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Problema 3 Dengue, Zika e Chikungunya

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PROBLEMA 3 – ZIKA, DENGUE E CHIKUNGUNYA
OBJETIVOS
1. Discutir as principais hipóteses diagnósticas para o caso.
2. Descrever a etiologia, epidemiologia, a fisiopatologia, o quadro clínico e o exame físico da Zika (ZKV), Dengue e Febre Chikungunya (CHIKV).
3. Explicar as fases da febre Chikungunya.
4. Citar os principais recursos diagnósticos, os achados e os períodos para identificar a etiologia das três doenças.
5. Discutir o tratamento utilizado nas doenças acima citadas e as principais formas de prevenção.
FONTES: CECIL (2018), CLÍNICA MÉDICA VOL.7 (2009), INFECTOLOGIA BASES CLÍNICAS E TRATAMENTO (2017).
Dengue
Definição
A dengue é uma enfermidade febril aguda caracterizada por dor muscular e articular severa, exantema, mal-estar e linfadenopatia. A gravidade das queixas musculoesqueléticas deu origem ao apelido febre quebra-ossos. A dengue ocorre nos climas tropicais e subtropicais do Caribe, Américas Central e do Sul, Ásia e África. A distribuição do mosquito estende-se ao sudeste dos Estados Unidos, onde a dengue ressurgiu nos anos 1980. Após a Segunda Guerra Mundial, uma pandemia de extensão global foi associada à erosão dos programas de controle do mosquito, propagação da população humana para contextos rurais, ao aumento das viagens aéreas, à deterioração da infraestrutura de saúde pública e ao aquecimento global. A cada ano, mais de 200 milhões de pessoas no mundo são infectadas com o vírus da dengue. 
O Patógeno
O vírus da dengue é um membro da família Flaviviridae, que consiste em um vírus de RNA de fita simples com envelope lipídico de aproximadamente 50 nm de diâmetro. Existem quatro sorótipos de dengue: DEN-1, DEN-2, DEN-3 e DEN-4. Não é observada proteção cruzada entre os sorótipos; portanto, a dengue pode se desenvolver após a infecção por outro sorótipo. A infecção por um segundo sorótipo coloca o indivíduo em risco de desenvolver febre hemorrágica.
Epidemiologia
A dengue é transmitida aos humanos pela picada das fêmeas dos mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus. A. albopictus tornou-se o mosquito-praga dominante em muitos centros urbanos. Membros das duas espécies de mosquitos adquirem o vírus da dengue picando humanos, normalmente durante o dia. Os mosquitos criam-se na água estagnada em torno das habitações humanas; eles não são usualmente encontrados na floresta. O vírus da dengue pode alcançar um título acima de 108 de dose infectante média por mililitro no hospedeiro humano. O mosquito torna-se infectado ao fazer o repasto sanguíneo durante a viremia. O vírus mantém a replicação no epitélio do tubo digestivo médio e nas glândulas salivares do mosquito fêmea, que permanece infectante durante toda a vida. Dentro de 8 a 12 dias da infecção inicial, as glândulas salivares do mosquito tornam-se infectadas e o vírus é eliminado com a saliva durante o repasto sanguíneo seguinte. Um mosquito pode infectar muitos indivíduos, especialmente em virtude da sua inquietação durante a alimentação: interrompendo sua refeição a cada leve movimento do hospedeiro e a seguir retornando ao hospedeiro original ou a outro. Ciclos vitais zoonóticos que envolvem primatas não humanos (i.e., chimpanzés, gibões e macacos) e espécies de Aedes que habitam florestas foram demonstrados na África Ocidental e Malásia.
O período de incubação é normalmente de 4 a 7 dias, mas pode variar de 3 a 14 dias. Durante surtos no sudeste dos Estados Unidos e Porto Rico, o risco de infecção chegou a 79% nos indivíduos sem imunidade anterior, com taxas de ataque clínico de até 20%. A imunidade contra o sorótipo infectante permanece provavelmente por toda a vida, mas os indivíduos permanecem suscetíveis aos sorótipos restantes. O pico de transmissão ocorre após grandes chuvas, quando a água da chuva colhida em receptáculos domiciliares permite a expansão das populações de mosquitos. Epidemias tendem a ocorrer em ciclos de 3 a 5 anos, mas casos interepidêmicos ocorrem regularmente.
A dengue é um risco particular para os visitantes de regiões tropicais e é uma das principais causas de morbidade e mortalidade infantis em áreas endêmicas.3 A globalização e as mudanças climáticas têm contribuído para a expansão da distribuição geográfica. Em um estudo em pessoas que vivem agora nos Estados Unidos, mas que nasceram, viveram ou viajaram para países com dengue endêmica, 19% tinham anticorpos IgG antidengue, mas 85% deles não tinham história clínica de dengue. A dengue representa aproximadamente 2% das doenças febris em viajantes que retornam aos Estados Unidos.
Biopatologia
A febre hemorrágica da dengue e a síndrome do choque da dengue são formas hemorrágicas de reinfecção da dengue caracterizadas por aumento da permeabilidade capilar. A infecção prévia com um sorótipo alternativo permite que os anticorpos ao sorótipo da infecção anterior se combinem com o sorótipo recém-infectante. Embora os anticorpos da primeira exposição não sejam neutralizantes, eles exacerbam a captação mediada por anticorpos pelos macrófagos, levando à ativação dos macrófagos e aumentando a replicação viral e a carga viral. A excreção de mediadores inflamatórios vasoativos pelos macrófagos resulta em extravasamento vascular, que pode resultar em choque quando grave. Podem ocorrer tumefação das células endoteliais e edema perivascular. Raramente, a síndrome do choque da dengue pode ocorrer com a infecção primária. A variação na capacidade da cepa de gerar anticorpos exarcebadores, bem como diferenças de virulência, pode ser responsável por diferenças no comportamento clínico.
Manifestações clínicas
A infecção por dengue muitas vezes é subclínica. Quando sintomática, a dengue pode manifestar-se sob a forma de dengue clássica, febre hemorrágica da dengue ou síndrome do choque da dengue. Os pacientes também podem apresentar uma enfermidade branda caracterizada por febre, anorexia e cefaleia inespecíficas.
A dengue clássica ocorre usualmente em adultos e crianças mais velhas não autóctones, sendo caracterizada por febre de início súbito, cefaleia frontal grave, dor retro-orbitária, mialgia e, em muitos casos, náusea, vômito, exantema, linfadenopatia e artralgia.4 Podem ocorrer fraqueza generalizada, paladar alterado, calafrios e hiperestesia cutânea. A dengue clássica é autolimitada, porém alguns pacientes evoluem para a febre hemorrágica da dengue ou síndrome de choque da dengue, que é caracterizada por extravasamento capilar, hipotensão, estreitamento da pressão de pulso e choque. A dengue na gravidez pode ser grave.5
Ao exame físico observam-se febre, bradicardia relativa, hiperemia escleral, dor à compressão ocular e congestão faríngea. Um exantema macular aparece transitoriamente no primeiro ou no segundo dia da doença. No segundo ou terceiro dia, a febre e outros sintomas podem melhorar. A febre é normalmente, mas não constantemente, bifásica. Depois de um hiato típico de 2 dias, a febre e outros sintomas recrudescem, embora menos intensamente. Pode ocorrer linfadenopatia generalizada não dolorosa nas regiões cervical posterior, epitroclear e inguinal. O exantema também recidiva e assume o aspecto de manchas de 2 a 5 mm de palidez, rodeadas por eritema e, ocasionalmente, acompanhadas de disestesia em ardência das palmas e plantas. O exantema pode descamar.
Diagnóstico
Um histórico de viagem adequado e o conhecimento da ocorrência da doença na comunidade podem possibilitar a consideração da dengue no diagnóstico diferencial. A viremia é de intensidade adequada com DEN-1, DEN-2 e DEN-3 para permitir isolamento viral. A viremia nas infecções DEN-4 é muitas vezes menos intensa e mais difícil de detectar através da inoculação de células de mosquito in vitro. O anticorpo IgM específico surge 3 a 5 dias após a infecção. O anticorpo IgG surge 9 a 10 dias após a infecção. A reatividade cruzada com outros flavivírus impede o diagnóstico específico do sorótipo. A reação de neutralização é mais específica com inibição da hemaglutinação, e o teste de fixação de complemento para imunoglobulinaG (IgG) em soros pareados é útil. Ensaios com base em PCR estão disponíveis.
A leucopenia se inicia no segundo dia de febre, chegando a um mínimo de 1.000 a 2.000 células/mL pelo quinto ou sexto dia associada à granulocitopenia. Na febre hemorrágica da dengue, são característicos trombocitopenia de menos de 100.000 células/mL e um tempo de protrombina prolongado.6 Podem ser detectados proteinúria branda a moderada e poucos cilindros. Os níveis de aspartato transaminase podem estar elevados.
Tratamento, prevenção e prognóstico 
A dengue clássica se resolve abruptamente em 5 a 7 dias, porém a fadiga e a depressão podem se prolongar por semanas; a sobrevida é uniforme. O prognóstico de pacientes com febre hemorrágica da dengue e síndrome do choque da dengue depende do diagnóstico precoce e da introdução de medidas de suporte. O tratamento é de suporte e consiste em antipiréticos e analgésicos. A ressuscitação inicial de pacientes com síndrome do choque com soluções cristaloides e coloidais é indicada em pacientes com síndrome do choque da dengue moderadamente grave. Plasma fresco congelado e sangue são utilizados conforme necessário.
Uma nova vacina tetravalente contra a dengue pode prevenir cerca de dois terços dos casos de dengue e cerca de 95% dos casos graves.A1 A maioria dos pacientes infectados recupera-se totalmente, mas a taxa de mortalidade global é de cerca de 1% devido ao pior cenário de choque e à febre hemorrágica da dengue.
Febre chikungunya
Definição
A febre Chikungunya é uma artrite febril que ocorre como casos esporádicos e em epidemias.12
O Patógeno
Chikungunya, um vírus envelopado de RNA de fita simples de 60 a 70 nm de diâmetro, é um membro da família Togaviridae, gênero Alphavirus. O vírus Chikungunya é transmitido por mosquitos, principalmente Aedes sp., mas também por Mansonia africana e outros gêneros. Os reservatórios animais conhecidos são macacos, babuínos e, no Senegal, espécies de morcego Scotophilus. Durante surtos epidêmicos, os humanos são o principal reservatório.
Epidemiologia
Chikungunya, que é endêmica na África subsaariana, Índia, Filipinas e sudeste da Ásia, se espalhou em 2004-2005 para as Ilhas Seychelles, Maurício e de Mayotte com um genótipo mais bem adaptado para A. albopictus. Este genótipo então se disseminou para Índia, onde o surto continua com milhões sendo afetados. O surgimento global dessa doença é exemplificado por surtos na Ilha Reunião, Butão, Papua-Nova Guiné e Itália, bem como por casos relatados recentemente em várias ilhas do Caribe.13 Têm sido relatados casos não relacionados com viagens na Flórida, nos Estados Unidos.14 Os surtos se desenvolvem normalmente depois de chuvas fortes. Em áreas urbanas, os surtos são explosivos. Em áreas endêmicas, as taxas de soroprevalência podem ser de até 90%, sugerindo que o tempo requerido para perda da imunidade de rebanho é a razão para a ausência prolongada de casos após um surto regional. A globalização pode contribuir para aumentar o risco de disseminação. Depois da inoculação, o período de incubação geralmente é de 2 a 3 dias, mas pode variar entre 1 e 12 dias.
Biopatologia
Ocorre viremia intensa dentro de 48 horas da picada do mosquito, desaparecendo 2 a 3 dias mais tarde. O início da inibição da hemaglutinação e dos anticorpos neutralizadores elimina a viremia. Os capilares superficiais na pele afetada por exantema apresentam extravasamento e espessamento perivasculares. O vírus adsorve-se às plaquetas humanas, causando agregação plaquetária. Sinovite provavelmente resulta da infecção direta da sinovial pelo vírus Chikungunya.15
Manifestações clínicas
A febre Chikungunya é caracterizada por início súbito de febre e artralgia grave. São comuns sintomas constitucionais, febre (temperatura até 40 °C), calafrios, cefaleia, fotofobia, dor retro-orbitária, congestão conjuntival, faringite, anorexia, náusea, vômito, dor abdominal, linfadenopatia tensa e mialgia. Um exantema maculopapular localizado no tronco, nas extremidades e ocasionalmente na face, palmas e plantas ocorre na maioria dos pacientes 1 a 10 dias depois do início da doença. O aparecimento do exantema é muitas vezes associado temporalmente à defervescência inicial, e a erupção cutânea pode recidivar com febre e ser pruriginosa. Podem ocorrer petéquias isoladas e sangramento de mucosas, mas hemorragia importante é rara. Pode ocorrer descamação com a resolução do exantema. A doença aguda inicial pode durar de 2 a 3 dias (variando de 1 a 7 dias). A febre pode recrudescer depois de um intervalo de 1 a 2 dias. A poliartralgia é migratória e afeta predominantemente as pequenas articulações das mãos, punhos, pés e tornozelos, com comprometimento menos proeminente das grandes articulações.16 Articulações previamente lesadas podem ser afetadas mais gravemente. Podem ocorrer rigidez e edema, mas grandes derrames são incomuns. O líquido sinovial mostra viscosidade diminuída, com coágulo de mucina pobre e 2.000 a 5.000 leucócitos por mililitro. Os sintomas, incluindo artralgia, artrite e tenossinovite, podem persistir por meses a anos. A transmissão maternofetal pode resultar em infecção neonatal grave.
Diagnóstico
A febre Chikungunya deve ser diferenciada da febre da dengue e da febre o’nyong-nyong. O vírus Chikungunya pode ser isolado do sangue durante os 2 a 4 dias iniciais de enfermidade. Em alguns pacientes, o antígeno viral pode ser detectado nos soros na fase aguda por hemaglutinação devido à intensidade da viremia. Os ensaios de RT-PCR em tempo real comercialmente disponíveis podem ser utilizados para confirmar o diagnóstico no soro de fase aguda. Anticorpos IgM específicos podem ser detectados durante 6 meses ou mais. A inibição da hemaglutinação e os anticorpos neutralizantes desenvolvem-se à medida que a viremia desaparece. Anticorpos fixadores de complemento são positivos pela terceira semana e diminuem lentamente ao longo do ano seguinte.
Tratamento e prognóstico 
O tratamento é de suporte. Anti-inflamatórios não esteroides são úteis. Durante a artrite aguda, exercícios de amplitude de movimento diminuem a rigidez. Em muitos casos, os sintomas articulares leves podem persistir por meses. A artropatia destrutiva é rara e pode ser associada à presença de baixos títulos de fator reumatoide, sugerindo uma artrite inflamatória subjacente não relacionada. Na sequência do surto na Ilha Reunião em 2006, 70% dos pacientes afetados tiveram artralgia episódica, geralmente simétrica e incapacitante, com edema das articulações em 63% 3 anos após a infecção.17 Em crianças, a artralgia e a artrite são mais brandas e com duração mais breve. Uma vacina imunogênica segura está atualmente sob investigação.18
No Brasil
No Brasil a transmissão da dengue vem ocorrendo de forma continuada desde 1986, havendo frequentes epidemias geralmente associadas à introdução de novos sorotipos ou à alteração do sorotipo predominante. Atualmente circulam no país os quatro sorotipos da doença. Observa-se um padrão sazonal da doença em nosso meio: as taxas de incidência aumentam no verão após os períodos de chuva. As populações dos centros urbanos são mais acometidas, com destaque para a elevada incidência em jovens. A dengue tornou-se importante problema de saúde pública no Brasil, com 764.032 casos notificados em 2011, 589.591 casos em 2012, 1.452.489 em 2013 e 589.107 casos em 2014.
A transmissão autóctone da Febre de Chikungunya foi detectada pela primeira vez no Brasil em 2014, na cidade de Oiapoque (Amapá), provavelmente consequente a uma epidemia ocorrida no Caribe em 2013. No decorrer do ano de 2014 já foram confirmados 2.772 casos de Chikungunya no Brasil. Em 2015 foram registrados no país 38.332 casos prováveis de febre de Chikungunya (taxa de incidência de 18,7 casos/100 mil habitantes), distribuídos em 696 municípios, dos quais 13.236 foram confirmados. Houve também confirmação de seis óbitos por febre de Chikungunya, nas seguintes unidades da federação: Bahia (3 óbitos), Sergipe (1 óbito), São Paulo (1 óbito) e Pernambuco (1 óbito).A mediana de idade dos óbitos foi de 75 anos.
Mais recentemente uma terceira arborvirose, o Zyca vírus, também transmitida pelo mosquito Aedes aegypti, foi introduzida no país. Em fevereiro de 2016 a Organização Mundial de Saúde definiu a infecção por Zika como uma emergência em saúde pública de preocupação mundial, em virtude das alterações neurológicas reportadas (síndrome de Guillain Barré) e de um surto de microcefalia, ocorridos no Nordeste durante epidemia de Zika em 2015, tendo havido eventos semelhantes na Polinésia Francesa em 2014.
Em 1978 uma epidemia de febre pelo vírus Mayaro foi descrita em Belterra, Pará, com 55 casos diagnosticados clinicamente, sendo que o agente foi isolado em 43 pacientes. Casos de febre pelo vírus Mayaro transmitidos no Brasil, em populações autóctones das áreas de transmissão e como doença de viajantes que se deslocam para essas áreas, vêm sendo descritos na literatura especializada.
DENGUE E FEBRE HEMORRÁGICA DA DENGUE (FHD)
Introdução
A dengue e a FHD se assemelham em diversos aspectos à febre amarela. No tocante aos aspectos históricos, compartilharam as mesmas rotas de disseminação a partir da África, quando seu vetor, o Aedes, difundiu-se pelas rotas de comércio e colonização, a partir do sé é provável que tenha se originado na Ásia e, posteriormente, tenha ido para a África. Entretanto, em relação aos ciclos de transmissão, embora exista um ciclo silvestre da dengue, diferentemente da febre amarela, esse tipo de situação é desprovido de relevância para a perpetuação da dengue, visto que o vírus da dengue encontrou no meio urbano e no homem as condições ideais para a sua perpetuação em grandes cidades tropicais.
Aspectos históricos e epidemiológicos
As primeiras epidemias de dengue descritas nas Américas remontam ao ano de 1635. Apesar de acometer milhares de pessoas, as epidemias caracterizavam-se por episódios de dengue clássica, autolimitadas e com o desaparecimento do vírus após alguns meses. Casos graves ou mortes eram raros. Esse aspecto era decorrente do predomínio de apenas um sorotipo viral, ou seja, após o período de doença, estabelecia-se a imunidade contra o sorotipo prevalente e a doença desaparecia por falta de hospedeiros suceptíveis. A partir do século XX, com a descoberta de que a febre amarela era transmitida pelo Aedes e as decorrentes campanhas de combate, houve, por conseguinte, uma sensível redução e, até mesmo, o desaparecimento das epidemias de dengue.
O cenário de relativo equilíbrio e calmaria se alterou a partir de 1970. As causas para o ressurgimento da dengue não são completamente conhecidas. Certamente, a explosão demográfica e a ocupação desordenada dos centros urbanos em países tropicais contribuíram muito para isso. As facilidades de transporte global também foram decisivas para que um mosquito alta- mente domesticado, disseminado nos países tropicais, e um vírus, que causa elevada e duradoura viremia, pudessem se difundir pelos distintos continentes. O fato é que a doença e distintos sorotipos virais têm atingido novas regiões, aumentando o risco de FHD. Nos anos 2000, a dengue e a FHD representam uma das principais ameaças aos países tropicais e em desenvolvimento. Estima- se que 50 a 100 milhões de novas infecções ocorram a cada ano, com 500.000 casos de FHD, que, por sua vez, acarreta 1 a 5% de óbitos, na dependência da especialização dos médicos e das condições de assistência10.
O principal vetor da dengue, como mencionado, é o Aedes aegypti , um pequeno mosquito de hábitos urbanos e peculiares que faz um ciclo mosquito-homem- mosquito. Assim, o mosquito infectado transmite o vírus da dengue ao homem, que infecta novos mosquitos e assim sucessivamente. O pequeno mosquito branco e negro possui hábitos domésticos e coloca seus ovos em água limpa. Os ovos do mosquito representam uma relevante forma de resistência à erradicação, visto que podem perdurar por até um ano e com elevada resistência ao ressecamento ambiental. Embora tenham sido observados relatos de voos de longo alcance dos mosquitos adultos, habitualmente, o Aedes possui um alcance de vôo pequeno, em torno de 100 metros. Assim, a disseminação do mosquito se dá por meio de ovos e larvas transportados por contêiner e por outros meios de transporte de cargas em grandes distâncias. O adulto habita o interior das residências e se alimenta de dia, sobre- tudo no nascer do dia e logo após o entardecer. A fêmea do mosquito é altamente ávida pelo sangue do hospedeiro, podendo, em uma mesma alimentação, picar diversas pessoas em um domicílio, fato que facilita a concomitância de casos em uma família. Além disso, a simples picada, sem necessariamente ocorrer a sucção de sangue, possibilita a transmissão do vírus15. Dessa forma, a eficiência do vetor é extremamente elevada.
Epidemiologia no Brasil
No Brasil, a situação tem se revelado igualmente preocupante. A partir da década de 1980, nosso país contribui com, aproximadamente, 70% dos casos de dengue das Américas12. Em nosso meio, observou-se um padrão inicialmente epidêmico e localizado, entre 1986 e 1993, seguido de um padrão epidêmico e endêmico, a partir de 199412. Atualmente, os sorotipos virais 1, 2 e 3, com relatos isolados do sorotipo 4, circulam em nosso meio. Tais fatos são relevantes não apenas para o aumento dos casos, mas também para a maior mortalidade por dengue em anos recentes.
Fisiopatogenia e fisiopatologia
Os vírus da dengue entram nas células de vertebrados (primatas) por endocitose e fagocitose e sofrem replica- ção no citoplasma celular, após um período de latência de 12 a 16 horas. Nos lipossomos, ocorre tradução do RNAem poliproteínas virais. A maturação dos vírions ocorre em organelas intracelulares, com os vírus brotando a partir do complexo de Golgi ou do retículo endoplasmático. A liberação das partículas virais ocorre após a clivagem da proteína estrutural M e posterior ligação do vírus ao receptor de membrana da célula a ser infectada.
Em uma infecção secundária com diferente sorotipo de dengue, a entrada do vírus ocorre tanto por meio da via primária do receptor quanto pela fagocitose dependente de anticorpos. No último caso, receptores Fc I e II também participam da penetração viral. Estudos imunopatológicos sugerem que muitos tecidos podem ser envolvidos. Antígenos virais são expressos no fígado, no linfonodo, no baço e na medula óssea. No entanto, conhece-se poucos detalhes do mecanismo molecular da infecção primária ou secundária, assim como os eventos de progressão para dengue hemorrágica.
Para a proteção e cura da infecção por dengue, a res- posta humoral é importante. Para a destruição dos vírus, os anticorpos atuam como mediadores do fenômeno de citotoxicidade, por meio de seus receptores para a porção Fc de imunoglobulinas.
A formação de complexos antígenos anticorpos, a liberação de histamina por basófilos, mediada por IgE, e a ativação do complemento (via alternativa e clássica) levam ao aumento da permeabilidade vascular, edema e desenvolvimento da diátese hemorrágica.
A resposta imune celular tem sido estudada por meio da análise de culturas de leucócitos infectados in vitro com o vírus da dengue. O macrófago é reconhecido como a célula-alvo para o vírus, sendo difícil a detecção dos antígenos virais em outros tipos celulares.
No sangue periférico de pacientes com dengue, foi observada uma resposta predominantemente do tipo Th1, nos casos de febre da dengue, e do tipo Th2, nos casos de febre hemorrágica grau IV.
As mialgias são parcialmente correlacionadas à multiplicação dos vírus no tecido muscular.
As manifestações mais severas da dengue, FHD/SCD, caracterizam-se pela teoria seqüencial, ou seja, a me- mória imune pregressa (ou aquisição transplacentária de IgG) amplifica a resposta a um novo sorotipo ao qual opaciente se exponha. A resposta exacerbada me- dia a liberação de citocinas, que resultam na vasodila- tação e perda protéica intensas. Essa teoria não é sufi- ciente, mas, explica casos em que ocorre a FHD/SCD na primo infecção.
Patologia
As alterações anatomopatológicas em casos humanos são limitadas, em virtude da natureza geralmente benigna da doença. As alterações mais significativas são descritas, principalmente, em casos de dengue hemorrágica e síndrome do choque da dengue. Em necrópsias, são observadas hemorragias cutâneas no trato gastrintestinal, no septo interventricular, no pericárdio, no espaço subaracnóideo e nas superfícies viscerais.
Em relação ao fígado, os hepatócitos apresentam graus variáveis de comprometimento, com esteatose, apoptose, necrose mediozonal e hemorragia. Observa- se hiperplasia e hipertrofia das células de Kupffer. Nos sinusóides, são visualizadas células mononucleadas inflamatórias e células com citoplasma acidófilo e vacuolizado com núcleos picnóticos, fragmentados ou ausentes, reproduzindo as características dos corpúsculos de Councilman. Os aspectos histológicos observados no fígado lembram aqueles encontrados na febre amarela.
Entretanto, embora a necrose médio-zonal seja o aspecto clássico da dengue, o quadro histológico hepático é variado e, mesmo em pacientes autop-s por dengue hemorrágica, também são descritas as possibilidades de necrose não zonal e até histologia próxima ao normal.
No baço e nos linfonodos, há proliferação linfoplasmocitária com grande atividade celular e necrose de centros germinativos. Observou-se também redução da polpa branca esplênica com linfocitólise e fagocitose dessas células.
Halsted20, ao analisar biópsias de medula óssea qua- tro dias após o surgimento de febre, relatou diminuição do número de megacariócitos, diminuição da eritro- poiese e ausência total de granulocitopoiese. Em torno de 7 a 10 dias, observou um retorno progressivo da celularidade normal.
No sistema nervoso, ocorrem focos de hemorragia e, raramente, quadros de encefalite, com nódulos microgliais.
Nos rins, Boonpucknavig et al.21 evidenciaram glomerulonefrite, provavelmente, em decorrência do depósito de imunocomplexos na membrana basal glomerular.
Aspectos clínicos e diagnósticos
A dengue é uma doença de notificação compulsória. De acordo com o Ministério da Saúde, no Brasil, a definição de casos deve seguir as seguintes definições clínico-laboratoriais:
Classificação da dengue
Caso de dengue clássica (DC)
Caracteriza-se por pacientes com doença febril aguda, com duração máxima de sete dias, acompanhada de, pelo menos, dois dos seguintes sintomas: cefaléia, dor retro-orbitária, mialgia, artralgia, prostração e exantema, confirmados laboriatorialmente ou por critério clínico-epidemiológico.
É importante ressaltar que os pacientes com DC podem apresentar manifestações hemorrágicas e apresentações atípicas.
Caso de febre hemorrágica da dengue (FHD)
Refere-se a todos os casos de dengue clássica que também apresentem manifestações hemorrágicas e to- dos os critérios abaixo:
I febre ou história recente de febre de sete dias ou menos;
I tendências hemorrágicas evidenciadas por, pelo menos, uma das seguintes manifestações: prova de laço positiva, petéquias, equimoses, púrpura, sangramento do trato gastrintestinal e de mucosas e outros;
I trombocitopenia caracterizada por contagem de plaquetas menor ou igual a 100 mil por mm3;
I extravasamento plasmático pelo aumento de permeabilidade capilar, manifestado por aumento do he- matócrito de 20% sobre o valor basal ou queda do hematócrito de 20% após o tratamento; presença de
derrames cavitários (derrame pleural, derrame pericárdico e ascite) ou hipoproteinemia;
I confirmação laboratorial.
Além de preencher os critérios acima, os casos de FHD são classificados em quatro categorias, segundo a Organização Mundial da Saúde:
Grau I – febre acompanhada de sintomas inespecíficos, em que a única manifestação hemorrágica é a prova do laço positiva;
Grau II – além das manifestações do Grau I, he- morragias espontâneas leves (sangramento de pele, epistaxe, gengivorragia e outros);
Grau III – colapso circulatório com pulso fraco e rápido, estreitamento da pressão arterial ou hipotensão, pele pegajosa e fria e inquietação;
Grau IV ou síndrome do choque da dengue (SCD) – choque profundo com pressão arterial ausente e pres- são de pulso imperceptível.
A dengue clássica se divide em formas leve (manifestações hemorrágicas e sinais de alerta ausentes), moderada (repercussão hemodinâmica ausente, prova do laço positiva e sinais de alerta ausentes) ou grave, caracterizando a FHD/SCD (manifestações hemorrágicas presentes ou ausentes, sinais de alerta presentes e/ou choque). 
A prova do laço deve ser realizada pela insuflação do manguito acima da média da PAS e PAD. Deve permanecer insuflado por cinco minutos e, a partir do terceiro minuto, deve-se avaliar o aparecimento de petéquias. Quando acima de vinte por polegada quadrada, é considerada positiva.
Observa-se, assim, que o diagnóstico clínico da dengue não é simples, fora de um contexto epidêmico. Em regiões endêmicas, o quadro inespecífico é, habitualmente, confundido com outras doenças virais. 
Porém, fora de áreas endêmicas, pacientes que passaram por uma área endêmica ou de epidemia e que apresentem início súbito de doença exantemática febril, mialgia intensa e dor retro-orbital, deve-se considerar essa possibilidade diagnóstica. A febre é elevada, pode apresentar melhora discreta e recidivar após um dia, mas, habitualmente, persiste por até sete dias. Concomitantemente, até 50% dos pacientes apresentam um eritema cutâneo, em geral, tênue e difuso, que desaparece em até cinco dias, eventualmente com descamação. 
Uma característica importante e que pode causar confusão no diagnóstico é a presença de prurido cutâneo associado. Por vezes, na ausência de febre, os pacientes são erroneamente diagnosticados como portadores de quadros alérgicos. A dor muscular está universalmente presente nos pacientes sintomáticos, porém a intensidade é variável. A típica dor retroorbital nem sempre está presente para reforçar a suspeita clínica. 
Além das alterações descritas, há um quadro de lassidão intensa. Tal sensação, descrita por uma impossibilidade de realizar as tarefas rotineiras e até depressão, pode perdurar por até seis meses após o quadro agudo. É importante que o paciente seja orienta- do sobre isso, para que saiba lidar com tal situação e, de forma gradual, retome os hábitos rotineiros.
Mesmo na dengue clássica, pequenas manifestações hemorrágicas podem estar presentes. Assim, sangra- mentos gengivais, epistaxe, metrorragia e petéquias ou equimoses podem ser observados. O monitoramento clínico e da contagem de plaquetas possibilitam ao mé- dico assistente diferenciar as formas mais graves e tranqüilizar o paciente.
Na prática, um paciente gravemente enfermo, com febre, mialgia e astenia intensas, linfocitose atípica e plaquetopenia – ou contagem no limite inferior ao normal – deve ser considerado suspeito de dengue. Se ou- tros sintomas clássicos estiverem presentes, o diagnóstico clínico, em um contexto epidemiológico condizente com a doença, se torna simples. A dengue clássica é autolimitada e benigna. Grande parte dos infectados nem chega a desenvolver sintomas.
O advento de novos sorotipos do vírus da dengue em circulação em uma região, aliado a um enorme contingente de outros expostos, criou as condições para o apa- recimento da FHD, como discutido anteriormente. 
Do ponto de vista clínico, esse quadro se traduz por sintomas semelhantes ao da dengue clássica que, em poucas horas, evoluem para manifestações hemorrágicas mais graves e choque. Os sinais de alerta para aprogressão para FHD são dor abdominal intensa e contínua, vômitos persistentes, hepatomegalia dolorosa, derrames cavitários, sangra- mentos importantes (petéquias e equimoses difusas, hemorragia digestiva e hematúria), hipotensão arterial e ortostática, diurese reduzida, letargia ou agitação, sinais de hipofluxo periférico (pulso rápido e fraco, extremidades frias e com cianose), lipotimia, sudorese, hipotermia e elevação repentina do hematócrito. A prova do laço positiva auxilia no diagnóstico de fragilidade capilar e pode ser útil na tomada de decisões e no diagnóstico precoce. O quadro da FHD é mais comum em crianças ou idosos, mas pode ocorrer em qualquer idade.
Do ponto de vista laboratorial, as alterações são semelhantes às da dengue clássica, porém a contagem de plaquetas é menor – abaixo de 100.000/mm3 – e há sinais de hemoconcentração, com elevação do hematócrito (aumento maior ou igual a 10%).
O diagnóstico diferencial da dengue clássica se faz com gripe, rubéola, sarampo e outras infecções virais ou bacterianas. Uma maneira simples de diferenciar sintomas inespecíficos de uma virose respiratória é a presença dos sintomas respiratórios (tosse, coriza etc.), ausentes na dengue. A história vacinal e epidemiológica, além da sazonalidade, podem auxiliar na diferenciação de outras doenças virais exantemáticas. Na forma hemorrágica, o diagnóstico diferencial deve ser realizado com outras doenças virais ou bacterianas graves que desencadeiem choque, como a meningocococcemia. Pode-se considerar leptospirose, febre amarela, malária, hepatite infecciosa e outras febres hemorrágicas transmitidas por mosquitos ou carrapatos. Os exames microbiológicos, sorológicos e parasitológicos, além da história epidemiológica, são relevantes para a elucidação desse diagnóstico diferencial.
Diagnóstico
O laboratório é muito útil no manuseio do caso suspeito de dengue. A presença de linfócitos atípicos é comum, assim como a elevação transitória dos níveis de transaminases, que podem chegar a até 1.000 U/l. Contagem de plaquetas baixa, menor que 100.000/mm3, também é muito freqüente. Em pacientes com dengue, o hemograma é muito útil para definir a conduta terapêutica e se o caso deve ser hospitalizado, como será observado adiante.
Diagnóstico laboratorial específico
A confirmação do diagnóstico ocorre pela identificação de anticorpos específicos ou isolamento viral – ou de seu RNA. Em um contexto epidêmico, a necessidade de confirmação etiológica dos quadros clínicos típicos torna-se secundária. A sorologia deve ser solicitada nas situações endêmicas ou na suspeita de FHD/SCD. O teste MAC-ELISA tem sido o mais utilizado nos últimos anos, para identificar os anticorpos contra a dengue. 
Após cinco dias de sintomas, é possível identificar os anticorpos IgM, que podem perdurar por até 90 dias. Em uma segunda infecção, os títulos de IgM costumam ser mais modestos que em uma primeira exposição. A identificação de anticorpos IgG é mais tardia. Além disso, esse anticorpo é mais inespecífico, com a possibilidade de múltiplas reações cruzadas. 
Em regiões de alta prevalência de infecção, é difícil diagnosticar uma nova exposição por outro sorotipo, com IgM ausente e IgG presente por exposi- ções prévias. Recentemente, a partir do soro de pa- cientes expostos a uma grande epidemia na cidade de Santos, foi possível avaliar um teste de avidez de IgG para dengue, que demonstrou uma enorme precisão na diferenciação dos pacientes com primo infecção ou reinfecção pelo vírus da dengue. O isolamento viral ou a pesquisa de seu RNA deve ser solicitada antes dos cinco dias de evolução, período da viremia.
Tratamento
A terapia dos casos mais graves requer hospitalização com reposição de volume, combate ao choque e reposição de fatores de coagulação, além do suporte clínico. Na dengue clássica, a terapia deve ser realizada com medicação sintomática e repouso. O uso de salicilatos é contra-indicado pelos riscos de potencialização da hemorragia e do aparecimento da síndrome de Reye. O uso de paracetamol ou dipirona, além de outros sintomáticos, é suficiente para o controle dos sintomas álgicos e da febre.
Pacientes com dengue clássica leve e hemograma normal devem ser acompanhados ambulatorialmente. Se o hemograma apresentar alterações leves (elevação do hematócrito acima de 10%, plaquetas entre 50- 100.000/mm3 e leucócitos abaixo de 1.000/mm3), o paciente deve ser acompanhado em regime ambulato- rial, com reavaliação diária e orientação sobre sinais de alerta. Pacientes com alterações moderadas (hema- tócrito com elevação de 10% e plaquetas abaixo de 50.000/mm3) ou FHD/SCD devem ser hospitalizados em leito de observação, com reavaliação contínua e hidratação vigorosa. Pacientes com menos de 50.000 plaquetas/mm3 e manifestações hemorrágicas viscerais, sobretudo no SNC, devem receber transfusão de plaquetas. Os casos mais graves, evidentemente, de- vem ser tratados em regime intensivo (UTI).
O Ministério da Saúde disponibiliza, em seu site, fluxos e roteiros atualizados para o estabelecimento de rotinas assistenciais e organização de serviço para assistência nas epidemias. O acesso é recomendável para um detalhamento do tema.
Prevenção
Cumpre destacar a necessidade de controlar o vetor, o que deve ser realizado de forma sistemática e continuada, com envolvimento da população. O combate aos depósitos de água limpa e criadores de ovos e larvas é uma medida mais eficaz que o combate ao inseto adulto. Métodos naturais, predadores, aliado aos larvicidas, e inseticidas também são estratégias possíveis. No interior dos domicílios, deve-se ter o cuidado de fechar janelas, utilizar inseticidas e não permitir o acúmulo de água limpa e potenciais criadouros do mosquito.
Infelizmente, ainda inexiste uma vacina que confi- ra imunidade contra todos os sorotipos virais de forma simultânea. Portanto, o controle ambiental é a medida mais eficaz a ser adotada.
Dengue
Benedito Antonio Lopes da Fonseca ■ Emiliana Pereira Abrão
■Introdução
A dengue é doença infecciosa causada por qualquer um dos vírus dengue transmitidos a indivíduos suscetíveis por meio da picada de fêmeas infectadas de mosquitos do gênero Aedes. Para completar o ciclo de transmissão da doença, a fêmea do mosquito deve ingerir o vírus encontrado no sangue de um paciente durante a fase aguda, e o vírus deve ser capaz de se replicar no organismo do mosquito e migrar para as glândulas salivares, para então ser inoculado em indivíduo suscetível e nele induzir a doença.
■Características gerais
Os vírus dengue (DENV) são transmitidos por mosquitos do gênero Aedes (principalmente o Aedes aegypti e o Aedes albopictus), sorologicamente classificados, com base em ensaios de neutralização, em quatro sorotipos: DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4. Os sorotipos são antigenicamente distintos, mas apresentam a mesma epidemiologia e causam doenças similares, não havendo imunidade protetora cruzada permanente entre eles, ainda que evidências indiquem que, imediatamente após a infecção por um dos sorotipos, o indivíduo estará imune à infecção pelos outros sorotipos por período variável (3 a 6 meses). Assim, indivíduos que vivem em áreas consideradas endêmicas, com a cocirculação dos quatro sorotipos, podem, teoricamente, adquirir a infecção pelos quatro sorotipos virais ao longo de sua vida.
Os DENV pertencem à família Flaviviridae e ao gênero Flavivirus, e a maioria deles é transmitida por mosquitos e carrapatos, embora não se saiba o mecanismo de transmissão de alguns deles. Assim, a maioria dos membros desse gênero são arbovírus (arthropod-borne virus), vírus que necessitam de artrópodes hematófagos para completar o seu ciclo biológico de transmissão. Os vírus pertencentes a esse gênero causam ampla variedade de doenças, incluindo febres, encefalitese febres hemorrágicas.
Os vírus pertencentes à família Flaviviridae são compostos por uma bicamada lipídica derivada da membrana do retículo endoplasmático da célula hospedeira. A superfície da partícula viral contém duas proteínas: a glicoproteína E – em geral glicosilada, representa o principal determinante antigênico do vírus e é responsável pela ligação e fusão à membrana plasmática da célula durante a infecção viral – e a proteína M – não glicosilada, é fragmento proteolítico constituído a partir de uma proteína precursora (prM) durante a maturação das progênies virais. Internamente, é constituído pelo nucleocapsídeo de simetria icosaédrica, composto pelas proteínas do core (C) que envolvem o genoma viral.
O genoma dos flavivírus consiste em uma fita simples de RNA, de polaridade positiva, com aproximadamente 11 kb de extensão, traduzida em uma única poliproteína viral que é clivada, durante e após a tradução, por proteases de origem viral e também da célula hospedeira. As extremidades desse genoma têm sequências curtas não codificadoras nas posições N-terminal e C-terminal, denominadas 3′-NC e 5′-NC, respectivamente, que flanqueiam genes que codificam as proteínas estruturais do vírus (C, prM e E) e sete proteínas não estruturais, arranjadas na seguinte ordem: 5′-C-prM-E-NS1-NS2A-NS2B-NS3-NS4A-NS4B-NS5-3′ (Figura 55.1).
Dentre as proteínas estruturais, a glicoproteína E do envelope desempenha papel central na produção de anticorpos neutralizantes e indução da resposta imune do hospedeiro. A proteína E também é responsável por mediar a fase inicial da infecção, caracterizada pela ligação ao receptor ou moléculas de superfície da célula hospedeira, assim como a fusão com a membrana celular. A proteína C, devido ao seu caráter altamente básico, interage com o RNA viral para formar o nucleocapsídeo. A glicoproteína prM é encontrada nas partículas virais imaturas e, após sofrer clivagem proteolítica em sua porção N-terminal, dá origem à proteína M, encontrada somente nos vírus maduros. Além disso, evidências sugerem que a proteína prM também leve à produção de anticorpos neutralizantes.
Dentre as sete proteínas não estruturais (NS1 a NS5), alguns papéis já se encontram bem definidos. A NS1 tem sido a mais extensamente estudada, sabendo-se até o momento que participa do processo de maturação viral e pode ser encontrada: residindo no retículo endoplasmático (RE), colocalizando com o complexo de replicação viral; ancorada na superfície da célula hospedeira e no meio extracelular (sNS1), após sua secreção. As infecções por DENV induzem anticorpos anti-NS1 fixadores do complemento contra epítopos tipo-específicos e grupo-específicos, alguns dos quais têm atividade protetora. A proteção parece ocorrer pela lise das células infectadas, que expressam NS1 na superfície via lise mediada pelo complemento dependente de anticorpo. Sendo assim, acredita-se que a proteína NS1, assim como a proteína E, seja alvo importante durante a indução da imunidade humoral, podendo desempenhar papel significativo na patogênese da doença. Níveis elevados dessa proteína detectados no início da doença têm sido associados ao desenvolvimento das formas graves da doença com a febre hemorrágica da dengue (FHD). Pela sua secreção no meio extracelular, esta proteína tem sido pesquisada recentemente no diagnóstico da dengue durante a fase aguda da doença.
A proteína NS2 é dividida nas porções NS2a e NS2b, esta última portadora da atividade proteolítica. As proteínas NS3 e NS5 têm sido associadas aos processos de replicação e transcrição do RNA viral. Atividades de protease e trifosfatase/helicase foram atribuídas à proteína NS3, e a atividade de RNA polimerase dependente de RNA à NS5, descrita como uma das proteínas mais conservadas dos flavivírus.
A proteína NS4 é clivada nas proteínas NS4a e NS4b, e ambas, juntamente com a NS2a e a NS2b, associam-se à membrana da célula infectada durante o processo de maturação viral. Sabe-se também que, juntas, as proteínas NS4a, NS4b e NS2a executam diferentes ações: bloqueio da via da interferona (IFN); auxílio no correto ancoramento de proteínas virais e, principalmente, da replicase viral nas membranas celulares, resultando no auxílio à montagem do vírion etc.
O conhecimento das proteínas que constituem a estrutura viral e seus genes codificadores é importante para a compreensão da fisiopatologia das formas graves da dengue e das estratégias de diagnóstico, seja pela detecção da proteína NS1, seja pela detecção do material genético viral.
■Epidemiologia
Doença viral sistêmica, ocorre em áreas tropicais e subtropicais em mais de 125 países (é a doença viral transmitida por mosquitos de mais rápida disseminação no globo, de acordo com a Organização Mundial da Saúde – OMS). A incidência das infecções causadas pelo vírus da dengue tem alcançado proporções globais nos últimos 50 anos, expandindo-se geograficamente para novos países. A emergência global da dengue como problema de saúde pública tem sido associada a diversos fatores relacionados à rápida urbanização, aos novos padrões de deslocamentos humanos (aumento das viagens aéreas nacionais e internacionais, migração etc.) e à carência de programas eficientes de combate ao vetor transmissor da doença.
O principal vetor responsável pela transmissão viral são mosquitos do gênero Aedes, encontrados em ambientes urbanos e peridomiciliares. Até o momento, o Aedes aegypti é o principal transmissor do vírus dengue nas Américas – embora introduzido nas Américas, o Aedes albopictus, por motivos desconhecidos, mantém sua importância epidemiológica como transmissor da dengue restrita ao continente asiático. Vale salientar que esses vetores adultos, ao longo de suas vidas, são incapazes de voar grandes distâncias. Portanto, a dispersão geográfica da doença e o aumento da cocirculação dos quatro sorotipos do dengue têm sido relacionados ao aumento da frequência dos deslocamentos humanos.
A OMS estima a ocorrência de 50 a 100 milhões de casos de dengue por ano em todo o globo, com aproximadamente 2,5 bilhões de pessoas em risco iminente de serem infectadas. Dentre esses casos de dengue clássica (DC), aproximadamente de 500 mil a 1 milhão evoluem para as formas graves da doença com FHD. No entanto, estudos recentes sobre modelos de distribuição da doença estimaram valores três vezes maiores do que aqueles disponibilizados pela OMS, com taxa de infecção global de 390 milhões no ano de 2010, resultando em 96 milhões de casos clinicamente sintomáticos.
De acordo com a OMS, mais de 70% da população de risco para aquisição da doença vivem nas regiões do Sudeste Asiático e do oeste do Pacífico. Na região do Sudeste Asiático, desde o ano 2000, as epidemias de dengue têm se mostrado mais intensas, além de terem se expandido para novas áreas da região. Em países como Indonésia, Birmânia, Sri Lanka, Tailândia e Timor Leste, as epidemias representam grande problema de saúde pública, com altas taxas de morte e hospitalização infantil. As taxas de mortalidade na região estão em torno de 1%, com variações locais que atingem de 3 a 5% da população (p. ex., Indonésia e Birmânia).
A doença também tem se disseminado e expandido nas Américas, com epidemias com surtos cíclicos ocorrendo a cada 3 a 5 anos. Em Cuba, no ano de 1981, a epidemia de febre hemorrágica da dengue e síndrome de choque do dengue (FHD/SCD) tornou-se o acontecimento epidemiológico mais importante da história, com 344.203 notificações da doença, dentre as quais 10.312 casos foram considerados graves, resultando em 158 óbitos (101 crianças). O DENV-2 foi associado a essa epidemia de grande repercussão na saúde pública precedida por epidemia pelo DENV-1 no ano de 1977.
No Brasil, o ressurgimento da dengue, com confirmação laboratorial, ocorreu nos anos de 1981 e 1982, quando foi registrada epidemia em Boa Vista (Roraima), com cerca de 11 mil casos, causada por DENV-1 e DENV-4. Desde então, as epidemias vêm ocorrendo continuadamente dentro de um padrão sazonal, dependendo das peculiaridades de cadaregião do país, sendo caracterizadas pela introdução de novos sorotipos em áreas até então indenes à doença ou alteração do sorotipo predominante.
Historicamente, a primeira epidemia de grandes proporções no país foi causada pelo sorotipo DENV-1, na cidade do Rio de Janeiro, nos anos de 1986 e 1987, alastrando-se para as regiões Nordeste e Centro-Oeste. Após 3 anos, houve a entrada do sorotipo DENV-2 no país, novamente na cidade do Rio de Janeiro, com a notificação de óbitos e evolução para casos graves da doença. O DENV-3 foi introduzido no país no ano de 2000, tendo sido isolado inicialmente no município de Nova Iguaçu (Rio de Janeiro). Finalmente, o sorotipo 4 do vírus da dengue foi introduzido no país em 2010, após 25 anos sem a sua detecção no Brasil, em Roraima, expandindo-se em 2012 por todo o território nacional. Portanto, o país atualmente apresenta panorama da doença que agrega fatores importantes para a transmissão endêmica e epidêmica da doença, como a cocirculação dos quatro sorotipos virais e a existência maciça do vetor transmissor da doença, resultando na alternância ou substituição do sorotipo predominante em áreas endêmicas ou regiões não endêmicas.
Um trabalho realizado por Siqueira e colaboradores (2011) descreveu a epidemiologia da dengue no período de 2002 e 2010 a partir dos dados do sistema de vigilância da doença. Nesse período, foram registrados aproximadamente quatro milhões de casos de dengue no Brasil. As epidemias de 2002, 2008 e 2010 tiveram destaque pela quantidade de casos notificados, com aproximadamente um milhão de casos e mudanças observadas da epidemiologia da doença. Em 2002, a epidemia foi marcada por incremento das formas graves da doença, juntamente com a entrada do sorotipo DENV-3 no país, acometendo estados da região Nordeste, municípios dos estados do Rio de Janeiro, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. A epidemia de 2008, caracterizada pela recirculação e predomínio de DENV-2, promoveu mudança na epidemiologia da doença, com aumento de casos notificados e hospitalizações de menores de 15 anos. As áreas de maior incidência estavam localizadas na região Nordeste e no estado do Rio de Janeiro. Por sua vez, a epidemia de 2010 foi marcada pela substituição de DENV-2 pelo DENV-1 como sorotipo predominante (foram registrados mais de um milhão de casos prováveis da doença em decorrência da recirculação do DENV-1) e caracterizada pela ocorrência de óbitos em pacientes com comorbidades. Diferentemente das epidemias anteriores, a maior incidência de casos foi observada nos estados de Minas Gerais e São Paulo, com o estado do Rio de Janeiro apresentando em torno de apenas 3% dos casos. O maior surto na história do Brasil ocorreu em 2013, com aproximadamente dois milhões de casos notificados, com a circulação predominante de DENV-4 e DENV-1.
O padrão epidemiológico da doença no Brasil está relacionado à interação de fatores relacionados à dinâmica da população viral (distribuição, dispersão, densidade vetorial), da suscetibilidade individual ou coletiva dos hospedeiros (imunidade, fatores como etnia, estado nutricional, doenças preexistentes) e das cepas virais circulantes (sorotipo, virulência, diferenças genéticas). No entanto, os padrões das epidemias podem se repetir com a introdução de novo sorotipo viral em populações suscetíveis e com altas densidade do vetor Aedes aegypti.
No Brasil, concomitante ao aumento do número de casos, tem-se observado o aumento das formas graves da doença, principalmente em crianças, durante o período de 2007 e 2009. Além disso, manifestações não usuais da dengue (p. ex., complicações cardíacas, neurológicas, hepáticas e pulmonares) são cada vez mais diagnosticadas. Os números crescentes desses casos, assim como da FHD, culminaram em aumento no número de óbitos nos últimos 5 anos.
■Patogênese
As causas responsáveis pelo desenvolvimento das formas graves da doença têm sido tema de diversos trabalhos nos últimos 50 anos. Os fatores determinantes envolvidos na fisiopatologia da doença ainda não estão totalmente esclarecidos e, portanto, a patogênese das infecções graves pelos vírus dengue e o aparente envolvimento da resposta imune, tanto na proteção como no desenvolvimento da doença, ainda não estão bem definidos. A principal dificuldade em se estudar a patogênese da doença se deve ao fato de não existirem modelos animais que possam reproduzir a doença observada em humanos; portanto, as pesquisas, muitas delas com origem em estudos epidemiológicos, ficam limitadas a estudos envolvendo pacientes.
Diversas hipóteses já foram propostas para explicar a patogênese da infecção por dengue, mas até hoje nenhuma é capaz de, isoladamente, esclarecer todos os mecanismos envolvidos.
Teoria da facilitação dependente de anticorpos
A hipótese de maior aceitação se refere a fenômeno denominado aumento da infecção mediado pelos anticorpos (antibody-dependent enhancement of infection –ADE), que preconiza a associação entre infecções secundárias e o aparecimento de FHD. O fato de as infecções secundárias levarem ao aumento da viremia e a maior risco de doença grave, em comparação com as infecções primárias, sugere que a imunidade preexistente ao DENV é fator de risco para FHD. Evidências dessa teoria vieram primeiramente de estudos epidemiológicos realizados na Tailândia, entre os anos de 1960 e 1970, que demonstraram que a maioria das crianças com FHD havia tido infecção secundária por sorotipo diferente daquele responsável pela primeira infecção. Adicionalmente, observou-se que bebês que haviam adquirido anticorpos passivamente das mães apresentaram infecção mais grave de dengue por volta dos 6 meses de idade, quando a concentração de anticorpos adquiridos da mãe se tornava subneutralizante.
Segundo essa hipótese, anticorpos resultantes de infecção prévia por determinado sorotipo do vírus não seriam neutralizantes ou teriam títulos muito baixos para neutralizar um sorotipo diferente, responsável pela infecção secundária. Assim, esses anticorpos se ligariam ao sorotipo responsável pela infecção secundária, mas não o neutralizariam, formando complexos vírus-anticorpo que, ao serem reconhecidos e internalizados por fagócitos mononucleares, através dos receptores dirigidos à porção Fc das imunoglobulinas, facilitariam a penetração do vírus em células monocitárias, o que resultaria em maior carga viral e maior intensidade da resposta imune, com maior liberação de citocinas e mediadores inflamatórios, o que poderia levar a doença mais grave.
Teoria da virulência viral
Apesar da grande aceitação da associação de uma infecção secundária com a forma mais grave da dengue, ela não explica adequadamente todas as observações clínicas e epidemiológicas que ocorrem durante a FHD/SCD e complicações. Parece existir uma relação complexa entre as variantes genéticas do DENV e a resposta imune do hospedeiro, que determinaria o destino das infecções primárias e secundárias.
As extensas variações genéticas observadas dentro do mesmo sorotipo de DENV possibilitaram a classificação em grupos, denominados genótipos. A evidência de diferentes virulências entre os genótipos foi observada no Peru, com a entrada do DENV-2 em 1995, depois de vários anos de circulação de DENV-1. Com a detecção da epidemia por DENV-2, estimou-se a ocorrência de altos níveis de FHD, uma vez que, em Cuba, a mesma sequência de infecção havia resultado em explosão de casos de FHD. Porém, não foram observados casos de FHD na população peruana. Durante a avaliação dos motivos da ausência de FHD, foram encontradas diferenças estruturais entre as cepas que circularam no Peru e em Cuba. O genótipo americano de DENV-2 que circulou no Peru apresentava habilidade reduzida de replicação em mosquitos e células humanas, se comparado ao outro genótipo, o asiático. Contudo, nem todos os dados são consistentes com a hipótese da virulência do vírus, pois outros estudos não conseguiram correlacionar a patogenicidade aos genótipos circulantes de DENV-2 ou dos outros sorotipos.
Resposta imune e “tempestadede citocinas”
Independentemente do mecanismo fisiopatológico responsável pelas formas mais graves da dengue, existem evidências de que há profundo desarranjo na homeostase das citocinas que governam a resposta imune induzida pela infecção pelos vírus dengue. Alguns estudos mostram que nas formas brandas da doença há resposta predominantemente do tipo Th1, e nos casos graves do padrão Th2, com níveis aumentados de interleucina (IL)-4, IL-6 e IL-10, e níveis reduzidos de IFN-γ e IL-12 nos pacientes graves. A supressão da resposta Th1 estaria relacionada à imunoamplificação (ou amplificação da infecção mediada por anticorpos) a partir da infecção heterotípica e à supressão da produção de IFN-γ.
No entanto, ainda são necessários mais estudos para se compreender melhor o papel da resposta imune durante a infecção pelos DENV e entender por que ocorre “tempestade de citocinas” nos pacientes graves.
■Quadro clínico
Após um período de incubação variável de 4 a 8 dias, a infecção por qualquer um dos sorotipos dos vírus dengue resulta em amplo espectro de doença, com parcela considerável de infecções assintomáticas. A maioria dos pacientes se recupera depois de uma doença autolimitada, enquanto alguns evoluem para doença grave, cuja característica fisiopatológica predominante é o extravasamento de líquido para o interstício.
À parte das infecções assintomáticas, as manifestações clínicas da dengue são muito variáveis, podendo se manifestar principalmente como quadros de febre indiferenciada (síndrome viral) ou das manifestações clássicas da dengue (DC). Quadros mais graves como a FHD e a síndrome de choque da dengue (SCD), e manifestações clínicas menos usuais, como o acometimento hepático, cardíaco e do sistema nervoso central (SNC) são menos frequentes, mas associados a maior mortalidade. Portanto, devem ser aventados sempre que um paciente apresentar quadro compatível com dengue. Com base nessas apresentações clínicas, em 2009, após estudo multicêntrico em vários países do mundo, incluindo o Brasil, a OMS recomendou mudança na classificação das formas clínicas da dengue. Com a nova classificação, a forma hemorrágica da dengue ainda mantém sua importância, mas outras manifestações clínicas devem ser lembradas no diagnóstico diferencial, pois também estão associadas a consideráveis morbidade e mortalidade. Importante lembrar que a fase mais grave da doença ocorre em torno do quarto dia, quando o aumento na permeabilidade capilar, mensurada pelo aumento do hematócrito, pode resultar em choque hipovolêmico e consequente falência de múltiplos órgãos, acidose metabólica, coagulação intravascular disseminada e hemorragias de grande porte. O mesmo raciocínio deve ser feito para o diagnóstico das formas “atípicas” da dengue, que também aparecem na defervescência, devendo ser tratadas urgentemente em todas as situações; se tratadas de maneira inadequada, a mortalidade pode alcançar 20% das formas graves.
Dengue clássica
A doença causada pelos vírus do dengue, na grande maioria dos casos, costuma ser benigna, com manifestações variadas quanto ao tipo e à intensidade dos sintomas, segundo características do vírus e da população acometida. A DC tem início abrupto, apresentando temperaturas de 39 a 40°C, cefaleia intensa, dor retro-ocular, mialgias, artralgias e manifestações gastrintestinais, como vômito e anorexia. Pode surgir exantema intenso no terceiro ou quarto dia de doença, no qual se salientam pequenas áreas de pele sã (para alguns autores, “ilhas brancas em um mar vermelho”). O aparecimento do exantema é geralmente acompanhado de prurido, muitas vezes de difícil controle, e alguns casos podem apresentar fenômenos hemorrágicos discretos (epistaxe, petéquias, gengivorragias), que não caracterizam caso de dengue hemorrágico. A febre costuma ceder em até 6 dias, iniciando-se a convalescença, que pode durar semanas, com astenia e depressão. Quanto ao exame hematológico, observa-se leucopenia com neutropenia após o segundo dia de doença. O número de plaquetas é normal ou, em alguns casos, diminuído. Há elevação discreta nos teores séricos de aminotransferases, geralmente em torno de duas a cinco vezes o limite superior da normalidade.
Nas crianças, a dengue pode ser assintomática ou se manifestar como febre indiferenciada, comumente acompanhada de exantema maculopapular.
Na avaliação dos pacientes com DC, é importante procurar sinais de alarme que apontem para quadro mais grave; pacientes apresentando tais sinais devem ser internados e avaliados frequentemente. Os sinais de alerta/alarme mais frequentemente observados na dengue são: dor abdominal, vômitos persistentes, evidência clínica de acúmulo de fluidos (p. ex., derrame pleural), letargia/irritabilidade, sangramento de mucosas, hepatomegalia maior do que 2 cm e aumento do hematócrito associado a trombocitopenia.
Dengue hemorrágica
A febre hemorrágica da dengue FHD/SCD é comum em países do Sudeste Asiático e oceano Pacífico ocidental, onde a dengue ocorre endemicamente, com circulação simultânea de mais de um tipo viral. Nesses locais, a FHD/SCD é mais comumente observada em crianças. Em surtos de dengue hemorrágica ocorridos nas Américas, em especial no Brasil, os doentes eram predominantemente indivíduos adultos de ambos os sexos, apesar de que nos anos recentes a média de idade desses casos tem diminuído. O quadro costuma iniciar-se abruptamente, similar à forma clássica da dengue, com febre alta, náuseas e vômitos, mialgias e artralgias. Fenômenos hemorrágicos surgem próximo ao período de defervescência da doença, por volta do quarto ou quinto dia, com petéquias na face, véu palatino, axilas e extremidades. Se inadequadamente tratado, o quadro pode evoluir para o aparecimento de púrpuras e grandes equimoses na pele, epistaxes, gengivorragias, metrorragias e hemorragias digestivas moderadas. Ao exame físico, observa-se fígado palpável e doloroso, 2 a 4 cm abaixo do rebordo costal, e, em alguns casos, esplenomegalia. Hepatomegalia, hematêmese e dor abdominal indicam mau prognóstico, com provável evolução para choque. A SCD costuma surgir entre o quinto e o sétimo dia de doença, quando a plaquetopenia também tende a ser mais acentuada, mantendo-se este estado crítico por 12 a 24 h. Os pacientes se mostram agitados e em alguns casos referem dor abdominal. Posteriormente, tornam-se letárgicos, afebris e com sinais de insuficiência circulatória: pele fria e pegajosa, cianose perioral, pulso rápido e sudorese fria. A pressão arterial se mostra convergente, baixa ou imensurável. Instalam-se acidose metabólica e coagulação intravascular disseminada (CIVD). Com ausência de tratamento, o óbito costuma ocorrer em 4 a 6 h. Entretanto, após recuperação, o paciente geralmente não apresenta sequelas.
Portanto, o diagnóstico de FHD/SCD deve ser lembrado sempre que o paciente apresentar quadro clínico compatível com DC e, após 5 dias do início do quadro, houver prova do laço positiva, equimoses, petéquias ou púrpuras, sangramento de mucosas, hematêmese ou melena, plaquetopenia (plaquetas abaixo de 100.000/mm3), alteração do hematócrito superior a 20% ou sinais de perda plasmática(p. ex., derrame pleural, ascite ou hipoproteinemia). Outros achados de importância na avaliação laboratorial desses pacientes são edema da parede da vesícula biliar ao exame ultrassonográfico, derrame pleural e ascite.
Para a confirmação de um quadro de FHD/SCD são considerados parâmetros clínicos e laboratoriais, sendo que todos devem ocorrer para que a FHD/SCD seja confirmada. Os parâmetros clínicos da FHD são doença febril com sintomas característicos da dengue e duração de aproximadamente 1 semana, e manifestações hemorrágicas, sejam elas provocadas, como no caso da prova do laço, ou espontâneas, como as petéquias, equimoses ou hemorragias de grande monta. Como critério laboratorial de FHD/SCD utilizam-se dois importantes parâmetros: o hematócrito deve estar 20% ou mais acima do nível habitual do paciente ou diminuir em 20% ou mais após hidratação vigorosa, e a plaquetopenia (observadaem 70 a 80% dos casos) deve apresentar níveis abaixo de 100.000/mm3. A hemoconcentração encontrada nos casos de dengue hemorrágica está geralmente em níveis acima de 45%. Outras alterações laboratoriais incluem hipoproteinemia, elevação dos níveis séricos de transaminases e ureia, hiponatremia e redução da fração C3 do complemento. Nos casos com CIVD, reduzem-se os fatores V, VII, IX e X, prolongam-se os tempos de protrombina e tromboplastina parcial, e elevam-se os produtos de degradação da fibrina.
Manifestações atípicas
As manifestações não convencionais da dengue vêm sendo cada vez mais diagnosticadas devido à perfeita conexão dos achados clínicos com a sua epidemiologia. As manifestações cardíacas são heterogêneas, variando desde apenas aumento dos marcadores de lesão miocárdica até quadros graves, como derrame pericárdico, miocardite e choque cardiogênico. O acometimento do SNC pode se manifestar como meningites, encefalites e encefalopatias de difícil diagnóstico, que se apresentam com acometimento do SNC, mas com liquor e exames de imagens normais. Mais tardiamente, a síndrome de Guillain-Barré pode estar associada à dengue. O acometimento hepático é bastante comum, mesmo em quadros menos graves, com aminotransferases aumentadas, geralmente entre duas e cinco vezes o limite superior da normalidade, e a aspartato aminotransferase (AST) em níveis mais elevados do que a alanina aminotransferase (ALT). Os casos mais graves são raros, mas podem se apresentar com insuficiência hepática e diátese hemorrágica. Um achado interessante é que, exceto nos casos graves, o acometimento hepático da dengue não é acompanhado de icterícia ou elevações de bilirrubinas.
■Diagnóstico laboratorial
O diagnóstico laboratorial de dengue pode ser realizado por meio de métodos virológicos e sorológicos. O diagnóstico laboratorial é importante para o adequado manejo dos quadros de dengue e, se possível, por motivos epidemiológicos, deve-se realizar a identificação sorotípica dos vírus isolados.
Diagnóstico virológico
Os métodos virológicos compreendem: o isolamento viral por inoculação em culturas celulares, animais e mosquitos; a detecção de antígenos virais por meio de testes imunoenzimáticos e imunocromatografia; a detecção do genoma viral por transcrição reversa do seu RNA em DNA complementar, seguida de amplificação em cadeia pela polimerase (RT-PCR); ou a hibridização com sondas moleculares marcadas. O diagnóstico virológico pode ser efetuado a partir do sangue ou de outros fluidos orgânicos, fragmentos de órgãos e, também, macerados de mosquitos. A técnica virológica mais comumente utilizada no Brasil é a tentativa de isolamento viral por inoculação em culturas celulares, particularmente a linhagem C6/36 oriunda do mosquito Aedes albopictus. Durante observação das células infectadas, a alteração morfológica (efeito citopático) faz suspeitar da presença viral, mas este achado não é constante. A confirmação do isolamento viral na cultura celular costuma ser feita de 6 a 10 dias após a inoculação, utilizando-se anticorpos monoclonais tipo-específicos em teste de imunofluorescência indireto. Para se obter um diagnóstico mais rápido, pode-se utilizar a RT-PCR em culturas de células inoculadas com material suspeito.
A detecção por imuno-histoquímica de antígenos de vírus dengue tem sido efetuada em material de necropsia obtido de casos fatais de FHD/SCD.
Outra técnica que vem se tornando cada vez mais frequente é a transcrição reversa do RNA viral, seguida da amplificação específica dos genomas dos vírus dengue (RT-PCR). Contudo, existem dificuldades técnicas e comerciais, e o método ainda não é viável para uso rotineiro, tendo sido usado mais comumente em pesquisa e para vigilância virológica.
Recentemente, foi desenvolvida técnica de detecção da proteína NS1 dos vírus dengue por teste imunoenzimático e por imunocromatografia, com a vantagem de fazer o diagnóstico da dengue na fase aguda da doença, já que detecta uma proteína estrutural do vírus encontrada somente durante a replicação viral. O teste imunoenzimático tem sensibilidade e especificidade altas, comparáveis, em alguns estudos até superiores, àquelas observadas à RT-PCR. Ainda como vantagem, essa técnica é rápida e adequada ao uso em situações epidêmicas. O teste rápido de diagnóstico da dengue, com base em imunocromatografia, consiste em uma fita na qual deve ser colocado o soro do paciente e incubado à temperatura ambiente por apenas 15 min. A sensibilidade e a especificidade são comparáveis às do NS1 ELISA. Deve-se salientar que esse teste apresenta sensibilidade diferenciada aos diversos sorotipos, tendo recentemente apresentado sensibilidade diminuída aos vírus dengue 2 e 4.
Deve-se realizar o diagnóstico virológico da dengue na fase aguda das infecções, enquanto ocorre viremia, embora a RT-PCR possa ser usada até o início da fase de convalescença. O período virêmico costuma durar até o sexto dia após o aparecimento dos sintomas, com os maiores títulos virais sendo encontrados no início da doença e decaindo à medida que se aproxima a defervescência. A partir desse período, os testes sorológicos devem ter preferência aos virológicos na rotina diagnóstica. As amostras de sangue devem ser coletadas em frasco estéril, sem anticoagulante, e mantidas a 4°C por período de, no máximo, 24 h, quando devem ser processadas ou armazenadas à temperatura de –70ºC ou menos.
Diagnóstico sorológico
Os métodos sorológicos indiretos se baseiam na pesquisa de anticorpos específicos contra o vírus dengue infectante. Embora existam técnicas de neutralização por redução de placas em culturas celulares, fixação do complemento e inibição da hemaglutinação (HAI) para a detecção de anticorpos contra os vírus dengue, esses testes não são usados na rotina diagnóstica, pois essas técnicas não permitem discriminar anticorpos oriundos de infecções prévias (IgG) daqueles de infecção aguda (IgM). Os testes mais utilizados são os imunoenzimáticos, principalmente o de captura de IgM (MAC-ELISA). Deve-se considerar o fato de que essa técnica permite o diagnóstico da dengue apenas na fase de convalescença, pois esses testes devem ser realizados após o sexto dia de doença, para assegurar a certeza do resultado. Portanto, na maioria das vezes, quando o resultado do teste é liberado, o paciente já se recuperou da doença.
■Tratamento
O tratamento da dengue consiste na hidratação precoce, da maneira mais agressiva possível, sempre levando em consideração a existência de cardiopatias e da capacidade dos pacientes de suportar a administração de grandes volumes de líquido. Como o aumento da permeabilidade capilar, com consequente extravasamento de plasma para o interstício e as cavidades, é o principal evento fisiopatológico da dengue, a hidratação é o único tratamento disponível, pois até o momento não há fármacos antivirais que tenham ação específica e efetiva contra os vírus dengue. Nos casos benignos de febre indiferenciada e da DC, além da hidratação, o tratamento sintomático de febre, cefaleia, mialgias e artralgias é suficiente. Entretanto, o uso de salicilatos deve ser evitado, pois esses fármacos podem causar hemorragias digestivas altas e acidose, além de atuarem sobre a agregação plaquetária, podendo agravar ainda mais os quadros graves da dengue. Prefere-se utilizar o paracetamol ou a dipirona, tomando-se o cuidado com doses elevadas de paracetamol (acima de 4 g/dia, no adulto), já que é hepatotóxico – devido à dor apresentada pelos pacientes com dengue, pode haver excesso na dose ingerida, podendo-se chegar a níveis tóxicos de concentração. A OMS também recomenda evitar o uso dos anti-inflamatórios não hormonais (AINH), especialmente o ibuprofeno (WHO, 2009).
O tratamento das formas graves da dengue deve seguir as condutas usadas em pacientes que precisam de cuidados intensivos, muitas vezes sendo necessário recorrer a aminas vasoativas e medidas avançadas de suporte à vida. A existência de comorbidades deve ser sempre investigada e considerada de extrema importânciano tratamento das formas graves da dengue. A administração de líquidos deve ser considerada caso a caso, mas existem alguns protocolos, como o apresentado no manual do Ministério da Saúde (Dengue: diagnóstico e manejo clínico do adulto e criança). O uso de corticosteroides não está indicado, visto que não há evidências de que eles tenham qualquer efeito benéfico no tratamento da dengue.
A reposição de sangue e concentrado de plaquetas não é preconizada, exceto em casos de hemorragias de grandes proporções.
O tratamento deverá ser suspenso ao se iniciar a reabsorção do plasma extravasado, sendo necessário cuidado com o possível estado hipervolêmico do paciente. A partir desse momento, as condições hemodinâmicas se normalizam, retorna o apetite do paciente e o hematócrito cai a níveis abaixo de 40%. É importante avaliar cuidadosamente pacientes em alguns grupos de risco para doença grave (p. ex., gestantes, idosos e crianças), já que é nessa fase de defervescência que ocorrem as complicações, em particular o choque hipovolêmico. Sabendo que as hemorragias acompanham o aparecimento do choque, evitar o choque circulatório muito provavelmente evitará o aparecimento do quadro hemorrágico.
■Controle e prevenção
Atualmente, as melhores ferramentas de prevenção e controle contra os DENV são as políticas públicas, que viabilizam o combate ao principal vetor das áreas urbanas, o Aedes aegypti. Em 2002, foi criado o Programa Nacional de Controle da Dengue, que envolve não apenas medidas efetivas de controle vetorial, mas também a reformulação de planos anteriormente criados e a participação da sociedade, através de campanhas de conscientização ambiental.
O desenvolvimento de uma vacina contra a dengue seria a melhor medida preventiva contra a doença; no entanto, até o momento vários candidatos vacinais se encontram em diferentes estágios de desenvolvimento. A eficácia da vacina estará na capacidade de oferecer proteção contra os quatro sorotipos virais em uma mesma vacina e promover imunidade duradoura.
Embora não haja vacina eficaz contra a dengue disponível no mercado, existem vários candidatos vacinais sendo testados em ensaios clínicos, e é provável que pelo menos um ou mais destes induzirão imunidade protetora contra a infecção pelos vírus dengue. A vacina em mais adiantado estágio de desenvolvimento, produzida pela empresa Sanofi Pasteur, é uma vacina quimérica que usa o genoma da vacina de febre amarela como arcabouço de suporte para inserir os genes das proteínas estruturais prM e E dos vírus dengue. Apesar de ainda não ser a ideal, as publicações mais recentes relatam que essa vacina tetravalente foi capaz de reduzir a incidência global da dengue em 56,5% e diminuir os casos de FHD em 88,5%. Entretanto, apresentou pouca proteção contra o DENV-2 e obteve melhores resultados em quem já havia sido infectado previamente. Como as proteínas estruturais dos vírus dengue são importantes para a resposta imune celular, o Centers for Disease Control and Prevention americano desenvolveu e está testando uma vacina quimérica tetravalente, utilizando como arcabouço uma vacina de vírus atenuado contra o DENV-2. Outra vacina em teste e que utiliza a técnica de quimerização e deleção de nucleotídeos da porção 3′ não codificadora dos vírus dengue foi desenvolvida pelos National Institutes of Health dos EUA, sendo aparentemente segura. Uma única dose da vacina tetravalente induziu a produção de anticorpos neutralizantes contra três ou mais vírus dengue em mais de 75% dos participantes, em ensaio clínico de fase 1.
Outras estratégias sendo testadas são as vacinas de vírus inativado, vacinas de DNA e de subunidades. Entretanto, como a vacina necessita ser tetravalente, ainda não existe um produto ideal para uso em humanos, mas certamente será a vacina que terá o maior impacto no controle e na prevenção da dengue.
Febre Chikungunya
Celso Francisco Hernandes Granato
■Introdução
Tem sido detectada expansão geográfica do vírus Chikungunya (CHKV) e da infecção por ele causada, a febre Chikungunya. Até o final do século passado, a maior parte dos especialistas considerava essa doença peculiaridade regional e não se atinha demais a ela. Entretanto, isso mudou a partir do ano de 2005, em decorrência da grande disseminação geográfica, que inclui o Brasil.
■Patogênese
A doença foi descrita pela primeira vez em 1952, na Tanzânia, leste da África, recebendo seu nome devido à sua característica clínica marcante: provocar dor articular tão intensa que força o paciente a dobrar o seu corpo (em língua maconde, chikungunya significa “aquele que se dobra com a dor”).
Após a descrição clínica inicial nos anos 1950, o agente etiológico foi isolado e caracterizado como vírus da família Togaviridae, gênero alfavírus. Do ponto de vista epidemiológico, são considerados arbovírus, uma vez que o ser humano se infecta após picada de mosquitos do gênero Aedes (A. aegypti e A. albopictus, principalmente). São vírus constituídos por RNA de hélice simples, positivamente orientada e que codificam para nove proteínas, sendo quatro não estruturais e uma poliproteína que se cinde em cinco outras estruturais. Sua célula-alvo mais relevante parece ser o fibroblasto, embora outros tipos celulares possam ser infectados, tanto in vivo (células epiteliais, endotélio), como in vitro (Vero, HeLa).
Nas décadas de 1950 e 1960, a doença era descrita apenas no leste da África, e a partir dos anos 1970 passou a ter distribuição um pouco mais ampla, atingindo países do sul africano e ao redor do oceano Índico. Em 2005, causou grande epidemia na Índia, acometendo mais de 1.200.000 pessoas. Esporadicamente, tem havido casos de pacientes europeus que, em sua maioria, adquiriram a infecção em viagens turísticas à Ásia, embora haja relatos de casos adquiridos na própria Europa (autóctones).
No continente americano, os primeiros casos autóctones foram descritos no final de 2013, na Ilha de São Martinho (Saint Martin ou Sint Maarten), disseminando-se por várias outras ilhas caribenhas e atingindo a América do Sul (Guiana). No Brasil, os primeiros casos autóctones foram descritos no inverno de 2014, principalmente no Amapá, em Feira de Santana (Bahia), Minas Gerais, Pernambuco e Mato Grosso do Sul. Embora não se saibam exatamente as razões para essa disseminação, foi detectada nos últimos anos uma mutação no gene que codifica para a glicoproteína de envelope (E1) do tipo A226V. Essa mutação permitiu ao CHKV maior facilidade para transmissão pelo A. albopictus, muito embora, nas Américas, o principal vetor seja mesmo o A. aegypti.
Após a picada do mosquito infectado, existe um período de incubação que se estende por 2 a 12 dias (comumente entre 4 e 7 dias). Considera-se que as infecções assintomáticas sejam relativamente incomuns em relação às demais arboviroses, ocorrendo em 3,8 e 27,7% do total de casos. O início da doença costuma ser abrupto, com temperatura elevada (38,5°C), dor lombar, cefaleia, fadiga, mialgia e poliartralgia (87 a 98% dos pacientes, sendo mais frequentemente bilateral, simétrica, acometendo pulsos, tornozelos e falanges; mais raramente, acomete ombros, cotovelos e joelhos). Também é comum ocorrer edema articular (27 a 42% dos pacientes).
Pode ocorrer ainda acometimento cutâneo, com rash macular ou maculopapular em cerca de metade dos casos (membros superiores e inferiores, tronco e face), prurido e descamação. Além disso, podem ocorrer diarreia e vômitos (menos frequentes), desânimo intenso e impossibilidade de realizar as tarefas comuns do dia a dia. Durante o período de surtos, febre e poliartralgia tiveram sensibilidade de 80% para o diagnóstico, valor preditivo positivo de 74% e negativo de 83%.
A morte é evento raro (inferior a 1%) e as causas mais comuns são insuficiência cardíaca, hepática, renal e sepse.
A fase inicial ou aguda dura aproximadamente 1 semana. A partir desse momento, a doença pode evoluir para fase de convalescença ou mesmo crônica, que pode se estender por anos. Nessa fase, predominam

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