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Reflexões sobre o Fundamentalismo (publicado a 24/out/2001) Entendemos por “fundamentalismo” toda e qualquer doutrina ou prática social que busca seguir determinados “fundamentos” tradicionais, geralmente baseados em algum livro sagrado ou práticas costumeiras, consuetudinárias. Todo o fundamentalismo tende a uma absolutização do “eu”, do “ego” em detrimento do “outro”. Deixa-se de perceber que, humano, o “outro” é em verdade um “outro eu” e termina-se por não reconhecer a validade do ponto de vista do outro. Este é um dos maiores problemas da atual globalização. Na globalização romana todo o mundo não-romano era considerado “bárbaro”, portanto indigno de considerações e diálogo. Deveriam os “bárbaros” ser globalizados (embora, claro não se utilizassem estas expressões). Na globalização portuguesa sobre o que hoje chamamos de “Brasil” deveriam os chamados de “índios” e ainda os negros trazidos em cadeias por sobre o mar, ser globalizados. Presentemente, o poderio econômico norte- americano já globalizou países como a Argentina e, como o governo brasileiro segue caninamente o receituário do FMI que redundou na quebra da Argentina, também o nosso país está devidamente globalizado e nitidamente às portas de uma quebradeira generalizada... As nações islâmicas – particularmente aquelas que se assumem como “fundamentalistas” – são mais refratárias à globalização norte- americana, portanto estão sendo globalizadas à força. Para eles, o“fundamentalismo de mercado”, que reconhece o Capital como Deus Supremo e pauta-se por uma desconsideração total por fatores de cunho social-humanitário, é absolutamente inaceitável, uma vez que um dos primeiros preceitos do Islã é: “Existe um único Deus”, que é precisamente o Deus de Moisés, Abraão, Isaque e Jacó, ou seja, o meus Deus dos cristãos. No fundamentalismo de mercado pouco se considera a religiosidade, exceto se corroboradora ou homologadora do mercado e do apego às posses materiais como meta suprema; no fundamentalismo islâmico leva-se a religiosidade mais a sério. Para o muçulmano (mesmo o não-fundamentalista) só Deus possui. Ao homem é dado gerenciar, tão sabiamente quanto possível os dons e dádivas advindas da divindade.“Naturalmente” o fundamentalismo islâmico, por romper com os marcos da globalização burguesa da era moderna, ou seja, por romper com os propósitos do fundamentalismo de mercado, tornou-se desinteressante ao capitalismo e ao socialismo. Daí que as revoluções islâmicas no Irã e no Afeganistão geraram intervenções externas agressivas desde o seu início. Contra o Irã, como já se enfatizou neste mesmo espaço, buscou- se aparelhar o Iraque a destruí-lo (sem sucesso, enfatize-se). Contra o Afeganistão a então União Soviética perdeu-se nos descaminhos das montanhas, desfiladeiros e cavernas que protegem aquela Nação, já conhecida dos povos do mundo como “sepultura de invasores”. Os fundamentalistas de mercado, por sua vez, armaram o Talebã (ou Teleebã, ou Taleban, ou Taleeban, ou Talibã, ou Taliban, como se prefira a grafia em português) contra o “invasor” soviético. Os estrategistas de Washington avaliaram que o fundamentalismo islâmico poderia ser aliado do fundamentalismo de mercado... Este erro crasso de avaliação é um dos maiores motivos da Guerra hoje em andamento e que a todos nós preocupa... Vejamos um pouco mais de perto o fundamentalismo evangélico. Pratica uma forma de religião que nasce contra o catolicismo especificamente para corroborar e homologar o capitalismo (é a forma religiosa do fundamentalismo de mercado em sua versão mais acabada) e, como todo o fundamentalismo, não aceita argumentações racionais voltadas à viabilização de um diálogo. Se lhes dizemos: “ninguém é dono da verdade, somos, na melhor das hipóteses, buscadores da verdade”, respondem coisas como “a verdade é Cristo e, quem tem Cristo no coração somente vive, fala e pratica a verdade”, ou seja, uma vez que, segundo aquela visão “a salvação não está nas obras, mas na fé”, pode- se praticar o que se quiser desde que a “profissão de fé” esteja dita. Condenam vigorosamente o misticismo e a idolatria mas há um número enorme de maçons entre eles que, ainda por cima, entronizam o ego acima de qualquer coisa, na forma mais condenável de idolatria, aquela que cultua como se fosse Deus algo que não é Deus, no caso, a“egolatria”... Isto tipifica o seu irracionalismo, a contradição implícita entre a sua “profissão de fé” e suas práticas. De todas as formas de fundamentalismo hoje vigentes no mundo globalizado pelos norte-americanos, o fundamentalismo de mercado é o mais baixo, vil, cruel e mesquinho. Com o fundamentalismo evangélico a homologá-lo na dimensão religiosa vemos a Nação mais poderosa do mundo a submeter e massacrar todos os povos da terra culminando com uma guerra insana contra uma das mais pobres do planeta sem que possamos fazer absolutamente coisa alguma a não ser deixar o nosso protesto registrado. O fundamentalismo católico também merece um estudo crítico à parte. Mas fugiria ao mote destas linhas. A refletir apenas o fato de o Vaticano dar apoio irrestrito ao massacre que está sendo perpetrado no Oriente Médio – afinal, não são povos católicos ou manifestam qualquer consideração para com o tomismo... Resumindo: 1) Vivemos num mundo em que o fundamentalismo de mercado impõe seus valores a todos os povos. “Tecnicamente” se possível. À bala se necessário. 2) O fundamentalismo de mercado apresenta total devoção ao comércio e preocupação social tendente a zero. 3) Em todas as formas de fundamentalismo ocorre uma busca de absolutização do “eu”, do “ego”. Diz-se “eu tenho razão”, “sou dono da verdade”, você, se pensa diferente de mim, não tem razão. Tem de ser“globalizado”! 4) A marca da globalização de cima para baixo promovida pelos norte-americanos é o não reconhecimento do outro. Lázaro Curvêlo Chaves
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