
defeito basal.
A comprovação do diagnóstico se faz pelo teste de Ham: pes-
quisa de hemólise dos eritrócitos do paciente em soro fresco (para
conter complemento) compatível, acidificado com HCl. Há um teste
de gel-centrifugação para HPN, simples e sensível. O diagnóstico, com
quantificação da população acometida pode ser feito por citometria
em fluxo, com anticorpos monoclonais anti-CDS9 ou anti-CDSS.
A HPN não tem tratamento curativo, mas a evolução costuma
ser lenta e geralmente benigna. O tratamento com anticorpo anti-
complemento CS, eculizumab, reduz significativamente a hemólise.
HEMOGLOBINOPATIAS
São defeitos genéticos em que há trocas de aminoácidos na se-
quência das cadeias globínicas da hemoglobina. A identificação das
Anemias hemolíticas 129
hemoglobinas anormais por eletroforese está sendo substituída pela
técnica de cromatografia líquida de alta resolução (HPLC = high per-
formance liquid chromatography). Pela elevada prevalência e signifi-
cativa morbidade de suas combinações genéticas, as síndromes falcê-
micas merecem discussão detalhada. As demais hemoglobinopatias
são mais raras no Brasil.
Síndromes falcêmicas
Incluem-se, sob essa denominação, as eventualidades em que há
teste de afoiçamento positivo, pela presença de hemoglobina 5 (de sickle
= foicinha), pura ou associada a outras hemoglobinas anormais. A
Hgb S tem prevalência entre 5 e 10% nas populações negras da África
Equatorial; é comum, também, na Arábia Saudita, na Grécia e no sul
da Itália e da Ásia. Crê-se que a considerável prevalência africana
deva-se a séculos de seleção natural, pela maior resistência dos eritró-
citos com Hgb S à infecção pelo Plasmodium falciparum. A Hgb S veio
para o Brasil com a escravatura; a prevalência africana original diluiu-
se pela miscigenação racial; por outro lado, passou a ser encontrada
mesmo em pessoas aparentemente brancas. As síndromes falcêmicas
mais comuns estão resumidas na Tabela 5.3.
TABELA 5,3
Síndromes Iolcêmicos
Síndrome Genótipo Hemoglobinas Hgb (g/dL)
Traço drepanocítico AS Hgb A = 55-60% Normal
Hgb S = 40·45%
Drepanocitose
(anemia de células SS Hgb S:= 95% 6 a 9,5
falciformes) + Hgb A2 e F
Microdrepanocitose S pO-Thal Hgb S > 95% 6,5 a 10
(hemoglobinopatia + Hgb A2 e F
S/p-talassemia) S p+ -Thal Hgb S = 80·90% 7 a 11
Hgb A = 5·20%
+ Hgb A2 e F
Hemoglobinopatia se se Hgb S:= 50% 9 a 13
Hgb C:= 50%
130 Renata Failace & cols.
Traço drepanocítico (ou falciforme): os portadores heterozigóti-
cos de Hgb S (com Hgb A e S), embora tenham teste de afoiçamento
positivo, são sadios. A Hgb S, em concentrações inferiores a 50% nos
eritrócitos, não cristaliza nas tensões de oxigênio existentes in vivo,
salvo em raras eventualidades de extrema anoxemia, tais como subi-
da a grandes altitudes, falta de O2 durante anestesia, sobrevivência
a afogamentos, etc. As variações osmóticas no córtex renal podem,
entretanto, causar afoiçamento local: os drepanócitos obliteram glo-
mérulos, causando glomerulite focal e hematúria; o defeito, embora
persistente, não é progressivo. Anemia, ou alterações do hemo grama,
salvo a presença de raras células fa1ciformes e target cells na cauda da
distensão, nunca devem ser atribuídas ao traço fa1ciforme.
A anemia ferropênica, em crianças com traço drepanocítico, tem
causado um erro embaraçante; o pediatra recebe o hemo grama com
anemia (ferropênica) e o teste de afoiçamento positivo (pedido por
tratar-se de paciente negro) e interpreta o conjunto como drepanoci-
tose (anemia de células fa1ciformes), apesar da diferença óbvia entre
os hemo gramas das duas anemias. Essa confusão do traço heterozi-
gótico com a doença homozigótica tem sido feita por médicos até em
pacientes negros não-anêmicos. Para evitá-Ia, o autor recomenda que
o laboratório, quando tiver teste de afoiçamento positivo e hemogra-
ma simultâneo que não mostre anemia drepanocítica, anote no resul-
tado: teste positivo (traço drepanocítico). O teste em si já mostra uma
diferença: é rapidamente positivo em todas as células no homozigoto
e tardiamente positivo (> 24 horas), e só numa fração de células, no
heterozigoto. O melhor é substituir definitivamente o teste de afoi-
çamento pela HPLC (Figura 5.3, [E]); o teste do pezinho atualmente
inclui essa última técnica, de modo que hemoglobinas patológicas são
identificadas já no recém-nascido (ver Capítulo 19).
Drepanocitose (ou anemia de células falciformes): a hemoglobi-
nopatia S homozigótica, pela dupla herança (pai e mãe heterozigóti-
cos), é uma grave anemia hemolítica. O eritrograma está na Figura
5.1 (D). A presença dos drepanócitos patognomônicos é usual, mas
não constante; costuma faltar nos pacientes em tratamento com hí-
droxicarbamida. Eritroblastemia é usual; há neutrofilia, às vezes
acentuada, e trombocitose. A reticulocitose é algo inferior a esperada
para a intensidade da hemólise e gravidade da anemia; a Hgb S tem
baixa afinidade ao O2 de modo que a oxigenação periférica não esti-
mula a síntese apropriada de eritropoetina para o grau de anemia. Há
icterícia com bilirrubina indireta entre 2 e 6 mg/dl., grande aumento
Anemias hemolíticas 131
Anolyte %
F 0,6
P2 4,2
P3 2,6
Ao 61,8
A2 4,3
S 0,8
C 25,9
Anolyte %
F 4,5
P2 5,8
P3 4,3
Ao 48,1
A2 3,5
S 33,8
30% 30%
20% 20%
10% 10%
FIGURA 5.3
Cromatografia líquida de alta resolução (HPLC Bio-Rad Variant) em traço
drepanocítico (E) e portador heterozigótico de hemoglabina C (D).
da DHLe baixa da haptoglobina. À esplenomegalia dos primeiros dois
anos de vida, sucede-se atrofia do baço pela sequência de pequenos
infartos; a asplenia funcional faz surgirem no hemo grama corpos de
Howell-Jolly, leptocitose, raros acantócitos, aumento do número de
eritroblastos e linfocitose.
Os pacientes com drepanocitose, além da anemia, têm outras
complicações: crises de sequestração esplênica (nos primeiros meses
de vida), crises dolorosas por microinfartos múltiplos, decorrentes do
afoiçamento in vivo, suscetibilidade aumentada a infecções e signi-
ficativa diminuição da sobrevida. Só há tratamento paliativo. A hi-
droxicarbamida (Hydrea'") aumenta a síntese de Hgb F e diminui a
frequência das crises dolorosas; causa macrocitose e deforma ainda
mais o histograma eritroide (ver Figura 2.12 [D], p. 93). Nos casos
mais graves, se houver doador compatível, o transplante de células-
tronco deve ser considerado.
132 Renalo Foilace & cais.
Microdrepanocitose: a herança concomitante de um gene S com
um gene ~-talassêmico causa anemia hemolítica semelhante à drepa-
nocitose, porém menos severa. Um gene faz sintetizar Hgb S, o outro
causa déficit na síntese de Hgb A; a predominância de Hgb S causa
afoiçamento in vivo, com suas consequências. Nesses pacientes, não
há atrofia precoce do baço; mantém-se a esplenomegalia. A micro-
drepanocitose é comum no Rio Grande do Sul e nas demais áreas ge-
ográficas onde coexistem populações negra e italiana. O hemo grama
difere do da drepanocitose por haver anemia menos intensa, microci-
tose e número .chamativo de leptócitos (target cells), O exame da he-
moglobina mostra os valores da Tabela 5.3.; se a combinação genética
for S ~o-Thal, haverá virtual ausência de Hgb A, só S, F e A2; se for S
~+Thal, haverá 5 a 20% de Hgb A, e a anemia será menos severa.
Hemoglobinopatia SC: a troca de ácido glutâmico por lisina na
posição 6 da cadeia ~ dá origem à Hgb C. O defeito acomete os mes-
mos grupos raciais que a Hgb S, mas com prevalência 10 vezes infe-
rior. A dupla heterozigoticidade SC não chega a ser rara. A anemia
hemolítica.é moderada; o hemograma mostra numerosos leptócitos,
raros drepanócitos e alguns eritrócitos com uma forma peculiar, ditos
pecilócitos se, decorrentes da dupla cristalização das hemoglobinas
anormais; a CHCM costuma estar diminuída (hipocromiasem micro-
citose). Crises dolorosas são raras; os pacientes têm suscetibilidade
aumentada a fenômenos tromboembólicos.
Outras hemog lobi nopatias
Hemoglobinopatia C: a heterozigótica (AC) é as sintomática; o
resultado de HPLC está na Figura 5.3 (D). A homozigótica (CC) causa
hemólise moderada que deveria ser facilmente compensada por hi-
perplasia eritroide; contudo há anemia, com Hgb entre 9 e 12 g/dL.
Essa aparente incongruência deve-se à baixa afinidade da Hgb C pelo
oxigênio, pois, mesmo com anemia, há satisfatória oxigenação teci-
dual, daí não haver estímulo à síntese de eritropoetina e correção da
anemia. Não há crises dolorosas; há esplenomegalia. O hemograma
mostra considerávelleptocitose, ou seja, mais de 80% dos eritrócitos
têm aspecto de target cells; a procura cuidadosa pode evidenciar a
presença de cristais de Hgb C em alguns eritrócitos. A herança da Hgb
C com um gene ~-talassêmico causa um quadro clínico semelhante ao
da talassemia intermédia.
Anemias hemolíticas 133
Hemoglobinopatia D: a heterozigótica (AD) é assintomática; al-
guns casos de DPunjab têm sido notados no Brasil pelo teste do pezinho.
A homozigótica é raríssima no Brasil. O autor só viu um caso; o eri-
trograma mostrava anemia com curiosa combinação de hipocromia,
esferocitose e policromatocitose. A eletroforese é enganadora; a Hgb
D migra com a S em pH alcalino e com a Hgb A em pH ácido; a HPLC
distingue-a com facilidade.
Hemoglobinopatia E: só é prevalente na Tailândia e Laos. A sín-
tese de cadeias ~ da Hgb E é inapropriadamente lenta, como ocorre
em mutações talassêrnicas; a herança simultânea de um ~-gene talas-
sêrnico causa quadro de talassemia maior ou intermédia. A Hgb E, em
HPLC, elui com a Hgb M.
Hemoglobinas instáveis: há dezenas de variantes genéticas das
cadeias globínicas, todas muito raras, originando hemoglobinas instá-
veis, que desnaturam e precipitam nos eritrócitos, causando anemia
hemolítica crônica ou crises hemolíticas quando há exposição a drogas
oxidantes. Pesquisam-se pelo teste da desnaturação da hemoglobina
pelo calor (50°C) ou pela solução de isopropanol a 17%. A coloração
apropriada pode mostrar corpos de Heinz.
DEFICIÊNCIAS ENZIMÁTICAS DO ERITRÓCITO
Os eritrócitos obtêm a energia necessária para a manutenção do
gradiente catiônico em relação ao plasma e para manter o glutatião
em estado reduzido (para a defesa da hemoglobina e das enzimas
contra agentes oxidantes) por meio da glicólise anaeróbica. As de-
ficiências enzimáticas genéticas na via Embden-Meyerhoff causam
esgotamento energético prematuro e hemólise; as deficiências na via
hexose-fosfato, suscetibilidade a hemólise por agentes oxidantes. A
carência de enzimas necessárias ao metabolismo de nucleotídios tam-
bém pode causar anemia hemolítica.
Deficiência de piruvatoquinase (PK)
É infrequente, mas tem sido vista no Brasil, inclusive pelo autor.
Há mais de 130 variantes genéticas com atividade defeituosa em lócus
poligênico; por isso, os pacientes afetados costumam ser duplamente
heterozigotos para o defeito, daí não depender de consanguinidade
nos pais, usual nas doenças recessivas raras.
134 Renata Failace & cols.
É uma anemia hemolítica de severidade dependente da combi-
nação de mutantes herdadas, sem características clínicas e hernato-
lógicas próprias; deve-se pensar em deficiência de PK diante de qual-
quer caso de anemia hemolítica congênita nâo-esferocítica,
Não há tratamento curativo. A esplenectomia é indicada nos ca-
sos severos; causa melhora marginal, elevando a hemoglobina em 1
ou 2 g/dL. Após a esplenectomia, há presença no sangue de numero-
sos acantócitos, e a contagem eletrônica mostra absurda reticulocito-
se entre 30 e 40% (dado da literatura); o fenômeno parece o mesmo
que o autor observou em casos esplenectomizados de esferocitose, e
sobre o qual emitiu hipótese esclarecedora (ver p. 126).
Deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase (G6FD)
o gene que codifica a sequência de aminoácidos da enzima lo-
caliza-se no cromossomo X, de modo que só há defeito clinicamente
relevante nos homens (hemizigotos). As mulheres (portadoras hete-
rozigóticas) são geralmente indenes, salvo pequena porcentagem ne-
gativamente afetada pela lyonização, e as raras homozigotas, filhas
de mãe portadora e pai afetado. É um lócus poligênico; há mais de
250 variantes conhecidas de G6FD, algumas instáveis, outras de ati-
vidade deficiente, acometendo, em conjunto, mais de 400 milhões de
pessoas. Duas têm relevância clínica e alta prevalência:
Variante africana (ou A-): tem prevalência superior a 10% nos ne-
gros da África Equatorial; no Brasil, diluiu-se como a Hgb S. Crê-se que
os portadores têm resistência aumentada ao Plasmodium jalciparum,
com aumento da prevalência por séculos de seleção natural. É rara em
populações brancas. A enzima mutante tem atividade entre 5 e 15% da
normal. Os portadores são assintomáticos, a menos que haja agressão
aos eritrócitos por agentes oxidantes: naftalina, anilinas, antimaláricos,
sulfonamidas, nitrofurantoína, ácido nalidíxico e, em doses muito ele-
vadas (intoxicações), AAS, acetaminofen e vitamina K sintética. Nesse
caso, há crise hemolítica grave, com extrema anemização.
Variante mediterrânea: muito comum no sul da Itália, na Grécia
(há áreas com prevalência >30%), no norte da África, na Ásia menor e
no sul da Ásia. A deficiência é mais grave que a variante africana; a enzi-
ma mutante tem atividade virtualmente zero. Há crises hemolíticas pelos
mesmos agentes supracitados, mas também por substâncias oxidantes
existentes na fava, alimento tradicional naquelas áreas geográficas. O[a-
Anemias hemolíticas 135
vismo foi importado para o Rio Grande do Sul com a colonização italiana;
o autor acompanhou várias crises hemolíticas dessa etiologia.
As crises hemolíticas por deficiência de G6FD são fáceis de diagnos-
ticar: anemia súbita, grave, sem sinais de perda sanguínea, geralmente
com hemoglobinúria, em paciente das etnias conhecidas, com história de
ingestão ou uso do agente oxidante 24 a 48 horas antes. A icterícia surge
em 24 horas. O hemo grama mostra eritrócitos irregularmente contraídos
e fragmentados e eritrócitos com a hemoglobina concentrada numa calo-
ta da célula, e o estroma vazio no restante (hemiestromas). A reticuloci-
tose começa entre o 3º e o 4º dias; a IRF eleva-se já no 2º dia. Durante a
crise, a coloração própria pode mostrar corpos de Heinz.
Há testes bioquímicos qualitativos fáceis para detectar a falta da
enzima. São falsamente negativos na convalescença das crises, por-
que os eritrócitos novos, da regeneração, são mais ricos em enzima,
que decai progressivamente durante a sobrevida na circulação. Pelo
mesmo motivo, nesse período, há resistência à repetição da crise no
caso de nova exposição ao agente oxidante.
Os recém-nascidos com deficiência de G6FD frequentemente
têm icterícia neonatal. Não há sinais óbvios de hemólise, nem agen-
te oxidante causal; a patogênese é imprecisa. Há casos descritos de
anemia neonatal severa e mesmo de hidropisia fetal, decorrentes da
ingestão de drogas oxidantes pela gestante. O teste do pezinho pode
inclur dosagem de G6FD (ver Capítulo 19).
Há variantes genéticas de G6FD, muito raras, que causam ane-
mia hemolítica congênita não-esferocítica crônica.
Deficiência de pirimidina-5-nucleotidase e saturnismo
A deficiência genética, autossômica recessiva, é rara. No único
caso visto pelo autor, havia consanguinidade nos pais. O diagnóstico
é fácil; a falta da enzima causa um bloqueio no catabolismo do RNA,
cujos metabólitos acumulam-se nos ribossomos e são vistos como fino
pontilhado basófilo na maioria dos eritrócitos. É necessário que as
lâminas sejam feitas a partir de sangue nativo, pois a conservação do
sangue in vitro, com EDTA, inibe a precipitação dos ribossomos pelo
corante. A anemia hemolítica é moderada (Hgb == 8-9 g/dL) e melhora
marginalmentecom a esplenectomia.
A intoxicação pelo chumbo (saturnismo), tanto aguda como crô-
nica, causa inibição da atividade da pirimidina-S-nudeotidase e ane-
136 Renolo Foiloce & cols.
mia hemolítica, além do quadro de doença sistêmica. É urna anemia
extracorpuscular; descrita aqui por sua similitude com a deficiência
genética da enzima. O saturnismo crônico costuma ser doença pro-
fissional, acometendo operários que trabalham com baterias, tintas
contendo chumbo, linotipia (com a tecnologia antiga). A intoxicação,
ocorrida há décadas, pode manifestar-se na velhice pela liberação,
causada pela osteoporose, do chumbo armazenado nos ossos; nesses
casos, a dosagem de chumbo no sangue pode não estar aumentada.
A ingestão de tinta de parede, por crianças com pica por anemia fer-
ropênica, é urna causa pediátrica. O saturnismo agudo, causado pela
ingestão de aves de caça conservadas em vinagre, substância que dis-
solve os projéteis de chumbo, não era raro no Rio Grande do Sul: o
autor viu vários casos, mas nenhum nas últimas duas décadas.
A anemia hemolítica do saturnismo não é severa, tem Hgb entre
8 e 11 g/dL, reticulócitos == 200.000/J..lL. O leucograma não é afetado;
o autor acompanhou um caso com trombocitopenia irresponsiva aos
corticoides. O diagnóstico é feito pelo pontilhado basófilo grosseiro,
visto em muitos eritrócitos, examinando-se lâminas com os cuidados
mencionados. O tratamento prolongado com EDTAcá1cico intraveno-
so elimina lentamente o excesso de chumbo.
Outras deficiências enzimáticas
Há outras deficiências enzimáticas genéticas no mecanismo gli-
colítico, todas muito raras, tendo sido descritas apenas algumas deze-
nas de casos de cada. Na maioria, a anemia hemolítica acompanha-se
de malformações, de neuropatias com retardo mental e de miopatias.
Estão listadas, em ordem alfabética, na Tabela 5.4.
TABELA 5.4
Deficiências enzimáticas raras que causam anemia hemolítica
Aldolose
2-3-difosfo-glicerolomutose
Enolose
Fosfo-fruloquinose
Fosfo-gliceroloquinose
Glicose-fosfoloisomerose
y-glulamil-cisleíno sinlelase
Glulolião peroxidose
Glulalião redulase
Glulalião sinlelase
Hexocinose
Lactalodesidrogenose
Triose-fosfoloisomerose
Anemias hemolíticas 137
Dentre as anemias hemolíticas extracorpusculares, isto é, causa-
das por agentes hemolíticos alheios ao eritrócito (Tabela 5.5), a única
de grande prevalência é a malária, estimada pela OMS em 300 mi-
lhões de casos novos por ano. Todas exigem a especial atenção diag-
nóstica de um hematologista.
TABELA 5.5
Anemias hernollticos extracorpusculares
Infecciosas e parasitárias
Malária
Outras (raras)
Imunológicas
Por crioaglutininas
Anemia autoimune Coombs-positiva
Por fragmentação eritrocitária
Fragmentação traumática
Síndromes microangiopáticas
Dependente de fármacos oxidantes
ANEMIAS HEMOLÍTlCAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS
Malária
Nos residentes, ou viajantes vindos de zona endêmica, a malá-
ria deve ser a primeira suspeita a ser considerada no diagnóstico de
doença febril. O paroxismo, com febre, calafrio e extrema prostração,
repetido com periodicidade dependente da espécie de Plasmodium, é
característico, mas inconstante.
Em mais de 50% dos casos, há sinais precoces de hemólise; na
infecção por P. falciparum, pode haver até hemoglobinúria. Eritro-
gramas, repetidamente normais, sem anernização nem policromato-
citose/reticulocitose, e bilirrubina indireta normal são contrários à
suposição de malária como causa de febre obscura. A reticulocitose
na malária é inferior à das demais crises hemolíticas, pela ativação
imunológica e resposta anemizante às citoquinas (mecanismo de ane-
mia de doença crônica).
A pesquisa de hematozoários deve ser feita várias vezes, porque
o número no sangue varia com o estágio do ciclo: é máximo nas horas
138 Renato Failace & cols.
que precedem as crises; há que prevê-Ias pelo retrospecto. O técnico
precisa ter enorme experiência e paciência para encontrá-los, quando
poucos. Para a descrição e a diferenciação das espécies, o leitor deve
procurar um atlas de hematologia".
A parasitemia interfere na contagem automatizada de reticuló-
citos do Cell-Dyn 4000: o hematozoário fluoresce. A máquina pode,
também, identificar os eritrócitos parasitados como eritroblastos.
O leucograma geralmente mostra desvio à esquerda com neutro-
citopenia ou número normal de neutrófilos; neutrofilia é incomum.
Há eosinofilia na convalescença dos casos tratados. A contagem ele-
trônica de eosinófilos pode ser afetada pela polarização da luz do
pigmento malárico. Na infecção por P. falciparum, costuma haver
trombocitopenia.
Outras anemias hemolíticas infecciosas
Na infecção pelos hematozoários do gênero Babesia, transmiti-
dos por carrapatos, os eritrócitos são parasitados como na malária,
mas as áreas geográficas endêmicas não correspondem; a babesiose
tem sido descrita algumas vezes nos EUA e não foi descrita no Brasil.
Na bartonelose (febre de Oroya), prevalente nos países andinos
do norte e nas Guianas, a Bartonella bacilliformis infecta os eritrócitos,
causando esferocitose e anemia hemolítica.
As infecções por Clostridium, Streptococcus e Staphilococcus (ra-
ramente) podem acompanhar-se de anemia hemolítica.
ANEMIAS HEMOLíTICAS IMUNOLÓGICAS
São causadas por anticorpos antieritrocitários.
Nas isoimunes (ou aloimunes), os anticorpos formam-se em ou-
tra pessoa e têm acesso à circulação dota) paciente por via transpla-
centária ou transfusional. A anemia hemolítica da incompatibilidade
materno-fetal será discutida no capítulo sobre hemo grama do recém-
nascido (Capítulo 19). A hemólise por incompatibilidade transfusio-
nal é dos glóbulos transfundidos, não dos glóbulos do receptor, daí
* Obra recomendada: BAIN, Barbara J. Células sangüíneas: um guia prático. 4.
ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.
Anemias hemolíticas 139
não haver, propriamente, anemia hemolítica, salvo no caso incomum
de infusão de grande volume de plasma incompatível.
Nas autoimunes, os anticorpos são formados no organismo dota)
paciente. Distinguem-se e são classificadas pela natureza do autoan-
ticorpo:
Crioaglutininas
São anticorpos IgM, fixadores de complemento, com ótimo tér-
mico entre 5 e 25°C. As crioaglutininas são notadas no laboratório ao
manipular-se o sangue conservado à temperatura ambiente em dias
frios ou em refrigerador. A aglutinação pode ser vista a olho nu ou ao
microscópio: há conglomerados de eritrócitos, distintos do rouleau. As
crioaglutininas interferem na contagem de eritrócitos e na medida do
VCM, gerando resultados incoerentes (Figura 5.4), com aumento im-
possível da CHCM. O aquecimento do sangue a 37°C, com passagem
imediata no contador, costuma gerar resultados corretos.
RBC 1,24
RBC HGB 12,0
HG 17,3
MCV 139,5
REL#
MCH 96,3
MCHC 69,0
RDW 13,6
50 100 200 300 fL
FIGURA 5.4
Hemograma (Coulter STKS) em paciente com alto título de crioaglutininas.
A presença de crioaglutininas deve ser anotada no resultado do
hemograma, porque:
1. Embora ocorram em pessoas idosas sadias (até título 1/4), são
muito mais comuns e em títulos mais altos em pessoas com doenças
do colágeno, neoplasias e infecções crônicas.
140 Renato Failace & cais.
2. Aparecem transitoriamente no decurso da pneumonia por Myco-
plasma. Crioaglutinação em paciente jovem, com febre e tosse, deve
sugerir esse diagnóstico. A dosagem de crioaglutininas, feita por
titulação do soro, anotando-se a diluição máxima ainda aglutinante,
mostra títulos 1/4 a 1/256. Podem surgir crioaglutininas também
na mononudeose infecciosa. Em nenhuma das duas infecções a
amplitude térmica das crioaglutininas é suficiente para causar
hemólise significativa in vivo.
3. Há uma doença de crioaglutininas, rara, em que um título acima de
1/256 (às vezes> 1/2.000) e uma atividade até acima de 30°C
provocam distúrbios da circulação periférica, com púrpura, sín-drome de Raynaud e anemia hemolítica. O eritrograma, às vezes,
é impossível de ser feito nos contadores eletrônicos (Figura 5.4),
mesmo com o sangue reaquecido; deve ser coletado e mantido a
37°C até o exame; se nem assim for possível, é preciso basear-se
na dosagem da hemoglobina e no micro-hematócrito por cen-
trifugação. A sintomatologia aparece com a exposição ao frio e
ameniza-se com o calor. Aceita-se que a doença seja decorrente
de uma proliferação donal de linfócitos B, isto é, de um linfoma
indolente, sem organomegalias; a IgM é monodonal.
Anemia autoimune Coombs-positiva
Autoanticorpos IgG ligam-se aos eritrócitos e causam seques-
tração no tecido macrofágico do baço, do fígado e da medula óssea.
A auto imunidade causal pode ser iatrogênica, parte do quadro de do-
enças imunológicas mais amplas, como o lúpus eritematoso sistêmico
(LES), a leucemia linfocítica crônica, os linfomas e a aids, mas, na
maioria das vezes, é idiopática.
A Figura 5.5 (E) mostra um eritrograma de anemia hemolítica
autoimune (AHAI). O grande número de macrócitos policromáticos,
pela elevada atividade eritropoetínica, aumenta o VCM. A população
macrocítica, às vezes, pode ser notada no histograma (ver Figura 2.11
[E], p. 90). A agressão imunológica causa perda de componentes da
membrana e esferocitose pré-hemolítica. O aumento da bilirrubina in-
direta e da DHL e a baixa da haptoglobina são constantes. Em alguns
pacientes com AHAI crônica de longa duração, a atividade esplênica
desencadeia a formação de dacriócitos, e o hemo grama pode lembrar
mielofibrose, ou anemia perniciosa se a macrocitose for significativa.
Anemias hemolíticas 141
o teste direto antiglobulina humana, mais conhecido no Brasil
corno teste de Coombs direto, que mostra a presença de anticorpos
ligados aos eritrócitos, quando positivo, é patognomônico, o que ocor-
re em aproximadamente 90% dos casos; a positividade depende da
distância entre as moléculas do anticorpo na membrana, de modo que
pode ser transitoriamente negativo e positivar em exames ulteriores,
ou vice-versa. O teste de Coombs indireto, que pesquisa anticorpos
livres no plasma, não é indicado, pois se esgotam nos receptores dos
eritrócitos.
O fármaco anti-hipertensivo a-metildopa (Aldomet®), atual-
mente menos usado, causa AHAl de modo previsível. Tornado por
mais de três meses, em 20 a 30% dos pacientes, formam-se autoan-
ticorpos e positiva-se o teste de Coombs. Persistindo-se o uso do fár-
maco, 10% dos pacientes desenvolvem AHAl; parando-se o tratamen-
to, há melhora lenta, com cessação da hemólise e negativação do tes-
te de Coombs em seis meses. O tratamento com doses intravenosas
elevadas de penicilinas e cefalosporinas também pode desencadear
AHAI limitada.
A leucemia linfocítica crônica origina-se de linfócitos B CDS+,
correlacionados com a autoimunidade; a proliferação neoplásica cau-
sa positividade do teste de Coombs em 10 a IS% dos pacientes e
AHAI sintomática em urna fração desses; o tratamento com fludarabi-
na torna essa complicação mais frequente. Os linfomas B indolentes
e a doença de Hodgkin também se correlacionam com a AHAI; esta
pode preceder (até por 2 a 3 anos), acompanhar ou suceder a doença
linfoproliferativa.
A AHAI pode ser urna complicação do LES; é rara nas demais
colagenoses.
A positividade do teste de Coombs na aids, com ou sem AHAI,
notada desde o início da endemia, está se tornando mais frequente
com o aumento da sobrevida média decorrente da eficácia do trata-
mento antiviral.
Exames pertinentes para as proliferações linfoides, colagenoses
e aids são indispensáveis em todos os pacientes com AHAI.
A despeito desse amplo espectro etiológico, a AHAI idiopática é
a de maior prevalência. Não porque tenha grande incidência: esta não
passa de 1 caso/l00.000/ano, mas porque é crônica e tratável, per-
mitindo longa sobrevida. Os mesmos pacientes retomam periodica-
mente à consulta, durante anos. O tratamento com corticoides causa
remissões rápidas, mas as recaídas são a regra ao suspendê-lo. A es-
142 Renato Failace & cais.
ERITRÓCITOS 2,02 M/~l ERITRÓClTOS 2,48 M/~l
HEMOGLOBINA 7,5 g/dl HEMOGLOBINA 7,7 g/dl
HEMATÓCRITO 21 % HEMATÓCRITO 22,6 %
VCM 103,9 fl (macracitose) VCM 91,1 fl
HCM 37,1 pg HCM 31,0 pg
CHCM 35,7 % CHCM 34,0 %
RDW 19,2 (anisocitose) RDW 15,0
Macrócitos policromóticos 4 + Macrócitos policromóticos 3 +
Esferócitos 2 + Eritrócitos fragmentados (esquizócitos
RETlCUlÓClTOS 24,2 % e helm~t cells) 4 +
488840 I~l RETlCUlOCITOS 8,51 %
IRF 0,515 211 048 I~l
PlAQUETAS 225000 I~l IRF 0,395
TETEDE COOMBSDIRETO: Positivo 3+ PLAQUETAS 16000 I~l
FIGURA 5.5
Eritrograma e exames pertinentes em anemia hemolítica autoimune (E) e púr-
pura trombocitopênica trombótica (D).
plenectomia cura alguns pacientes e melhora outros. Tratamento com
azatioprina, ciclofosfamida, anticorpos monoclonais e corticoides como
manutenção são necessários se a esplenectomia não for curativa.
ANEMIAS HEMOLíTICAS POR FRAGMENTAÇÃO ERITROCITÁRIA
Os eritrócitos fragmentam-se quando sofrem trauma mecânico
ou agressão física ou química; se a fragmentação for significativa, ha-
verá anemia hemolítica.
Anemia hemolítica das próteses valvulares
O trauma da colisão com próteses desloca das, ou a passagem por
pertuitos justavalvulares (leaking), causa fragmentação dos eritrócitos
e anemia hemolítica. O diagnóstico pelo hemo grama exige cuidadosa
observação ao microscópio; há entre 0,1 e 10% de formas fragmenta-
das (queratócitos e esquizócitos). Raramente, a fragmentação é tão in-
tensa que a hemólise é instantânea, e os fragmentos praticamente não
circulam e não são vistos; nesses casos, a hemólise intravascular causa
hemoglobinúria. A história da cirurgia, associada aos sinais de anemia
hemolítica, toma fácil o diagnóstico; o tratamento é a reoperação.
Anemias hemolíticas 143
Anemia hemolítica da marcha ou corrida
o trauma aos eritrócitos na circulação plantar em marchas ou
corridas de longa duração causa hemólise intravascular e hemoglobi-
núria. A anemia hemolítica é autolimitada. A generalização do uso de
calçados para corrida com solas amortecedoras diminuiu a incidência.
Tem sido descrita hemoglobinúria similar, por trauma palmar, em to-
cadores de bongô.
Anemia hemolítica das queimaduras
A exposição a altas temperaturas causa lesão irreversível dos eri-
trócitos. A hemólise pós-queimaduras extensas ocorre nas primeiras
48 horas; pode haver hemoglobinúria. Notam-se eritrócitos com pro-
trusões citoplasmáticas (blebs), que se desprendem e circulam como
esférulas, formas fragmentadas de todos os tipos e esferócitos. A ane-
mia hemolítica não gera uma resposta eritropoetínica apropriada de-
vido ao estado de doença crítica do paciente; reposição transfusional
é indispensável.
Anemias hemolíticas microangiopáticas
A púrpura trombocitopênica trombótica (PTT), a síndrome urê-
mico-hemolítica (SUH), os raros casos de coagulação intravascular
disseminada que chegam a causar fragmentação e a síndrome HELLP
(descrita nas trombocitopenias da gestação, no Capítulo 18) são de-
nominadas anemias microangiopáticas, porque em todas há anemia
hemolítica com fragmentação eritrocitária e algum tipo de lesão na
microvasculatura.
Púrpura trombocitopênica trombótica e síndrome urêmico-hemo-
lítica: são doenças graves, potencialmente fatais. Caracterizam-se por
anemia hemolítica com eritrócitos fragmentados (AHEF) e trombo-
citopenia. Na PTT, costumam acompanhar-se de distúrbios neuroló-
gicos flutuantes (> 70%) e febre (30-40%), raramente insuficiência
renal. Na SUH, a insuficiência renal é constante; a febre e os sintomas
neurológicos, raros.
Na PTT, o processo decorre da agregação plaquetária, poten-
cialmente reversível, na microcirculação de múltiplos órgãos, prin-
144 Renato Failace & cais.
cipalmente no sistema nervoso central e nos rins. Microtrombos hia-
linos podem ser evidenciadosem pequenas artérias em biópsias da
gengiva ou da medula óssea, mas não há indicação para esse método
invasivo. Os microtrombos contêm alta concentração de fatorvon Wil-
lebrand (vWF); no plasma, evidenciam-se multímeros exageradamen-
te grandes do fator, em detrimento dos fragmentos de clivagem, de
menor peso molecular, que predominam no plasma normal. Atribui-se
o desencadear da síndrome, quando idiopática, à inativação por um
autoanticorpo IgG da metaloprotease ADAMSTI3, responsável pela
clivagem do fator vWF; há raríssimos casos de PTT recidivante por
deficiência congênita de ADAMSTI3. A baixa atividade da protease
do vWF não é um fator único na patogênese da PTT; o desencadea-
mento depende também de condições do microambiente endotelial,
sujeito à ação de cito quinas e sensível a atrito circulatório excessivo
em áreas localizadas.
A PTT é quatro vezes mais frequente em mulheres, predominan-
temente jovens. Em 10 a 20% dos casos, correlaciona-se com a gravi-
dez; surge no primeiro semestre, enquanto a HELLP,síndrome seme-
lhante, mas limitada, costuma ocorrer no terceiro trimestre. Quando a
PTT surge em até seis semanas da concepção, costuma reaparecer em
gestações ulteriores. Há pacientes com PTT recidivante, independente
de gestação, algumas pela deficiência congênita da metaloprotease.
O hemo grama é típico (Figura 5.5 [D]), com macrócitos policro-
máticos, reticulocitose (inferior à da AHAI), eritrócitos fragmentados
e trombocitopenia. Esses achados podem faltar nas primeiras 48 horas
do início dos sintomas; em casos suspeitos, o hemo grama, com pla-
quetas e reticulócitos, deve ser repetido diariamente. A DHL é mui-
to elevada. A PTT é uma urgência médica. Todo o hemograma com
anemia e trombocitopenia deve ter microscopia cuidadosa, feita por
técnico experiente, que inclua a pesquisa de eritrócitos fragmentados,
além dos demais achados próprios às hemopatias. No caso de suspeita
clínica, pela presença de sintomas neurológicos e púrpura, mais ainda
se houver febre, o médico deve solicitar hemograma com pesquisa de
eritrócitos fragmentados.
O tratamento, de início imediato, com plasmaferese intensiva,
baixou a mortalidade de >90% para <10%.
Casos esporádicos de SUH só costumam ser vistos em crianças
abaixo de dois anos de idade. A insuficiência renal predomina no
quadro; é grave, mas geralmente reversível; sintomas neurológicos
são fugazes ou ausentes. A doença, inclusive surgindo em pequenos
Anemias hemolíticas 145
surtos epidêmicos, também em crianças maiores e adultos, pode ser
causada por uma toxina Shiga-like produzida pela Escherichia coli, es-
pecialmente a cepa 0157:H7. O contágio faz-se por alimentos conta-
minados e, talvez, de paciente a paciente. A SUH surge alguns dias
após a disenteria; o tratamento com antibióticos não a previne e pode
ser prejudicial.
O hemo grama da SUH é indistinguível do da PTT, mas a trombo-
citopenia é menos severa. A síntese de eritropoetina persiste algumas
semanas apesar da insuficiência renal com elevação da creatinina, daí
a manutenção da reticulocitose.
Síndrome semelhante à PTT (ou a própria) tem sido descrita
em pacientes com aids em estágio avançado; é, também, uma rara
complicação do transplante alogênico de medula óssea. O prognóstico
desses casos é sombrio.
Anemias por agressão oxidante
Certos fármacos oxidantes provocam desnaturação da hemoglo-
bina mesmo em eritrócitos normais. A sulfassalazina e a dapsona pro-
vocam-na nas doses terapêuticas usuais; o piridium e o acetaminofen,
só em doses muito elevadas. Formam-se corpos de Heinz, que são ra-
pidamente removidos pelo baço, deixando os eritrócitos irregularmente
contraídos e mordidos; o aspecto é patognomônico. A hemólise só ex-
cepcionalmente causa anemia com hemoglobina abaixo de 9 g/dL, mas
a policromatocitose costuma ser óbvia, com reticulocitose proporcional
à anemização. A bilirrubina não ultrapassa 3 mg/dL. A suspensão da
droga causa rápida melhora do quadro; a retomada, quando indispen-
sável, pode ser tentada com doses menores e cuidadoso controle do
hemograma.

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