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CULTURA E SOCIEDADE TEXTOS ADAPTADOS Ementa Estudo de temas clássicos e contemporâneos essenciais para o entendimento da configuração do mundo atual nas perspectivas histórica, antropológica, sociológica e filosófica. Conhecimento dos aspectos caracterizadores da formação étnico-racial e cultural da sociedade brasileira. Objetivos gerais Desenvolver a capacidade de reflexão crítica por meio da discussão e da análise dos principais temas relacionados às áreas do saber histórico, filosófico, antropológico e sociológico. Objetivos específicos - Compreender o processo de constituição da cultura ocidental a partir das matrizes da antiguidade clássica greco-romana. - Analisar a geopolítica contemporânea, a partir das relações do Brasil com o mercado internacional. - Reconhecer aspectos relevantes da cultura contemporânea para a formação profissional. - Estimular a leitura, a interpretação e a produção de textos relacionados às áreas do conhecimento humanístico. - Estabelecer relações, comparações e contrastes em diferentes situações. - Compreender os aspectos caracterizadores da formação étnico-racial e cultural brasileira. Conteúdos de plano de ensino 1 O homem e a cultura 1.1 O homem: ser biológico e cultural 1.2 A cultura: definições, cultura popular e cultura erudita 1.3 Multiculturalismo, relações étnico-raciais, história e cultura afro-brasileira e indígena 1.4 Indústria Cultural 2 O conhecimento em seus diversos aspectos 2.1 Tipos de conhecimento (religioso, vulgar, filosófico e científico) 2.2 Senso comum X conhecimento científico 2.3 Ciências exatas/ ciências humanas 2.4 Método científico 3 Ética e Ideologia 3.1 Moral e ética 3.2 Ética geral e profissional 3.3 Democracia, ética e cidadania 3.4 Ideologia 4 Meios de comunicação de massa, tecnologia e novas mídias 4.1 Os meios de comunicação de massa e suas características 4.2 As velhas e novas mídias 4.3 Comunicação e tecnologia de informação 4.4 Mídia e sociedade de consumo 5 Reestruturação Produtiva e geopolítica 5.1 Reestruturação produtiva e toyotismo 5.2 Globalização e Neoliberalismo 5.3 A globalização e a crise financeira mundial 5.4 Reflexos político-institucionais, econômicos e sociais da globalização no Brasil 6 Trabalho, mercado e responsabilidade social 6.1 Educação e Sociedade do Conhecimento 6.2 Relações de trabalho e o perfil do profissional no século XXI 6.3 Empreendedorismo e inovação 6.4 Responsabilidade social: setor público, privado e terceiro setor 7 Geração Y 7.1 Novas tecnologias e a nova geração de trabalhadores do conhecimento (Y) 7.2 Contexto histórico do nascimento das gerações Baby Boomers, X, Y e Z 7.3 O que a Geração Y quer e precisa no trabalho 7.4 Estratégias e programas para gerenciar a geração Y 8 Ecologia e Biodiversidade 8.1 Natureza e sociedade como espaço de cidadania 8.2 O movimento ecológico e políticas públicas 8.3 Desenvolvimento, sustentabilidade social e ambiental 8.4 Catástrofes ambientais e sociedade 9 Relações sociais de gênero 9.1 Configurações de gênero na sociedade atual 9.2 Machismo e sexismo 9.3 Feminismo 9.4 Desigualdade e discriminação da mulher na cultura e na sociedade brasileira. 10 Violência urbana e rural 10.1 Origens da violência 10.2 Discurso midiático e a violência 10.3 Políticas públicas e violência 10.4 Movimentos Sociais Atividades práticas supervisionadas Os discentes farão leituras de ensaios científicos e artigos de revistas selecionados pelo professor e assistirão a filmes, cuja abordagem se refira à disciplina, com a finalidade de reconhecer, interpretar e analisar os apontamentos teóricos analisados nas aulas. Além disso, serão realizados trabalhos e exercícios. Metodologia Pretende-se, mediante fundamentação teórica e recortes da realidade, compreender e criticar as transformações engendradas pelo homem na sociedade. As aulas serão desenvolvidas sob a forma de exposições dialogadas, seminários, análises de textos e filmes. Recursos didáticos Quadro, giz, datashow, filmes e livros e textos das obras indicadas na referência bibliográfica. Avaliação Durante o semestre letivo, a nota do discente na disciplina será composta pelos seguintes indicadores avaliativos: a) Quarenta pontos distribuídos pelo docente da disciplina, em exercícios, trabalhos e provas. b)Vinte pontos distribuídos no Projeto Integrador. c) Vinte pontos da Avaliação Colegiada. d) Vinte pontos da Avaliação Integradora (AVIN) Considerar-se-ão dois critérios, que não se excluem, para a aprovação na disciplina, a saber: a) Mínimo de sessenta pontos de aproveitamento, conforme nota global da disciplina. b) Mínimo de setenta e cinco por cento de frequência na disciplina. Referência bibliográfica básica ARON, R. As etapas do pensamento sociológico. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Lei nº 11.645, de março de 2008. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, ... a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Brasília: SEPPIR/SECAD/INEP, 2005. Disponível em: < http://www.iteral.al.gov.br/legislacao/http___www.iteral.al.gov.br_legsilacao_Lei- 2011.465_-20de-202008.pdf/view>. Acesso em: 18 abr. 2011. CHAUÍ, M. Convite à filosofia. 14. ed. São Paulo: Ática, 2011. LARAIA, R. de B. Cultura: um conceito antropológico. 24. ed. Rio de Janeiro: Rio de Janeiro, 2009. Referência bibliográfica complementar ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 5. ed. São Paulo: Boitempo, 2009. ARANHA, M. L. de A. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2009. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Brasília: SEPPIR/SECAD/INEP, 2005. Disponível em: <http://www.sinpro.org.br/arquivos/afro/diretrizes_relacoes_etnico-raciais.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2011. BRASIL. Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 09 jan. 2003. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.639.htm>. Acesso em: 03 fev. 2011. CARVALHO, J. M. de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 14. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. COLEÇÃO. Os Pensadores. 5. ed. São Paulo: Nova Cultura, 1991. MASI, D. D. A sociedade pós-industrial. São Paulo: Senac, 2003. NILO, O. O que é violência. São Paulo: Brasiliense, 1983. SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 7. ed. São Paulo: Record, 2001. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. VALLS, A. L. O que é ética. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. TEMA 1 - O HOMEM E A CULTURA 1.1 O HOMEM: SER BIOLÓGICO E CULTURAL 1.2 A CULTURA: DEFINIÇÕES, CULTURA POPULAR E CULTURA ERUDITA 1.3 MULTICULTURALISMO, RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA 1.4 INDÚSTRIA CULTURAL 1.1 O HOMEM: SER BIOLÓGICO E CULTURAL A cultura interfere no plano Vimos, acima, quea cultura interfere na satisfação das necessidades fisiológicas básicas. Veremos, agora, como ela pode condicionar outros aspectos biológicos e até mesmo decidir sobre a vida e a morte dos membros do sistema. Comecemos pela reação oposta ao etnocentrismo, que é a apatia. Em lugar da superestima dos valores de sua própria sociedade, numa dada situação de crise os membros de uma cultura abandonam a crença nas mesmas e, consequentemente, perdem a motivação que os mantém unidos e vivos. Diversos exemplos dramáticos deste tipo de comporta mento anômico são encontrados em nossa própria história. Os africanos removidos violentamente de seu continente (ou seja, de seu ecossistema e de seu contexto cultural) e transportados como escravos para uma terra estranha, habitada por pessoas de fenotipia, costumes e línguas diferentes, perdiam toda a motivação de continuar vivos. Muitos foram os suicídios praticados, e outros acabavam sendo mortos pelo mal que foi denominado de banzo. Traduzido como saudade, o banzo é de fato uma forma de morte de corrente da apatia. Foi, também, a apatia que dizimou parte da população Kaingang de São paulo, quando teve o seu território invadido pelos construtores da Estrada de Ferro Noroeste. Ao perceberem que os seus recursos tecnológicos, e mesmo os seus sobrenaturais, eram impotentes diante do poder da sociedade branca, estes índios perderam a crença em sua sociedade. Muitos abandonaram a tribo, outros simplesmente esperaram pela morte que não tardou. Entre os índios Kaapor, grupo tupi do Maranhão, acredita-se que se uma pessoa vê um fantasma ela logo morrerá. O principal protagonista de um filme, realizado em 1953 por Darcy Ribeiro e Hains Forthmann, ao regressar de uma caçada contou ter visto a alma de seu falecido pai perambulando pela floresta. O jovem índio deitou em uma rede e dois dias depois estava morto. Em 1967, durante a nossa permanência entre os índios (quando a história acima nos foi contada), fomos procurados por uma mulher, em estado de pânico, quem teria visto um fantasma (añan). Confiante nos poderes do branco, nos solicitou um “añan-puhan” (remédio para fantasma). Diante de uma situação crítica, acabamos por fornecer-lhe um comprimido vermelho de vitaminas, que foi considerado muito eficaz, neste e em outros casos, para neutralizar o malefício provocado pela visão de um morto. É muito rica a etnografia africana no que se refere às mortes causadas por feitiçaria. A vítima, acreditando efetivamente no poder do mágico e de sua magia, acaba realmente morrendo. Pertti Pelto descreve esse tipo de morte como sendo conseqüência de um profundo choque psicofisiológico: “A vítima perde o apetite e a sede, a pressão sangüínea cai, o plasma sangüíneo escapa para os tecidos e o coração deteriora. Ela morre de choque, o que é fisiologicamente a mesma coisa que choque de ferimento na guerra e nas mortes de acidente de estrada”. E de se supor que em todos os casos relatados o procedimento orgânico que leva ao desenlace tenha sido o mesmo. Deixando de lado esses exemplos mais drásticos sobre a atuação da cultura sobre o plano biológico, podemos agora nos referir a um campo que vem sendo amplamente estudado: o das doenças psicossomáticas. Estas são fortemente influenciadas pelos padrões culturais. Muitos brasileiros, por exemplo, dizem padecer de doenças do fígado, embora grande parte dos mesmos ignorem até a localização do órgão. Entre nós são também comuns os sintomas de mal estar provocados pela ingestão combinada de alimentos. Quem acredita que o leite e a manga constituem uma combinação perigosa, certamente sentirá um forte incômodo estomacal se ingerir simultaneamente esses alimentos. A sensação de fome depende dos horários de alimentação que são estabelecidos diferente em cada cultura. “Meio-dia, quem não almoçou assobia”, diz um ditado popular. E de fato, estamos condicionados a sentir fome no meio do dia, por maior que tenha sido o nosso desjejum. A mesma sensação se repetirá no horário determinado para o jantar. Em muitas sociedades humanas, entretanto, estes horários foram estabelecidos diferentemetne e , em alguns casos, o indivíduo pode passar um grande número de horas sem se alimentar e sem sentir a sensação de fome. A cultura também é capaz de provocar curas de doenças, reais ou imaginárias. Estas curas ocorrem quando existe a fé do doente na eficácia do remédio ou no poder dos agentes culturais. Um destes agentes é o xamã de nossas sociedades tribais (entre os Tupi, conhecidos pela denominação de pai’é ou pajé). Basicamente, a técnica de cura do xamã consiste em uma sessão de cantos e danças, além da defumação do paciente com a fumaça de seus grandes charutos (petin), e a posterior retirada de um objeto estranho do interior do corpo do doente por meio de sucção. O fato de que esse pequeno objeto (pedaço de osso, insetos mor tos etc.) tenha sido ocultado dentro de sua boca, desde o inicio do ritual, não é importante. O que importa é que o doente é tomado de urna sensação de alivio, e em muitos casos a cura se efetiva. A descrição de uma cura dará, talvez, uma ideia mais detalhada do processo. Após cerca de uma hora de cantar, dançar e puxar no cigarro, o pajé recebeu o espirito. Aproximando-se do doente que etava sentado em um banco, o pajé soprou a fumaça primeiro sobre as própias mãos e, em seguida, sobre o corpo do paciente. Ajoelhando-se junto a ele, esfregou-lheo peito e o pescoço. A massagem era dirigida para um ponto no peito do doente e o pajé esfregava as mãos como se tivesse juntado qualquer coisa. Interrompia a massagem para soprar a fumaça nas mãos e esfregá-las uma na outra, como se quisesse livrá-las de uma substância invisível. Após muitas massagens no doente, levantou-lhe os braços e encostou seu peito ao dele. Queria assim passar o ymaé ( a causa da doença, aquilo que um ser sobrenatural faz ao entrar no corpo da vítima) do doente para o seu próprio corpo. Não o conseguiu e voltou a repetir as massagens, dessa vez dirigidas para o ombro. Aí aplicou a boca e chupou com muita força. Repetiu as massagens e sucções, intercalando-as com baforadas de cigarro e contrações como se fosse vomitar. Finalmente conseguiu extrair e vomitar o ymaé, que fez desaparecer na mão. Nas curas a que assistimos, os pajés jamais mostraram o ymaé que extraiam dos doentes. Guardavam- nos por algum tempo dentro da mão, livre do cigarro, para fazê-lo desaparecer após. Explicavam, porém, à audiência a sua natureza, oque parecia bastante. Dizem que os pajés mais poderosos o fazem, e algumas pessoas guardam pequenos objetos que acreditam terem sido retirados de seu corpo por um pajé. LARAIA, Roque de Barros. A cultura interfere no plano biológico. In. ____________, Cultura: um conceito antroplógico. Rio de Janeiro: 19. ed. Jorge ZAHAR Editor, 2006. p. 75 -79. 1.2 A CULTURA: DEFINIÇÕES, CULTURA POPULAR E CULTURA ERUDITA A origem da palavra CULTURA - Alfredo Bosi Uma definição da cultura hoje em dia se tornou particularmente difícil, porque a cultura pode ser estudada de vários pontos de vista e precisaríamos escolher uma perspectiva para poder defini-la. Como professor de língua portuguesa e pessoa que sempre se dedicou ao estudo do que se chama de Humanidades, eu gostaria de remontar ao primeiro significado da palavra cultura na tradição romana. A palavra cultura é latina e sua origem é o verbo colo. Colo significava, na língua romana mais antiga, “eu cultivo”; particularmente, “eu cultivo solo”. A primeira acepção de colo estava ligada ao mundo agrário, como foi Roma antes de se transformar naquele império urbano que nós conhecemos. Os romanos começaram efetivamente pela agricultura. A palavra agricultura diz muito: “cultura do campo”. Inicialmente, a palavra cultura, por ser um derivado de colo, significava,rigorosamente, “aquilo que deve ser cultivado”. Era um modo verbal que tinha sempre alguma relação com o futuro; tanto que a própria palavra tem essa terminação –ura, que é uma desinência de futuro, daquilo que vai acontecer, da aventura. As palavras terminadas em – uro e –ura são formas verbais que indicam projeto, indicam algo que vai acontecer. Então a cultura seria, basicamente, o campo que ia ser arado, na perspectiva de quem vai trabalhar a terra. Esse significado material da palavra, relacionado com a sociedade agrária, durou séculos; até que os romanos conquistaram a Grécia e foram em parte helenizados. Nós sabemos a extrema importância da cultura grega, da arte e da filosofia grega para o desenvolvimento da cultura romana. E os gregos tinham já uma palavra para o desenvolvimento humano, que era paideia. Paideia significava o conjunto de conhecimentos que se devia transmitir às crianças – paidós (criança é paidós) – daí Pedagogia, que é a maneira de levar a criança ao conhecimento. Dessa raiz é que se criou paideia, que por volta do primeiro século antes de Cristo, o momento forte da helenização de Roma, passou para o Império Romano e carecia de uma tradução em latim. Os romanos sabiam o que era paidéia, pois os seus pedagogos eram escravos gregos que iam para a Itália; alguns contratados e outros como escravos deveriam trabalhar para os seus donos e tinham a função de ensinar grego e retórica para os meninos das famílias patrícias. Nessa altura, a Grécia também exercia a função de “emprestar” palavras; começava-se a usar palavras gregas frequentemente entre os romanos. Só que, por outro lado, o nacionalismo romano também exigia que se traduzissem os termos gregos. E qual era o paralelo que eles podiam fazer? Os romanos não tinham nenhum termo que significasse “conjunto de conhecimentos que deveriam ser transmitidos à criança”. Mas, conhecendo a palavra paideia e não querendo usá-la porque era uma palavra estrangeira, passaram a traduzi-la por cultura. A palavra cultura passou do significado puramente material que tinha em relação à vida agrária para um significado intelectual, moral, que significa conjunto de ideias e valores. E é tardio isso, só a partir do primeiro século é que se encontram exemplos da palavra nessa acepção; se a gente for aos dicionários de latim compilados depois da época imperial, encontramos cultura sempre definida em primeiro lugar como o amanho do solo, o trabalho sobre o solo, ligado sempre ao verbo colo e seus derivados, por exemplo: in-cola – aquele que mora num certo lugar; inquilino – aquele que mora num lugar que não é seu; colônia – lugar para onde se deslocam trabalhadores que vão arar em outras terras. Culto vem do particípio passado de colo (colo é o verbo, que tem um particípio passado: cultus), é aquilo que já foi trabalhado. Depois, passou a ter um significado espiritual-religioso. Aliás, entre parênteses, nós não sabemos se o significado religioso foi anterior ou posterior ao significado material. Agora, cultura certamente sabemos que passou de um significado material para um significado ideal e intelectual. Essas observações que estou fazendo, etimológicas, poderão nos servir como um fio em nosso discurso, porque ambos os significados sobreviveram nas línguas modernas. Podemos falar na cultura do arroz, na cultura da soja, na cultura do trigo, entendemos muito bem que é uma terra cultivada; falamos em cultivo (palavra também derivada de colo) e mais ainda, com frequência, usamos a palavra cultura na acepção ideal, que é muito rica, porque traz dentro de si, na forma verbal terminada em -ura, a ideia de futuro, de projeto. Se tivéssemos que definir a palavra a partir dessas considerações, teríamos uma riqueza de possibilidades, porque a cultura, pensada como um conjunto de ideias, valores e conhecimentos, traz dentro de si, em primeiro lugar, a dimensão do passado. Muitos conhecimentos foram herdados de outras gerações, não estamos começando do zero, muito pelo contrário, cada ano que passa acumula mais conhecimento. Cada vez mais a dimensão cumulativa, a dimensão de passado, se impõe. É extraordinário como a nossa memória tem que ficar cada vez mais enriquecida, porque o tempo passa e a memória cresce proporcionalmente. Sem dúvida nenhuma, a primeira ideia que temos quando falamos em cultura é a de transmissão de conhecimentos e valores de uma geração para outra, de uma instituição para outra, de um país para outro; subsiste sempre a ideia de algo que já foi estabelecido em um passado – que pode ser um passado próximo ou um passado remoto. Evidentemente, nossa cultura tecnológica tem proximidade com a Revolução Industrial e com tudo o que veio depois, ao passo que a cultura humanística deve remontar aos gregos e aos romanos, há 2.000 ou 3.000 anos atrás. Não importa: seja um passado recente, séculos XIX e XX, seja um passado remoto (antes de Cristo, ou épocas arcaicas), sempre a palavra cultura carrega dentro de si a ideia de transmissão de ideias e valores. Mas, voltando à etimologia, cada vez mais nos preocupamos com a outra dimensão, que é a dimensão do projeto. Não basta que nós herdemos do passado todas essas riquezas, é preciso que continuemos aprofundando certos veios; se a cultura está sempre “in progress”, ela está sempre em fase de desvios, ela não é algo estabelecido para sempre. Só as culturas em decadência é que fixam, congelam, tal como a cultura bizantina, que, dizem, durante mil anos repetiu as fórmulas do Império Romano do Oriente; ou a cultura chinesa, antes de a China entrar em contato com o mundo ocidental, também codificou formas, comportamentos; a japonesa também. No mundo contemporâneo, ao contrário, cada vez menos nos atemos à fixidez das fórmulas e cada vez mais (como a cultura é um complexo de conhecimentos científicos, técnicos etc., e não só históricos) nos preocupamos em criar projetos de cultura; e cada vez mais, além desta criação, os nossos ideais democráticos exigem uma socialização do conhecimento. Não só cavar na matéria em si da cultura, mas também estendê-la na linha da comunicação, na linha da socialização; e fazer com que este bem seja repartido, distribuído, da maneira mais justa e mais ampla possível, o que é próprio da sociedade democrática. Disponível em: <http://pandugiha.wordpress.com/2008/11/24/alfredo-bosi-a-origem-da-palavra- cultura/> acessado em 05/02/2011. CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2006. p. 291-296. Cultura O mundo que resulta do pensar e do agir humanos não pode ser chamado de natural, pois se encontra transformado e ampliado por nós. Portanto, as diferenças entre pessoa e animal não são apenas de grau, porque, enquanto o animal permanece mergulhado na natureza, nós somos capazes de transformá-la, tornando possível a cultura. A palavra cultura tem vários significados, tais como cultura da terra ou cultura de uma pessoa letrada, “culta”. Em antropologia, cultura significa tudo que o ser humano produz ao construir sua existência: as práticas, as teorias, as instituições, os valores materiais e espirituais. Se o contato com o mundo é intermediado pelo símbolo, a cultura é o conjunto de símbolos elaborados por um povo. Dada a infinita possibilidade humana de simbolizar, as culturas são múltiplas e variadas: são inúmeras as maneiras de pensar, de agir, de expressar anseios, temores e sentimentos em geral. Por isso mudam as formas de trabalhar, de se ocupar com o tempo livre, mudam as expressões artísticas e as maneiras de interpretar o mundo, tais como o mito, a filosofia ou a ciência. Nesse processo de transformação, vale lembrar que a ação humana é coletiva, por ser exercida como tarefa social, peal qual a palavra toma sentido pelo diálogo. O mundo cultural é um sistema de significados já estabelecidos por outros, de modoque, ao nascer, a criança encontra o mundo de valores já dados, onde ela vai se situar. A língua que aprende, a maneira de se alimentar, o jeito de se sentar, andar, correr, brincar, o tom da voz nas conversas, as relações familiares; tudo, enfim, se acha codificado. Até na emoção, que nos parece uma manifestação tão espontânea, ficamos à mercê de regras que educam desde a infância a nossa expressão. O corpo humano nunca é apresentado como mera anatomia, a ponto de não se poder pensar em ‘nu’ natural: toda pessoa já se percebe envolta em panos e portanto em interdições pelas quais é levada a ocultar sua nudez em nome de valores (sexuais, amorosos, estéticos) que lhe são ensinados. Portanto, quando se desnuda, o faz a partir de valores, transgredindo aqueles estabelecidos ou propondo outros novos. Todas as diferenças existentes no comportamento modelado em sociedade resultam da maneira pela qual são organizadas as relações entre os indivíduos. É por meio delas que se estabelecem os valores e as regras de conduta que nortearão a construção da vida social, econômica e política. Como fica, então, a individualidade diante do peso da herança social? Haveria sempre o risco de o indivíduo perder sua liberdade e autenticidade? Martin Heidegger, filósofo alemão contemporâneo, alerta para o que chama de “mundo do man”: man equivale em português ao pronome reflexivo se ou ao impessoal a gente. Veste-se, come-se, pensa- se, não como cada um gostaria de se vestir, comer ou pensar, mas como a maioria o faz. Os sistemas de controle da sociedade aprisionam o indivíduo numa rede aparentemente sem saída. Assim como a massificação pode ser decorrente da aceitação sem crítica de valores impostos pelo grupo social, também é verdade que a vida a autêntica só pode ocorrer na sociedade e a partir dela. Justamente aí encontramos o paradoxo de nossa existência social. Como vimos, se o processo de humanização se faz por meio das relações pessoais, será dos impasses e confrontos surgidos nessas relações que a consciência de si poderá emergir lentamente. O importante é manter viva a dialética, a contradição fecunda de pólos que se opõem, mas não se separam. Ou seja, ao mesmo tempo que nos reconhecemos como seres sociais, também somos pessoas, temos uma individualidade que nos distingue dos demais. Portanto, a sociedade é a condição da alienação e da liberdade; nela o ser humano pode ser perder, mas pode também se encontrar. O sociólogo norte-americano Peter Berger usa a expressão êxtase (ékstasis, em grego, significa ‘estar fora’, ‘sair de si’) para explicar o ato possível de o indivíduo ‘ se manter do lado de fora ou dar um passo para fora das rotinas normais da sociedade’, o que permite o distanciamento crítico do próprio mundo em que se vive. O ‘sair de si’ representa um esforço para nos livrarmos de convicções inabaláveis e portanto paralisantes. É a condição para que, ao voltar de sua ‘viagem’, o ser humano se torne melhor, menos dogmático ou preconceituoso. TOMAZI, Nelson Dácio. Iniciação à Socilogia. 2. ed. São Paulo: Atual, 2000. p.175-178. Cultura: um conceito com várias definições Se fôssemos tentar definir o conceito de cultura, teríamos que procurar saber como ele surgiu. De acordo com o sociólogo inglês Raymond Williams, a palavra vem do latim – colere – e definia inicialmente o cultivo das plantas, o cuidado com os animais e também com a terra (por isso, agricultura). Definia, ainda, o cuidado com as crianças e sua educação; o cuidado com os deuses (seu culto); o cuidado com os ancestrais e seus monumentos (sua memória). Passando por todos esses elementos, chegaríamos, finalmente, ao sentido mais comum que o termo possui em nossa sociedade: o de que o homem que tem cultura é um homem “culto”. É aquele que “cultiva” (no sentido de desenvolver, praticar, cultuar) a inteligência, as artes e o conhecimento presente nos livros. Mas, se pensássemos em cultura apenas nesse sentido, teríamos que perguntar: só quem lê muito, quem passou um longo tempo na escola é que tem cultura? Somente o professor, o intelectual, os profissionais de formação universitária? Mas e o bóia-fria, o operário, o comerciante, estes não têm cultura? Numa outra perspectiva, poderíamos responder que cultura é cinema, pintura, teatro, as manifestações artísticas em geral. Nesse caso, só os artistas é que teriam cultura? Mas e as festas populares, as crenças, as chamadas tradições, seriam o que? A maneira de agir, pensar e sentir de um grupo de pessoas ou classe social seria ou não cultura? O “modo de ser” dos brasileiros, como se costuma ouvir e dizer, tem algo a ver com “cultura”, com “cultura brasileira”? Antes de responder a essas perguntas, devemos partir, especificamente, da compreensão do próprio conceito. Pensar em cultura requer que se pense, inicialmente, em sua relação com outros dois conceitos fundamentais: o de civilização e o de história. Foi na Europa, a partir do século XVIII, que o conceito de cultura passou a ser associado ao conceito de civilização. Os pensadores do período, preocupados em estudar o homem e a sociedade, pensavam a relação entre os conceitos de cultura e de civilização de maneiras diversas, como nos mostra a filósofa brasileira Marilena Chauí. Segundo Chauí, o filosofo Rousseau (1712-78) definia a cultura de maneira positiva. Para ele, um pensador para quem o homem era naturalmente bom, cultura seria definida como bondade natural, interioridade espiritual, imaginação, solidariedade espontânea. A essa idéia positiva de cultura, Rousseau opunha a idéia negativa de civilização. O conceito de civilização era pensado como o aprisionamento da bondade humana natural; aprisionamento que Rousseau acreditava dar-se por meio de regras e convenções artificiais e exteriores ao homem. Já para Voltaire e Kant cultura e civilização representavam ambas, o processo de aperfeiçoamento moral e racional da sociedade, sendo a cultura a forma de avaliar o estágio de progresso e desenvolvimento de uma civilização. Para esses autores, portanto, não havia oposição entre cultura como reino natural e civilização como reino do artificial. A cultura seria, para eles, um conceito dinâmico e transformador que definiria aquilo que é específico do ser humano, na sua relação com a natureza e na construção de uma ordem humana superior (civilizada). E, dessa forma, acabaria servindo para, ao longo do tempo, distinguir os homens cultos (educados intelectual e artisticamente) dos incultos e também para comparar e classificar civilizações diferentes em mais ou menos “civilizadas”. Cultura Popular e Cultura Erudita Cultura é uma construção humana e se opõe à natureza, aquilo que não passa pelo trabalho do homem. Para não deixar o conceito tão amplo, algumas divisões são criadas, entre elas as de popular e erudita. Fala-se em cultura popular e cultura erudita como se houvesse um rio que separasse claramente as duas margens. Este rio não existe, mas a divisão tem alguma utilidade operacional. A cultura popular seria aquela que é produto de um saber não institucionalizado, que não se aprende em colégios ou academias; exemplo disso é o crochê, ou a culinária tradicional, ou ainda a literatura de cordel. A cultura erudita, por outro lado, pressupõe uma elaboração maior e por isso uma institucionalização do saber. Isto é: o domínio da cultura erudita passa não pela tradição familiar, mas por academias, bibliotecas, conservatórios musicais, etc, que selecionam o material e impõem regras rígidas e complexas elaborações. Bach, na música, e Ingres, na pintura, são exemplos disso. Evidentemente, os conceitos popular e erudito escondem também uma valoração. Por muitos anos, a cultura popular foi considerada inferior à erudita; e erudito mesmo era aquilo que era europeu, de preferência francês, inglêsou alemão. Os brasileiros eram os primos pobres, que tinham que beber naquelas fontes para se curar de seu incurável atraso. Esse pensamento foi se transformando ao longo dos anos, graças às contribuições de autores que, dominando o saber erudito, reconheciam o valor imenso da cultura popular (Gilberto Freire, Mário de Andrade e Guimarães Rosa são alguns desses autores). Uma manifestação típica da cultura popular brasileira (junto com a literatura de cordel) é a frase de parachoque de caminhão, que condensa muito da experiência e do saber popular. O bom humor do brasileiro, por décadas, foi literalmente "veiculado" nos parachoques de caminhão. Em estradas muitas vezes em péssimas condições, ficar atrás de um caminhão tinha pelo menos uma vantagem: ler a frase do parachoque. "A vida é um sutiã: a gente tem que meter os peitos", por exemplo, tem mais força que um tratado acadêmico sobre a importância do empreendedorismo! A Mókpi está lançando neste mês de julho (de 2009) o Baralho do Caminhoneiro, justamente porque acredita no valor das manifestações populares. Como a "filosofia de caminhoneiro" corria o risco de se perder (existe uma lei que proíbe a colocação das frases no parachoque, porque elas distraem a atenção dos motoristas que passam pelo caminhão), a Mókpi está agora eternizando esta manifestação cultural no Baralho do Caminhoneiro, para que as novas gerações conheçam estas "pérolas" e respeitem os sábios anônimos que as criaram. Disponível em < http://mokpi.blogspot.com/2009/07/cultura-popular-e-cultura- erudita.html> acesso: em 20 jan. 2011. 1.3 MULTICULTURALISMO, RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS, HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA Multiculturalismo Hibridismo, diversidade étnica e racial, novas identidades políticas e culturais: estes são termos diretamente relacionados ao multiculturalismo. Se a diversidade cultural acompanha a história da humanidade, o acento político nas diferenças culturais data da intensificação dos processos de globalização econômica que anunciam, segundo os analistas, uma nova fase do capitalismo, denominada por autores como Ernest Mandel de "capitalismo tardio" e por outros, como Daniel Bell, de "sociedade pós-industrial". A despeito das querelas acerca das origens dessa nova fase, o fato é que as discussões acerca do multiculturalismo acompanham os debates sobre o pós-modernismo e sobre os efeitos da pós-colonização na cena contemporânea, o que se verifica de forma mais evidente a partir dos anos 1970, sobretudo nos Estados Unidos. A globalização do capital e a circulação intensificada de informações, com a ajuda de novas tecnologias, longe de uniformizar o planeta (como propalado por certas interpretações fatalistas), trazem a afirmação de identidades locais e regionais, assim como a formação de sujeitos políticos que reivindicam, com base em garantias igualitárias, o direito à diferença. Mulheres, negros (ou afro-americanos), homossexuais, populações latino-americanas ("hispanos" ou chicanos) e migrantes em geral se fazem presentes como atores políticos com a marcação de diferenças de gênero, culturais e étnicas. A cultura torna-se instrumento de definição de políticas de inclusão social - as "políticas compensatórias" ou as "ações afirmativas" - que tomam os diversos setores da vida social. Cotas para minorias, educação bilíngue, programas de apoio aos grupos marginalizados, ações antirracistas e antidiscriminatórias são experimentadas em toda parte. Primeiro, é conveniente esclarecer as diferenças entre multiculturalismo, pluralismo, universalismo e relativismo. O pluralismo é uma característica de sociedades livres, em que há a convivência pacífica e respeitosa entre pensamentos diferentes, atualmente encontrada nos Estados Democráticos de Direito. Não se pode falar em um pensamento melhor que outro, pois todos são dignos de respeito. O pluralismo combate o pensamento único, o que contraria uma das tendências do processo de globalização. O fenômeno da globalização não admite diálogo ou outra opção; se é universal, não pode ser local. Não existe alternativa possível, o mundo deve ser unipolar. Pauta-se por uma ética individualista, mas sem liberdade para o indivíduo seguir qualquer plano de vida. Há um único modelo a ser seguido. A globalização como projeto político e econômico transmuta- se no neoliberalismo (democracia + livre mercado) e repercute na seara dos direitos humanos com o plano de diminuição dos direitos sociais, econômicos e culturais, bem como com a sobrevalorização dos direitos de propriedade. Não existem mais pessoas ou cidadãos, mas clientes. O projeto político mundial é conduzido conforme interesse de grandes multinacionais. A Constituição brasileira, em seu preâmbulo, assegura a pluralidade da sociedade nacional. Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL (grifo nosso). O artigo 5º da mesma Carta assegura a liberdade de pensamento, de opinião, de culto, de associação, de ofício, de opção sexual, de casamento, de partido político etc. Sem embargo, será que realmente o texto constitucional garante a pluralidade em nosso país? Para garantir a pluralidade, para que uma sociedade seja plural, as pessoas devem ter a capacidade de optar por esse ou aquele modelo, e essa opção deve ser livre e consciente. Liberdade de eleição todos temos, é inerente ao ser humano. Entretanto, essa liberdade deve manifestar-se como liberdade moral, que é a ética (opção) privada - de cada indivíduo. Esta nem todos temos, pois deve ser livre e individual. Aí entra o Estado, com a ética pública, para garantir que todos teremos condições de optar, com a utilização de políticas de isonomia, especialmente via garantia de direitos de segunda geração, que são os direitos econômicos, sociais e culturais. No multiculturalismo, existe a convivência em um país, região ou local de diferentes culturas e tradições. Há uma mescla de culturas, de visões de vida e valores. O multiculturalismo é pluralista, como já se pode observar, pois aceita diversos pensamentos sobre um mesmo tema, abolindo o pensamento único. Há o diálogo entre culturas diversas para a convivência pacífica e com resultados positivos a ambas. O problema reside no fato de que o multiculturalismo pode ser abordado de forma relativista e de forma universalista. Há a abordagem relativista quando não se estabelecem critérios mínimos para o diálogo entre culturas, isto é, tudo é aceito e tudo é correto. O julgamento interno é mais importante do que o julgamento externo (da sociedade internacional). Nessa concepção do multiculturalismo, não se pode falar em direitos humanos universais, pois cada cultura é livre para estabelecer seus próprios valores e direitos. Não existe a possibilidade de proteção internacional dos direitos humanos nessa visão. O multiculturalismo também pode ser universalista, ou seja, permitir a propagação e convívio de diferentes ideias, desde que esteja estabelecido um denominador mínimo, comum entre as partes para o início do diálogo (valores universais). Esse mínimo a ser respeitado são os direitos humanos. No universalismo, o julgamento externo sobrepõe-se ao interno. Sinceramente, creio que cada cultura possui um peso que não pode ser valorado, mas não vejo como deixar de estabelecer um padrão mínimo para aconvivência entre os povos. O relativismo permite que sejam aceitas culturas que desejam aniquilar-se umas com as outras, o que inviabiliza a paz. Com o relativismo, a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948) tem diminuído seu peso, sua importância. As conquistas advindas dela deixam de ter seu valor. No multiculturalismo universalista, pode-se defender o caráter geral da Declaração Universal de Direitos Humanos (para todos, em qualquer nação, em qualquer tempo). Esta seria a base para o convívio entre os povos. Imaginem se em um condomínio não existissem regras de convivência, sobre como possuir animais, sobre como jogar o lixo fora, sobre os horários de festas etc. Imaginem se todas as atitudes de quaisquer moradores fossem aceitas. Provavelmente os conflitos seriam maiores. Como realizar intervenções humanitárias? No relativismo o peso da soberania ganha novo fôlego na sociedade internacional, podendo justificar inação dos agentes globais e graves violações aos direitos humanos. Assim, a defesa dos direitos humanos universais é compatível com o pluralismo e com o multiculturalismo universalista, mas é totalmente inviável em um ambiente de multiculturalismo relativista. Pode-se dizer que é uma visão ocidental e limitada, mas não vejo possibilidade em conciliar toda e qualquer prática em nosso mundo. Não consigo ver como aceitável ou com a possibilidade de me adaptar à circuncisão feminina em diversos países da África do Norte, à discriminação feminina em diversos países, à sacrifícios humanos etc. O direito à diferença e o respeito às tradições culturais devem ter um limite, e este limite são os direitos humanos. Falar de tolerância em situações abusivas aos direitos humanos é ser indiferente. A defesa do pluralismo não pode ser deturpada, pois o ser humano precisa estar acima de qualquer tradição ou prática. Essa deturpação me parece ser o relativismo, que permite até a quebra do próprio relativismo, ao permitir que uma cultura destrutiva ganhe espaço na sociedade internacional e, com o tempo, destrua essa própria sociedade por não seguir seus valores belicosos, acabando com o multiculturalismo relativista (ldem p/ democracia s/ direitos fundamentais). Destaco que as concepções relativista e universalista do multiculturalismo somente serão importantes quando possuírem um objeto moral também importante, que são os direitos humanos. Tradições e costumes que não afetam esse catálogo mínimo de direitos não devem sofrer alteração por um julgamento externo, o da sociedade internacional. Aí, prevalece o entendimento do grupo social. A palavra tolerância pode significar a preponderância do meu pensamento sobre o do outro. Eu tolero o outro, eu o aguento, eu o suporto. Os relativistas não admitem o termo tolerância, pois afirmam que desiguala os conceitos e tradições, com a existência de uma superior. Garantir direitos mínimos, que são os direitos humanos, é assegurar que todos terão liberdade moral (dignidade), capacitando os indivíduos a que realizem seus planos de vida com liberdade e consciência. Uma lista mínima de direitos não me parece atentar contra identidades culturais deste ou daquele povo. Creio ser plausível pelo menos uma regra mínima como ponto de partida para o diálogo entre culturas: a de não prejudicar terceiros. Parece-me que universalizar um direito tem um peso muito forte na sociedade internacional, o que permite tirar um pouco da carga desta expressão com a universalização de um valor, que é o de respeito à dignidade humana, como ocorre em quase todas as religiões do mundo. A partir daí pode-se permitir que as mais diversas tradições culturais se manifestem com toda plenitude e liberdade. Universalizar, ao contrário do que pensam alguns autores, não é uniformizar as ideias, criar um pensamento único. Trata de levar a todo o planeta um marco mínimo de respeito entre as mais diversas culturas, para que haja diálogo entre elas. Esse diálogo deve ser produtivo, ao contrário do que ocorreria com o relativismo, pois não haveria como chegar a um mínimo de entendimento. A partir deste marco, que são os direitos fundamentais, cada povo tem a máxima liberdade de expressar suas tradições e crenças. É verdade que a universalidade dos direitos humanos tem sido utilizada no curso da história para justificar intervenções imperialistas de alguns Estados em outros povos, como ocorreu no colonialismo e no neocolonialismo, assim como, mais recentemente, na invasão americana ao Estado soberano do Iraque. Apesar disso, essas manipulações do Direito devem ser vistas como patologias e não como o próprio Direito, pois este tem como meta a convivência pacífica entre os povos, com a proibição de excessos na seara internacional. Confesso que se existisse a possibilidade de um diálogo entre culturas em um marco relativista, eu seria relativista. Isso poderia acontecer se eu acreditasse no caráter bom e pacífico do ser humano, o que não é verdade. Se não houvesse a possibilidade de que determinado povo fizesse o mal a outro grupo ou indivíduo, não necessitaríamos de um catálogo mínimo de direitos, pois a base já estaria pronta – respeito à dignidade humana. Entretanto, não é isso que temos visto na história do homem. Ao contrário, mecanismos artificiais de contenção do homem têm sido desenvolvidos desde o seu aparecimento no planeta, por intermédio da religião, da filosofia, da ciência e, mais recentemente, do Direito. (Adaptado de Multiculturalismo e direitos humanos, artigo de Marcus Vinícius Reis, disponível em http://www.senado.gov.br/sf/senado/spol/pdf/ReisMulticulturalismo.pdf.) Os efeitos dos debates sobre o multiculturalismo no Brasil mereceriam uma discussão à parte, dada a sua complexidade. País de raízes mestiças, e que não constitui historicamente minorias que se organizam como comunidades apartadas do conjunto - os migrantes assimilam à sociedade nacional -, o Brasil parece ficar à margem dessas discussões até a década de 1980, data do fortalecimento e visibilidade das chamadas minorias étnicas, raciais e culturais. A pressão dos novos atores sociais reverbera diretamente no texto da Constituição de 1988, considerada um marco em termos da admissão do nosso pluralismo étnico. Os efeitos dessas formas renovadas de engajamento podem ser observados no campo da produção artística, sobretudo da literatura fala-se em "escrita feminina", em "vozes negras", homoerótico etc.). Na música jovem, das periferias urbanas, define-se o espaço de uma cultura negra: o funk, o rap, o hip hop. O campo das artes visuais recebe o impacto dessas problemáticas - a experiência das minorias aparece tematizada em um ou outro artista -, ainda que pareça difícil localizar aí uma produção de cunho multicultural com contornos definidos. Relações étnico-raciais É muito importante que as crianças e adolescentes do Semi-árido tomem conhecimento de suas culturas locais, como parte integrante da cultura da nação brasileira, que se empenhem na sua valorização, sobretudo a partir das escolas onde estudam, atendendo ao que determina a legislação específica em vigor. A Lei 10. 639/03, por exemplo, é da maior importância, na medida em que altera a atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), ao instituir a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no currículo, em todos os sistemas e modalidades de ensino do país. Entre a população indígena, a luta maior é por uma educação escolar diferenciada, que respeite a sua diversidade cultural e lingüística, garantida pela Constituição de 1988 e pela Resolução 03 da Câmara de Educação Básica – CEB, de novembro de 1999. Segundo o Censo Escolar de 2003, existem 149.311 estudantes indígenas que freqüentam a educação básica no Brasil, em mais de 2000 escolas indígenas. Indígenase afro-brasileiros ainda são vistos na escola de forma preconceituosa e estereotipada, ou seja, sem respeito a suas características étnicas e culturais. Dois documentos podem ajudar a comunidade e a escola a mudar essa visão, com uma abordagem que garanta os direitos educacionais e culturais dessas populações. Esses documentos são o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas – RCNEI e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações étnico-raciais e para o Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana. As políticas públicas para o Semi-árido deverão estar comprometidas com a superação das desigualdades raciais na região, a partir da escola e de seus principais agentes – professores e alunos – para que educação e cultura caminhem juntas na promoção da igualdade e da justiça social. História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena A força da cultura de negros/ as e indígenas pode ser vista em todos os momentos cotidianos da vida. Nos seus modos diversos de falar, andar, comer, orar, celebrar e brincar, estão inscritas as marcas civilizatórias desses povos que, ancorados na dimensão do sagrado, celebram e respeitam a vida e a morte, mantendo uma relação ética com a natureza. É através destas formas cotidianas de se expressar e de ver o mundo que indígenas e afro-brasileiros/as têm resistido culturalmente na manutenção de sua história. A importância de crianças e adolescentes, independente da raça, etnia ou cor da pele, serem estimuladas a reconhecer e valorizar as identidades culturais da sua região – que podem estar presentes em quilombos, terreiros, aldeias, bairros populares, assentamentos e outros territórios – é que elas podem se orgulhar de que a cultura da sua localidade integra a diversidade que caracteriza a cultura brasileira. Cultura, como sabemos, é tudo que as pessoas lançam mão para construir sua existência, tanto em termos materiais como espirituais, envolvendo aspectos físicos e simbólicos. A cultura é um patrimônio importante de um povo, porque resulta dos conhecimentos compartilhados entre as pessoas de um lugar, e vai passando e sendo recriada, de geração em geração. É a cultura que nos diz em que acreditar, influencia os nossos modos de ser e estar no mundo, de agir, sentir e nos relacionar com o natural e o social. Como são e como vivem as pessoas de cada município? Como se relacionam com as culturas indígena e afro-brasileira? Como lembram os antepassados, quais suas lutas para sobreviver, seus valores, crenças, suas formas de lazer? As culturas de origem africana e indígena possuem uma diversidade enorme, mas, de modo geral, é possível identificar algumas características bastante semelhantes. Trata-se de povos que incluem crianças, jovens, adultos/ as, idosos/as, preservam a vida natural e social, se organizam por meio da participação coletiva, se juntam em torno de objetivos comuns... Mas, os modos como vivenciam essas experiências variam bastante. A dimensão sagrada é outra característica importante. Possuem vários deuses e deusas – a lua, a água, o sol, as plantas; acreditam no poder de cura desses elementos, sempre relacionando corpo físico e espiritual. Nestas sociedades, o ensinar/aprender está muito presente. Historicamente, essas sociedades foram atingidas por diversas formas de violência física e cultural, ameaças de dissolução e deformação. Por isso, é tão importante trazer à tona suas histórias e culturais, nem sempre valorizadas e reconhecidas como deveriam. Importante também é observar como as pessoas de mais idade ou as envolvidas nas religiões de matriz africana e indígena elaboram visões de mundo, a partir das suas vivências e sentimentos. Isso é um legado, um patrimônio, uma herança, “bens de família”, uma memória. Ouvindo as histórias das pessoas mais velhas, se conhecem mais as tradições, identifica-se um patrimônio que se perpetuou e se recriou nos mais diversos contextos e situações. Assim, independente da forma como são denominados ou se autodenominam na região – negros/ as, índios/ as, caboclos/ as, sertanejos – as influências indígenas e afro- brasileiras podem estar presentes nas suas formas de ser e viver, embora isto nem sempre seja explicitamente mencionado. Identidade, Ancestralidade e Resistência: Marcas das Culturas Indígenas e Afro-brasileiras no Brasil Identidade indígena e identidade negra têm a ver com as tradições desses povos, encontradas nas memórias, nas manifestações artísticas e religiosas, muitas vezes recriadas ou reinterpretadas em função dos contextos socioculturais onde ocorrem. Assim, em cada região ou município, essas culturas apresentam características distintas, que formam uma identidade étnico-racial. Crianças e adolescentes no Semi-árido, portanto, possuem identidades diferenciadas. Daí a necessidade de procurar perceber as muitas formas como a identidade indígena e a identidade negra se apresentam na cultura do município. A ancestralidade – respeito aos que existiram e aos que virão – consiste numa relação equilibrada entre o passado, o presente e o futuro, remetendo para a valorização das pessoas que nos antecederam, suas lutas, suas histórias e o papel das gerações atuais na continuidade de seus feitos, transmitindo a um tempo futuro aquilo que fizeram e tiveram de melhor. A resistência mostra o processo de luta pela sobrevivência física e cultural dos povos indígenas e negros no Brasil, por meio de práticas sociais, políticas, culturais e religiosas, fazendo com que se mantivessem conhecimentos ancestrais próprios que fortalecem a identidade étnico-racial. Expressões Culturais Afro-Brasileiras e Indígenas O selo Município Aprovado 2008 está dando visibilidade às formas como indígenas de diversas etnias e afro-brasileiros, em modos de vida também diferenciados, têm preservado suas culturas, através de diversas expressões e linguagens, destacando-se grupos de hip-hop, capoeira, blocos carnavalescos, afoxés, maracatus, bumba-meu-boi, caboclinhos, ternos de reis e muitos outros eventos, histórias, personalidades da cultura brasileira, como exemplificado nos quadros a seguir. EVENTOS compreendem festas, festivais, acontecimentos, apresentações teatrais, de dança, recitais, poéticos, exposições de artes plásticas; bumba-meu-boi, maracatus, reinados do congo, afoxés maculelê, ternos e folias de reis, tambor-de-crioula, cantos de trabalho, ritos de passagem, casamentos, cantorias, cordel, quadrilhas juninas, sambas, que tenham a cultura negra e/ou indígena evidenciada. OFÍCIOS E MODOS DE FAZER são processos de trabalho e produtos obtidos, próprios do município ou da região e que são característicos do viver, celebrar, conviver, cuja origem e história se baseiam nas civilizações indígenas e/ou africanas. Estas expressões culturais podem ser encontradas nas artes e no artesanato, na fabricação de instrumentos e outros objetos de uso religioso, na culinária. São exemplos: cerâmica, cestarias, cocares, pinturas corporais, ferramentas de orixás, carranca, acarajé, panos-da- costa, penteados, trançados e outros. MITOS, CONTOS, HISTÓRIAS são contados, geralmente, pelas pessoas mais velhas, que conhecem a história e a cultura e têm prazer de repassar aos que não vivenciaram, os quais passam a conhecer e se orgulhar de seu pertencimento étnico-racial. A memória cultural de uma localidade é o maior bem que ela possui. É a tradição oral que faz este bem circular, ganhar mundo, organizando a vida, as ideias, mantendo e preservando a riqueza cultural de um povo. Isto faz parte da cultura de cada localidade, mostrando o jeito como as pessoas se relacionam, se vinculam ao passado e à tradição, dando continuidade à existência. Nas culturas indígena e negra, essas histórias são a forma principal de transmissão e preservação do conhecimentoe da sua cultura, que assim têm resistido, com o passar do tempo, à massificação e suas tendências uniformizantes e descartáveis. LUGARES E CONSTRUÇÕES são espaços construídos ou naturais, como terreiros, territórios quilombolas, aldeias e reservas indígenas, mercados, feiras, rios, cachoeiras, praias, mangues, açudes, que traduzem a experiência afro-brasileira e indígena no município e são testemunhos de passagens importantes da história local. HISTÓRIAS DOS LOCAIS E DOS TERRITÓRIOS são narrativas que contam um pouco da vida do município e /ou de uma comunidade específica, resgatando suas origens, como surgiu, se existe há muito tempo, quem foram seus pioneiros, se já foi maior, se já pertenceu a outro município etc., além de explanações sobre como o município se encontra atualmente e também a história dos seus bairros, comunidades e distritos. LIDERANÇAS E PERSONALIDADES são pessoas que têm um trabalho reconhecido por grande parte da população. Geralmente, são grandes líderes religiosos, artistas, com conhecimentos importantíssimos e enorme experiência de vida, que se incubem de representar e cuidar de seu povo e repassar os modos de celebração e de cura aprendidos de seus ancestrais, como caciques, mães e pais de santo, pajés, guerreiros e outros. INTITUIÇÕES, ENTIDADES E LOCAIS representativas da população indígena e negra do município, tais como: associações e grupos culturais ou comunitários – filarmônicas, grupos de folguedos, danças populares –terreiros, organizações não governamentais, etc. Esta área permite perceber o grau de organização popular no município, quem são as lideranças, o reconhecimento dos trabalhos realizados por essas organizações. EXPRESSÕES E VOCÁBULOS locais e regionais são expressões lingüísticas de origem indígena e africana que permanecem no falar cotidiano do povo, sua linguagem específica e seus mais diversos significados. As formas de participação nessas expressões culturais são mais coletivas que individuais. As atividades de identificação, escolha e registro da expressão, fiéis a este princípio de participação, envolverão professores e professoras, alunos e alunas, lideranças culturais e religiosas, reconhecendo o valor e a legitimidade, não só das expressões culturais, mas das pessoas e civilizações que as geram. Expressões culturais afro-brasileiras e indígenas buscam fortalecer a identidade étnico-racial; promovem a auto-estima e a autoconfiança de negros e negras e de indígenas; têm forte relação coma memória e a tradição oral; resgatam processos de luta e resistência, valorizam e mostram os feitos dessas populações; trazem aspectos negados dessas culturas. Adaptado de: (Fonte: Selo UNICEF. Guia de orientação para os municípios. Elaboração CEAFRO (Educação e profissionalização para Igualdade Racial e de gênero). Edição 2008. Pág. 6 à 17.) 1.4 INDÚSTRIA CULTURAL A indústria cultural ou cultura de massa A expressão “cultura de massa” foi muito usada, principalmente pelos norte-americanos. Os sociólogos americanos criaram a expressão mass culture, que foi moeda corrente até os anos 1950. Nos anos 1950 falava-se em mass communication, mass culture, muitos livros traziam esses títulos. Mas na Europa, particularmente na Alemanha, com a Escola de Frankfurt (Adorno, Horkheimer, filósofos marxistas) implantou-se uma forte tendência humanista. Estes filósofos eram críticos da cultura de massas e eles próprios, sobretudo Adorno, julgaram que essa expressão era inadequada, porque cultura de massas poderia dar a impressão de que é uma cultura produzida pelas massas; cultura de massas, como se as massas, que são alguma coisa anônima, (massas de uma cidade, massas de um país – a palavra “massa” já é por si anônima) produzissem cultura. Indústria cultural Conceito formulado pelos filósofos alemães Adorno e Horkheimer, em 1947. É fruto de uma sociedade capitalista industrializada, onde até mesmo a cultura é vista como produto a ser comercializado. É a exploração com fins econômicos e comerciais de bens considerados culturais. Tudo que é produzido pelo sistema industrializado de produção cultural (TV, rádio, jornal, revistas, etc) elaborado de forma a influenciar, aumentar o consumo, transformar hábitos, educar, informar, etc. I.C. tem como único objetivo a dependência e a alienação dos homens. Ao maquiar o mundo nos anúncios que divulga, ela acaba seduzindo as massas para o consumo de mercadorias culturais. I.C. promove a resignação, manipula as distrações, permanece ligada aos clichês ideológicos e chavões que perpetuam os estereótipos e que são repetidas à exaustão. Indústria cultural é o nome genérico que se dá ao conjunto de empresas e instituições cuja principal atividade econômica é a produção de cultura, com fins lucrativos e mercantis. No sistema de produção cultural encaixam-se a TV, o rádio, jornais, revistas, entretenimento em geral; que são elaborados de forma a aumentar o consumo, modificar hábitos, educar, informar, podendo pretender ainda, em alguns casos, ter a capacidade de atingir a sociedade como um todo. Desde a década de 1990, seis empresas transnacionais tomaram conta de 96% do mercado mundial de música. No que se refere ao cinema a situação é ainda mais chocante. Mais de 90% das telas norte-americanas só exibem filmes feitos no próprio país. O americano comum, portanto, não conhece o que se faz no estrangeiro. E o que se produz, na verdade, é pouco -- 85% dos filmes exibidos em todo o planeta brotam de Hollywood. Para a filósofa Marilena Chauí, a indústria cultural vende cultura. Para vendê- la, deve seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo e agradá-lo, não pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar, fazê-lo ter informações novas que o perturbem, mas deve devolver-lhe, com nova aparência, o que ele já sabe, já viu, já fez. A “média” é o senso comum cristalizado que a indústria cultural devolve com cara de coisa nova Ela define a cultura como lazer e entretenimento, diversão e distração, de modo que tudo o que nas obras de arte e de pensamento significa trabalho da sensibilidade, da imaginação, da inteligência, da reflexão e da crítica não tem interesse, não “vende”. Massificar é, assim, banalizar a expressão artística e intelectual. Em lugar de difundir e divulgar a cultura, despertando interesse por ela, a indústria cultural realiza a vulgarização das artes e dos conhecimentos. É dentro deste contexto que ele formula o conceito de Indústria Cultural que ocorre, pela primeira vez, em 1947, na obra Dialética do Iluminismo, escrita em parceria com Horkheimer, na qual defende que o Iluminismo, tido como um esforço consciente de valorização da razão . Indústria Cultural é a exploração, com fins comerciais e econômicos, de bens considerados culturais, não só daqueles criados unicamente para os fins citados, mas também daqueles genuinamente culturais, como por exemplo, a festa dos bois bumbás de Parintins (AM), que se descaracterizou a partir da exploração econômica que a transformou numa indústria. A Indústria Cultural é a indústria da cultura, indústria stricto sensu. Nela, há classificação e padronização dos consumidores através das distinções entre filmes A e B, por exemplo, as quais não estão calcadas na realidade – são artificiais: prevê-se, para todos, um tipo de arte a ser “consumida”, assim, ninguém escapa. A publicidade é, hoje, um exemplo forte da Indústria Cultural porque ambas estão fundidas. A função de um publicitário é fazer com que o consumidor compre aquilo que ele não precisa com o dinheiro que ele não tem; ele, de fato, consegue cumpri- la: quando produz uma propaganda, já sabe qual público atingir porque pesquisou, anteriormente, suas necessidades (que foram construídas por ele próprio).Deste modo, o consumidor é o objeto da Indústria Cultural. A Indústria Cultural extermina o que é particular, nega a particularização, seja a cor, a composição, a arquitetura. O que a Indústria Cultural fornece, de fato, é a vida cotidiana, a verdadeira imagem do mundo tal qual ela se apresente; ela promove a resignação que se quer esquecer nela, estraga o prazer, manipula as distrações, permanece voluntariamente ligada aos clichês ideológicos da cultura em vias de liquidação, defende e justifica a arte física em confronto com a arte espiritual, não tem substância e despersonaliza o humano contra o mecanismo social. O melhor sinônimo para Indústria Cultural é, hoje, a globalização: processo de aceleração capitalista que vem ocorrendo desde a Pré-história, mas que só recentemente ganhou a velocidade da luz; pode criar uma civilização genuinamente transnacional alimentada pela exposição à tecnologia e pelas mesmas fontes de informação; possui um tremendo potencial para solucionar os problemas do homem contemporâneo e pode criar riquezas num ritmo alucinante. Arte, Indústria Cultura e Educação Quando a Indústria Cultural privilegia um produto pseudo-artístico padronizado, calculado tecnicamente para surtir efeitos determinados de modo a serem por todos desejados e repetidos, na forma e na medida adequados a garantir o poder e o lucro do sistema dominante. Como consequência dessa massificação, podemos considerar que o fato de se ter acesso somente à cultura de massa acaba por não permitir ao indivíduo a aquisição do conhecimento de outros aspectos culturais que expressam a cultura do povo, seus valores e suas lutas. Em nosso entender, a música é a expressão do pensar e do sentir das pessoas de uma determinada época. Além de proporcionar prazer, ela também pode informar e conscientizar. Portanto, para nós, esta postura de consumo significa estar à margem da cultura como um todo. Adorno considera que a Indústria Cultural prostitui os valores estéticos da arte, dando-lhe uma falsa imagem. A música tornou-se um fundo convencionalmente necessário e repetitivo. O público a escuta de forma infantil ou não a escuta. Vemos que essa crítica é muito atual quando sintonizamos qualquer emissora de rádio ou de televisão preocupadas, tão somente, com o sentido mercadológico da arte musical. Os ritmos e as letras das músicas são sempre idênticos, não acrescentando absolutamente nada à nossa formação cultural e como pessoa. As implicações da chamada "música de mercado" influenciam, tanto no aspecto cultural como no social, a formação das crianças. De maneira especial, seduzem-nas pela sensualidade das danças e das letras musicais, acarretando um desenvolvimento precoce de aspectos da sexualidade que atropelam, de alguma forma, seu desenvolvimento afetivo. Isso sem falar em outros aspectos, pois o vocabulário pobre e equivocado de muitas músicas acaba por interferir, também, em seu processo de desenvolvimento cognitivo. Veja este funk: “Mas se liga aí novinha, por favor tu não se engane. Abre as pernas e relaxa. Que esse é o Bonde do Inhame. Que esse é o Bonde do Inhame. Esse é o bonde dos cria que enfogueta as novinhas. Esse é o bonde dos cria que enfogueta as novinhas. Vai na treta do Nem que a Kátia tá também eeemmm. Larga o inhame na Silvinha.” No dizer de Adorno (1999, p. 67), a música atual, ao invés de entreter, parece contribuir "para o emudecimento dos homens, para a morte da linguagem como expressão, para a incapacidade de comunicação". A música de entretenimento preenche os vazios do silêncio que se instalam entre as pessoas deformadas pelo medo, pelo cansaço e pela docilidade de escravos sem exigências. Assume ela em toda parte, e sem que se perceba, o trágico papel que lhe competia ao tempo e na situação específica do cinema mudo. A música de entretenimento serve ainda e apenas como fundo. A cultura popular individualizada Feita a exposição dos três tipos de cultura, a erudita, a popular e a de massa, é provável que o leitor esteja se perguntando onde encaixar algumas produções culturais como, por exemplo, a música de Caetano Veloso, Chico Buarque e de Adoniran Barbosa, as peças de teatro de Guarnieri ou o teatro de revista. Trata-se da cultura popular individualizada, que se caracteriza por ser produzida por escritores, compositores, artistas plásticos, dramaturgos, cineastas, enfim, intelectuais que não vivem dentro da universidade (e portanto não produzem cultura erudita), nem são típicos representantes da cultura popular (que se caracteriza pelo anonimato) nem da cultura de massa (que resulta do trabalho de equipe). O criador individual sofre a influência de todas essas expressões culturais e, "nessa luta, a obra é tanto mais rica e densa e duradoura quanto mais intensamente o criador participar da dialética que está vivendo a sua própria cultura, também ela dilacerada entre instâncias 'altas', 'internacionalizastes' e instâncias populares". Educar para qual cultura? As diversas manifestações culturais são expressões diferentes de uma sociedade pluralista, e não tem sentido tecer considerações a respeito da superioridade de uma sobre outra, o que leva à depreciação, quando a avaliação é feita segundo parâmetros válidos para outro tipo de cultura.
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