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1 AUTONOMIA E ALIENAÇÃO NO TRABALHO DE PROFESSORES DE EDUCAÇAO INFANTIL Elieze Pereira de Santana1 Fernanda Ferreira Belo Rodrigues2 Introdução A finalidade do trabalho docente, segundo Fernandes (1987), muda de acordo com o tempo e o espaço, isto é, sofre alterações de acordo com a ideologia dominante de cada época e em cada sociedade. Considerando que esse trabalho é realizado em sociedades capitalistas, nestas o trabalho alienante tem se constituindo em uma de suas facetas, levando o homem a não se reconhecer no produto de seu trabalho, sendo que esse produto passa ter uma identidade fora do homem, e ao trocar a sua força de trabalho ou atividade por dinheiro, quanto mais mercadoria o trabalhador produz, mais pobre ele se torna, pois assim ele se afirma como mercadoria que se vende (MARX, 1978, p. 153/154). Com as reformas educacionais ocorridas nos anos 90, nos países da América Latina, a forma de conceber e organizar o trabalho docente tem se ampliado consideravelmente, exigindo cada vez mais capacitação do professor, pois além de exercer a função de mediador do conhecimento, para formar indivíduos críticos e ativos socialmente, agora, com a descentralização da gestão escolar e a proposta de ‘autonomia das escolas’, resultante de novas regulações das políticas educacionais, o professor se torna o ‘agente da mudança’, responsável não só pelas atividades de ensino, como também pelas atividades de organização e gestão da educação escolar. Nesse sentido, O trabalho docente não e definido mais apenas como atividade em sala de aula, ele agora compreendi a gestão da escola no que se refere à dedicação dos professores ao planejamento, à elaboração de projetos, à discussão coletiva do currículo e da avaliação (OLIVEIRA, 2004, p.1132). Essa situação apresenta uma ampliação do trabalho do professor a ser realizado nas escolas e se constituem em desafios tanto à formação do professor quanto a organização pedagógica, política e administrativa de seu trabalho. O professor tem que responder às variadas funções escolares, uma vez que a ele está atribuída uma participação maior no desempenho dos alunos, das escolas e do sistema escolar, situação que expõe as fragilidades de sua formação e de sua profissionalização (OLIVEIRA, 2004). 1 Graduanda do curso de Pedagogia do CAC/UFG - elieze.p@hotmail.com 2 Professora Orientadora curso de Pedagogia - CAC/UFG - ffbelo@hotmail.com 2 Tal contexto de reformas indica a existência do processo de reestruturação do trabalho docente, situação que altera inclusive sua natureza e definição. Nesse sentido, o objetivo desse trabalho consiste analisar a organização do trabalho docente, nos aspectos que se relacionam à relação entre autonomia e alienação no trabalho desempenhado por professores de educação infantil, em dois municípios do sudeste goiano. Utiliza-se como metodologia a abordagem de pesquisa qualitativa, que se pauta em coleta de dados por meio de entrevista, análise documental e pesquisa bibliográfica. Em primeiro momento foi feito um levantamento bibliográfico o trabalho docente, a alienação e autonomia e a materialização desse trabalho na educação. Nesse segundo momento procede-se com o processo de observação, análise documental, para posterior realização de entrevistas com professores de educação infantil em dois municípios do sudeste goiano. Este artigo versará sobre estudos e alguns dos resultados sobre o trabalho de professores de educação infantil e a relação autonomia e alienação. Reformas educacionais e a autonomia das escolas: desafios aos professores A proposta de autonomia advinda com as reformas educacionais apresenta uma nova forma de organização do ensino. Porém, a autonomia das escolas não se efetiva de forma completa, uma vez que ocorre uma centralização das políticas educacionais e de formação de professores, de avaliação e de financiamento da educação que configuram um processo de acompanhamento e controle por parte do governo federal sobre a educação escolar. A esse respeito Oliveira comenta que, Tais reformas traziam novas normas de organização do ensino, que tendiam a padronização de importantes processos, tais como o livro didático, as propostas curriculares centralizadas, as avaliações externas, entre outras. A padronização de tais procedimentos era justificada pela necessidade expansão da escolarização, o que encaminhava a uma massificação do ensino (OLIVEIRA, 2003, p. 27) Em relação às reformas, em primeiro um momento elas ocorreram para atender as demandas do capital, formando trabalhadores com diferentes capacidades com o intuito de garantir mudanças sociais em geral. Nesse contexto, para proporcionar uma melhor organização do trabalho é dado uma maior valorização ao conhecimento pedagógico, pois O conhecimento pedagógico visa proporcionar sistemas mais eficientes de supervisão moral e de organização moral e de organização do trabalho. Daí a profunda crença na educação como garantia de coesão social ou ate mesmo como passaporte para o futuro (OLIVEIRA, 2003, p. 21). 3 Considerando essa perspectiva dada ao conhecimento pedagógico e à educação na sociedade como resultado do processo de reformas educacionais. Oliveira (2004) considera que essas reformas ocorreram no âmbito da organização escolar para se adequar às exigências de uma educação voltada para a acessão social e para a profissionalização com intuito a atender a demanda do capital. Nesse aspecto, a educação está a favor do capitalismo na medida em que forma os indivíduos para atender a demanda de trabalho. Neste período de democratização do ensino, de educação para todos, acontece também a intensificação da descentralização da educação. O Estado repassou a responsabilidade de financiamento e gestão da educação infantil para os Municípios, dando aos mesmos, mais autonomia nas tomadas de decisões. Além dessa descentralização da educação em direção aos municípios, a reforma educacional apresenta alterações na gestão e controle de ensino, a partir da proposta de gestão democrática. Assim, com a consolidação do Brasil como uma sociedade tida como democrática e o fortalecimento da noção de cidadania e emancipação social, a descentralização da educação pressupõe que o docente também possa fazer parte da proposta de gerir e a organizar a escola. Essa proposta é uma das reivindicações históricas dos professores. Barreto e Leher (2003) afirmam que, em relação às reformas neoliberais ocorridas na década de 90, que previa um mundo novo e admirável que nascia com a globalização (ditadura de um pensamento único), passa a ser necessário reformar a educação de “alto a baixo”, sendo que a educação, a formação e o trabalho docente sofrem uma reconfiguração devido a implementação da tecnologia nas instituições e nos processos pedagógicos, assim como no processo de ensino/aprendizagem, flexibilizando a educação e tornando-a mais competitiva em um mundo globalizado. Essa flexibilização por outro lado contribui para diminuir os direitos trabalhistas, dando lugar também à maior participação das empresas privadas. Os serviços públicos são tercerizados para diminuir a folha de pagamento. Nesse reordenamento, a educação se tornou uma mercadoria, alvo de um mercado privado de competitividade, os estudantes passam a ser vistos como consumidores, ou seja, clientes e, a educação torna-se um produto a ser consumido. Considerando essas transformações, cabe refletir sobre a profissão do professor. Tem ocorrido a perda de prestígio, de poder aquisitivo, de condições de vida e de trabalho, gerando situações instáveis que se manifesta em sua satisfação ao exercer o seu trabalho. Tem trabalhador da educação que procura exercer suas atividadescomo uma “missão”, mesmo que sua “vocação” tenha desaparecido (FERNANDES, 1987) e seus recursos sejam precários para buscar uma formação continuada, que vá suprir as necessidades da escola, da comunidade e de sua formação pessoal. Diante de tais fatos, constata-se também que as escolas públicas estão situadas em um contexto de abandono político, revelado pela situação de precarização em que se encontra. Todos 4 esses elementos citados contribuem para promover a alienação do trabalho docente? Como se revela a conscientização do profissional da educação rumo à sua autonomia? Os principais fatores que levam a precarização do trabalho do professor pode-se dizer que estão relacionados à carga horária excessiva de trabalho, sendo que o professor se desdobra em dois, ou mais empregos para garantir uma vida financeira razoável. Geralmente as salas de aula apresentam número excessivo de alunos o que não facilita a realização de um trabalho adequado ao ensino/aprendizagem com qualidade e prejudica a realização de outras atividades docentes, levando-os a perderem o controle sobre seu trabalho. Por outro lado, o rebaixamento salarial do docente no Brasil, é considerado um dos sete piores do mundo, e são salários não condizentes com as horas de dedicação e trabalho. Alienação e autonomia no trabalho docente O Trabalho é uma unidade que envolve segundo condições objetivas e condições efetivas de trabalho, organização e remuneração. A direção cultural brasileira na sociedade subordinada limita o trabalho do professor à de um proletário, o que não condiz com a maneira do exercício que sua profissão pressupõe. De acordo com Fernandes (1987) o docente não trabalha com as mãos e sim com o intelecto, planejando suas ações, agindo conscientemente e mantendo uma autonomia perante seu processo de trabalho. Nesse aspecto, Fernandes (1987), afirma que a finalidade do trabalho docente na escola tradicional se pautava em simples mediação das relações culturais e sociais em uma sociedade elitista, de dominação política e cultural. No entanto, com o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova e com a modernização da educação foi proposto uma nova forma para o docente trabalhar, a partir do abandono de um ensino literário, altamente livresco e religioso, passando para a adoção de um ensino científico, atentando-se para a cultura do aluno, permitindo que o indivíduo seja visto como produtor e criador de conhecimento. No entanto, mesmo considerando o processo de modernização e de desenvolvimento da educação, as representações da sociedade sobre o trabalho docente ainda apresentam formas conservadoras, no aspecto de limitar-se à esfera de sua atuação à sala de aula. Fernandes (1987) afirma que é necessário ao professor se posicionar como educador e cidadão ao mesmo tempo. Essa posição, que permite fundir os dois papéis, o educador e o cidadão, possibilita a ruptura da dominação cultural existente sobre a figura do professor, sendo possível a este construir sua autonomia. Assim, acreditamos que, 5 O professor não pode estar alheio a esta dimensão. Se ele quer mudança, tem que realizá-la nos dois níveis – dentro da escola e fora dela. Tem que fundir seu papel de educador ao seu papel de cidadão – e se for levado, por situação de interesses e por valores, a ser um conservador, um reformista ou revolucionário, ele sempre estará fundido os dois papeis (FERNANDES, 1987, p. 23). Desse modo, o professor se vê diante de uma nova proposta de organização de seu trabalho e de sua atuação, pois ele não é só mediador do conhecimento em sala de aula, mas também é parte da equipe gestora que organiza os trabalhos na escola, sendo assim, O trabalho docente não é definido mais apenas como atividade em sala de aula, ele agora compreende a gestão da escola, no que se refere a dedicação dos professores ao planejamento, a elaboração de projetos ao planejamento, a elaboração de projetos, a discussão coletiva do currículo e da avaliação (OLIVEIRA, 2004, p. 1132). Com a ampliação da demanda de trabalho e flexibilização das ações que o professor se vê incitado a enfrentar, a relação entre concepção e execução de seu trabalho sofre alterações, muitas diferentes situações de trabalho e de estresse levam os professores a executarem somente parte do seu trabalho, a não se identificarem nas ações que realizam. Essa proposta de flexibilização nos moldes propostos é um sintoma da precarização do trabalho docente, pois à medida que prevê mais autonomia e flexibilização do trabalho, os professores têm precisam lidar com a desvalorização do ensino/aprendizagem, perda do seu sentido amplo por parte da sociedade, sendo que o professor acaba por vezes se colocando como “tarefeiro expropriado de seu trabalho, na sua dimensão de prática” (BARRETO e LEHER, 2003). Frente às reformas, por um lado verifica-se que ao se reduzir o trabalho de professores à situações restritas como essas, ocorre a delimitação de suas necessidades, que acabam reduzidas na mais miserável “manutenção da sua vida física”, e seu trabalho é reduzido em uma atividade mecânica, gerando uma contradição pois os professores trabalham com as formas de conhecimento, isto é, seu trabalho configura-se como um trabalho intelectual. Com a execução de suas atividades de forma mecânica, amplia-se a possibilidade de alienação de seu trabalho, pois o que é retirado de seu trabalho em “vida e humanidade” lhe é devolvida em forma de dinheiro/salário (MARX, 1987). Mesmo diante dessas contradições constatadas, as propostas educacionais que prevê a educação para igualdade social e para a diminuição da pobreza, levam o professor a lidar com a micro e a macro estrutura da escola e da educação, na efetivação de seu trabalho, mas lhe tira as condições materiais para a realização de tais ações; na micro-estrutura este tem que lidar com a relação professor-aluno, com o financiamento, com as técnicas de ensino, trabalhar com o voluntarismo e comunitarismo, entre outros; na macro-estrutura em relação ao regime capitalista que vivemos, o professor tem que considerar as transformações mundiais, relações políticas nacionais, estaduais e locais na estruração de seu trabalho. 6 O exercício da docência passa a ser visto como profissão rompendo com a relação de vocação e sacerdócio, tornando-se autônomos no seu processo de trabalho. Assim, profissionalização não é sinônimo de qualificação ou formação, mas “expressão de uma posição social e ocupacional” mediante “relações sociais de produção e de processo de trabalho” (OLIVEIRA, 2003). Portanto, segundo Enguita (2004), o professor deve ter conhecimento e ser uma pessoa admirável: “Qual o seu modo predominante de vida fora das salas de aula, de que meio cultural procedem, que concepções de mundo acalentam”. Nesse processo, ao professor compete, entre tantas funções que passa assumir, transformar os saberes aprendidos em saberes ensináveis no exercício de sua profissão. É possível notar que o professor perdeu grade parte de suas atribuições, como a perda de referências do conteúdo de trabalho e de suas ferramentas teóricas. Agora o educador assumiu o papel de provocador de estudos, debates, projetos escolares. O grande desafio ao trabalho do professor ainda está por se resolver, pois o seu papel político na sua condição profissional que atua no sentido da mudança, de novos rumos pra o processo civilizatório. Considerações finais: a educação infantil, o trabalho do professor e as relações entre autonomia e alienação Construir um projeto pedagógico que contemple as diversidades regionais, locais e culturais é um dos desafios para a organização da educação infantil. A partir de 1994, busca para a organização da educação infantil em nível nacional consiste na superação da dicotomia entreeducação e assistência às crianças (FARIA, 2005). O Referencial Curricular Nacional de Educação Infantil (RCNEI) apresenta em suas concepções uma maneira de educar e cuidar com afetividade e para a autonomia, com o intuito de melhoria de qualidade e equalização dos atendimentos à infância. Nas duas instituições de educação infantil onde se realiza essa pesquisa, é possível identificar que as turmas são compostas por número expressivo de crianças, contando com atendimento de poucos professores, situação que não favorece a realização de um trabalho pedagógico autônomo, onde a perspectiva do cuidar e educar para autonomia das crianças de efetive. Existe unidade de educação infantil com estruturas mal planejadas como salas pequenas, quentes e desconfortáveis, a exemplo de cantinas e refeitórios. Nota-se a presença de profissionais de várias áreas de formação em licenciaturas, como letras e educação física, de modo que o pedagogo ainda não conquistou efetivamente esse espaço de trabalho. Tem caso de professor que afirmou que atua na educação infantil devido à implicações 7 políticas/partidárias, que promove transferências dos desafetos para a educação infantil (educação infantil como local de punição dos desafetos políticos municipais?). Alguns professores, em conversas informais, têm expressando uma insatisfação com seu trabalho na educação infantil, pois afirmam ter dificuldade em concluir o seu trabalho ao longo de um ano. Esses foram alguns dos elementos que resultam de algumas das observações realizadas nessa pesquisa, que encontra-se em andamento. Uma das maiores preocupações consiste em manter um olhar crítico para não responsabilizar exclusivamente os professores, mães e as crianças pelos problemas encontrados na forma de organizar o trabalho na educação infantil. Nesse aspecto, um dos pontos a ser enfatizado diz respeito necessidade de se garantir as condições de estrutura física das instituições, estas precisam se constituir em espaços adequados ao desenvolvimento da criança e também possibilitar a realização do trabalho pedagógico do professor de maneira qualitativa. REFERÊNCIAS BARRETO, Raquel Goulart e Leher, Roberto. Trabalho docente e as Reformas neoliberais. IN: Tecnologia e Educação, trabalho e formação docente. SP. Cortez, 2003. BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil / Ministério da Educação, Secretária de Educação Fundamental – Brasília: MEC/ SEF, 1998. ENGUITA, Mariano Fernandez, (2004). As transformações da profissão educar em tempos incertos. São Paulo: Cortes 2004. FARIA, Ana Lucia Goulart de. O espaço físico como um dos elementos fundamentais para uma pedagogia da educação infantil. IN: FARIA, Ana Lucia Goulart de, e PALHARES, Marina Silveira (Org). Educação Infantil pós-LDB rumos e desafios. 5ª Ed. Campinas – SP: Autores Associados, 2005. (Coleções polêmicas do nosso tempo 62). FERNANDES, Florestan. A formação política e o trabalho do professor. IN: CATANI, Denice Bárbara, MIRANDA, Hercília Tavares de, [et ali] (Orgs). Universidade, escola e formação de professores. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987. MARX, Karl. Manuscritos econômicos filosóficos terceiros manuscrito: seleção de textos. 2ª Ed. São Paulo, Abril Cultural, 1978 (coleção os pensadores). OLIVEIRA, Dalila de Andrade. A Reestruturação do trabalho docente: Precarização e Flexibilização. Cadernos Cedes. Campinas: Cortez, 2004. ______. As reformas educacionais e suas repercussões sobre o trabalho docente, Belo Horizonte: Autêntica, 2003. VIEIRA, Juçara Dutra. Identidade expropriada: retrato do educador brasileiro. Brasília: CNTE, 2003.
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