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Artigo Científico decorrente do resumo apresentado no II Congresso de Direito UNISUL (2017) Como citar: MÖLLER, Guilherme Christen. A nulidade do Enunciado n.º 165 do FONAJE (Fórum Nacional de Juizados Especiais) a partir da Teoria Geral do Direito e sua ineficiência prática. In: II Congresso de Direito UNISUL, Florianópolis. Anais do II Congresso de Direito UNISUL. Florianópolis: UNISUL, 2017. **Qualquer reprodução (integral ou parcial) deste artigo que não esteja em conformidade com o art. 46, inc. I, da Lei n.º 9.610/1998, bem como sem a anuência do autor, estará sujeita às sanções civis e penais aplicáveis. Pág. 1 A NULIDADE DO ENUNCIADO N.º 165 DO FONAJE (FÓRUM NACIONAL DE JUIZADOS ESPECIAIS) A PARTIR DA TEORIA GERAL DO DIREITO E SUA INEFICIÊNCIA PRÁTICA THE NULLITY OF THE STATEMENT N.º 165 OF FONAJE (FÓRUM NACIONAL DE JUIZADOS ESPEICIAS) FROM THE GENERAL THEORY OF LAW AND ITS PRACTICAL INEFFICIENCY Guilherme Christen Möller Resumo: Com o objetivo investigar a nulidade existente no Enunciado n.º 165 do FONAJE, bem como sua ineficiência prática, por meio de um estudo misto (utilização de método dedutivo e indutivo), abordar-se-á neste artigo os principais pontos acerca da temática, para tanto, iniciando-se tecendo considerações sobre o Enunciado n.º 165 do FONAJE a partir da Lei n.º 9.099/95 e do Código de Processo Civil de 2015, seguindo-se para a análise de um dos objetos deste estudo, a nulidade do Enunciado n.º 165 do FONAJE a partir da Teoria Geral do Direito, e, ao fim, fechando esta digressão com a observação acerca da ineficácia da celeridade processual na utilização de prazos corridos, fundamento do enunciado objeto deste estudo a partir de dados práticos. Nessa perspectiva, conclui-se que, com base na Teoria Geral do Direito, o Enunciado n.º 165 do FONAJE é nulo, além de ser ineficiente na prática, devendo-se o mesmo ser cancelado o quanto antes a fim de que não mais induza em erro os atuantes do Direito com a sua utilização. Graduando em Direito pela Universidade Regional de Blumenau (FURB), Blumenau, Santa Catarina, Brasil. Autor de livros e de artigos científicos relacionados ao Direito Processual Civil, Teoria Geral do Processo e Direito Constitucional. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/0168074867678392. E-mail: contato.guilhermemoller@gmail.com. Membro da Associação Brasileira de Direito Processual Constitucional (ABDPC). Pág. 2 Palavras-chave: Código de Processo Civil de 2015; Juizado Especial; FONAJE, Enunciado n.º 165 do FONAJE; Prazo. Abstract: In order to investigate the nullity existing in Statement n.º. 165 of FONAJE, as well as its practical inefficiency, by means of a mixed study (use of deductive and inductive method), this article will address the main points on the subject, therefore, starting by making considerations about the Statement n.º 165 of FONAJE from the Law n.º 9.099/95 and the Code of Civil Procedure 2015, followed by the analysis of one of the objects of this study, the nullity in Statement n.º 165 of FONAJE from the General Theory of Law, and, at the end, closing this digression with the observation about the inefficiency of procedural celerity in the use of continuous terms, basis of the statement object of this study from practical data. From this perspective, we conclude that, based on the General Theory of Law, the Statement n.º 165 of FONAJE is nil, in addition to being inefficient in practice, and should be canceled as soon as possible so as not to mislead law-abiding persons with their use. Keywords: Code of Civil Procedure 2015; Small clains courts; FONAJE; Statement n.º 165 of FONAJE; Term. 1. INTRODUÇÃO Em março do ano de 2015 aprova-se a Lei Ordinária n.º 13.105/2015, o Código de Processo Civil de 2015. Essa codificação é marcada por romper com muitas das técnicas instrumentais que vinham sendo utilizadas no período em que vigorou o Código Buzaid (Código de Processo Civil de 1973, Lei n.º 5.869/73). Dentre tantas modificações e novidades, encontra-se a disposição relativa ao computo dos prazos dos atos/fatos processuais, os quais passam a ser contados em dias úteis, suspendendo-se a contagem nos finais de semana, feriados e recesso forense (art. 219 do CPC). Essa regra, no entanto, aplica-se em todos os procedimentos, seja comum ou especial, enquanto não houver disposição, especial, que o contrarie, isso inclusive nos procedimentos especiais previstos em leis esparsas, ocasião em que se aplica a disposição especial, afinal, a disposição especial sobrepõe à disposição geral, seguindo-se o critério da especialidade. Pág. 3 Nesse cenário, surge o Fórum Nacional de Juizados Especiais e elabora um enunciado, qual seja Enunciado n.º 165 do FONAJE, com base no princípio da celeridade processual (art. 2º da Lei dos Juizados Especiais), sustentando que nos processos que tramitarem pelo procedimento do juizado especial, serão os prazos computados de forma continua, ou seja, similar ao Código de Processo Civil de 1973. A posição adotada pelo FONAJE estaria correta se a Lei n.º 9.099/95 apresentasse norma-regra que assim dispunha, o que em momento algum é possível observar no corpo dessa lei. Desse modo, a fim de zelar por uma “falsa” celeridade processual, utiliza-se um enunciado para sobrepor uma disposição de lei ordinária, rejeitando-se a hierarquia de normas e induzindo as Unidades Jurisdicionais, que detenham competência da Lei dos Juizados Especiais, a seguir a contagem dos prazos processuais de forma continua. Ver-se-á neste estudo que não bastasse uma violação à Teoria Geral do Direito, o Enunciado n.º 165 do FONAJE nada mais representa do que uma “falsa”, como já pontuado, celeridade processual, afinal, pelos dados colhidos e que aqui serão apresentados, não há prejuízo a celeridade processual tutelada na utilização de prazos em dias úteis em vez de prazos corridos. 2. PARA ENTENDER O ENUNCIADO N.º 165 DO FONAJE: BREVÍSSIMA ANÁLISE DA LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS E DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015 O presente capítulo tem por mera finalidade apresentar solidas bases para entender o problema que será investigado no presente estudo, de modo que se abordará, incialmente, a Lei dos Juizados Especiais (Lei n.º 9.099/95) – com enfoque na parte cível da lei –, passando-se para a análise do Código de Processo Civil – nesse momento focando-se exclusivamente na nova disposição acerca da forma de contagem de prazo processuais –, e, ao fim deste introito, analisando o Enunciado n.º 165 do FONAJE com base na Lei n.º 9.099/95 e no Código de Processo Civil de 2015. Pág. 4 A Lei dos Juizados Especiais (Lei n.º 9.099/951) surge como sucedâneo da revogada Lei dos Juizados Especiais de Pequenas Causas (Lei n.º 7.244/842), inclusive, essa conclusão é acessível na proporção em que se observar a revogação operada pela primeira lei sobre a segunda, isso na perspectiva da disposição do art. 97, in fine, da Lei n.º 9.099/953. Inspirada, no início da década de oitenta do século passado, na iniciativa individual de juízes de direito, guiados pela small clains courts do sistema jurídico norte-americano4, formando os denominados “conselhos de conciliação e arbitramento”, é caracterizado por ser uma técnica processual diferenciada, na proporção em que é vista como um procedimento especial, considerado que sua natureza especial decorre do fator que é oriundo de uma lei especial, o contrário do que ocorre no Código de Processo Civil, afinal, o último, mesmo que uma lei de mesma hierarquia – lei ordinária – (art. 59 da ConstituiçãoFederal5), trata-se de uma lei geral, responsável por regular o campo das relações processuais civis brasileiras.6 Numa perspectiva instrumental, sua diferenciação em relação ao Código de Processo Civil está no fato de que se respalda em critérios como oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, com o objetivo primordial – e sempre que assim for possível – a obtenção de um resultado processual por vias de autocomposição (art. 2º da Lei n.º 9.099/95)7. Em razão da técnica processual diferenciada, o procedimento previsto na Lei n.º 9.099/1995, interpretado conjuntamente com as disposição especificas da Lei n.º 10.259/2001 e da Lei n.º 12.153/2009, tem natureza especial. O direito posto em causa não assume qualquer relevo nessa definição. O procedimento nos juizados especiais caracteriza-se pela oralidade em grau 1 BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. Acesso em: 1 out. 2017. 2 BRASIL. Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. Juizado Especial de Pequenas Causas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1980-1988/L7244.htm>. Acesso em: 1 out. 2017. 3 Art. 97. Ficam revogadas a Lei nº 4.611, de 2 de abril de 1965 e a Lei nº 7.244, de 7 de novembro de 1984. BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. Acesso em: 1 out. 2017. 4 VIDAL, Jane Maria Köhler. Origem do Juizado Especial de Pequenas Causas e seu estágio atual. In: Revista dos Juizados de Pequenas Causas. N. 1. Abr/1991. DECOMAIN, Pedro Roberto. Juizados especiais da fazenda pública (Lei n.º 12.153/09). In: Revista Dialética de Direito Processual (RDDP). N. 84. Mar/2010. 5 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 1 out. 2017. 6 ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro. 2ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, v. I. 7 BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. Acesso em: 1 out. 2017. Pág. 5 máximo [...] – ou procedimento por audiências – e pela influência dos princípios diretores – simplicidade, informalidade, economia e celeridade objetivando, “sempre que possível a conciliação ou a transação” (art. 2.º da Lei n.º 9.099/1995. 8 Diferentemente do Código de Processo Civil de 2015 (Lei n.º 13.105/2015), em que se consagra como norma fundamental do processo (art. 4º do CPC) a garantia fundamental constitucional (art. 5º, inc. LXXVIII, da CF) de razoável duração do processo, a Lei dos Juizados Especiais impõe que a relação processual que esteja sob guarda desse procedimento especial deva ser célere (art. 2º da Lei n.º 9.099/95), de modo a entender a necessidade do processo que tramita por esse rito ter de tramitar e ser julgado o mais rápido possível. O direito de acessar a ordem jurídica justa exige uma prestação qualificada que, dentre outros atributos, há de ser concedida em um prazo razoável. Este o teor do art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional 45 de 2004: a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. O dispositivo constitucional em comento explicita o direito fundamental a um processo com duração razoável, nos âmbitos judicial e administrativo, bem como os meios que garantam esta sua qualidade, de sorte a integrar o rol dos direitos fundamentais previstos em nossa Carca Constitucional. Considerando a inegável morosidade na tramitação dos processos no Brasil, o legislador constitucional positivou a duração razoável do processo, mas sem definir qual seria o tempo de tramitação para que se verificasse o comando constitucional – e, por certo, não poderia ser de outra forma Tem-se, portanto, um conceito indeterminado que compete à doutrina tentar encontrar a maneira de (i) aferi-lo e (ii) efetivá- lo, caso a caso, sem que se possa, a priori, fixar um número como sendo aquele o “prazo razoável”. Portanto, ainda que se considerem os critérios acima mencionados e as peculiaridades de cada causa, não é possível, de antemão, afirmar qual seria o prazo razoável de duração de determinado processo. Impõe-se, pois, nos dias atuais, a atualização e revisitação do próprio princípio do acesso à justiça, princípio este que hoje já não mais se exaure na possibilidade do exercício do direito de ação, mas abarca também, e principalmente, o direito conferido ao jurisdicionado à obtenção de uma tutela adequada à natureza do direito material controvertido e que venha a conferir ao jurisdicionado, num prazo razoável e observado o devido processo legal, exatamente aquilo a que tem direito de obter. 9 Na mesma proporção em que se encontra indeterminabilidade para definir o lapso temporal que corresponderia à razoável duração do processo, encontra-se indeterminabilidade para definir o lapso temporal correspondente à celeridade 8 ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro. 2ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, v. I, p. 114. 9 CARACIOLA, Andrea Boari. Duração razoável do processo. In: Teoria Geral do Processo contemporâneo. 1ª. ed. ASSIS, Carlos Augusto de; CARACIOLA, Andrea Boari; DELLORE, Luiz; FERNANDES, Luís Eduardo Simardi; SOUZA, André Pagani, p. 80-82. Pág. 6 processual. Pensa-se, no entanto, que o lapso temporal dessa celeridade deva ser – no mínimo – infimamente considerável em relação ao lapso da duração razoável. Não bastasse divergências existentes entre essas leis, há, porém, determinadas ocasiões em que ocorrerão omissões no procedimento da Lei dos Juizados Especiais. Frente à essa omissão legislativa, socorre-se ao Código de Processo Civil para fins de suprir a vista lacuna (art. 1.046, § 2º, do CPC). Numa perspectiva comparativa entre disposições existentes em cada uma dessas leis, vislumbra-se a situação aqui exposta na questão da contagem dos prazos dos atos/fatos do processo. É, prazo, “a distância de tempo que medeia entre dois atos ou fatos”10 do processo, com a finalidade de fixar quantidade razoável de tempo para a realização desses atos do processo. Sua existência é necessária para que o processo não seja eterno, afinal, deve iniciar (dies a quo) e finalizar (dies ad quem).11 Na legislação processual civil anterior, os prazos eram regulados a partir do art. 177 e obedeciam ao princípio da continuidade (art. 178 do CPC/73)12, ou seja, vez que iniciada a contagem do prazo correspondente ao ato/fato processual, não seria ela suspensa ou interrompida sem relevante motivo13. Essa metodologia não se manteve no Código de Processo Civil de 2015, afinal, a proposta para essa “nova” codificação seria a de tratar a “contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz” computando-se “somente os dias úteis” (art. 219 do CPC)14, representando, desse modo, duas consideráveis modificações: 1) Computo em dias úteis; 2) Suspensão dos prazos em feriados, finais de semanas e recesso forense.15 No Código de Processo Civil de 2015, as disposições relativas aos 10 GONÇALVES, Marcus Vinicíus Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 12ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 302. 11 GONÇALVES, Marcus Vinicíus Rios. Novo Curso de Direito Processual Civil. 12ª. ed. SãoPaulo: Saraiva, 2015, p. 302. 12 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm. Acesso em: 1 out. 2017. 13 NERY, Rosa Maria de Andrade; NERY JÚNIOR, Nelson. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 13ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 537. 14 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 1 out. 2017. Art. 219. 15 MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. O projeto do CPC: crítica e propostas. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p. 94. Pág. 7 prazos processuais foram regulados na seção I, capítulo III, do título I, do livro IV, a partir do seu art. 218.16 Diferentemente do CPC/1973, que estabelece a continuidade dos prazos processuais sem levam em consideração a sua interrupção em razão de feriados (art. 178 do CPC/1973), a nova lei processual é expressa ao estabelecer que na contagem dos prazos legais ou judiciais computar-se-ão somente os dias úteis (art. 219). 17 Tal modificação não deve ser vista como algo irrisório, afinal, trata-se de algo significativamente democrático, na medida em que se atendeu as reivindicações da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), empregando o respeito pelo papel do advogado na proporção de lhe garantir descanso nos finais de semana, feriados e recesso forense, o que não acontecia outrora, pois havia a necessidade de tal profissional ficar à disposição de um eventual prazo.18 Sendo advogado militante no contencioso cível, não tenho como deixar de saudar efusivamente a novidade legislativa. Nem é preciso muita experiência forense para compreender que, com prazos em trâmite durante o final de semana, o advogado simplesmente não tem descanso. Basta imaginar o termo inicial de contestação numa ação cautelar numa quarta-feira como feriado na quinta e na sexta.19 Além disso, na seara dos prazos processuais, buscou-se a tentativa da uniformização, determinando um prazo padrão em dia, por conta da forma de sua contagem, para regular os atos/fatos processuais.20 Ocorre que a regra do art. 1.003, § 5º21 (unificação de prazos), do CPC, não se aplica a todos os prazos legais, tampouco faz alguma referência a eventual prazo 16 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm. Acesso em: 1 out. 2017. Art. 219. 17 DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. 19ª. ed. São Paulo: Atlas, 2016, p. 435. 18 FERREIRA, Antonio Oneildo. A Advocacia sob uma perspectiva temporal. In: O Novo CPC: As conquistas da Advocacia. COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado; FERREIRA, Antonio Oneildo; LAMACHIA, Claudio Pacheco Prates; SOUZA NETO, Cláudio Pereira; RIBEIRO, Cláudio Stábile. (coord). Brasília: OAB, Conselho Federal, 2015, p. 97. 19 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil comentado. 1ª. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 348. 20 FERREIRA, Antonio Oneildo. A Advocacia sob uma perspectiva temporal. In: O Novo CPC: As conquistas da Advocacia. COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado; FERREIRA, Antonio Oneildo; LAMACHIA, Claudio Pacheco Prates; SOUZA NETO, Cláudio Pereira; RIBEIRO, Cláudio Stábile. (coord). Brasília: OAB, Conselho Federal, 2015, p. 93-94. 21 Art. 1.003, § 5º, do CPC: “Art. 1.003 [...] § 5º Excetuados os embargos de declaração, o prazo para interpor os recursos e para responder-lhes é de 15 (quinze) dias. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 1 out. 2017. Art. 219. Pág. 8 decorrente da fixação pelo juiz (prazo judicial) ou convencional, mesmo que seguindo a linha do CPC de 1973 e se aplicando aos três casos.22 Em outras palavras, a proposta marcante – quiçá principal – acerca da forma de contagem de prazos a partir da vigência do CPC de 2015, em 18 de março de 2016, foi a de considerar apenas os dias que forem úteis daquele prazo, excluindo-se os finais de semana, feriados e recesso forense. Assim, tecido essas considerações acerca da Lei n.º 9.099/95 e da Lei n.º 13.105/15, a inexistência de norma regulamentadora sobre a contagem de prazos na Lei dos Juizados Especiais, faz recorrer-se à lei geral (art. 1.046, § 2º, do CPC)23, no caso o Código de Processo Civil de 2015, ocasionando-se na aplicação da contagem nos estritos moldes do art. 219 desse diploma ao procedimento especial da Lei n.º 9.099/95. Dentre tantos pontos controvertidos, alguns deles ocupam posição central no debate. O tema aqui tratado é precisamente um deles: a nova sistemática de contagem de prazos processuais instituída pelo art. 219 do CPC/2015 e sua (in)aplicabilidade ao Sistema dos Juizados Especiais. A simples leitura das leis que disciplinam o Sistema dos Juizados Especiais (Lei nº 9.099/1995; Lei nº 10.259/2001; e Lei nº 12.153/2009) conduz a uma única e irrefutável conclusão: nenhuma delas traz qualquer dispositivo sobre a contagem dos prazos processuais. Pode até haver outras controvérsias, mas tal questão é incontestável.24 Contudo, insurge, nesse, até então, “pacífico campo”, o Fórum Nacional de Juizados Especiais (FONAJE), manifestando-se, por intermédio de um enunciado, que inobstante a inexistência de regulamentação acerca da contagem de prazos na Lei dos Juizados Especiais (Lei n.º 9.099/95), a disposição contida no Código de Processo Civil deva ser deixada à limiar por conta da celeridade (art. 2º) que rege essa lei especial, ocasionando a utilização da contagem de forma continua, similarmente ao Código de Processo Civil de 1973, conforme dispõe o Enunciado n.º 165 do FONAJE: “Nos Juizados Especiais Cíveis, todos os prazos serão contados de 22 ALVIM, Arruda; ALVIM, Eduardo Arruda; ASSIS, Araken de. Comentários ao Código de Processo Civil. 3ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, p. 390. 23 “Permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente este Código”. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015- 2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 1 out. 2017. 24 DIAS, Alisson de Souza. Os Juizados Especiais e o novo CPC: A questão da contagem dos prazos. In: Portal Jurisprudência. Disponível em: <http://portaljurisprudencia.com.br/2016/08/07/os-juizados- especiais-e-o-novo-cpc-questao-da-contagem-dos-prazos/>. Acesso em: 2 out. 2017. Pág. 9 forma contínua (XXXIX Encontro - Maceió-AL)”25, afinal, a utilização da contagem dos prazos em dias úteis seria prejudicial à celeridade processual tutelada por essa lei especial. Ref.: Artigo 219 do Código de Processo Civil de 2015, que trata da contagem de prazos processuais em dias úteis. Os Magistrados integrantes da Diretoria e Comissões do FONAJE – Fórum Nacional de Juizados Especiais, reunidos ordinariamente, nas dependências do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, na cidade de Florianópolis, em data de 04 de março de 2016, convictos de que as disposições do artigo 219 do Novo CPC, relativas à contagem de prazos processuais, não se aplicam ao Sistema de Juizados Especiais, deliberaram por elaborar e divulgar a presente Nota Técnica, já como indicativo de proposta de enunciado específico a ser apreciada por ocasião do XXXIX Encontro do FONAJE, a ter lugar em Maceió-AL, de 08 a 10 de junho de 2016,dada a flagrante incompatibilidade com os critérios informadores da Lei 9.099/1995.26 Na linha da nota “técnica”, foi o entendimento do XXXIX Encontro do FONAJE, realizado em Maceió, Estado do Alagoas, nos dias 8 a 10 de junho do ano de 2016, resultando no enunciado protagonista deste trabalho, o Enunciado n.º 165 do FONAJE. Os magistrados dos Juizados Especiais do Brasil, reunidos no XXXIX Encontro do Fórum Nacional de Juizados Especiais – FONAJE, nos dias 8, 9 e 10 de junho de 2016, em Maceió, capital do Estado de Alagoas, sob o tema ‘A Autonomia dos Juizados Especiais’, vêm a público para: 1. Reafirmar a necessidade de preservação da autonomia e da independência do Sistema de Juizados Especiais em relação a institutos e a procedimentos incompatíveis com os critérios informadores definidos no art. 2º da Lei 9.099/95, notadamente os previstos no Novo Código de Processo Civil; e ressaltar que, por suas peculiaridades, os Juizados Especiais, órgãos constitucionais (art. 98, inc. I, da CF/88), são vocacionados a contribuir positiva e decisivamente para a redução dos índices de congestionamento processual da Justiça Brasileira; [...].27 Em outras palavras, descartou-se o Código de Processo Civil – quiçá a própria Teoria Geral do Direito, conforme será visto a frente – e criou-se um enunciado para sobrepor essa lei ordinária – frisa-se: enunciado sobrepondo disposição de lei ordinária –, pautando-se meramente em princípios, e não numa norma-regra prevista na Lei dos Juizados Especiais, o que implicando, fatidicamente, na aplicação desse enunciado nas varas competentes pelos Juizados Especiais Cíveis do Brasil, isso sem contar a ambiguidade que daí emanou, com Unidades Jurisdicionais aplicando o 25 BRASIL. FONAJE, Fórum Nacional de Juizados Especiais. Enunciados. Disponível em: <http://www.amb.com.br/fonaje/?p=32>. Acesso em: 2 out. 2017. 26 BRASIL. FONAJE, Fórum Nacional de Juizados Especiais. Nota técnica n.º 01/2016. Disponível em: <https://drive.google.com/file/d/0B0ZgIqiDzc7yeXNMakdwMGRpQkk/view>. Acesso em: 2 out. 2017. 27 BRASIL. FONAJE, Fórum Nacional de Juizados Especiais. Carta de Maceió – XXXIX FONAJE. Disponível em: <http://www.amb.com.br/fonaje/?p=634>. Acesso em: 2 out. 2017. Pág. 10 enunciado em questão, bem como outras tanto seguindo a disposição do Código de Processo Civil28. 3. A CONCLUSÃO DA LEITURA DO ENUNCIADO N.º 165 DO FONAJE A PARTIR DA TEORIA GERAL DO DIREITO: NULIDADE! (UM EXEMPLO DA NECESSIDADE DA LEITURA INTERDISCIPLINAR DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL) O sistema jurídico brasileiro adota uma hierarquização de normas, na proporção em que existe um sistema e, para a composição desse sistema, existem diversas camadas que o sustentarão, cada uma representando um nível normativo nessa hierarquia.29 Nessa perspectiva, há, no topo desse sistema, a Constituição Federal, norma suprema do sistema, seguindo-se para baixo, encontram-se, respectivamente, as Leis Complementares, Leis Ordinárias, Medidas Provisórias e leis delegadas, e, ao fim dessa cadeia – do qual se prefere a denominação de sistema normativo – estão as Resoluções, Portarias e Enunciados, compondo a base do sistema. Essa é a denominada “pirâmide Kelseniana”30. Ironicamente, uma “norma” – se é que a atribuição, à um enunciado, do termo “norma” estaria correto – de última camada, v.g., um Enunciado, v.g., oriundo do Fórum Nacional de Juizados Especiais, não poderia ir em sentido contrário à uma disposição contida em camadas superiores desse sistema, como por exemplo, um Enunciado contrariando disposição contida em uma determinada – v.g., Código de Processo Civil (Lei n.º 13.105/2015) – Lei Ordinária. A hierarquização dessas normas 28 Até o advento da I Jornada de Direito Processual Civil, criou-se um turbulento cenário no tema aqui proposto – quiçá contraditório –, haja vista que, enquanto, de um lado, o Enunciado n.º 165 do FONAJE sustenta que os prazos nos Juizados Especiais devam ser contados de forma contínua, o Enunciado n.º 45 da ENFAM sustenta que “a contagem dos prazos em dias úteis aplica-se ao sistema dos juizados especiais”, e, por fim, o Enunciado n.º 175 do FONAJEF dispõe que, “por falta de previsão legal específica nas leis que tratam dos juizados especiais, aplica-se, nestes, a previsão da contagem dos prazos em dias úteis (CPC/2015, art. 219)”. BRASIL. FONAJE, Fórum Nacional de Juizados Especiais. Enunciados. Disponível em: <http://www.amb.com.br/fonaje/?p=32>. Acesso em: 2 out. 2017. BRASIL. ENFAM, Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados. Enunciados Aprovados. Disponível em: <http://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS- VERSÃO-DEFINITIVA-.pdf>. Acesso em: 2 out. 2017. BRASIL. FONAJEF, Fórum Nacional de Juizados Especiais Federais. Enunciados. Disponível em: <http://www.ajufe.org/static/ajufe/arquivos/downloads/fonajef-enunciados-compilados-i-ao-xiii- definitivo-1151152.pdf>. Acesso em: 2 out. 2017. 29 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8ª. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. 30 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8ª. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. Pág. 11 pressupõe subordinação entre elas, de modo que, uma “norma” da base não poderia contraria a norma do topo, tampouco ser utilizada como instrumento jurídico para alterar o sentido daquela norma. Caso isso ocorra, aplica-se o denominado “critério da hierarquia”, ou seja, em ocorrendo uma das hipóteses aqui destacadas, nessa perspectiva, das normas conflitantes, a de mais alto grau hierárquico prevalece, sendo a outra deixada à limiar. A proposta desse sistema parte de Hans Kelsen31, sendo adotado e incorporado pelo sistema jurídico do Brasil no art. 59 da Constituição Federal de 198832, sendo que o fundamento de todo esse sistema hierárquico encontra escopo na chamada “norma hipotética fundamental”33. Aplicando-se esse brevíssimo introito sobre hierarquia de normas ao caso em comento, veja-se que de um lado, há uma disposição contida em Lei Ordinária Federal, qual seja o art. 219 do Código de Processo Civil de 2015 (Lei Ordinária n.º 13.105/2015)34, arguindo que os prazos processuais serão computados em dias úteis, excluídos os finais de semanas, feriados e recesso forense, e, por outro lado, há um Enunciado que dispõe em sentido contrário àquela norma, qual seja o Enunciado n.º 165 do FONAJE (Fórum Nacional de Juizados Especiais), arguindo, por sua vez, que os prazos processuais, na Lei dos Juizados Especiais (Lei n.º 9.099/1995)35, deverão ser contados de forma corrida, afinal, a redação do art. 219 do CPC vai em sentido contrário às propedêuticas dessa lei especial. Destaca-se, no entanto, que o diálogo conflitante sobre a questão é esse, ou seja, um Enunciado (base da hierarquia das “normas”), contrariando disposição contida em Lei Ordinária (“terceira camada” da hierarquia das normas). O problema, porém, é que não há qualquer disposição sobre forma de contagem de prazos processuais na Lei dos Juizados Especiais, ou seja, dever-se-ia, pelo menos, seguir a orientação do Código de Processo Civil de 2015, vez que não 31 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8ª. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. 32 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 1 out. 2017. 33 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8ª. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. 34 BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de ProcessoCivil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 1 out. 2017. 35 BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. Acesso em: 1 out. 2017. Pág. 12 há uma aplicação de um critério de especialidade (lex specialis derogat lex generalis) para desempate dessa questão.36 A discussão consiste puramente no fator de que uma norma, hierarquicamente inferior, é utilizada como instrumento para contrariar o disposto em outra norma, no entanto, hierarquicamente superior àquela. Nessa perspectiva, a conclusão que se tira não é outro do que a do Enunciado n.º 165 do FONAJE ser nulo, afinal, não poderia contraria o Código de Processo Civil, vez que está hierarquicamente subordinado à disposição contida no último. Em entendendo que seria necessário essa adaptação – adaptação necessária, conforme será visto na sequência – deveria ser seguido as vias ordinárias do processo legislativo que dispõe a Constituição Federal37 e propor uma mudança no próprio texto da Lei dos Juizados Especiais (Lei n.º 9.099/95) para a adição de redação no sentido do enunciado. Caso assim fosse, a discussão aqui seria meramente acerca da sua eficiência, afinal, não haveria uma nulidade a ser destacada, haja vista que, no conflito de normas entre leis de mesma hierarquia, no caso em comento o Código de Processo Civil e a Lei dos Juizados Especiais, aplica-se a disposição da lei especial (critério da especialidade, lex specialis derogat lex generalis), conforme destacou-se alhures. Nessa perspectiva, correto é o posicionamento do Enunciado n.º 19 da I Jornada de Direito Processual Civil, do Enunciado n.º 45 do ENFAM e do Enunciado n.º 175 do FONAJEF, sendo que o errado nessa história é o posicionamento defendido pelo Enunciado n.º 165 do FONAJE, objeto contestado neste estudo.38 36 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 8ª. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009. 37 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 1 out. 2017. 38 Dispõe o Enunciado n.º 19 da I Jornada de Direito Processual Civil que “o prazo em dias úteis previsto no art. 219 do CPC aplica-se também aos procedimentos regidos pelas Leis n. 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009, por outro lado, o Enunciado n.º 165 do FONAJE sustenta que os prazos nos Juizados Especiais devam ser contados de forma contínua, já, o Enunciado n.º 45 da ENFAM sustenta que “a contagem dos prazos em dias úteis aplica-se ao sistema dos juizados especiais”, e, por fim, em mesmo sentido ao último, o Enunciado n.º 175 do FONAJEF dispõe que, “por falta de previsão legal específica nas leis que tratam dos juizados especiais, aplica-se, nestes, a previsão da contagem dos prazos em dias úteis (CPC/2015, art. 219)”. BRASIL. FONAJE, Fórum Nacional de Juizados Especiais. Enunciados. Disponível em: <http://www.amb.com.br/fonaje/?p=32>. Acesso em: 2 out. 2017. BRASIL. ENFAM, Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados. Enunciados Aprovados. Disponível em: <http://www.enfam.jus.br/wp-content/uploads/2015/09/ENUNCIADOS- VERSÃO-DEFINITIVA-.pdf>. Acesso em: 2 out. 2017. BRASIL. FONAJEF, Fórum Nacional de Juizados Especiais Federais. Enunciados. Disponível em: <http://www.ajufe.org/static/ajufe/arquivos/downloads/fonajef-enunciados-compilados-i-ao-xiii- definitivo-1151152.pdf>. Acesso em: 2 out. 2017. BRASIL. I Jornada de Direito Processual Civil. Enunciados. Disponível em: Pág. 13 Não há, porém, vencedores ou vencidos nessa história39, afinal, deva ser tirada a lição dessa “aventura jurídica” realizada pelo FONAJE de que o aperfeiçoamento da técnica processual40 não contempla um fim em si, de modo que deve recorrer a categorias basilares do Direito, como, aqui o caso, a Teoria Geral do Direito. O fato de não se concordar com o Código de Processo Civil em determinados pontos não significa que os sentidos das suas disposições possam ser alterados, seja doutrinariamente, seja de forma ativista, tampouco deva ser aplicado com olhos no código passado, Código de Processo Civil de 1973, o que dá uma ideia de complexo de curupira41. Ao que tudo indica, o Enunciado n.º 165 do FONAJE restou cancelado em decorrência do Enunciado n.º 19 da I Jornada de Direito Processual Civil, todavia, preocupante é o raciocínio de que, a um, um enunciado, como o em comento, é capaz de invalidar disposição em uma lei ordinária, ora Código de Processo Civil, bem como, a dois, o fato de um enunciado estar anulando outro enunciado (???), dando a ideia da semeação de uma cultura de “jurisdição enunciativa”, o que é demasiadamente preocupante para o panorama jurídico brasileiro contemporâneo.42 4. E SE NÃO BASTASSE TODO O EXPOSTO NESTE ESTUDO, A FUNDAMENTAÇÃO DO ENUNCIADO N.º 165 DO FONAJE É EFICIENTE? (CELERIDADE PROCESSUAL X DURAÇÃO RAZOÁVEL DO PROCESSO SOB A PERSPECTIVA DA “JUSTIÇA EM NÚMEROS”) Embora já se tratou acerca do diálogo distintivo entre celeridade processual e duração razoável do processo – mesmo que de forma supérflua –, compreender a sua distinção é primordial para a investigação da “eficiência” do Enunciado n.º 165 do FONAJE, afinal, encontra sua fundamentação na diretriz celeridade que rege a Lei dos Juizados Especiais (Lei n.º 9.099/95). <http://www.cjf.jus.br/cjf/noticias/2017/setembro/copy_of_Enunciadosaprovadosvfpub.pdf>. Acesso em: 2 out. 2017. 39 STRECK, Lenio Luiz. Enunciado cancela enunciado; uma “jurisdição enunciativa”? Quo vadis? In: CONJUR, Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-set-14/senso- incomum-enunciado-cancela-enunciado-jurisdicao-enunciativa-quo-vadis>. Acesso em: 5 out. 2017. 40 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela dos Direitos. 4ª. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. 41 MOREIRA, José Carlos Barbosa. O poder judiciário e a efetividade da nova Constituição. In: Revista Forense, n. 304, 1988. 42 STRECK, Lenio Luiz. Enunciado cancela enunciado; uma “jurisdição enunciativa”? Quo vadis? In: CONJUR, Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-set-14/senso- incomum-enunciado-cancela-enunciado-jurisdicao-enunciativa-quo-vadis>. Acesso em: 5 out. 2017. Pág. 14 Há divergência doutrinária sobre a questão aqui proposta, afinal, não são raros os casos de autores que optem por entender celeridade processual e duração razoável do processo como sinônimos43. Entretanto, a duração razoável do processo, garantia fundamental do processo (art. 4º do CPC) e fundamental da constituição (art. 5º, inc. LXXVIII, da CF), possui sintonia com a ideia da obtenção de tutela jurisdicional justa sem dilações processuais indevidas44, todavia, não necessário que sua atividade deva ser obtida de forma rápida, mas, que deva ser obtida respeitando a estrutura das normas processuais constitucionais, como ampla defesa, contraditório efetivo, devido processo legal, dentre outros45. Nesse panorama, a duração razoável do processo não deve ser atrelada com a ideia de um lapso temporal previamente determinado, mas, que lhe seja determinável conforme o caso concreto, afinal, dever-se-ão respeitar as condições naturais de cada relação processual. Cada processo é diferente doutro, de modo que errado seria o pensamento de sua rígida padronização procedimental, o que, caso contrário fosse, violaria uma percepção de processualismo constitucional e de policontexturalidade46 processual. Assim, quando se falasobre celeridade processual, não significa que o processo que assim for norteado deva desrespeitar as premissas fundamentais constitucionais, mas que as respeite por meio de um procedimento diferenciado, como é o caso da Lei n.º 9.099/95, em que se assegura tal rapidez do processo por meio de um procedimento “infimamente burocrático”, pautando-se em oralidade, simplicidade, informalidade e economia processual (art. 2º da Lei n.º 9.099/9547), o que seria, de certo modo, improvavelmente aplicável quando da utilização de um, v.g., procedimento comum (art. 318 e ss do CPC). A razoável duração do processo não é o mesmo que a celeridade processual, são coisas distintas, como fica claro pela simples leitura do inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição pátria. Verifica-se pela leitura do art. 8º, inciso 1 do Pacto de São José da Costa Rica que a razoável duração do processo vem acompanhada das garantias processuais, na Constituição brasileira, a 43 Como exemplo: CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 18.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 44 DIAS, Ronaldo Brêtas de Carvalho. Processo Constitucional e Estado Democrático de Direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2010. 45 NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá Editora, 2010. 46 MELEU, Marcelino da Silva. Jurisdição Comunitária: A efetivação do acesso à justiça no policontexturalidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. 47 BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm>. Acesso em: 1 out. 2017. Pág. 15 razoável duração também foi prevista em conjunto com inúmeras garantias processuais e com os princípios institutivos do processo, evidentemente que o referido princípio deve ser lido em conjunto com as garantias e princípios institutivos do processo consagrados pela Constituição. Assim, a razoável duração do processo significa o processo célere, sem dilações indevidas, porém, asseguradas as garantias processuais constitucionais e os princípios institutivos do processo. Em suma, a razoável duração do processo poderá ser representada pelo binômio celeridade X garantias processuais inerentes ao devido processo legal. Assim, somente terá duração razoável o processo que tenha tramitado de forma célere (sem dilações indevidas) mas que tenha obedecido aos princípios e garantias do devido processo constitucional, permitindo que as partes tenham participado efetivamente da construção do provimento jurisdicional. Conclui-se, portanto, que a razoável duração do processo figura como o centro gravitacional entre a celeridade processual e as garantias constitucionais do processo democrático. Assim, o processo não deve visar a celeridade pela celeridade, o que o converteria em instrumento de vingança, mas buscar exterminar as etapas mortas e garantir a participação dos sujeitos na construção do provimento. Se de um lado exige- se rapidez, de outro há a demanda de tempo para a maturação do provimento a ser construído pelas partes.48 Justamente por essa ínfima burocracia que rege a Lei dos Juizados Especiais, o que se espera por sua celeridade processual é que os processos que tramitem por tal procedimento tenham mínima duração até, pelo menos, o seu julgamento em primeiro grau de jurisdição, isso em comparação à um processo, v.g., tramitando pelo procedimento comum numa vara estadual de competência comum. Neste momento, mostra-se necessário a extração e análise de alguns dados a respeito desse lapso de tramitação de um processo pelo procedimento nos Juizados Especiais e nas Varas Estaduais Comuns até, pelo menos, o seu julgamento em primeiro grau de jurisdição, a fim de averiguar se essa celeridade processual que fundamenta o Enunciado n.º 165 do FONAJE é realmente eficiente, ou seja, se a utilização de dias corridos em vez de dias úteis apresenta um resultado significante. Da análise da “Justiça em números do ano de 2016”49, a qual tem como ano- base o ano de 2015 – ou seja, ano em que vigorava o Código de Processo Civil de 197350 e houve a aprovação do “novo” CPC – extrai-se que o lapso de duração de um processo de conhecimento que tramita, em primeiro grau de jurisdição, perante uma Unidade Jurisdicional Estadual Comum (Juízo Comum) leva aproximados 1 (um) ano 48 SANTIAGO NETO, José de Assis. Razoável duração do processo não é sinônimo de processo célere. In: Empório do Direito. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/razoavel-duracao-do- processo-nao-e-sinonimo-de-processo-celere-por-jose-de-assis-santiago-neto/>. Acesso em: 3 out. 2017. 49 CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2016: ano-base 2015. Brasília: CNJ, 2016. 50 BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869.htm>. Acesso em: 1 out. 2017. Pág. 16 e 9 (nove) meses51 até que seja sentenciado, um processo de conhecimento que tramita perante a Unidade Jurisdicional Estadual Especial (Juizado Especial) leva aproximados 9 (nove) meses52 para ser sentenciado, de modo a ser possível concluir que um processo que tramita pelo procedimento da Lei n.º 9.099/95 é julgado, aproximadamente53, 1 (um) ano a menos do que um processo que tramitava pelos procedimentos ordinário e sumário – isso considerando que não há dados distintivos para cada um dos antigos procedimentos da Lei n.º 5.869/73. Ainda, nessa linha, a distinção dos lapsos de tramitação em cada um desses procedimentos é ainda maior quando versar sobre processos de cunho executivo, haja vista que, enquanto um processo de execução, em primeiro grau de jurisdição, que tramita perante uma Unidade Jurisdicional Estadual Comum (Juízo Comum) leva aproximados 4 (quatro) anos e 3 (três) meses54 para ser sentenciado, um processo de execução que tramita perante uma Unidade Jurisdicional Estadual Especial (Juizado Especial) leva aproximados 1 (um) ano e 1 (um) mês55 para ser sentenciado. Já, da análise da “Justiça em números do ano de 2017”56, a qual tem como ano-base o ano de 2016 – ou seja, ano em que vigorou até o mês de março o Código de Processo Civil de 1973 e nos meses subsequentes o Código de Processo Civil de 2015 – extrai-se que o lapso de duração de um processo de conhecimento que tramita, em primeiro grau de jurisdição, perante uma Unidade Jurisdicional Estadual Comum 51 CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2016: ano-base 2015. Brasília: CNJ, 2016, p. 126. 52 CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2016: ano-base 2015. Brasília: CNJ, 2016, p. 127. 53 “Por ser a primeira coleta de dados relativa ao tempo do processo, alguns tribunais não encaminharam as informações ao CNJ, o que justifica a presença de alguns vazios nos gráficos que serão apresentados a seguir. Antes de iniciarmos as análises que seguem, é importante ter em mente as limitações metodológicas ainda existentes. Neste relatório trataremos da média como medida estatística para representar o tempo. Apesar de extremamente útil, ela é limitada, pois resume em uma única métrica os resultados de informações que sabemos ser extremamente heterogêneas. Para adequada análise de tempo, seria necessário estudar curvas de sobrevivência, agrupando os processos semelhantes, segundo as classes e os assuntos. Tais dados ainda não estão disponíveis, e são complexos para serem obtidos, mas o CNJ, por meio do Selo Justiça em Números, está trabalhando no aperfeiçoamento do Sistema de Estatística do Poder Judiciário, e planeja obter as informações necessárias paraprodução de estudos mais aprofundados sobre o tempo de tramitação processual. A divisão da aferição do tempo do processo por fases processuais faz sentido na medida em que os marcos temporais usados para os cálculos são bem claros. Assim, na apuração do tempo médio dos processos até a sentença de mérito, sabe-se exatamente quando o processo começa (protocolo) e qual o termo final de apuração (última sentença proferida)”. CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2016: ano-base 2015. Brasília: CNJ, 2016, p. 125. 54 CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2016: ano-base 2015. Brasília: CNJ, 2016, p. 126. 55 CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2016: ano-base 2015. Brasília: CNJ, 2016, p. 127. 56 CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2017: ano-base 2016. Brasília: CNJ, 2017. Pág. 17 (Juízo Comum) leva aproximados 2 (dois) anos e 1 (um) mês57 até que seja sentenciado, um processo de conhecimento que tramita perante a Unidade Jurisdicional Estadual Especial (Juizado Especial) leva aproximados 10 (dez) meses58 para ser sentenciado, concluindo-se que um processo que tramita pelo procedimento da Lei n.º 9.099/95 é julgado, aproximadamente59, 1 (um) ano e 5 (cinco) meses a menos do que um processo que tramitava pelos procedimento comum. Além disso, a distinção dos lapsos de tramitação em cada um desses procedimentos é ainda maior quando versar sobre processos de cunho executivo, haja vista que, enquanto um processo de execução, em primeiro grau de jurisdição, que tramita perante uma Unidade Jurisdicional Estadual Comum (Juízo Comum) leva aproximados 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses60 para ser sentenciado, um processo de execução que tramita perante uma Unidade Jurisdicional Estadual Especial (Juizado Especial) leva aproximados 1 (um) ano e 2 (dois) meses61 para ser sentenciado. Indiscutivelmente é a conclusão, com base nesses dados, que as Unidades Jurisdicionais que operam sob o procedimento da Lei dos Juizados Especiais (Lei n.º 9.099/95) cumprem a premissa de um processo célere, porém, indaga-se se é eficiente pensar que a utilização da contagem de prazos em dias úteis traria efetivo 57 CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2017: ano-base 2016. Brasília: CNJ, 2017, p. 129. 58 CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2017: ano-base 2016. Brasília: CNJ, 2017, p. 129. 59 “Essas estimativas guardam limitações metodológicas. A principal delas está no uso da média como medida estatística para representar o tempo. A média é fortemente influenciada por valores extremos e, ao resumir em uma única métrica os resultados de informações que sabemos serem extremamente heterogêneas, torna-se uma medida limitada. Para análise de tempo mais adequada, seria necessário recorrer aos quantis e às curvas de sobrevivência, por exemplo, sempre considerando o agrupamento de processos semelhantes, segundo classe e assunto. Para possibilitar essas análises, seria preciso recorrer aos dados de cada processo individualmente. O CNJ, por meio do Selo Justiça em Números, já recebe essas informações de alguns tribunais, e, a partir de 2017, o encaminhamento dos dados processuais individuais passou a ser obrigatório, de acordo com a Portaria n. 46/2017, aperfeiçoando o Sistema de Estatísticas do Poder Judiciário. A divisão da aferição do tempo do processo por fases processuais faz sentido na medida em que os marcos temporais usados para os cálculos são bem claros. Assim, na apuração do tempo médio dos processos até a sentença de mérito, sabe-se exatamente quando o processo começa (protocolo) e qual o termo final de apuração (última sentença proferida). Importante esclarecer que a apuração dos tempos médios se deu pela avaliação da duração em cada fase ou instância. Por exemplo, na execução, conta-se o tempo a partir do início da execução ou liquidação ou cumprimento, até a data da última sentença em execução. No conhecimento, conta- se a partir da data do protocolo”. CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2017: ano- base 2016. Brasília: CNJ, 2017, p. 128. 60 CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2017: ano-base 2016. Brasília: CNJ, 2017, p. 129. 61 CNJ, Conselho Nacional de Justiça. Justiça em números 2017: ano-base 2016. Brasília: CNJ, 2017, p. 129. Pág. 18 prejuízo aos números aqui expostos: De práxis, a resposta que vem à mente é negativa. A Lei Federal 9.099/95, ao delimitar a data da audiência de instrução como termo final para a apresentação da contestação, restringe-se a prever os seguintes possíveis prazos para as partes: cinco dias para embargos de declaração (artigo 49) e mais cinco dias para a resposta (CPC, parágrafo 2º do artigo 1023); 10 dias para o recurso inominado (caput do artigo 42) e mais 10 dias para contrarrazões ao recurso inominado (parágrafo 2º do artigo 42). Assim, no processo onde houver embargos de declaração, contrarrazões aos embargos de declaração, recurso inominado, contrarrazões ao recurso inominado, o tempo total de prazo em curso será de 40 dias (5+5+10+10). Se esses 40 dias forem computados em dias úteis, haverá um incremento, no máximo, de cinco finais de semana, ou seja, os 40 dias úteis corresponderão a 50 dias corridos.62 Não bastasse a nulidade do Enunciado n.º 165 do FONAJE a partir da Teoria Geral do Direito, conforme destacou-se alhures, o mesmo mostra-se antidemocrático, na medida em desrespeitar prerrogativas básicas da figura dos Advogados, na proporção em que lhe retira o repouso dos finais de semana, feriados e recesso forense – aliás, isso prejudica o próprio resultado da peça processual, afinal, a mesma não poderá ser trabalhada com maior cautela63 –, bem como é ineficiente na prática, afinal, o aperfeiçoamento dessa premissa da Lei dos Juizados Especiais que é a celeridade processual será ainda mais aperfeiçoada e respeitada se o seu principal “vilão” for corretamente combatido, qual seja o “tempo de prateleira”, ou seja, o tempo que o processo permanece inerte esperando movimentação para que os atos do processo sejam cumpridos e o processo possa ser ”solvido”. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Buscou-se, com esta breve digressão, após analisar o Código de Processo Civil de 2015 (Lei n.º 13.105/2015), a Lei dos Juizados Especiais (Lei n.º 9.099/95) e o Enunciado n.º 165 do FONAJE (Fórum Nacional de Juizados Especiais), a partir da Teoria Geral do Direito, demonstrar que o enunciado objeto deste trabalho é nulo. 62 ABBOUD, George; APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. Enunciado 165 do Fonaje, sobre prazos nos juizados, deve ser cancelado. In: CONJUR, Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-ago-29/opiniao-fonaje-cancelar-enunciado- 165-prazos-juizados>. Acesso em: 3 out. 2017. 63 ABBOUD, George; APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. Enunciado 165 do Fonaje, sobre prazos nos juizados, deve ser cancelado. In: CONJUR, Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-ago-29/opiniao-fonaje-cancelar-enunciado- 165-prazos-juizados>. Acesso em: 3 out. 2017. Pág. 19 Um enunciado não pode contrapor disposição contida numa norma hierarquicamente superior, como é o caso em questão, de modo que, pelo critério da hierarquia, aplicar-se-á a disposição contida na norma superior, ora Código de Processo Civil, e não a disposição contida no enunciado, ora Enunciado n.º 165 do FONAJE. Caso houvesse a real necessidade de adaptar a Lei dos Juizados Especiais ao Código de Processo Civil no tocante à modificação na forma de contagem de prazos processuais (art. 219 doCPC), dever-se-ia observar o processo constitucional legislativo, disposto a partir do art. 59 da Constituição Federal de 1988, ou seja, pela via ordinária, e não seguir pelos rumos propostos pelo FONAJE, com um peculiar ativismo, além do mais, o enunciado em comento não merecia o estudo que aqui foi elaborado por um simples fator: O FONAJE não detêm competência para legislar sobre matéria processual! Além disso, o enunciado objeto deste estudo, além de nulo pela hierarquia normativa (pirâmide kelseniana), mostra-se ineficiente na medida em que, pelo procedimento proposto na Lei dos Juizados Especiais, contar os prazos de forma corrida no lugar da contagem em dias úteis acarretará na salvação de míseros dias a menos no conjunto de todo do lapso de duração do processo. Combata-se, assim, o seu real vilão, o chama “tempo de prateleira”, o tempo que o processo fica aguardando movimentação pelos servidores do Poder Judiciário, e não se ceife um Direito democraticamente conquistado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) nesse vigente Código de Processo Civil, ou seja, os prazos em dias úteis (art. 219 do CPC). Ademais, ressalta-se que não há vencedores ou vencidos nessa história, de modo que deva ser tirada a lição dessa “aventura jurídica” realizada pelo FONAJE de que o aperfeiçoamento da técnica processual não contempla um fim em si, afinal, deve recorrer a categorias basilares do Direito, como, aqui o caso, a Teoria Geral do Direito. Desse modo, o fato de não se concordar com o Código de Processo Civil em determinados pontos não significa que os sentidos das suas disposições possam ser alterados, seja doutrinariamente, seja de forma ativista, tampouco deva ser aplicado com olhos no código passado, Código de Processo Civil de 1973. Felizmente e ao que tudo indica, o Enunciado n.º 165 do FONAJE restou cancelado em decorrência do Enunciado n.º 19 da I Jornada de Direito Processual Civil. Entretanto, por toda essa experiência que vem se tirando acerca desse vasto Pág. 20 “oceano” de enunciados que são constantemente elaborados no Brasil, dois pontos são extremamente preocupantes, a um enunciado invalidando disposição de uma lei ordinária, a dois, o fato de um enunciado estar anulando outro enunciado, dando a ideia da semeação de uma cultura de “jurisdição enunciativa”, o que é demasiadamente preocupante para o panorama jurídico brasileiro contemporâneo. Retomemos a aplicação dos prazos em dias úteis, ou seja, o art. 219 do Código de Processo Civil, no procedimento dos juizados especiais! REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ABBOUD, George; APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho; CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. Enunciado 165 do Fonaje, sobre prazos nos juizados, deve ser cancelado. In: CONJUR, Consultor Jurídico. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-ago- 29/opiniao-fonaje-cancelar-enunciado-165-prazos-juizados>. Acesso em: 3 out. 2017. 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