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Pa 1 Para que um(a) empresário(a) possa aprender com o exemplo de outras empresas, o importante não é saber onde a empresa de sucesso chegou, mas como ela chegou. E é essa a missão do estudo de caso: explicar e demonstrar práticas que já foram testadas e aprovadas (ou reprovadas) por empresários(as) na resolução de problemas do ambiente de negócios. O caso Chamma da Amazônia Elaborado pelo Núcleo de Pesquisa em Internacionalização de Empresas (NuPIn) do Instituto Coppead1 A Chamma da Amazônia, fundada em 1996, em Belém do Pará, produzia e comercializava produtos ecológicos, dentro de uma filosofia de valorização da cultura indígena e proteção à natureza. Incubada originalmente na Universidade Federal do Pará, a empresa cresceu rapidamente. Em 2006, seus produtos eram vendidos em 22 pontos de venda em todo o Brasil, além de duas lojas em Portugal. A empresa tinha 20 empregados e produzia cerca de 3 mil unidades por mês, entre produtos de perfumaria e higiene corporal, maquiagem, aromatizadores, embalagens e acessórios, obtendo um faturamento estimado em quatro milhões de reais. Neste caso, você vai conhecer o processo de expansão da empresa paraense. 1 Estudo original disponível em: http://www.bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/2F921CFAEA18DD A28325754600752E00/$File/NT0003DBE2.pdf Pa 2 Seção Abertura Conheça a história da empresa e um dos dilemas empresariais que ela enfrentou em sua trajetória. Oscar Chamma, filho de libaneses, era dono de uma mercearia na cidade de Belém do Pará, há quase meio século. Além do negócio principal, cultivava o hobby de fabricar perfumes no andar de cima de sua mercearia localizada próxima ao mercado público de Belém (denominado Ver-o-Peso). Apaixonado pela química e pela Amazônia, fabricava perfumes nas horas vagas, importando colônias da Europa e a elas adicionando as ervas nativas da região. Nasceu, assim, a Casa Chamma. A escolha do nome se devia em parte ao sobrenome da família, mas também à existência de uma planta nativa batizada de Chamma, à qual os comerciantes do mercado atribuíam o poder de atrair bons fluidos. Em meados da década de 1980, um incêndio destruiu o casarão onde se instalavam a mercearia e a perfumaria, e os perfumes pararam temporariamente de ser produzidos. Oscar Chamma faleceu em 1993, oito anos depois, deixando a esposa e sete filhos. A esposa de Oscar, filha de portugueses, preocupando-se com a continuidade do sonho de seu marido, procurou estimular alguns de seus filhos a darem continuidade ao negócio. Coube então aos três filhos mais velhos a missão de recriar a perfumaria. Entre eles, a filha Fátima, que passou a estar à frente do negócio. Fátima Chamma era apaixonada por tudo que dizia respeito a moda, beleza e decoração. Ao assumir o negócio, preocupou-se com a apresentação do produto: achava que ele devia ter uma aparência mais atual, que ajudasse na identifi cação de sua origem. Procurando alternativas de embalagem, mais especificamente fornecedores de tampas de madeira, entrou em contato com um fornecedor carioca, André Pinheiro, dono de uma fábrica de tampas no Rio de Janeiro. Fátima e André casaram-se, dedicando-se à expansão do negócio. Os negócios da perfumaria passaram a ser dirigidos do Rio de Janeiro, para onde Fátima se mudou. Inicialmente, os produtos eram fabricados em sua casa e distribuídos diretamente aos pontos de venda. As vendas também eram feitas em feiras patrocinadas pelo Sebrae. Entre 1991 e 1995, Fátima Chamma e André Pinheiro participaram de 78 feiras dessa natureza. Nessa época, os produtos fabricados pela empresa limitavam-se basicamente a perfumes e xampús, embora já houvesse sido Pa 3 introduzida, no mix de produtos comercializados sob a marca, uma linha de maquilagem fabricada por terceiros. Na década de 1990, foi criada a marca Chamma da Amazônia, em um momento de inspiração. O uso do termo Amazônia reforçava o atributo regional do produto, trazendo para a linha a mística e o fascínio associado à região. Os contatos de Fátima com o Sebrae fizeram com que ela ficasse sabendo da possibilidade de submeter um projeto para participar do Programa de Incubação de Empresas de Base Tecnológica da Universidade Federal do Pará. Foi então que, segundo seu relato, “sem muita técnica, mas com intuição e convicção”, elaborou o projeto submetido e que acabou sendo escolhido. Assim, em junho de 1996, nasceu a empresa Fluidos da Amazônia, com sede em Belém, detentora da marca Chamma da Amazônia, já dentro da incubadora e com a participação de André Pinheiro. Os dois irmãos sócios da empresa original retiraram-se da sociedade. Na incubadora a empresa ocupava um espaço de 80 metros quadrados. A grande vantagem dessa empreitada foi a possibilidade de ampliar a rede de relacionamento e poder ter acesso a uma série de serviços que ajudaram a impulsionar o negócio. Como observou Fátima: “muito mais rede de relacionamento e parceria, facilidade, divulgação e credibilidade.” Na percepção dos sócios, a própria incubadora era praticamente uma incubada e, apesar da boa vontade existente, não tinha capacidade de atender, adequadamente, às demandas das empresas incubadas. Nessa época, os produtos eram vendidos em lojas multimarcas e também na garagem de uma casa, que funcionava como showroom. A cobertura geográfica era bastante restrita, limitando-se, basicamente a Belém e arredores. Durante o tempo em que a empresa esteve incubada, fez uso de um programa de apoio gerencial oferecido pelo Sebrae. A trajetória da empresa foi permeada pela participação em programas de apoio ao pequeno e médio empresário, disponibilizados por órgãos de fomento, até mesmo aqueles oferecidos diretamente pelo governo, como no caso da prefeitura da cidade de Belém. Em 2002, completada a etapa inicial da existência da empresa, a Fluidos da Amazônia deixou a incubadora e mudou-se para um galpão de 800 metros quadrados, para onde foi a fábrica. A passagem da incubadora para a operação autônoma foi um pouco traumática: “Nós não estávamos prontos e precisávamos de espaço. Não quebramos àquela altura porque não era para quebrar. Foi muito doido, mas, ao mesmo tempo, muito determinado. Foi complicado sair de um espaço de oitenta Pa 4 metros quadrados para outro de oitocentos metros quadrados. E sem recursos, só com recursos próprios”, explicou Fátima. A essa altura, Fátima Chamma e André Pinheiro haviam-se separado, permanecendo ela na direção da Chamma da Amazônia e com desejo de prosseguir com a expansão de sua empresa. Mas que estratégia deveria ser utilizada? Dilema Empresarial Há muitos desafios na gestão de um negócio. No momento descrito na seção abertura, a empresa se deparou com o seguinte dilema. Como expandir uma empresa de produtos naturais de higiene, cosméticos e perfumaria? Seção Contextualização Entender o contexto é fundamental para compreender a real dimensão do dilema e seu impacto, além de ser imprescindível para a tomada de decisão. Conheça os dados da região, do setor econômico e a situação da empresa no momento do dilema. Produtos O site da empresa assim apresentava sua linha de produtos: a Chamma da Amazônia mistura flores, frutos, ervas, raízes, lenhos, sementes que a natureza descarta e são coletadas pelos sábios mateiros e mestres catadores, óleos vegetaise essências da região, para produzir seus perfumes, xampús, sabonetes, óleos, aromatizadores, maquiagens, biojóias e embalagens. A linha de produtos era constituída por 190 itens distintos, divididas em cinco categorias: cheiro, cabelo, bem-estar, corpo e eco jóias. A linha de eco jóias havia sido adicionada pela empresa a seu mix de produtos em 2001, consistindo de colares, pulseiras e brincos fabricados com materiais da Amazônia, tais como coco, sementes de morototó, açaí, inajá, muruci, tucumã e bacaba. As matérias-primas eram catadas no chão da floresta, transformando-se em bijuterias exclusivas. O processo de secagem das sementes podia levar até três dias, e cada peça levava, aproximadamente, uma hora para ser produzida por artesãos Pa 5 nativos. Ao fim, as jóias passavam por um tratamento químico, para evitar a proliferação de organismos ou insetos. Ecologia e desenvolvimento sustentável Uma característica da Chamma da Amazônia era sua preocupação com a natureza, o que efetivamente se consubstanciava não só em sua estratégia de produto como também em sua inserção na comunidade. Famílias da população ribeirinha prestavam serviços à empresa, coletando maté- rias-primas utilizadas nos produtos, cultivando ervas e raízes para a produção de fragrâncias e cultivando a palmeira de guarumã e miriti para a produção de cestos e peneiras utilizados como embalagens. A matéria-prima utilizada não implicava derrubada de árvores ou agressão ao meio ambiente, uma vez que era toda ela coletada, sob a forma de cascas, frutos, sementes, fl ores e raízes. Mesmo assim, a empresa preocupava-se com o plantio de espécies locais, plantando uma árvore para cada cem produtos vendidos, entre as quais as árvores de andiroba, copaíba e castanha do Pará. O projeto de refl orestamento era uma iniciativa conjunta da empresa com a empresa agrícola Biotropical, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Faculdade de Ciências Agrárias do Pará. A Chamma da Amazônia também adquiria óleos vegetais da Brasmazon, empresa que extraía óleos da Amazônia, empregando mais de 1.600 famílias em três estados da Região Norte. O mercado de produtos de higiene, perfumaria e cosméticos De acordo com a Resolução nº 79 de 28 de agosto de 2000 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), os produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos correspondiam a: “[...] preparações constituídas por substâncias naturais ou sintéticas, de uso externo nas diversas partes do corpo humano, pele, sistema capilar, unhas, lábios, órgãos genitais externos, dentes e membranas mucosas da cavidade oral, com o objetivo exclusivo e principal de limpá-los, perfumá-los, alterar sua aparência, corrigir odores corporais, protegê-los ou mantê- los em bom estado”. A indústria incluía três categorias de produto: 1) Produtos de higiene pessoal – sabonetes, produtos para higiene oral, desodorantes, talcos, higiene capilar, produtos para barbear, absorventes higiênicos e fraldas; Pa 6 2) Cosméticos – fixadores, tinturas, modeladores para tratamento dos cabelos, protetores solares, maquiagem, cremes e loções para a pele e depilatórios; 3) Produtos de perfumaria – águas de colônia, perfumes e loções após a barba. Do ponto de vista de sua estratégia de marketing, a indústria podia ser dividida em quatro grandes segmentos. No primeiro atuavam as grandes empresas, atingindo o mercado de massa por meio de ampla capilaridade no varejo, utilizando-se de supermercados e hipermercados, drogarias, farmácias e uma série de outros pontos de venda. Nesse segmento, lideravam as grandes empresas multinacionais, como L’Oréal, Procter e Gamble e Unilever, que detinham as maiores participações no mercado mundial, nessa ordem. Tais empresas utilizavam fortemente propaganda em mídia de massa e promoção de vendas em suas estratégias de marketing. Outro segmento era constituído tipicamente por empresas de capital nacional, vendendo seus produtos por meio de canais especializados, frequentemente por meio de rede de lojas franqueadas sob a própria marca. Era o caso de grandes e bem-sucedidas empresas nacionais, como O Boticário, Água de Cheiro e L’acqua di Fiori, e de novas empresas emergentes, como a Chamma da Amazônia. Embora houvesse um grande número de empresas nacionais atuantes no segmento, também havia empresas multinacionais, como a L’Occitane, que utilizavam estratégias similares. A comunicação da marca se fazia principalmente por meio dos pontos de venda, embora algumas empresas, como O Boticário, desenvolvessem campanhas de propaganda para fi xação da marca. Um terceiro segmento era constituído por grandes marcas de luxo, como Givenchy, Lancôme, Payot, Helena Rubinstein e a japonesa Shiseido, que atuavam em canais voltados para o segmento de alta renda, estando presentes em butiques especializadas multimarcas, lojas de departamento sofi sticadas e lojas tipo free shop em aeroportos. A propaganda dessas empresas era freqüentemente realizada em revistas de moda, voltadas para o segmento mais sofi sticado do mercado. Finalmente, o último segmento era formado por empresas que vendiam por meio do sistema porta-a-porta, como Avon e Mary Kay Cosmetics, respectivamente a sétima e a décima-sétima no ranking mundial do setor. No Brasil, o mercado porta-a- porta era dominado pela Natura e pela Avon. A Natura utilizava as revistas femininas e de moda como canal de comunicação com seus clientes, enquanto a Avon fazia muito pouca propaganda. O foco principal das atividades de marketing Pa 7 era a venda pessoal, exercida por verdadeiros exércitos de consultoras, o que propiciava grande capilaridade. Os produtos naturais Eram considerados produtos naturais aqueles que utilizavam ingredientes naturais, particularmente insumos de plantas tropicais. Em razão de um apelo de mistério e magia, os produtos com ingredientes provenientes da Amazônia tinham maior atrativo, tanto no mercado nacional como no mercado internacional, mas outras regiões brasileiras também ofereciam ingredientes utilizados pela indústria. Por exemplo, o extrato de própolis proveniente da Zona da Mata mineira, cuja qualidade era considerada superior ao de outras regiões, encontrava boa acolhida no mercado brasileiro e internacional em diversas aplicações, salientando-se os cosméticos à base de pró- polis e mel. O própolis vinha sendo exportado para vários mercados, entre os quais o Japão. O óleo de babaçu, proveniente do Nordeste, também era um ingrediente utilizado em determinadas formulações, sendo exportado para a indústria de cosméticos da Inglaterra e dos EUA.28 No entanto, apesar da exportação de ingredientes para as indústrias de cosméticos de outros países, a exportação de cosméticos naturais, produzidos no país por empresas de capital nacional, ainda era bastante modesta. Os produtos naturais dirigiam-se, embora não exclusivamente, a um segmento do mercado mais conscientizado quanto ao valor da biodiversidade, que era o do consumo responsável. O aumento da consciência ambiental criava para as empresas uma oportunidade de diferenciação, ao mesmo tempo em que pressionava a adoção de práticas de desenvolvimento sustentável. A concorrência Eram as seguintes as principais empresas atuantes no segmento de mercado em que competia a Chamma da Amazônia:• Natura – maior empresa brasileira de capital nacional no setor, fundada em 1969, vendia seus produtos em 4.500 municípios brasileiros, utilizando o sistema porta-a-porta. A empresa oferecia uma linha ampla de produtos, com forte ênfase em cosméticos; • O Boticário – segunda maior empresa de cosméticos brasileira, criada em 1977, em Curitiba, Paraná, era a maior franquia de cosméticos do mundo em 2006, com cerca de 2.400 lojas no Brasil. Desde o início, a empresava utilizava ingredientes naturais em seus produtos como fator de diferenciação. Em 2006, produzia e comercializava cerca de 600 produtos, Pa 8 entre perfumes e colônias, desodorantes, sabonetes, shampoos, condicionadores, cremes, batons, acessórios, entre outros; • Água de Cheiro – terceiro maior fabricante brasileiro, a empresa, criada em 1976 pela empresária mineira Elizabeth Pimenta, dispunha de distribuição nacional por meio de 600 lojas franqueadas, oferecendo uma linha ampla de produtos de beleza, desde produtos para os cabelos, perfumes, produtos de higiene pessoal e cosméticos; • L’acqua di Fiori – fundada em 1980, produzia perfumes, cosméticos e produtos para banho por meio de 830 lojas franqueadas em todo o Brasil; • Phytoervas – Criada em 1986 pela empresária Christiana Arcangeli, a empresa foi vendida para a multinacional Bristol Myers-Squibb. Em 2002, a Bristol-Myers vendeu a marca para a Procter e Gamble que a revendeu para a Nasha Cosmetics. Produzia perfumes, xampus, condicionadores, sabonetes. A empresa não dispunha de rede de lojas própria; • L’Occitane – empresa francesa, fundada em 1976 na Provence, atuava em cerca de 60 países, entre os quais o Brasil, vendendo uma linha ampla de produtos para o corpo por meio de aproximadamente 500 butiques sob marca própria. No Brasil, a empresa tinha 18 lojas, em oito grandes cidades brasileiras. A maior parte de suas lojas se situava em shopping centers. Além dessas, estimava-se a existência de 1.100 pequenas e médias empresas atuantes na indústria, com competências para a fabricação desses produtos, mas 85 sem recursos para desenvolver as atividades de marketing necessárias, em particular a construção da marca e a abertura de canais de distribuição, dois elementos imprescindíveis para ganhar acesso ao mercado. Internacionalização das empresas A empresa brasileira de cosméticos com mais longa experiência internacional era a Natura, que dispunha de subsidiárias de venda direta há mais de uma década no Peru, Chile, Argentina e Bolívia. Em 1982, iniciou operações no Chile, por meio de um distribuidor. Em 1983, a empresa realizou uma curta incursão no mercado americano, com a marca Numina, mas não obteve sucesso. Em 1994, a Natura realizou investimentos diretos na Argentina, Chile e Peru, países nos quais estabeleceu centros de distribuição e trabalhou na formação de consultoras. Em 2002, a empresa passou a distribuir seus produtos nos free shops de aeroportos brasileiros. Mesmo assim, as vendas no exterior, em 2004, respondiam por apenas aproximadamente 3% do faturamento da empresa. A partir de 2004, a Natura partiu para um plano mais agressivo de expansão internacional. Abriu sua primeira loja em Paris em 2005, buscando atingir dessa forma o mercado francês, uma vez que os Pa 9 franceses não estavam habituados a comprar cosméticos e produtos de beleza pelo sistema porta-a-porta. No mercado francês, a empresa comercializava a linha Ekos, composta por produtos naturais, aproveitando-se assim do apelo da biodiversidade brasileira.29 Em 2007, a empresa pretendia expandir seu sistema de vendas portaa- porta para atingir os mercados da Colômbia, Equador, Venezuela, Uruguai e Costa Rica. Além disso, pretendia investir US$ 20 milhões no México. O Boticário, por sua vez, tendo iniciado sua expansão internacional em Portugal, havia se expandido para outros mercados, vendendo por meio de lojas exclusivas, lojas de departamento e lojas multimarcas localizadas em Portugal, Estados Unidos, México, Emirados Árabes, Arábia Saudita, Egito, Grécia, Cabo Verde, Suriname, Nicarágua, El Salvador, Venezuela, Bolívia, Peru, Uruguai, Paraguai, Moçambique, África do Sul, Angola, Japão e Austrália.31 Em 2004, as vendas no exterior respondiam por cerca de 2% do faturamento.32 A empresa havia alterado por duas vezes sua estratégia, até chegar a um modelo adequado à operação internacional. A Água de Cheiro havia mantido sua participação no mercado internacional restrita, limitando suas vendas ao Oriente Médio, onde obteve boa aceitação. Em 2005, as exportações teriam sido de 5% do faturamento da empresa.33 Diversas empresas menores, atuando no segmento de cosméticos naturais, haviam procurado chegar ao mercado internacional abrindo lojas sob a própria marca. Por exemplo, a tradicional Perfumaria Granado, empresa centenária, inaugurou uma loja em Nova Iorque, onde comercializava uma linha de produtos voltada exclusivamente para exportação, com marcas de apelo exótico, como Rain Forest, Brazil Natural e Margaret Mee, essa última inspirada na famosa botânica e artista plástica inglesa, que retratou a fl ora brasileira. Para conduzir a operação, a empresa havia contratado um executivo inglês, e tinha como objetivo atingir um faturamento de R$ 25 milhões. Para os especialistas no setor, as exportações brasileiras de cosméticos naturais deveriam crescer no futuro, impulsionadas pelo apelo do “Made in Brazil” e pelo uso de ingredientes extraídos da biodiversidade brasileira. Além disso, a forte miscigenação da população brasileira tinha produzido uma variedade de tipos de cabelo e peles que faziam com que as empresas fossem levadas a produzir produtos que pudessem atender, praticamente a, todos os segmentos do mercado. Por exemplo, esperava-se que as linhas desenvolvidas para o mercado de consumidores de raça negra viessem a ter boa aceitação nos mercados africanos35. Além disso, o crescente envolvimento das maiores empresas do setor, como Natura e O Boticário, com os mercados internacionais, permitia a expansão da marca Brasil, o que deveria benefi ciar também as empresas de menor porte. Pa 10 Uma das principais dificuldades enfrentadas pelas empresas brasileiras, particularmente as menores, para exportar produtos de perfumaria e cosméticos derivava da ampla variedade de exigências sanitárias existentes em cada país, sem que se houvesse ainda chegado a uma harmonização das mesmas. O custo de adequar-se a tais exigências podia inviabilizar a entrada de empresas menores no mercado. Em 2005 foram exportadas 226 mil toneladas de produtos de perfumaria e cosméticos, equivalendo a 242 milhões de dólares, um crescimento de 28% em relação a 2004. O mercado Enquanto os mercados em países desenvolvidos eram já maduros, com taxas de crescimento baixas, os mercados emergentes, como Brasil, China e Rússia, mostravam bastante dinamismo, com sistemas de distribuição em expansão. O Brasil era o sexto mercado mundial de cosméticos, superado apenas pelos EUA, Japão, França, Alemanha e Reino Unido. A taxa média de crescimento, entre 2001 e 2005, foi de 10,7% ao ano, comparativamente com uma taxa média de crescimento do PIB, no mesmo período, de 2,2%. As altas taxas de crescimento eram atribuídas à cada vez maior participação da mulher no mercado de trabalho, ao desejo de manter-se jovem, como aumento da expectativa de vida da população, e à própria cultura brasileira, que valorizava a beleza e a sensualidade. Acresciam-se a isso as melhorias tecnológicas e de produtividade das empresas, o que levou a uma queda nos preços. Seção Solução do Dilema Para resolver um problema empresarial, é possível adotar uma ou várias soluções, de diferentes áreas do conhecimento, como: mercado, gestão de pessoas e inovação. Conheça, agora, as medidas adotadas pela empresa protagonista desta história para a resolução de seu dilema. Como expandir uma empresa de produtos naturais de higiene, cosméticos e perfumaria? Expansão por meio de Franquias Solução 1 Área de conhecimento: mercado Pa 11 Para expandir a empresa, os sócios começaram a considerar a possibilidade de utilizar franquias. Esse movimento foi bilateral, uma vez que a empresa já começava a ser procurada por pessoas que, conhecendo o produto e identificando uma oportunidade, buscavam obter uma distribuição ou franquia. Aparentemente, a instalação de um quiosque no Aeroporto de Belém teria aumentado significativamente a exposição da marca, atraindo possíveis candidatos a franquias. Para formatar a franquia, foi contratada uma empresa com quem os sócios haviam tido contato por meio do Sebrae. Um contato em 2003, realizado com Cláudio Miquelin, empresário paulista que chegou até eles, em princípio, com a idéia de tornar-se master franqueado, acabou gerando uma nova sociedade, acarretando na constituição de uma empresa para administrar o sistema de franquias. Nessa empresa, sediada em São Paulo, Cláudio Miquelin e outro sócio participavam com 50% e Fátima Chamma e André Pinheiro com 50%. Pretendia-se, na ocasião, chegar a 50 franquias em 2005, atingindo o faturamento médio mensal por loja de R$25.000,00. Para administrar a nova empresa, foi contratado um executivo com experiência em franquia. A sociedade durou até abril de 2006, quando foi desfeita e o sistema de franquias voltou a ser administrado a partir de Belém. Entre 1999 e 2006, a empresa abriu cerca de 27 franquias, mas em 2006 havia apenas 22 em funcionamento, visto que algumas haviam sido fechadas. Fátima Chamma considerou que um dos problemas enfrentados com o sistema de franquia era o próprio processo de seleção do franqueado. No passado, era o franqueado que escolhia a empresa e não vice-versa. Ela, reavaliando esse procedimento, concluiu ser necessário estabelecer critérios para a seleção do franqueado. Em 2006, era o seguinte o perfil do franqueado desejado: • Perfi l empreendedor • Habilidade comercial, administrativa e financeira • Habilidade em lidar com pessoas • Disponibilidade integral de tempo para o negócio; • Liderança e motivação; • Posse de recursos fi nanceiros sufi cientes; • Conhecimento do mercado onde pretendesse atuar Fátima Chamma julgava que a disponibilidade de recursos suficientes e a experiência em gestão deveriam ser os principais critérios na seleção de novos franqueados. A escolha do local para abertura da loja era também um ponto fundamental. Pa 12 Na avaliação de André Pinheiro, a situação de alguns franqueados ainda era difícil, estimando ele que um terço deles fosse defi citário. Os pontos de venda podiam variar de 6 a 40 metros quadrados, estimando-se o investimento de acordo com o potencial de mercado do local em que a loja fosse instalada. Em 2006, a taxa inicial de franquia era de R$ 15.000,00 para quiosques e R$ 20.000,00 para lojas. A taxa inicial destinava-se a cobrir a cessão do direito ao uso das marcas, patentes e direitos autorais da Chamma da Amazônia; direito de preferência territorial; transferência de tecnologia e know-how relativos à instalação, operação e administração do negócio; parcela dos custos de treinamento; custos de análise e seleção do ponto e de assessoria na instalação do negócio; e assistência na abertura do estabelecimento franqueado. Havia ainda uma taxa de franquia mensal, que equivalia a 10% sobre o valor total das compras efetuadas a cada mês, e uma taxa de propaganda de 5% sobre as compras mensais. Cabia à Chamma da Amazônia administrar o fundo promocional, que era aplicado em atividades de Assessoria de Imprensa e material de ponto de venda. Expansão para o mercado internacional Solução 2 Área de conhecimento: mercado Ainda com o objetivo de melhorar o posicionamento da Chamma da Amazônia no mercado, em 2004, a empresa fechou um contrato de franquia master com um empresário português. Por esse contrato, o empresário adquiriu o direito de estabelecer lojas da empresa em todo o território português. Em 2006, o contrato foi renegociado, passando às mãos de um novo franqueado master, dessa vez, um empresário brasileiro do ramo de franquias atuando em Portugal. A marca tinha duas lojas naquele país, uma em Lisboa e outra no Aveiro. Em 2006, as exportações representavam cerca de 10% das receitas da empresa, sendo 50% provenientes de produtos de perfumaria e 40% de eco jóias. Fátima Chamma percebia, no Brasil, certo preconceito local com relação aos produtos da empresa. A exportação servira, de um lado, para legitimar sua qualidade junto ao mercado doméstico: “o público paraense rejeitava produtos paraenses. Para termos credibilidade aqui nós precisamos ganhar prêmios lá fora, ser notícia lá fora. As pessoas acham o produto caro. Por que eles acham caro? Porque é da terra. Mas não é porque ele é da terra que deve ser desvalorizado. Ele Pa 13 tem todo um investimento e é similar ao que os outros concorrentes [no Brasil] têm. Então nossa empresa, é uma empresa que tem capacidade para competir. Começamos a mostrar que estávamos exportando. Quando você fala que é um produto exportado, as pessoas no mercado interno acreditam mais. Não, meu produto não é caro. Sabe por que meu produto não é caro? Porque ele é único. Estou falando de nicho”, avalia. Ela achava que o segmento-alvo mais propenso a comprar os produtos da empresa era maior em outros países que no Brasil: “nosso produto é atrativo para um grupo de pessoas culturalmente bem informadas, ecologicamente responsáveis. Isso a cada dia se intensifica mais. Mas as pessoas que têm essa consciência aqui no Brasil ainda correspondem a um percentual muito pequeno. A maioria das pessoas diz que tem essa consciência, mas entre um produto que custa R$ 1 mais caro e que tem esse conceito e outro mais barato, as pessoas acabam comprando o que é R$ 1 mais barato”. Fátima Chamma considerava o processo de exportação extremamente complexo para uma empresa pequena. Uma das principais dificuldades era a burocracia envolvida, que começava pelo registro da marca e prosseguia pelas licenças ambientais, registros sanitários etc: “Você tem que contratar empresas especializadas, fazer análise de produtos. Para cada produto, você paga quatro mil reais por análise: xampu de açaí, você paga quatro mil; xampu de copaíba, mais quatro mil; e por aí vai. Nós temos quarenta produtos registrados, são mais de sessenta mil reais... E aí eu tenho que fazer adequações para um e para outro... Cheiro, formulação. Por exemplo, minha formulação é totalmente regular no Brasil, mas às vezes um conservante não é aceito na França. E esse conservante que a França não aceita é aceito nos Estados Unidos, ou vice-versa”, comenta.Os investimentos realizados pela empresa para atingir os mercados externos foram estimados em, aproximadamente, US$ 70 mil, parte em adaptação de produtos e registros e outra parte em eventos no exterior. Fátima Chamma acreditava que a participação em eventos era fundamental, não só para expor a marca da empresa e fazer contatos, como para avaliar o potencial de mercado, as diferenças entre os mercados e as necessidades de adequar o produto à legislação local. Embora não falasse inglês, Fátima conseguia se fazer entender em outros países. Ela achava extremamente importantes as viagens a outros mercados “para verifi car que posicionamento deve ter o produto no mercado”, além de “ver como é que eles se comportam, quais os tipos de produtos, qual a apresentação, o que eu poderia fazer, como é que eles consomem”. Pa 14 A maior parte das experiências de exportação da empresa haviam sido pontuais. Por exemplo, a empresa atendeu a um grande pedido de uma cadeia de lojas em Dubai, nos Emirados Árabes. Esse pedido, no entanto, não se repetiu. Fátima Chamma atribuiu o fato à ausência de acompanhamento dado pela empresa ao cliente. André Pinheiro acreditava que um dos problemas era o preço pelo qual os produtos chegavam aos mercados externos. Ele comentou que uma colônia poderia chegar ao mercado europeu por um preço mais elevado do que o de um produto de marca estabelecida, como, por exemplo, Dolce e Gabbana, em razão da necessidade de remunerar os investimentos realizados. Seção Fechamento Conheça as lições aprendidas pela empresa protagonista e seus futuros desafios e perspectivas. Após a experiência com a incubadora, que foi marcante para a sua história, a Chamma da Amazônia prosseguiu em sua expansão, recebendo inúmeros prêmios por seu papel na região amazônica e pelo empreendedorismo demonstrado, que são: MDIC – Medalha do Conhecimento – 2004; CNI – Gestão do Design Ecologicamente Sustentável (Brasil 2002); CNI – Gestão do Design Ecologicamente Sustentável (Pará 2002); CNI – Gestão do Design Parcerias Facilitando o Trabalho (Pará 2002); Empresa Cara Brasileira – 2002 ’ Sesi – Qualidade de Trabalho (Estado do Pará – 2002); Sesi – Qualidade de Trabalho (Estado do Pará – 2001); Finep – Inovação Tecnológica Categoria Empresa Pequeno Porte – 2001; Finep – Inovação Tecnológica Categoria Produto Região Norte – 2001; Finep – Inovação Tecnológica Categoria Produto Região Norte – 2000; e Melhor Apresentação do Produto para Venda – Mar del Plata, 1999. Mas os empresários sabiam que ainda haveria muitos desafios pela frente: “só se consegue fidelizar o cliente com o uso. Hoje vendemos para presente, como curiosidade”, observaram. No mercado externo, extremamente competitivo, há a necessidade de permanentemente levar novidades ao cliente, para mantê-lo motivado. Outro desafio, no que tange à exportação para o mercado externo, está nas dificuldades em conduzir a distribuição. Afinal, uma pequena empresa não poderia vender para o cliente final, o lojista, sendo ideal que tivesse um distribuidor. “Porque quem vai dar a garantia, quem vai fazer o atendimento, é o distribuidor”, avalia Fátima. E continua: “quando você coloca um distribuidor, ele fica com a sua Pa 15 margem. Você mesmo poderia fazer esse trabalho, se você tivesse as ferramentas para isso. Mas como uma pequena empresa vai colocar a marca da forma como ela tem que ser colocada para conseguir valor agregado em outro país?”. A empresa enfrenta diversos problemas no momento descrito no caso, como a falta de recursos financeiros para expansão; falta de recursos gerenciais; problemas na sociedade; e ausência de uma estratégia de expansão e internacionalização. Mas os empresários possuíam plena consciência das oportunidades e dos desafios que se apresentavam cada dia à empresa: “um dia eu pensei que, resolvendo esses problemas, eu estaria pronta. Foi quando eu compreendi que todos os dias estão cheio de problemas”, relata Fátima. Esse caso busca ilustrar uma situação ainda embrionária de desenvolvimento internacional de um pequeno empreendimento. As questões estruturais e gerenciais que se colocam a um empreendimento em fase de expansão assumem nova perspectiva quando estudadas sob a luz das oportunidades que se apresentam no mercado internacional. A escassez de recursos se choca com a vastidão de oportunidades disponíveis à empresa. Perguntas para reflexão 1. Quais os problemas enfrentados pela empresa no momento do caso? 2. Quais os diferenciais dos produtos da Chamma da Amazônia? A que segmentos- alvo no mercado esses produtos têm apelo? 3. Quais as possibilidades de imitação pelos concorrentes, ou seja, em que medida a empresa pode proteger suas vantagens competitivas? De que forma? 4. Que estratégia de expansão deve ser seguida pela empresa? 5. Quais as oportunidades disponíveis à empresa no mercado internacional? 6. Que presença internacional a empresa deve buscar nesse momento? 7. Qual a abordagem mais adequada para atuar no mercado internacional, exportações ou franquia, levando-se em conta os seus recursos e capacidades? 8. Como a empresa pode mobilizar os recursos necessários a sua expansão?
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