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Desafios Educacionais para a Docência Superior NÚCLEO DE PÓ-GRADUAÇÃO 2 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Sumário MÓDULO 1 - A Universidade e a Sociedade do Conhecimento 1.1 O Conhecimento Contemporâneo 1.1.1 A Universidade e a Sociedade 1.2 Fundamentos Legais da Educação 1.3 Sociedade da Informação 1.3.1 A Globalização MÓDULO 2 - Docência no Ensino Superior 2.1 A Dimensão Pedagógica da Prática Docente Universitária 2.1.1 Conhecimento, Aprendizagem e Ensino 2.2 Saberes Pedagógicos para a Docência do Ensino Superior 2.3 Docência Universitária e os Desafios Educacionais da Realidade Nacional 2.4 Ensino e Pesquisa como Mediação da Formação do Professor do Ensino Superior MÓDULO 3 - Acesso, expansão e equidade na Educação Superior 3.1 Conhecimento Social na Sala de Aula e a Autoformarão Docente MÓDULO 4 - Novos desafios para o Ensino Superior: Exigências à Docência Universitária 4.1 Reflexões sobre o Papel da Universidade para o Desenvolvimento Profissional de Professores e as Mudanças na Escola 3 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r MÓDULO 5 - Programas de Formação de Professor 5.1 O Lugar da Reflexão na Construção do Conhecimento Profissional 5.2. A Especificidade da Docência no Ensino Universitário MÓDULO 6 - Desafios da Sociedade e do Conhecimento 6.1 Novos Paradigmas para os Processos de Ensino e Aprendizagem 6.2. A Declaração Mundial sobre a Educação Superior para o Século XXI (Conferência Mundial na América Latina e no Caribe): perspectivas 4 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r MÓDULO 1 – A Universidade e a Sociedade do Conhecimento Isabel Cristina Domingues Aguiar Disciplina: Desafios Educacionais para a Docência Superior Módulo 1 – A Universidade e a Sociedade do Conhecimento – Faculdade Campos Elíseos (FCE) – São Paulo – 2016. Guia de Estudos – Módulo 1 – A Universidade e a 2. Sociedade do 3. Conhecimento. Orgs.: Adriana Alves Farias e Cláudia Regina Esteves Faculdade Campos Elíseos 5 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Conversa inicial No primeiro módulo, abordaremos a relação entre a universidade e a sociedade do conhecimento. Para tanto, no primeiro momento estudaremos a função que a universidade tem para a construção do conhecimento, bem como as mudanças pelas quais a universidade passou ao longo do tempo; em seguida, trataremos do conhecimento nas três dimensões específicas da instituição acadêmica: no ensino; na pesquisa e na extensão. Na sequência, discutiremos as contribuições das diretrizes da UNESCO para a produção do conhecimento visando à promoção social. Por fim, debateremos a importância do termo técnico-científico para definir a relação entre universidade e sociedade do conhecimento. Agora com a descrição de toda a trajetória, podemos iniciar a nossa jornada de estudos. Ótimo aprendizado! 6 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r 1.1 A função da Universidade na Construção do Conhecimento O conhecimento passou por um progresso ao longo do tempo e adquiriu importância central na sociedade contemporânea. Essa evolução foi acompanhada de perto pela universidade que se incumbiu do trabalho de criar, transformar e disseminar o próprio conhecimento. Sabe-se que a educação é um dos elementos fundamentais dos direitos humanos, bem como a base de sustentação da sociedade democrática, e que, portanto, deve ser acessível a todos sem distinção de classe social, etnia ou país de origem. Dessa forma, é dever do Estado garantir acesso à educação de qualidade e promover a transformação social, segundo as diretrizes fornecidas pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) que serão tratadas no decorrer deste módulo. Por ora, importa dizer que a UNESCO foi fundada em Paris após o fim Segunda Guerra Mundial, em 1945, e atua em 112 países com o objetivo de assegurar a educação de qualidade, o respeito à cultura, ciência, paz e segurança mundial. No que diz respeito à educação superior é preciso estabelecer uma série de fundamentos que permitam o acesso dos alunos a esse patamar de ensino, relacionando-o sempre com a sociedade do conhecimento. O primeiro fundamento refere-se ao objetivo que se espera com o ensino superior que para além de formar pessoas responsáveis e altamente qualificadas, deve se ater às necessidades da sociedade que está inserido. Para isso, é importante que os cursos e programas de ensino sejam construídos de acordo com a realidade local da universidade (qualquer instituição de ensino superior). O papel transformador da universidade é concretizado a partir da adequação entre o que a sociedade espera dessa instituição e o que esta realiza de fato, daí a necessidade de facilitar o ingresso a uma educação qualificada que desenvolva habilidades e aptidões que preparem o estudante de nível 7 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r superior para o mercado de trabalho. Neste sentido, pode-se afirmar que na realidade no mundo atual, a universidade está intrinsicamente ligada à sociedade por meio do conhecimento, o qual representa a única forma de transformação social. O conhecimento é a única ferramenta de transformação da sociedade? Outro fundamento importante para a educação superior está no estabelecimento do vínculo com os demais níveis de educação, especialmente a educação secundária, pois a educação superior não tem uma finalidade em si mesma, ela depende do aprendizado adquirido anteriormente para se firmar. Desse modo, conforme aponta a UNESCO: As instituições de educação superior devem ser consideradas e vistas por si mesmas como componentes de um sistema contínuo, o qual elas devem fomentar e para o qual devem também contribuir, começando tal sistema com a educação infantil e primária e tendo continuidade no decorrer da vida. (UNESCO) Além disso, a universidade não deve fazer distinção entre os formandos da educação secundária, tendo em vista que todo indivíduo, sem discriminação, pode ter acesso à educação superior. Contudo, a UNESCO ressalta que o ingresso à universidade deve ser facilitado tanto para alguns grupos minoritários que se distinguem dos demais culturalmente, como o caso dos povos indígenas; quanto para grupos desfavorecidos socialmente. Como forma de resolver esses casos de exceção, pode-se citar a criação de programas de cotas sociais e/ou étnicas, bem como a assistência material e/ou financeira que algumas universidades desenvolveram no intuito de oferecer o acesso e continuação dos estudos na educação superior. 8 D esa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Para aprofundar mais a análise da inserção da universidade no domínio da “sociedade do conhecimento” é preciso compreender as relações internas e externas da universidade (como a divisão de sua estrutura em pesquisa, ensino e extensão), bem como as mudanças que essas relações sofreram ao longo de sua existência no século XI. 1.1.1 Histórico do Conhecimento na Universidade A formação da universidade como ambiente de concretização do conhecimento foi estabelecida na relação entre os ideais da educação, da investigação (pesquisa) e da ciência. Porém, a definição desses conceitos, assim como suas articulações sofreram mudanças com o tempo. Inicialmente, ocorreu o surgimento da primeira universidade criada em Bolonha, na Itália, no final do século XI. Logo depois, no século XII, foi fundada a Universidade de Paris e esses dois centros de estudos permitiram, posteriormente, o aparecimento de outras universidades na Europa. A título de curiosidade, no Brasil a primeira instituição de ensino superior foi fundada em 1808, a Escola de Cirurgia da Bahia. Em seguida, surgiram as Faculdades de Direito, nas cidades de São Paulo e Olinda, em 1927. E, por fim, a primeira universidade com diversos cursos, a Universidade do Rio de Janeiro, em 1920. Sobre essas primeiras universidades no mundo, no século XI, sabe-se que centralizavam no ensino das leis, da medicina, da astronomia e da lógica, e mantinham extrema dependência do apoio da igreja para funcionar, tendo em vista que na Idade Média cabia a ela a autoridade sobre a sociedade. Nesta época, a ciência era entendida a partir de uma concepção metafísica, isto é, uma doutrina que busca a essência do conhecimento das coisas. Para Aristóteles, a Metafísica é a ciência primeira no sentido de fornecer 9 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r a todas as outras o fundamento comum, ou seja, o objeto a que todas elas se referem e os princípios dos quais todas dependem. Contudo, a universidade não tinha plena autonomia sobre a pesquisa científica e os estudos de metafísica e, consequentemente a própria ciência, permaneceram atrelados ao campo da religião. Aliás, a questão da autonomia da universidade frente a pesquisas e ao ensino é um dos pontos que contribuíram para a falência do modelo universitário medieval e, consequentemente, para a desfragmentação da relação entre razão e fé. Dentre os fatores que impulsionaram a laicização da universidade estão os movimentos de reforma protestante e a formação do Renascimento, o que significa que os motivos que levaram a laicização da universidade são externos a ela. Na Idade Moderna (século XVI a XVIII), surge um novo modelo de universidade fundamentado na autonomia sobre a pesquisa cientifica e vinculado às necessidades da sociedade. De acordo com Lacerda & Álvares (2000), é nessa fase que a universidade foi pressionada pelo mercado para formar mão-de-obra especializada e com altos níveis de teorização, com o objetivo de atingir o rápido progresso e desenvolvimento econômico-social É importante ressaltar que o estreitamento da relação da universidade a serviço da sociedade se deu com a Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra e que gerou crescimento econômico e progresso social em todo o mundo. É evidente que nem todas as nações tiveram crescimento igualitário, nos países desenvolvidos, por exemplo, o progresso econômico-social foi mais intenso e refletiu na melhoria da qualidade de vida da população. Mas, de forma geral, observa-se uma mudança no modelo econômico no mundo em que a base de produção, ou seja, a matéria-prima (capital) passa a ser o conhecimento em si. A valorização do conhecimento produzido na universidade adquire notoriedade, mais precisamente, após a segunda metade do século XX tendo em vista: a necessidade de capacitação profissional cada vez mais especializada para o mercado de trabalho; a promoção do conhecimento como forma de promoção social, de acordo com as diretrizes impostas pela UNESCO; 10 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r surgimento de tecnologias que facilitam o processo de ensino- aprendizagem (formação EAD, videoconferências). Convém destacar que o uso de tecnologia para a aquisição do conhecimento traz novos desdobramentos para a educação superior (Universidades e Institutos), pois no mundo digital as informações são absorvidas de forma intensa e o conhecimento do “novo” torna-se obsoleto rapidamente. Sobre isso, Celso Candido (2003) afirma que a Universidade do século XXI deverá estreitar cada vez mais a relação com o mercado do conhecimento digital seja como produtora de talentos para o mercado de trabalho, seja como produtora de conhecimento na forma digital. Assim, na realidade contemporânea o conhecimento produzido e adquirido no ensino superior impôs o ritmo de desenvolvimento da sociedade. Síntese ✓ O conhecimento é imprescindível na sociedade contemporânea. ✓ Cabe a universidade o papel de criar, transformar e disseminar o conhecimento. ✓ A universidade deve se adequar as necessidades da sociedade preparando o estudante para o mercado de trabalho. ✓ O vínculo entre universidade e educação secundária deve ser estimulado. ✓ A universidade passou por diversas fases desde sua criação, mas a busca pelo conhecimento científico e autônomo sempre esteve presente. ✓ O conhecimento produzido na educação superior depende da sociedade, e ao mesmo tempo, impõe sobre ela o progresso. 11 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r 1.2 Ensino, Pesquisa e Extensão Universitária Para evidenciar a relação do conhecimento na universidade convém destacar as três dimensões específicas da instituição acadêmica: o ensino; a pesquisa e a extensão. A universidade é responsável pelo processo de criação e divulgação de novos conhecimentos e tecnologias através do ensino e da pesquisa. Porém, muitas vezes observa-se uma divisão entre o que é ensino para pesquisa e o que é ensino como resultado da pesquisa, demonstrando a existência de uma divisão entre o aprendizado acadêmico e a investigação científica. No artigo “O ensino de graduação na universidade”, José Carlos Libâneo (2003) destaca que o aprendizado na sala de aula é fundamental para transformar o discente em um profissional qualificado. É nela, que os professores desempenham papel influenciador na formação dos alunos, seja pela metodologia de ensino adotada, seja pela postura enquanto formador. Contudo, o ensino em sala de aula é uma das facetas da universidade e para a eficácia no aprendizado/formação é necessário convergir para pesquisa e extensão. Neste sentido, a pesquisa científica é parte integrante dos currículos das universidades e apresenta relevância como elemento estrutural da formação profissional. Atualmente, o mercado de trabalho exige uma capacitação profissional que transpasse os limites dos conhecimentos teóricos e incida na prática de novos saberes. O conhecimento na universidade ganha força na pesquisa onde o conhecimento científico se apresenta de maneira mais consistente. Neste contexto a pesquisa torna-se o epicentro de toda organização e, em especial, nainstituição universitária. É através da pesquisa que se qualifica a atividade acadêmica de modo geral. É a cultura da pesquisa, sobretudo, que é preciso promover em todos os escalões da organização. Logo, aí, todos devem pesquisar, em todos os níveis da gestão acadêmica. E, não apenas a pesquisa é um direito, mas uma obrigação incontestável de todos órgãos e membros da universidade. Mesmo nos domínios administrativos mais elementares. É a pesquisa que deve orientar o caminho de toda a organização, pois somente onde há pesquisa há produção e criação de conhecimento. (CANDIDO,2003, p.8) 12 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Apesar do relevante reconhecimento da pesquisa como fonte de produção do conhecimento, observa-se certo embate burocrático entre a pesquisa e as instituições acadêmicas. Na maioria das vezes, a pesquisa científica deve obedecer a procedimentos para sua realização que podem comprometer a efetivação do resultado final. Conforme afirma Candido (2003), quanto maior for o número de pesquisas científicas, maiores serão as possibilidades de sobreviver no mercado de trabalho. No que diz respeito à metodologia do trabalho científico também não há diferenciação do conhecimento acadêmico ou mercadológico. Segundo Eco (1995), de forma geral o estudo científico deve apresentar quatro apontamentos: centralizar-se sobre um objeto de análise que seja reconhecido por todos; esclarecer algo sobre o objeto que ainda não foi dito ou revisitá-lo a partir de um ponto de vista diferente do que já foi tratado; o estudo deve ter utilidade para os demais da sociedade; prover elementos para observação das hipóteses apresentadas. Para, Cervo & Bervian (2002), a metodologia científica deve ser compreendida como o conjunto de processos necessários para orientar o desenvolvimento de pesquisas acadêmicas. Através do método orienta-se a pesquisa para o desdobramento final (resultados). No que tange à extensão universitária o conhecimento adquire inúmeras formas de criação com a possibilidade de participação de diversos grupos sociais, tais como: comunidade; gestão acadêmica, docentes e discentes. Comumente, os projetos de extensão atuam como laboratório de aplicação do conhecimento criado em nível acadêmico, além de possibilitar a aproximação entre sociedade e a universidade. 1.3 A Produção do Conhecimento para a Promoção Social A Conferência Mundial sobre Educação Superior, ocorrida em Paris em 9 de outubro de 1998, foi organizada pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), com o intuito de buscar soluções 13 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r concretas para a transformação da educação superior mundial. As propostas para tornar a educação foram constituídas a partir dos princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos que em seu artigo 26 afirma que “toda pessoa tem o direito à educação”, assim como “a educação superior deverá ser igualmente acessível a todos com base no respectivo mérito”. Desse encontro surgiu a nomeada “Declaração Mundial sobre Educação Superior no Século XXI: Visão e Ação” com o objetivo de refletir sobre o ensino superior e estabelecer metas para a diminuição da desigualdade de condições no ingresso à Universidade, para a melhoria da qualidade do ensino, pesquisa e serviços de extensão, a relevância dos programas de ensino oferecidos e por fim, o acesso dos formandos e alunos egressos ao mercado de trabalho. Além disso, a Declaração aponta para a necessidade de acesso igualitário às novas tecnologias na educação superior que estão transformando o modo de produção e difusão do conhecimento. Se antes essas tecnologias eram utilizadas para aperfeiçoar o ensino, atualmente, através do sistema de educação à distância (EAD), são ferramentas de aprendizado e por isso devem ser acessíveis a todos. Convém salientar que a expressão “educação superior” aqui tratada tem um caráter abrangente ao incluir como pertencente a este grupo todo e qualquer tipo de estudo, treinamento ou formação para pesquisa em nível pós-secundário, oferecido por universidades ou outros estabelecimentos educacionais aprovados como instituições de educação superior pelas autoridades competentes do Estado. Conforme já explicitado neste módulo, a educação universitária na segunda metade do século XX estreitou sua relação com a sociedade e passou a produzir conhecimento voltado para as necessidades da mesma. Consequentemente, a educação superior se expandiu de forma rápida e, em algumas partes do mundo, com muitos problemas deficitários referentes ao acesso e ausência de recursos para o ensino, pesquisa e extensão universitária. Para se ter uma noção de tamanho crescimento, a análise comparativa entre as décadas de 1960 e 1995 revelou que o número de estudantes matriculados no ensino superior em escala mundial passou de 13 milhões para 82 milhões. Especificamente no Brasil, segundo dados do Censo da Educação 14 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Superior divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2013 o Brasil registrou mais de 7 milhões de estudantes matriculados em cursos de graduação no ensino superior. Embora esse período da segunda metade do século XX tenha sido de crescimento de oportunidades/matrículas no ensino superior, observa-se uma desigualdade nessa expansão dentro dos próprios países, revelando que as oportunidades não são dadas a todos de forma igualitária. No gráfico a seguir, apreende-se uma concentração no número de oportunidades educacionais, em nível superior, de uma região brasileira em detrimento de outras. Gráfico 1: Fonte: Sindata /Semesp | Base: Censo INEP A Região Sudeste ocupa o primeiro lugar no número de matrículas no ensino superior brasileiro, seguida pelas regiões Nordeste (21%), Sul (16%), Centro-Oeste (9%) e Norte (7%). Aqui, nos casos de oportunidades do ensino superior foi colocado apenas a quantidade de matrículas no período em cursos presenciais, sem abranger para as particularidades das demais matrículas (ensino à distância; público; privado; cotista). Sabe-se que em números absolutos, a região sudeste do país é mais populosa, mas ainda assim, esse fato é insuficiente para explicar tamanha desigualdade no número de matrículas em cursos presenciais por região do país. 15 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Outra informação que revela o desequilíbrio no acesso a universidade no Brasil está nos dados do programa de Financiamento Estudantil (Fies), do Ministério da Educação, que demonstram que juntos, os estados de São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro possuem mais da metade dos contratos firmados no Brasil (1,08 milhão) no cumulativo do período de janeiro/2010 a junho/2015. Essas informações são bases relevantes não apenas para fundamentar a análise da situação da educação superior no país, mas servem também como instrumentos para atingir os objetivos promulgados pela UNESCO em sua Declaração Mundial sobre o Ensino Superior. Dessa forma, tendo ciência da realidade deficitária do ensino superior, com o uso de novas tecnologias é possível pensar na formaçãode toda uma geração de pessoas críticas e qualificadas para a pesquisa e o mercado de trabalho. Os desafios da universidade e da sociedade do conhecimento são inúmeros, mas adequar às instituições acadêmicas a uma lógica de produção e difusão do conhecimento é o elemento central para o desenvolvimento de qualquer país. Síntese ✓ A relação do conhecimento nas três dimensões da instituição acadêmica: ensino; pesquisa e extensão. ✓ A “Declaração Mundial sobre Educação Superior: Vida e Ação” da UNESCO, em 1998, estabeleceu metas para a diminuição da desigualdade no acesso à universidade. ✓ Mudança de paradigma: a Universidade no século XX estreita a relação com a sociedade e passa a produzir conhecimento voltado para as necessidades da mesma 16 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r 1.4 O Conhecimento Técnico-Científico Neste momento, objetiva-se realizar uma análise do conhecimento técnico-científico de modo a estabelecer como esse saber pode refletir sobre a sociedade. Sabe-se atualmente que a educação superior está intimamente ligada ao progresso econômico-social, já que o conhecimento produzido nela precisa estar adequado à realidade do mundo moderno. Desta forma, o saber acadêmico voltado para a ciência com um fim em si e sem aplicabilidade praticamente inexiste. Conforme afirma Morel: Opondo-se a uma tradição idealista que apresentava os intelectuais como grupos autônomos, Gramsci mostra os fundamentos históricos da categoria de intelectual, que teria funções econômicas, sociais e políticas bem determinada na manutenção e/ou conservação de sociedades concretas. Assim, o surgimento do intelectual contemporâneo - o quadro técnico, o especialista - estaria organicamente ligado ao surgimento do empresário capitalista (MOREL, 2002, p. 13). Daí a necessidade de ponderar que o utilitarismo científico, isto é, a finalidade que se tem com um experimento é condição para a existência da sociedade do conhecimento. O termo conhecimento técnico-científico pode ser mais adequado para tratar desse conhecimento utilitário, compreendendo que o estudo científico é produzido para ser utilizado como ferramenta no meio social. Uma das formas mais determinantes da ação do conhecimento universitário na sociedade está na sua própria organização. Isso porque, no século XXI, a especialização no nível superior reflete diretamente na valorização social do indivíduo, bem como em sua remuneração salarial. Em 2013, uma pesquisa do Ministério do trabalho apontou que a Remuneração média da população com ensino superior completo chega a ser três vezes superior à dos trabalhadores com apenas o ensino médio completo. 17 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Observe o gráfico a seguir: Gráfico 2 1.422,72 1.663,84 4.998,40 1.476,24 1.713,38 5.030,00 Ensino Fundamental Completo Ensino Médio Superior Completo Remuneração média (em reais) x grau de instrução 2012 2013 Fonte: Sindata /Semesp | Base: RAIS Verifica-se que o salário médio dos trabalhadores com ensino superior completo chega a ser três vezes superior ao dos trabalhadores com apenas o ensino médio completo, ultrapassando R$ 5 mil em 2013. Esse fato remete a uma crítica contundente de que o conhecimento na sociedade é utilizado como matéria-prima para a manutenção do sistema de produção capitalista. Sobre isso, em artigo produzido por ocasião do Fórum da UNESCO de 2003, Bernheim e Chauí apontam que o elemento característico da sociedade do conhecimento está na mudança do paradigma econômico e produtivo, em que a fonte de capital, isto é, de matéria-prima, passa a ser o próprio conhecimento. O conhecimento - alguns teóricos tratam de conhecimento e informação como sinônimos – adquire importância, conforme visto no gráfico, ele define posições sociais, dá poder aos países, porém a crítica negativa refere-se à sujeição desse saber as regras do mercado e da própria sociedade. 18 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r A sociedade do conhecimento é governada pela lógica do mercado (sobretudo o financeiro) de tal modo que não é propícia nem favorável à ação política da sociedade civil e à promoção efetiva da informação e do conhecimento necessários para a vida social e cultural. (BERNHEIM & CHAUÍ, 2003, p.6) Neste sentido, observa-se que a autonomia da universidade é transformada pelo conceito de sociedade do conhecimento. Consequentemente, a formação universitária passa a se moldar por um método técnico e científico capaz de desempenhar com eficiência tanto o saber enquanto criação acadêmica, quanto das necessidades reais do mercado de trabalho. Outro ponto negativo discutido na dependência entre universidade e sociedade do conhecimento está na significativa redução do tempo para a pesquisa. Atualmente, com o surgimento de novas tecnologias e a necessidade da sociedade por novas descobertas, as pesquisas científicas não têm tempo para amadurecem e se fazerem altamente confiáveis. Com isso, ocorre a queda na qualidade da formação universitária, pois o processo de criação do conhecimento é constantemente transformado e o que é novo em determinado momento, torna-se obsoleto rapidamente. Contudo, isso não significa afirmar que as novas tecnologias devem ser abolidas do meio científico e informacional, ao contrário, é preciso respeitar o que é novo, mas também refletir sobre as consequências que tais práticas têm pela sociedade Assim, conclui-se que universidade e sociedade estão vinculadas pelo conhecimento, e que esse tema, em destaque nos estudos sobre a educação, está em aberto e precisa ser discutido de forma ampla pela sociedade. 19 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Síntese ✓ O saber acadêmico voltado para a ciência sem aplicabilidade praticamente inexiste na sociedade. ✓ O objetivo de um experimento científico é condição para a existência da sociedade do conhecimento. ✓ O termo conhecimento técnico-científico trata desse conhecimento utilitário, compreendendo que o estudo científico é produzido para ser utilizado como ferramenta no meio social. ✓ A autonomia da universidade é transformada pelo conceito de sociedade do conhecimento. ✓ A dependência entre universidade e sociedade do conhecimento gera significativa redução do tempo para a pesquisa. 20 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Considerações Finais Finalizando o módulo 1 “ A Universidade e a Sociedade do Conhecimento”, esperamos que você tenha compreendido a relação entre a universidade e a sociedade do conhecimento, bem como as transformações pelas quais a universidade passou para chegar a estrutura atual. Aqui, explanamos como o conhecimento foi tratado desde o surgimento da primeira Universidade no mundo, na Itália, na Idade Média, passando pelo período moderno marcado pela busca da autonomia universitária, até chegarmos à contemporaneidade em que a universidadefundamenta a sociedade do conhecimento. Igualmente, esperamos que tenha sido evidenciada a contribuição das diretrizes da UNESCO para a produção do conhecimento no intuito de garantir a promoção social. Enfim, a conceituação do termo “conhecimento técnico- científico” foi decisiva para compreendermos como o saber voltado para o meio social pode ser definido. 21 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r MÓDULO 2 - Docência no Ensino Superior Márcia Donizete Leite Oliveira Disciplina: Desafios Educacionais para a Docência Superior Módulo 2 – Docência no Ensino Superior – Faculdade Campos Elíseos (FCE) – São Paulo – 2016. Guia de Estudos – Módulo 2 – Docência no Ensino Superior. 1. Docência 2. Trabalho 3. Ensino Superior Orgs.: Adriana Alves Farias e Cláudia Regina Esteves Faculdade Campos Elíseos 22 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Conversa Inicial INTRODUÇÃO Nesse segundo módulo, abordaremos alguns conceitos de “Docência no Ensino Superior”, considerando as diferentes concepções teóricas defendidas por alguns autores e conceptores de políticas educacionais representadas em documentos oficiais. Essa abordagem visa uma melhor compreensão do trabalho docente no contexto educacional brasileiro voltado aos cursos de ensino superior, mais especificamente, voltado aos cursos de formação docente. Para tanto, no primeiro momento, discorremos sobre os “conceitos de docência” que vêm sendo discutidos por alguns teóricos que visam contribuir para essa prática docente. Nos momentos seguintes, discutiremos a “Formação Pedagógica frente à profissão docente” com o intuito de apresentar o papel dessa formação na construção da formação docente; o “Plano Nacional de Educação – PNE” como documento norteador do ensino superior; a “Lei de Diretrizes e Bases (LDB)” como lei constitucional que rege a Educação Brasileira; o “Surgimento do Ensino Superior no Brasil” para entendermos sua importância e funcionalidade na sociedade brasileira; o “Papel do Professor Universitário e suas diferentes atuações” frente às universidades e instituições de ensino para uma maior compreensão do trabalho docente; e por fim, “A representação do MEC no trabalho docente de ensino superior” para verificarmos como as prescrições oficiais interferem no trabalho realizado pelo professor. O objetivo geral deste estudo não é fazer um levantamento exaustivo dessas diferentes concepções a respeito da Docência no Ensino Superior, mas sim chegar a uma melhor compreensão da proposta de “uma concepção mais ampliada de docência” no contexto do ensino superior, que vem sendo discutida por vários pesquisadores das ciências humanas, sociais e da 23 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r educação nos cursos de formação docente. A seguir, iniciaremos a nossa jornada de estudos. Ótimo aprendizado! 2. A CONCEITUALIZAÇÃO DE DOCÊNCIA Conceituar docência é tratar de uma questão que envolve diversas concepções teóricas, uma vez que não cabe seguir uma concepção de senso comum. O termo “docência” pode ser apresentado comumente nos dicionários como: ação de ensinar; exercício do magistério ou simplesmente como qualidade do profissional que ministra aulas. Entretanto, essas definições do senso comum e/ou de algumas concepções teóricas podem provocar certo desmerecimento ou desvalorização da profissão docência, visto que é considerada por certas ciências como uma atividade humana que promove o desenvolvimento social, profissional individual e coletivo. Tal conceito vai além dessas definições gerais. Segundo Machado (2007, p.91-92) a atividade docente é: Situada, que sofre a influência do contexto mais imediato e mais amplo; [...] mediada por instrumentos (materiais ou simbólicos), na medida em que o trabalhador se apropria de artefatos socialmente construídos e disponibilizados para ele pelo meio social; interacional, pois essa interação, no sentido mais amplo, é de natureza multidimensional, porque, ao agir sobre o meio com a utilização de instrumentos, o trabalhador transforma esse meio e esses instrumentos e, por outro lado, é ao mesmo tempo, por eles transformado; [...] conflituosa, pois o trabalhador está sempre fazendo escolhas para (re) direcionar seu agir em diferentes situações de trabalho, diante de “vozes contraditórias internalizadas do agir dos outros envolvidos, do meio, dos artefatos, das prescrições” [...] (MACHADO, 2007, p.91-92) 1. 1 Machado (2007) – Por uma concepção ampliada do trabalho do professor – In GUIMARÃES; MACHADO; COUTINHO. (2007). O Interacionismo Sociodiscursivo. 24 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Para completar essa linha de pensamento, Libâneo (2007, p.23), ao fazer uma reflexão acerca da Docência no Ensino Superior, afirma que o conceito de docência não se restringe apenas ao ato de ministrar aulas, inclui-se ainda a amplitude do trabalho pedagógico, toda atividade educativa que ocorre em espaços escolares ou não escolares. Masetto (1998) ao ir ao encontro desse pensamento ressalta que: A docência no ensino superior exige não apenas domínio de conhecimentos a serem transmitidos por um professor como também um profissionalismo semelhante aquele exigido para o exercício de qualquer profissão. A docência nas universidades e faculdades isoladas precisa ser encarada de forma profissional, e não amadoristicamente (MASETTO, 1998, p.13). Dessa forma, a docência no ensino superior precisa ser vista como uma atividade complexa e de suma importância na construção do ser social crítico e responsável. No entanto, no cenário atual, essa docência necessita ser repensada e analisada. E, para que possa atingir seu ápice, precisaria não somente de uma reformulação curricular significativa quanto à formação docente, mas, sobretudo que o professor de ensino superior possa se conscientizar da complexidade de seu trabalho docente, e, por meio da apropriação de vários elementos constitutivos de sua atividade, possa encontrar meios, formas, condições, ferramentas, instrumentos de agir e superar os impedimentos encontrados em seu métier de trabalho. A seguir, serão discutidos alguns aspectos relevantes que fazem parte dessa atividade docente. 25 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r 2.1 FORMAÇÃO PEDAGÓGICA FRENTE À PROFISSÃO DOCENTE Campos (2006) ao analisar pesquisas voltadas ao contexto educacional brasileiro constatou que a docência no ensino superior mistura-se em uma junção de significados que condicionam a sua concepção e, por esse motivo, não é possível refletir sobre a “docência vivida e concebida sem considerar a formação específica pedagógica enquanto dimensão imprescindível à profissão docente” (2006, p.3). A autora (2006) considera que independente do nível em que a docência ocorra, ela pode ser considerada como uma atividadehumana cercada de impasses, dilemas e perspectivas. Assim, nessa concepção, ao considerar a dimensão humana da docência é preciso levar em conta a sua dimensão histórica e social, visto que é parte integrante da identidade profissional do professor. Para Campos (2006) os estudos sobre docência constituem em dar um novo significado aos processos formativos a partir dos conhecimentos pedagógicos inerentes e necessários à profissão docente. Segundo Cunha (2010) existem muitos saberes que precisam ser apropriados e compreendidos em suas relações no exercício da docência e, a Pedagogia situa-se neste contexto, contribuindo assim para a formação dos professores. No entanto, a concepção de formação para a docência no ensino superior tem se centrado de forma crescente em cursos de especialização voltados a uma determinada área do conhecimento. Os cursos de pós- graduação stricto sensu, por exemplo, priorizam a formação para pesquisas científicas em cumprimento as Leis de Diretrizes de Bases da Educação Brasileira (9.394/96) e em detrimento ao preparo docente. Porém, percebe-se que não há uma exigência significativa em termos pedagógicos, o que se leva a acreditar que é comum relacionar a formação docente voltada ao ensino superior com a formação docente para o ensino básico sem levar em consideração as especificidades pedagógicas do ensino 26 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r superior. Dentre os vários motivos que causam essa omissão, pode-se citar a falta de obrigatoriedade do ensino superior a todos os cidadãos brasileiros nas leis governamentais educacionais do país. Nesse sentido, Cunha (2010) aponta que “a própria carreira dos professores da educação superior, na grande maioria dos casos se alicerça em dispositivos ligados à produção científica decorrente da pesquisa e pouco faz menção aos saberes necessários ao ensino” (CUNHA, 2010, p.34). Campos (2006, p.4), em sua pesquisa, dialoga com alguns autores que consideram que a preparação para a docência no ensino superior fica a cargo de disciplinas como: “Metodologia do Ensino Superior e Didática do Ensino Superior”, as quais são responsáveis pelas reflexões sobre o “papel do professor; sobre a forma de como ensinar e de aprender; sobre planejamentos; organizações de conteúdos, metodologias e avaliações” (ANASTASIOU E PIMENTA, 2002, p.108). Disciplinas essas que possuem uma curta duração de carga horária e, mesmo assim, precisam dar conta de realizar todas essas atividades. Morosini (2000) completa que uma única disciplina não prepara e não consegue formar um professor para atender às exigências das instituições de ensino superior no Brasil quanto à questão de ensino, pesquisa e extensão. Assim, precisamos compreender que a preparação para a docência no ensino superior também está atrelada a algumas exigências institucionais representadas em documentos oficiais governamentais que regem, norteiam direcionam o trabalho docente no país, como é o caso do Plano Nacional de Educação conhecido comumente como PNE, a seguir: Como as exigências institucionais contidas em documentos oficiais (PNE) podem interferir no agir docente? 27 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Sintese A partir dos conceitos de Docência discutidos nos tópicos anteriores, percebemos que o trabalho docente é uma atividade complexa e constituída por vários elementos, como ainda, desvalorizada na sociedade. Assim, é preciso que conceptores de políticas educacionais, teóricos, sociedade ou, até mesmo o próprio professor, tenham consciência deste trabalho e de sua importância na formação de uma sociedade mais justa, igualitária, crítica e participativa. 2.2 O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO – (PNE) E O PAPEL DO ENSINO SUPERIOR No dia 09 de janeiro de 2001 foi sancionada a Lei n. 10.172, pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso, que aprovou o Plano Nacional de Educação – PNE com duração de dez anos. De acordo com o Art. 2º desta lei, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar seus planos decenais com base no PNE. E, dentre esses artigos mencionados nesta lei, destaca-se também o Art.6º que compromete o governo federal, estados e municípios a divulgarem este Plano e a progressiva realização de seus objetivos e metas à sociedade para que possa acompanhar essa implementação. Dentre todos os itens contidos no Plano Nacional de Educação, doravante (PNE), destaca-se o item 42, que trata especificamente da Educação de nível Superior. O PNE ao apresentar o diagnóstico sobre essa modalidade de ensino, afirma 2 Apresentado neste Plano a partir da página 28, anexado à LEI N° 010172, de 9 DE JANEIRO DE 2001. (http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/L10172.pdf). 28 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r que a educação superior enfrenta, no Brasil, sérios problemas que serão agravados se esse Plano não estabelecer uma política que promova sua renovação e desenvolvimento. Assim, percebe-se que o PNE se compromete em reverter essa situação em relação à educação superior. Ao apresentar suas diretrizes para o ensino superior, o PNE afirma que nenhum país pode se desenvolver e ser independente sem um forte sistema de educação superior, justificando que, “num mundo em que o conhecimento sobrepuja os recursos matérias como fator de desenvolvimento humano, a importância da educação superior e de suas instituições é cada vez maior” (PNE, 2001, p.33). Justifica ainda que, o apoio público é decisivo para que as Instituições de Ensino Superior (IES) possam desempenhar sua missão educacional, institucional e social. Este Plano também mostra a importância que as IES, universidades e centros de pesquisa precisam ter no contexto educacional, pois são eles os responsáveis pela produção do conhecimento, pelo desenvolvimento científico e tecnológico, criando assim, o dinamismo das sociedades atuais. Entretanto, o PNE atribui certas responsabilidades às IES para que possam colocar o país junto às “Exigências e Desafios do Século XXI” com o apoio nacional. Dentre essas responsabilidades estão: • Encontrar a solução para os problemas atuais, em todos os campos da vida e da atividade humana. • Abrir um horizonte para um futuro melhor para a sociedade brasileira, reduzindo as desigualdades; • Oferecer educação básica de qualidade para todos. Para o PNE esta ação está nas mãos das IES, visto que a essas instituições competem primordialmente à formação dos profissionais do magistério; • Formar os quadros profissionais, científicos e culturais de nível superior, ou seja, a produção de pesquisa e inovação, a busca de solução para os problemas atuais com o objetivo de projetar a sociedade para um futuro melhor. 29 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r • Dessa forma, o PNE (2001, p.33) destaca o papel do Sistema de Educação Superior, o qual deve contar com um conjunto diversificado de instituições para atender a diferentes demandas e funções, tendo como núcleo estratégico as universidades, as quais são responsáveis em cumprir funções atribuídas pela Constituição Federal como ensino, pesquisa e extensão.Pois, segundo esse documento oficial, as universidades têm a missão de contribuir para o desenvolvimento do país e para a redução dos desequilíbrios regionais dentro de um projeto nacional. Assim, essas instituições precisam estar atreladas com as instituições de ciência e tecnologia, de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases (LDB – 9.394/96 Art. 86): “As instituições de educação superior constituídas como universidades integrar-se-ão, também, na sua condição de instituições de pesquisa, ao Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, nos termos da legislação específica”. Segundo o PNE (2001, p. 33), essas exigências são necessárias devido às rápidas transformações no mundo contemporâneo e, as universidades precisam: Dar conta desse desafio, assim precisam reunir suas atividades de ensino, pesquisa e extensão, os requisitos de relevância, incluindo a superação das desigualdades sociais e regionais, qualidade e cooperação internacional. As universidades constituem, a partir da reflexão e da pesquisa, o principal instrumento de transmissão da experiência cultural e científica acumulada pela humanidade. Nessas instituições apropria-se o patrimônio do saber humano que deve ser aplicado ao conhecimento e desenvolvimento do País e da sociedade brasileira. A universidade é simultaneamente, depositária e criadora de conhecimentos (PNE, 2001, p. 33). O PNE ressalta que a educação superior tem o papel de fundamentar e divulgar os conhecimentos ministrados nos outros níveis de ensino, como ainda, preparar seus professores3. Dessa forma, universidades e outras instituições de educação superior devem promover uma estreita articulação entre este nível de ensino com os demais níveis, como ainda ter um compromisso em conjunto com o sistema educacional brasileiro. 3 Grifo da autora. 30 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Quanto aos objetivos e metas a serem cumpridos pelo PNE que dependem da iniciativa da União (2001, p.35), estão: • Institucionalizar um amplo e diversificado sistema de avaliação interna e externa que englobe os setores público e privado, e promova a melhoria da qualidade do ensino, da pesquisa, da extensão e da gestão acadêmica; • Incluir nas diretrizes curriculares dos cursos de formação de docente4 temas relacionados às problemáticas tratadas nos temas transversais, especialmente os que se referem ao gênero, educação sexual, ética (justiça, diálogo, respeito mútuo, solidariedade e tolerância, pluralidade cultural, meio ambiente, saúde e temas locais). Quanto aos objetivos e prioridades do PNE (2001, p. 6) em relação à valorização dos profissionais da educação, destacam-se: Valorização dos profissionais da educação. Particular atenção deverá ser dada à formação inicial e continuada5, em especial dos professores. Faz parte dessa valorização a garantia das condições adequadas de trabalho, entre elas o tempo para estudo e preparação das aulas, salário digno, com piso salarial e carreira de magistério (PNE, 2001, p.6). Apesar do PNE (2001) expressar uma preocupação significativa quanto à Educação de Ensino Superior, em especial ao papel das instituições (IES), universidades e centros universitários, configurada na Docência desse nível, sabe-se que o conceito de docência tem sido discutido em vários documentos oficiais como LDB, CNE6, PNE, Diretrizes Curriculares Nacionais e outros documentos com discrepância há algumas décadas. Principalmente a partir dos anos 90, quando o Brasil passou por algumas reformas políticas educacionais (elaboração de propostas curriculares e parâmetros curriculares). Segundo alguns conceptores dessas reformas, o objetivo era buscar soluções para a falta 4 Grifo da autora. 5 Grifo da autora. 6 Conselho Nacional de Educação - CNE 31 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r de qualidade no ensino superior comprovada em testes de cunho nacional e internacional, como PISA7, ENADE8, PROVA BRASIL e outros, visando atender às necessidades sociais e organizacionais do ensino. Dentre essas reformas do sistema educacional, estão: a promulgação da Nova Lei de Diretrizes e Bases – LDB (Lei Federal n. 9.394/96) que define e regulamenta o sistema de educação brasileiro com base nos princípios presentes na Constituição e nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Os parâmetros criados em 1994 e implantados em 1998, configura-se como um documento oficial norteador para a Educação Básica no Brasil, com base em diagnósticos e recomendações de Instituições Internacionais, como Banco Mundial, Banco Internacional de Desenvolvimento e Fundo Monetário Internacional (LEITE-OLIVEIRA, 2015, p. 26). Assim, pode-se perceber que essas propostas e reformas curriculares incidem diretamente na escolha de conteúdos e materiais didáticos e transposições didáticas que devem ser ensinados e utilizados e sala de aula, os quais vão ao encontro de interesses desses conceptores políticos educacionais. É importante lembrar que tais interesses também fazem parte do contexto do ensino superior. Campos (2004), ao completar essa linha de pensamento, ressalta que nesse período (década de 90), na educação superior, houve a elaboração de um grande número de documentos visando a sua reorganização, reformas nos cursos de formação de professores compreendidas como parte das ações implementadas no contexto da reestruturação do Estado Brasileiro em consonância com os preceitos da chamada “agenda neoliberal”, promovendo ajustes, estabelecendo “novos marcos regulatórios” e mudando substancialmente o contexto da Educação. É importante lembrar que alguns movimentos de educadores já contemplavam essa preocupação em organizar a formação docente. Entretanto, segundo Libâneo (2001), o movimento de reformulação dos cursos de formação docente preocupa-se mais com a formação dos cursos do que propriamente com as bases teóricas que embasariam essa formação. Assim, ressalta o autor (2001) que a luta por uma base comum docente gerou nas 7 PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). 8 ENADE (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes). 32 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Instituições de Ensino Superir (Faculdades de Educação) cursos com ênfase na formação do professor, porém com a mínima profundidade teórica. Que importância é dada às universidades, instituições de ensino superior pelo PNE? Síntese 2.2.1 A LDB COMO LEI CONSTITUCIONAL QUE REGE A EDUCAÇÃO BRASILEIRA De acordo com o exposto na seção anterior, a Lei de Diretrizes e Bases – LDB – Lei (9.394/96) rege a Educação no Brasil e, conforme exposição no Capítulo IV desta lei, a Educação Superior tem por finalidade: Artigo 43: I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo; Sabemos agora, que o PNE além de ser um documento oficial norteador que rege a educação brasileira, atribui ao Ensino Superior responsabilidades, obrigações e cumprimentos de várias missões a serviço da sociedade. Entretanto, precisamos pensar, mas até que ponto as universidades, instituições de ensino superior têm conseguidorealizar esse trabalho? 33 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua; III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive. IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação; V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração; VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade; VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição. Quanto à caracterização e autonomia dadas as Instituições de Ensino Superior pela LBD – (Lei 9.394/96) tem-se: Artigo 52: As universidades são instituições pluridisciplinares de formação dos quadros profissionais de nível superior, de pesquisa, de extensão e de domínio e cultivo do saber humano, que se caracterizam por: I - Produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural, quanto regional e nacional; 34 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r II - um terço do corpo docente, pelo menos, com titulação acadêmica de mestrado ou doutorado; III - um terço do corpo docente em regime de tempo integral. Parágrafo único. É facultada a criação de universidades especializadas por campo do saber. Artigo 53: No exercício de sua autonomia, são asseguradas às universidades, sem prejuízo de outras, as seguintes atribuições: I - criar, organizar e extinguir, em sua sede, cursos e programas de educação superior previstos nesta Lei, obedecendo às normas gerais da União e, quando for o caso, do respectivo sistema de ensino; II - fixar os currículos dos seus cursos e programas, observadas as diretrizes gerais pertinentes; III - estabelecer planos, programas e projetos de pesquisa científica, produção artística e atividades de extensão; IV - fixar o número de vagas de acordo com a capacidade institucional e as exigências do seu meio; V - elaborar e reformar os seus estatutos e regimentos em consonância com as normas gerais atinentes; VI - conferir graus, diplomas e outros títulos; VII - firmar contratos, acordos e convênios; VIII - aprovar e executar planos, programas e projetos de investimentos referentes a obras, serviços e aquisições em geral, bem como administrar rendimentos conforme dispositivos institucionais; IX - administrar os rendimentos e deles dispor na forma prevista no ato de constituição, nas leis e nos respectivos estatutos; X - receber subvenções, doações, heranças, legados e cooperação financeira resultante de convênios com entidades públicas e privadas. 35 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Parágrafo único. Para garantir a autonomia didático-científica das universidades, caberá aos seus colegiados de ensino e pesquisa decidir, dentro dos recursos orçamentários disponíveis, sobre: I - criação, expansão, modificação e extinção de cursos; II - ampliação e diminuição de vagas; III - elaboração da programação dos cursos IV - programação das pesquisas e das atividades de extensão; V - contratação e dispensa de professores; VI - planos de carreira docente. Quanto ao Capítulo IV, referente aos artigos supramencionados da Lei de Diretrizes e Bases – LDB que rege a Educação Nacional no país, no tangente a Educação de Ensino Superior, percebe-se que mesmo com o grau de importância desses artigos, quanto à definição e norteamento das finalidades, caracterização e autonomia desse nível de educação, há certa fragilidade e generalização ao tratar desta modalidade. Percebe-se ainda, um distanciamento de posicionamentos legais entre Educação de Ensino Básico e a Educação de Ensino Superior. Tal fato, provavelmente se dá, pela questão da Educação Básica no país ser obrigatória e de responsabilidade governamental enquanto que a de Ensino Superior é facultativa, o que justificaria a liberdade e autonomia que esse ensino possui quanto as suas políticas educacionais, como ainda, a falta de um maior direcionamento e fiscalização e valorização da Docência do Ensino Superior. A Nova LDB atribui à Educação Superior várias finalidades, em contraponto, dá a ela grande autonomia. Até que ponto essa liberdade é positiva à comunidade acadêmica? 36 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Síntese Sabe-se que neste cenário é inegável o papel e o agir do professor universitário, conforme explicitados nos tópicos anteriores deste material. Entretanto faz-se necessário uma explicitação maior de como e quando surgiu a Educação de Ensino Superior no país para compreendermos melhor o “Papel desse professor no contexto atual”. 2.3 O SURGIMENTO DO ENSINO SUPERIOR NO BRASIL E O PAPEL DAS UNIVERSIDADES E INSTITUIÇÕES DE ENSINO Segundo Sampaio (1991) o Ensino Superior só tomou cunho universitário nos anos 30, apesar da criação de suas primeiras escolas superiores em 1808. Para o autor (1991), o sistema de ensino superior no Brasil deu-se de forma lenta durante o período de 1808 a 1889. Esses cursos davam direito aos formados de ocuparem posições privilegiadas no restrito mercado de trabalho e assegurava prestigio social. Mesmo com a independência em 1822, este modelo de ensino superior permaneceu inalterado, apenas com o acréscimo de dois cursos de Direito nas cidades de São Paulo e Olinda. De acordo com o autor, essa situação ocorreu pelo fato da sociedade pós-colonial permanecer escravocrata até o final do século XIX. Somente após o ano de 1850, no governo de D. Pedro II, período de estabilidade política e de crescimento econômico, que houve uma gradual expansão das instituições educacionais e consolidação de alguns centros científicos como: o Observatório Nacional, o Museu Nacional e a Comissão Imperial Geológica. Segundo pesquisa, o curso superior, na verdade se matinha limitado à formação de profissões liberais. Enquanto que a atividade científica 37 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r oscilava entre a instabilidade das iniciativas realizadas “pelo imperial e as limitações das escolas tradicionais burocráticas, sem articulações e totalmenteutilitárias em seus objetivos”. (SCHWARTZMAN, 1979 apud Sampaio, 1991). Mesmo com a chegada da República, a Constituição de 1891 omitia-se em relação ao compromisso do Governo com a Universidade. Em 1912, por meio de forças locais, surge a primeira Universidade Brasileira no estado do Paraná, durando apenas três anos, mas em 1920, com o Decreto (14.343) de 07 de setembro de 1920, surge a Universidade do Rio de Janeiro, hoje, Universidade Federal com cursos superiores (Escola Politécnica, Faculdade de Medicina e de Direito). Em 1932, após a Resolução Constitucionalista em São Paulo, surge a Universidade de São Paulo – USP. A USP como um novo modelo, reunia a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que seria a Instituição de saber fundamentada em todas as áreas do conhecimento humano e compensaria o isolamento das faculdades preexistentes. Esta Faculdade9 viria integrar em uma base comum os ensinamentos de diversas áreas do saber, sendo “porta de entrada” em qualquer dos outros cursos profissionais. A USP baseia-se como universidade moderna apresentando três vertentes: Ensino, Pesquisa e Extensão (UNIVERSIA)10. Nas décadas de 50 a 70 foram criadas as universidades federais em todo o Brasil, além das universidades estaduais, municipais e particulares, dando origem à descentralização do Ensino Superior prevista na LDB/1961. Porém, somente nos aos 70 que houve a explosão do ensino superior com o altíssimo numero de matrículas nessas instituições. Com o crescimento desse número de matrículas o Conselho Federal de Educação aprovou milhares de cursos. Segundo pesquisas do Portal Universia, com esse expressivo aumento de matrículas sem planejamento adequado, resultou-se em “uma insuficiência de fiscalização por parte do poder público e, consequentemente na queda da qualidade de ensino com uma imagem mercantilista/negativa por parte da 9 Novo modelo reunido pela USP. 1010 Dados extraídos do Portal UNIVERSIA. 38 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r iniciativa privada”, que persiste até os dias atuais. Fato este que contrapõe o que é mencionado na LDB/1968 pela Lei 5.540 LEI Nº 5.540, DE 28 DE NOVEMBRO DE 1968 Fixa normas de organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola média, e dá outras providências. CAPÍTULO I Art. 1º O ensino superior tem por objetivo a pesquisa, o desenvolvimento das ciências, lêtras e artes e a formação de profissionais de nível universitário.11 Art. 2º O ensino superior, indissociável da pesquisa, será ministrado em universidades e, excepcionalmente, em estabelecimentos isolados, organizados como instituições de direito público ou privado. Art. 3º As universidades gozarão de autonomia didático-científica, disciplinar, administrativa e financeira, que será exercida na forma da lei e dos seus estatutos. 2.3.1 O PAPEL DO PROFESSOR UNIVERSITÁRIO JUNTO ÀS UNIVERSIDADES E INSTITUIÇÕES DE ENSINO SUPERIOR Segundo Leite-Oliveira (2015) para uma maior compreensão do trabalho docente é preciso além da preocupação comum de se oferecer uma contribuição significativa ao desenvolvimento das ciências responsáveis pela formação docente é preciso a construção de uma proposta de análise12 das situações de trabalho docente, a partir de alguns aspectos investigados e analisados13. Esta investigação pode levar a uma compreensão diferenciada do que é efetivamente o trabalho docente, ou seja, o trabalho educacional com ênfase em uma proposta de formação docente que seja “condizente com uma visão mais humana e 11 Grifo da autora. 12 Esta proposta de análise vem sendo feita pelos pesquisadores do Interacionismo Sociodiscursivo – ISD (mais especificamente pelos Grupos de Pesquisa – ALTER CNPq /ALTER-LAEL – PUC-SP em conjunto com a Clínica da Atividade Francesa e a Ergonomia da Atividade). 13 Aspectos investigados e analisados pelos grupos supramencionados no tem (10) desta nota de Rodapé. 39 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r compromissada com o real desenvolvimento profissional e pessoal dos professores” (MACHADO & LOUSADA, 2013). • Leite-Oliveira (2015, p. 19) com base em pesquisas do grupo ALTER14, ressalta que a (re) valorização da profissão docente requer que sejam conhecidas, compreendidas e clarificadas as questões relacionadas à significação e às condições de realização desse métier particular que é o ensino. Segundo esses pesquisadores, “o ensino deve ser reconhecido como um verdadeiro trabalho, os professores precisam aprender seu métier, adquirindo experiências sobre ele, para, assim, tornarem profissionais mais valorizados” (LEITE-OLIVEIRA, 2015, p. 19). Alguns resultados de suas pesquisas revelam que, com a compreensão do trabalho docente e com uma melhor interação entre professor/alunos que envolva o coletivo de trabalho15, o professor pode encontrar “meios, métodos, procedimentos e formas de agir que possam ajudá-lo a superar as dificuldades encontradas em seu métier” (LEITE-OLIVEIRA, 2015, p. 21-23). Além disso, a autora apresenta alguns motivos que levam a investigar o trabalho docente por meio do “trabalho prescrito e do realizado” de um professor de ensino superior. Tais motivos são: (LEITE-OLIVEIRA, p. 23-24). • Primeiro motivo: refere-se ao fato de que, analisando o trabalho prescrito e o realizado consegue-se chegar ao “real da atividade” docente, conceito teórico que advém da Clínica da Atividade Francesa, defendido por Yves Clot (1999/2006/2010) o qual denomina: A atividade não se limitaria ao que é realizado pelo sujeito, mas compreenderia também o que ele não chega a fazer, o que queria ter feito e não se faz [...] o que se tenta fazer sem ser bem-sucedido - o drama dos fracassos – o que desejaria ou poderia ter feito e o que se pensa ser capaz de fazer noutro lugar, seria também o que é pensado, impedido e possível de ser feito (CLOT, 1999/2006, 2010, p. 104). 14 ALTER-CNPq e ALTER-LAEL. 15 Refere-se aos outros envolvidos (professores, gestores, comunidade) que fazem parte do métier do professor-participante. 40 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Dessa forma, buscando detectar as ações didáticas realizadas pelo professor e as ações que ele não consegue realizar em virtude dos conflitos (internos e externos) com os quais se depara em sua atividade, é possível chegar no “real da atividade docente”. • Segundo motivo: refere-se às prescrições contidas nos documentos oficiais institucionais que representam um referencial maior para a elaboração das propostas de ensino-aprendizagem nas escolas. Prescrições essas que têm o poder de interferir ou intervir na elaboração dos planejamentos, nos trabalhos dos gestores escolares e, consequentemente, no trabalho do professor, dentro e fora de sala de aula, independente de sua vontade; • Terceiro motivo: refere-se ao fato de que há similaridades entre o Ensino Básico e o Ensino Superior, em relação às prescrições contidas no trabalho prescrito do professor e ao grau de conhecimento dos alunos. Neste contexto, o professor do ensino superior se depara com as necessidades dos alunos por falta de conhecimento prévioe com os limites de suas possibilidades de ação (conflitos internos e externos), características do “real da atividade docente”. Quanto às necessidades dos alunos, elas costumam ser mais acentuadas no Ensino Superior, porque, muitas vezes, eles estão distantes da escola há muito tempo ou por não terem tido um Ensino Básico Consolidado. Muitas vezes, para dar conta desses conflitos detectados no “real da atividade docente” em um cenário de adversidades, o professor precisa descobrir formas de agir, bem como modificações ou (re) concepções ocorridas em suas ações dentro e fora de sala de aula, não visualizadas em seu trabalho realizado. Outro fator relevante detectado no trabalho prescrito do professor são as prescrições advindas de Exigências e determinações de Órgãos Públicos como o Ministério de Educação e do Desporto, conhecido comumente pelo antigo nome de “Ministério de Educação e Cultura (MEC)”. 41 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Ao analisarmos o trabalho docente precisamos nos dar conta que ele é constituído por vários elementos. Dentre eles estão o trabalho prescrito, o realizado e o “real da atividade docente”. Este último, por sua vez, refere-se a tudo que o professor realiza para cumprir sua atividade docente, mas também ao que ele é impedido de fazer por causa dos impedimentos (internos e externos)... 2.3.2 A REPRESENTAÇÃO DO MEC NO TRABALHO DOCENTE DE ENSINO SUPERIOR O Ministério de Educação e do Desporto (MEC) tem um papel representativo no trabalho prescrito do professor, mais especificamente em relação ao trabalho docente no Ensino Superior. Sabe-se que vários cursos de graduação e pós-graduação estão voltados às exigências do mercado de trabalho e não propriamente ao ensino, pesquisa e extensão para desenvolver o ensino-aprendizagem de conteúdos científicos didatizados pertencentes ao domínio das várias áreas de conhecimento. Muitas vezes as disciplinas ministradas pelo professor de ensino superior estão no currículo dos cursos para orientar o uso de normas técnicas, de acordo com a ABNT16, em trabalhos e projetos científicos e não tem propriamente um espaço no Ensino Superior para explorar esses conhecimentos científicos de forma que leve o aluno à apropriação do conhecimento propriamente dito. Essas disciplinas dadas de forma superficial fazem parte da grade curricular limitando-se às exigências das instituições para que os cursos mantenham-se legitimados ou legalizados, pois as universidades e instituições de ensino precisam atender às exigências 16 ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas). 42 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r políticas governamentais educacionais do país, representadas aqui pelo MEC. Órgão que pertence à administração federal direta e que tem como área de competência os seguintes assuntos voltados ao contexto universitário: “política nacional de educação e de educação em geral”. O MEC exerce grande influência nas políticas educacionais vigentes, portanto nas políticas internas das instituições de ensino, pois representa o órgão maior que rege as ações e comanda essas políticas educacionais, garantindo o cumprimento das normas e as determinações educacionais do país. A função do MEC é, portanto, fiscalizar, reconhecer e garantir a legitimidade, para que as instituições de ensino possam manter-se em funcionamento (LEITE-OLIVEIRA, 2015, p. 24-26). É nesse contexto sócio-histórico mais amplo17 que o MEC está inserido18. Utilizando o esquema do trabalhado docente proposto por Machado (2007), no quadro das representações, o MEC ficaria inserido no que a autora (2007) intitula como “contexto sócio histórico particular”. Contexto este que rege, regulamenta e controla os sistemas (educacional e de ensino) Figura 1 – Esquema sobre o trabalho do professor proposto por Machado (2007) baseado em Clot (1999/2006) e Amigues (2004). 17 Grifo da autora. 18 Ver figura 1 (Esquema de representação do trabalho docente proposto por Machado, 2007). 43 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r Segundo Leite-Oliveira (2015, p. 25) as universidades e instituições de ensino, por sua vez, se inserem no contexto do sistema educacional19. Assim, elas se empenham em atender às exigências de sua comunidade interna e, principalmente, em atender às normas, leis e determinações impostas e submetidas pelo MEC. O sistema educacional (aqui representado pelas universidades e instituições de ensino superior) rege o sistema de ensino20, que, por sua vez, rege o “trabalho do professor” de forma direta. Dessa forma, o docente precisa levar em conta esses contextos e a influência que eles exercem sobre suas ações e cumprir as prescrições explícitas contidas no trabalho prescrito (Plano de Ensino determinado pelas instituições). Assim, segundo a autora (2015), o trabalho docente não se reduzir apenas ao ensino de conteúdos programáticos, pois não pode ser avaliado apenas pelo trabalho realizado em sala de aula. Muitas vezes, “o próprio professor não se dá conta dessa complexidade, de que seu trabalho é constituído por várias dimensões, devendo, assim, ser reconhecido, analisado, questionado e compreendido em suas especificidades” (LEITE-OLIVEIRA, 2015, p. 25). É importante ressaltar que a apropriação desses conhecimentos pode levar o professor não só a compreensão de seu trabalho (métier), mas também a intervenções teóricas. Para Bronckart e Machado (2004), o trabalho docente não é apenas regido por prescrições gerais e específicas, mas é (re) organizado pelos professores, coordenadores, gestores e pela coletividade que comporta várias prescrições já incorporadas (ou não) à atividade docente e, sobretudo, a maneira de como se deve realizá-la. Ainda em relação à docência, observando o trabalho docente por outro referencial teórico, Cunha (1995, p.95) assegura que “ser um bom professor” é ter a preocupação em aproximar teoria e prática. Segundo a autora, “o mais usual é partir da prática para chegar à teoria”, utilizando-se da experiência pessoal do aluno para dar ancoragem ao conhecimento sistematizado. O 19 Ver figura 1. 20 Ver figura 1 – Representação do trabalho docente proposto por Machado (2007). 44 D e sa fi o s Ed u ca ci o n ai s p ar a a D o cê n ci a Su p e ri o r professor, segundo a autora, pode ainda, partir da “própria prática profissional” com a utilização de exemplos. De acordo com essa concepção, o professor compreende que tudo que é próximo e real para o aluno tem maior significação. Assim o “bom professor é aquele que sabe ensinar, que sabe fazer aprender”, que se utiliza de variadas estratégias a partir do conhecimento cotidiano do aluno para ensinar um novo conhecimento. Cunha (1995), parte da perspectiva de que o conhecimento é criado e recriado pelo aluno e pelo professor, rejeitando uma perspectiva mecanicista de transmissão do conhecimento (pronto e acabado). Assim o conhecimento é resultado de uma construção conjunta entre professor e alunos. É importante ressaltar que Cunha (1995) destaca
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