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CUIABÁ 2018 MARCIA BORGES LOURENÇO LIBERDADE RELIGIOSA CUIABÁ 2018 LIBERDADE RELIGIOSA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à UNIC PANTANAL, como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Direito. MARCIA BORGES LOURENÇO MARCIA LOURENÇO BORGES LIBERDADE RELIGIOSA Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à UNIC PANTANAL, como requisito parcial para a obtenção do título de graduado em Bacharelado em Direito. BANCA EXAMINADORA Prof.(ª). Titulação Nome do Professor(a) Prof.(ª). Titulação Nome do Professor(a) Prof.(ª). Titulação Nome do Professor(a) Cuiabá, 09 de abril de 2018. Dedico este trabalho a Deus, a minha mãe o meu maior exemplo de vida, ao meu esposo, aos meus filhos, a minha família, aos amigos, a minha igreja e a todos os que preenchem o meu coração. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus por me dar força, ânimo coragem e sabedoria, pois sem Ele jamais conseguiria êxodo. Agradeço a minha mãe Antónia Borges Lourenço, que sempre me deu força, nunca me deixou desistir, quando em momentos ruins passei, ela ali esteve me dando apoio que precisava. À memória do meu padrasto Aldo, hoje falecido, mas que sonhou viver esse momento comigo, sempre acreditou em um futuro melhor pra mim, e por ter sido o pai que Deus escolheu para cuidar de mim. Obrigada. Agradeço aos meus filhos lindos, Poliana Borges Da Silva, Hendrel Ítalo de Oliveira e Kauã Borges do Nascimento, que amo incondicionalmente, meu melhor presente que Deus me confiou e me entregou para amar e cuidar. Agradeço ao meu esposo Lindolfo Victor do Nascimento, que esteve todos os dias me levando e buscando, me colocando pra cima quando desanimada estava, me dando broncas quando nas aulas não queria ir, por cansaço ou até desânimo, ali ele estava me animando e encorajando, obrigado. Agradeço aos meus familiares, que sempre acreditaram na minha capacidade intelectual e sempre sonharam os meus sonhos. Agradeço principalmente aos meus professores, que compartilharam de seus conhecimentos para comigo, e não desanimaram de cada um de seus alunos. Agradeço aos meus pastores Messias Francisco e Egna Fernandes, por me instruírem e me ensinarem princípios bíblicos e humanos que me tornaram uma pessoa melhor. BORGES, Marcia Lourenço. Liberdade Religiosa. 2018. 36. Trabalho de Conclusão de Curso Graduação em Direito – Universidade de Cuiabá, Cuiabá, 2018. RESUMO A liberdade religiosa é o ponto de partida deste trabalho, onde discute-se a situação desse tema no Brasil e as respostas para a sociedade dentro de um Estado onde todos são livres para praticarem ou não uma determinada crença. O tema abordado busca abordar a luta pela liberdade religiosa até sua consagração através da Constituição Federal de 1988, com destaque na liberdade individual de culto, crença, associação e assembleias, organização religiosa, liturgia e de consciência. Este trabalho procura expor de maneira breve, o tratamento atribuído à liberdade religiosa na Constituição Brasileira, bem como, as dificuldades para a conquista desta liberdade. A partir desse caminho, para que seja entendido especialmente como funciona a Laicidade, foi elaborado um breve resumo da história da religião e liberdades e de como os doutrinadores debatem esses conceitos na teoria e na prática. Abordaremos também casos concretos que envolvem a discussão da liberdade religiosa. Este trabalho tem a proposta de desenvolver temas que serão de grande valia para os estudos direcionados a área de interesse considerando então, a análise doutrinárias, legais e de casos concretos aqui apresentados. Há várias situações, muitas vezes vexatórias. A questão é, se a presença do símbolo de uma determinada religião por mais influente que ela seja na sociedade, pode se impor em detrimento de todas as outras crenças em um ambiente sustentado por verbas públicas. Aplicando decisões de tribunais e principalmente a opinião de juristas sobre o tema da Laicidade do Estado com base na metodologia qualitativa, este trabalho, procura observar se a permanência de símbolos religiosos em repartições públicas é apoiada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Palavras-chave: Liberdade Religiosa; Estado Laico; Símbolos Religiosos; Laicidade. BORGES, Marcia Lourenço. Religious Freedom. 2018. 36. Completion of Course Work of Graduation in Law – Universidade de Cuiabá, Cuiabá, 2018. ABSTRACT Religious freedom is the starting point of this work, where I bring the discussion of the situation of this issue in Brazil and the responses to society within a state where all are free to practice a certain belief or not. The theme addressed seeks to address the struggle for religious freedom until its consecration through the Federal Constitution of 1988, with emphasis on individual freedom of worship, belief, association and assemblies, religious organization, liturgy and conscience. This work seeks to briefly outline the treatment accorded to religious freedom in the Brazilian Constitution, as well as the difficulties to achieve this freedom. From this point of view, for a special understanding of how Laity works, a brief summary of the history of religion and freedoms has been elaborated, and how doctrinators debate these concepts in theory and practice. We will also address concrete cases involving the discussion of religious freedom. This work has the proposal to develop topics that will be of great value for the studies directed to the area of interest considering then, the doctrinal, legal analysis and of concrete cases presented here. There are several situations, often vexatious. The question is whether the presence of the symbol of a particular religion as influential as it is in society can be imposed at the expense of all other beliefs in an environment supported by public funds. Applying court decisions and mainly the opinion of jurists on the theme of state secularism based on qualitative methodology, this paper seeks to observe whether the permanence of religious symbols in public offices is supported by the Constitution of the Federative Republic of Brazil of 1988. Keywords: Religious Freedom, Lay State, Religious Symbols, Secularism. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CRFB Constituição da República Federal do Brasil PSL Partido Social Liberal ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias STF LOI CNJ ONU Superior Tribunal Federal Carta de Intenção ou LetterofIntent Congresso Nacional de Justiça Organização das Nações Unidas SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................190 CAPÍTULO 1 - SURGIMENTO DO ESTADO LAICO..............................................12 1.1 Laicidade no Brasil.............................................................................................14 1.2 Laicidade x Laicismo..........................................................................................15 1.3 Democracia ,,,,,,,,,,,,,..........................................................................................15 CAPÍTULO 2 - LIBERDADE RELIGIOSA...............................................................182.1 Liberdade de Crença..........................................................................................19 2.2 Liberdade de Culto.............................................................................................20 2.3 Liberdade de organização Religiosa..................................................................21 CAPÍTULO 3 - TRANSTORNO EM TORNO DA LIBERDADE RELIGIOSA..........23 3.1 Invocação do nome de Deus na Constituição Federal.......................................23 3.2 Uso de Símbolos Religiosos nas Repartições Públicas.....................................24 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................28 5. REFERÊNCIAS.....................................................................................................30 ANEXO A.................................................................................................................33 10 1. INTRODUÇÃO A presente pesquisa explana a respeito da discussão sobre a presença dos símbolos religiosos nas repartições públicas brasileiras. Em todas as pontas da discussão, encontramos argumentos e discursos bem embasados discutindo ainda sobre a influência da religião nas decisões políticas. O direito fundamental de liberdade religiosa descrito no artigo 5º da Constituição Federal de 1998 explicita o direito de escolha, ou seja, a liberdade que o indivíduo possui em uma sociedade denominada democrática. Ao colocarmos tal direito frente às implicações constitucionais existentes, podemos notar que as garantias fundamentais relacionadas nos incisos VI e VIII, ainda no art. 5º da CRFB/88, são feridas, uma vez que não é levado em consideração o direito da minoria. A problemática que expomos a seguir é sobre analisar o quanto a liberdade religiosa e a postura do Estado em tal matéria, por ser um país laico, deve permanecer neutro quanto a manifestações religiosas relativas à exposição de símbolos de uma determinada religião nos órgãos públicos. O objetivo geral deste trabalho é elucidar e apresentar questões polêmicas relacionadas ao direito de liberdade religiosa, e se esse princípio constitucional, tratado no artigo 5º, VI da Constituição Federal de 1988, vem sendo desrespeitada diante da visão prática. Além disso, trataremos como objetivo específico, a identificação do surgimento histórico no Brasil da Laicidade e suas definições, bem como estudar o direito fundamental do indivíduo, o exercício da liberdade religiosa e analisar os conflitos causados por utilização de símbolos religiosos em repartições públicas, questionando a neutralidade do estado com a religião e suas crenças. No primeiro capítulo deste trabalho, expomos os tópicos ao contexto histórico em identificar o surgimento da Laicidade no Brasil, objetivamente demonstrando a necessidade de se haver um Estado verdadeiramente laico, onde todos os credos, bem como a ausência destes, serão realmente respeitados, por um o Brasil que observe seus preceitos constitucionais, assegurando à minoria uma igualdade em relação àqueles que representam a maioria. O Estado obrigatoriamente deve ser neutro, partindo do princípio da ruptura do Estado e da religião. Porém cabe lembrar que o princípio de neutralidade não pode se confundir com omissão. A partir do segundo capitulo abordaremos a parte da pesquisa que trata sobre a Liberdade Religiosa onde o objetivo é estudar a relação entre o exercício da liberdade religiosa e o Estado democrático de direito, especialmente no tocante aos direitos individuais; verificar compatibilidade do exercício de direitos individuais que colidem com princípio e valores religiosos e suas definições. Assim sendo, o fato do Estado zelar pelo respeito aos valores religiosos e culturais dos cidadãos não significa que ele perca sua neutralidade e confissão. O verdadeiro Estado é aquele que leva em consideração os anseios e as necessidades do povo, inclusive sua aspiração pelo Transcendente. Por fim encerraremos o terceiro capitulo deste trabalho mencionando a que se refere os aspectos gerais, relacionados à presença religiosa na esfera pública, sendo bem visível a ostentação de símbolos e outras referências religiosas em espaços comuns, bem como crucifixo no plenário do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal e em diversas repartições públicas. A questão ainda se estende quanto a menção em Deus no preâmbulo constitucional à presença de dizeres religiosos em documentos e cerimônias públicas, como escolas e ambientes de trabalho estatais. Este assunto é de suma importância na evolução dos direitos individuais e coletivos, que possa de fato garantir a liberdade irrestrita de crença a uma religião, sem que haja a interferência, seja do Estado ou dos próprios cidadãos. Um país desprendido de todo preconceitos e de intolerância, respeitando a diversificadas culturas e crenças. 12 CAPÍTULO 1 - O SURGIMENTO DO ESTADO LAICO Com a Reforma Protestante e o Iluminismo, passou-se a afirmar a ideia de separação entre Estado e religião. Hegel (1997) apontou para a necessidade do ser humano de professar a uma fé, mas colocou o Estado acima de todos os credos. Deste modo, embora todos estivessem sujeitos ao poder estatal, esse poder tem a missão de estabelecer a possibilidade de existência das religiões, que devem tratar das questões humanas de foro íntimo. A omissão e não interferência entre os poderes estatal e religioso geram o Estado laico. O artigo quarto da Declaração Universal da Laicidade no Século XXI (DECLARAÇÃO, 2008), conceitua Laicidade como: A harmonização, em diversas conjunturas sócio históricas e geopolíticas, dos três princípios já indicados: respeito à liberdade de consciência e à sua prática individual e coletiva; autonomia da política e da sociedade civil com relação às normas religiosas e filosóficas particulares; nenhuma discriminação direta ou indireta contra os seres humanos. (DECLARAÇÃO UNIVERSAL DE LAICIDADE, §4º, 2008) Conforme diz BLANCARTE a laicidade não é uma condição estática. Ela é na verdade um processo: A laicidade – como a democracia- é mais um processo do que uma forma fixa ou acabada em forma definitiva. Da mesma maneira que não se pode afirmar a existência de uma sociedade absolutamente democrática, tampouco existe na realidade um sistema político que seja total e definitivamente laico. (BLANCARTE, 2008, P. 20) Todavia, essa situação se perpetua porque a religião continua existindo no cotidiano secular do Estado, não apenas na sociedade civil, mas nas estruturas estatais. Blancarte aponta a substituição da religião pelo civismo ou como denomina de religião cívica. “As cerimônias cívicas, no fundo, são nada mais que rituais substitutivos para integrar a sociedade através de valores comuns novos ou adicionais.” Para Santos e Lucas, a modernidade não aposentou completamente os elementos medievais, como o uso da religião: Apenas trocaram-se as entidades. Substitui-se, parcialmente, Deus personalizado medieval pela Deusa Razão, pela Deusa Igualdade, pela Deusa Liberdade e, também, foi substituído o Diabo, o ser medonho, muito grande e forte, de aparência escura, com chifres na cabeça, pelos Diabos modernos, o Diabo-Irracionalidade, o Diabo-Outro, o Diabo-Diferente, o Diabo-Minoria, os Diabos de Galeano. (SANTOS E LUCAS, 2015, P. 23) Desta forma o Estado, então, continua a utilizar-se dos aparelhos repressores da religião, porém de maneira diferenciada, já que Os santos foram substituídospor heróis independentistas e liberais, e, os altares religiosos foram trocados por altares da Pátria. A substituição dos rituais religiosos por cerimonias cívicas põe em evidencia tanto a vontade de mudar no plano dos símbolos, como a dificuldade para criar instituições verdadeiramente laicas, ou seja, dessacralizadas. (BLANCARTE, 2008, p. 23). Portanto, em vista a existência da religião, travestida de estruturas estatais, questiona-se se o Estado laico estaria mesmo divorciado da religião. É necessário salientar que muitas vezes o Estado utiliza-se da religião. A volta da religião à esfera pública parece ocorrer nas sociedades de mercado principalmente em duas circunstancias: quando o sistema, mesmo funcionando a todo vapor, leva a um impasse e ressurgem os debates a respeito de fins (crise ecológica); e quando o sistema é incapaz de gerar a necessária “boa vontade desinteressada”. (FRESTON, 1993, p. 3) Sendo assim, em âmbitos coletivos, a religião continua a cumprir seu papel, seja como aparelho repressor, seja como a salvação de alguma situação de crise. A religião continua não configurando uma infringência a laicidade estatal, nem um desrespeito a estrutura moderna do Estado. O processo de laicidade de um Estado está embasado em sua legitimidade: se um Estado precisa da religião para legitimar-se em sua forma de governo ou atuação, ou mesmo justificar ou fundamentar as decisões que seus entes tomam tal Estado não será laico, mesmo que em seu ordenamento jurídico esteja assegurada a laicidade. 14 De outra maneira, existem Estados que tem religião oficial, mas demonstra autonomia em sua gerência, sem depender da moral eclesiástica, então tal Estado, mesmo que confessional, será laico. Elucidando esse pensamento, Blancarte propõe: De facto, existem muitos Estados que não são formados, mas estabelecem políticas públicas ajenas a la normativa doutrinária de Iglesias e sustentam a legitimação mais em la soberania popular em qualquer forma de consagração eclesiástica. Países como Dinamarca o Noruega, que têm iglesias nacionais, como a luterana, e os tribunais do culto, funcionários do Estado, filho do pecado, são os países em que são suspeitas de políticas legais e democráticas e adoptadas políticas públicas ajenas a la moral da própria igreja oficial. [...] De alguma maneira, por sus próprias bandeiras históricas nos países de implantação protestante son bastante laicos, a pesar de ter Iglesias nacionales u oficiais. Por su parte, onde as Iglesias ortodoxas estão arraigadas, como Grecia o Rússia, o Estado é menos laico, já que está em constante medida na medida da legitimidade proveniente da instituição religiosa. O caso dos países maioritariamente católicos apresentam uma terceira variante, na que geralmente são muito diversos e uma relação entre o Estado, que busca uma autonomia de gestão e a Igreja Mayoritaria, que pretende moldar a política pública (BLANCARTE, 2005) No entanto, Costa (2008, p. 99), afirma que durante o Estado Monárquico, os Estados confessionais católicos, seguem as normas da Igreja Romana: “sem chegar a uma conclusão entre sociedade política e sociedade religiosa; já o Estado protestante alcançou uma união muito mais estreita, onde os magistrados civis detinham a autoridade religiosa”. (COSTA, 2008, p. 99) 1.1 LAICIDADE NO BRASIL No período colonial, no ano 1500 em Coimbra, realizou-se a primeira missa a todos os navegadores portugueses, introduzindo aqui o catolicismo. No período imperial, a Igreja Católica foi oficialmente aceita, não existindo liberdade religiosa em nosso país. Como curiosidade, vale lembrar que a terra recém encontrada foi primeiramente chamada de Ilha de Vera Cruz, depois de Terra Santa Cruz, percebemos assim a importância que os portugueses davam a propagação de sua fé. A Constituição do Império em 1824 conseguiu progresso rumo à liberdade religiosa dos cultos não provenientes da igreja católica, em especial a dos protestantes, sendo permitido que fosse expresso suas crenças em sua língua natal e só era permitido no âmbito doméstico. 1.2 LAICIDADE X LAICISMO A relação entre elas é diferente, a laicidade significa simplesmente que há separação entre o Estado e a Igreja, isto é, um Estado laico o Estado é completamente neutro em matéria de religião e as igrejas não detêm qualquer poder político. Santos Junior elucida isso a seguir: [...] laicismo é um sistema jurídico-político no qual há separação total entre o Estado e a Religião. Neste sistema, Estado e organizações religiosas não sofrem interferências recíprocas no exercício de suas atividades. Por outro lado, laicidade é o caráter de neutralidade religiosa do Estado. (SANTOS JUNIOR, 2007 p. 62). Portanto, chegamos à conclusão que laicismo é um sistema jurídico - político caracterizado pela laicidade. Sendo assim a laicidade garante a liberdade de todos e a liberdade de cada um ao distinguir o domínio público, o domínio onde se exerce o poder do Estado e onde se cumpre a cidadania e o domínio privado, onde se exercem as liberdades individuais (de pensamento, de consciência, de convicção, de religião e de associação) e onde coexistem as diferenças (biológicas, sociais, culturais). Portanto, com este sucinto relato histórico, confirma-se que a laicidade brasileira que espera a ruptura Igreja-Estado necessita ser transformada, sendo de fato exercida a democracia. 1.3 DEMOCRACIA Desejo da maioria e direitos das minorias, democracia não é só o governo da maioria, mas sim o governo da maioria do povo, a democracia no Brasil teve início no século XX, após a Ditadura Militar, período de repressão e de perseguição que impediam que o povo tivesse o livre-arbítrio. 16 Foram 30 anos de luta para alcançar a igualdade de direitos que foi concebida com a implementação, de uma nova constituição da impossibilidade de que a vontade de todos esteja conforme a que prevalece na ordem social, a democracia adota o princípio da maioria, em virtude do qual se torna possível uma alteração no instante em que a quantidade dos que desaprovam a ordem é superior à quantidade daqueles que com ela aprovam. Sobre o ponto democracia, há alguns fatores que devem ser considerados sobre o direito fundamental a liberdade religiosa. Inicialmente, a palavra democracia é o regime político em que a soberania é exercida pelo povo através do sufrágio universal. Tem sua origem no grego demokratía que é composta por demos (que significa povo) e kratos (que significa poder). Sarmento (2006, p.6) verbaliza a respeito da democracia, afirmando que esta é a única maneira existente de se governar, a qual trata a todo e qualquer cidadão igualmente, conforme é atribuído ao cidadão um poder igual de dominação nas decisões gerais que alcançarão sua vida. É na sua democracia que os indivíduos são tratados como cidadãos e não como objetos, uma vez que apenas no regime democrático se reconhece em cada indivíduo um cidadão livre, dotado da competência moral para, em igualdade com seus concidadãos, participar da adoção de decisões vinculativas para toda a comunidade. O conceito de democracia, porém só é possível ser interpretado conforme uma determinada concepção de democracia. Segundo a desigualdade existente entre conceito e concepção. O conceito adotado pelo ex-presidente dos Estados Unidos Abraham Lincoln, a democracia é o governo do povo, pelo povo e para o povo. Desta maneira, a concepção de democracia existente explica três elementos necessários, os quais são: O sujeito da democracia(quem governa), o funcionamento da democracia (como se governa) e a finalidade da democracia (para quem se governa) (BARZOTTO, 2003). Para Barzotto (2003) existiram três concepções que valem ser ressaltadas, pois contextualiza o que era considerado. Na concepção plebiscitária de Rousseau, a democracia é o governo de vontade geral. O indivíduo é gerado como cidadão. No que tange ao poder do povo é algo que não se discute, é soberano e não se limita pelo direito. É a população que determina os pontos de maior importância. Para Kelsen, a democracia é o governo da maioria. O indivíduo é auto interessados e antissocial (a vontade do povo auxilia para formar a vontade do Estado). Domina a ideia da legalidade uma vez que este defende a minoria da maioria e a própria maioria de si mesma. Entende-se que o direito positivo é produto da maioria ou de um grupo de interesse de todos. Por fim a terceira a concepção protegida por Aristóteles, este afirma que a democracia é o governo dos muitos. Os diversos pontos de vista sobre um determinado bem comum que comunicados no debate público dão à democracia um caráter deliberativo, racional, ou melhor, o direito é o produto da razão prática. Desta forma, vale ressalta-se que em um verdadeiro estado democrático de direito, os direitos fundamentais devem estar garantidos e o poder ser exercido de maneira democrática (BOBBIO, 1986). 18 CAPÍTULO 2 - LIBERDADE RELIGIOSA Desde o limiar da Reforma Protestante e do Iluminismo, a questão da religião na vida do ser humano mudou. Bosch (2002) afirma que a religião, no Estado Absolutista dependia da crença de seu soberano, que muitas vezes controlava os poderes estatais (Legislativo, Executivo e Judiciário) bem como a Religião. Aos poucos, a religião foi mudando, se multiplicando, acompanhando o ritmo das alterações sociais que se apresentaram. Rubem Alves (1984) aponta que a ausência de religião em um ser humano já foi sinônimo de anormalidade. Tal situação, no entanto, mudou e passou ser cada vez mais comum, não podendo mais tida como doença, praga, ou algo fora do normal. Mesmo diante de uma constante secularização da sociedade, a religião continua presente, viva e operante na comunidade global. Pode se afirmar que a liberdade religiosa consiste em um dos princípios fundamentais da laicidade. Ainda que ela se apresente de maneira clara desde 1891 em todas as Constituições brasileiras, necessita saber como, e até qual limite, ela acontece na prática. Para que seja possível a sua compreensão a República Federativa do Brasil escolheu pelo Estado, para que os direitos e deveres presumidos na CF/88, a liberdade religiosa totalmente defendida no art. 5º incisos VI: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei; (BRASIL, 1988) Democrático de Direito, como se vê na presente Constituição Federal de 1988. A obrigação do nosso Estado, e o seu dever é de garantir a liberdade religiosa, trata-se de um direito fundamental. Sendo assim, Bulos (2001, p.520) entende que a liberdade religiosa é um direito com caráter de primeira geração, tendo seu início ao fim do século XVII. Tal direito fundamental de primeira geração deve ser assegurado pelo Estado, segundo a concepção de Bastos (1989, p.32), por “um dever de não fazer, de não atuar, de abster-se, enfim naquelas áreas reservadas ao indivíduo”. Sendo assim, a liberdade religiosa, sobre a qual o enfoque será incidente. Para que seja possível a compreensão, será dividida em Três formas mais específicas: Liberdade de Crença, Liberdade de Culto e Liberdade de Organização Religiosa. 2.1 LIBERDADE DE CRENÇA Já a Constituição Brasileira de 1969 garantia a liberdade de consciência e o livre exercício dos cultos religiosos. A liberdade de crença era assegurada somente como uma forma de liberdade de consciência. Na Constituição Brasileira de 1988, a liberdade de crença passou a ser prevista de forma explicita, juntamente com a liberdade de consciência, conforme descrito no artigo 5º, inciso VI: “VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercícios dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”. (BRASIL, 1988) A diferença entre liberdade de consciência e de crença se faz necessária, uma vez que está incluída na liberdade de consciência. Conforme os ensinamentos de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins: A liberdade de consciência não se confunde com a de crença. Em primeiro lugar, porque uma consciência livre pode determinar-se no sentido de não ter crença alguma. Deflui, pois, da liberdade de consciência uma proteção jurídica que inclui os próprios ateus e os agnósticos. De outra parte, a liberdade de consciência pode apontar para uma adesão a certos valores morais e espirituais que não passam por sistema religioso algum. (RIBEIRO BASTOS E GANDRA MARTINS, 2001 p. 53). Essa distinção permite concluir que ambas tratam do foro íntimo, no entanto, a liberdade de crença assegura a fé, a opção por uma crença ou religião. Sendo assim, 20 a Constituição Federal não permite a limitação ou restrição do direito de liberdade de crença, uma vez que se tratado foro íntimo do homem. 2.2 LIBERDADE DE CULTO A manifestação da liberdade de culto trata do direito de exprimir a crença ou sua descrença de uma religião. Uma maneira segura são os locais destinados à expor a liberdade de crença, isto é, os templos: “[...] a liberdade de culto, forma outra porque se extravasam as crenças íntimas (art. 5º, VI). A liberdade do culto religioso é garantida, bem como os locais de seu exercício e as liturgias, na forma determinada pela lei. Assim, a lei definirá o modo de proteção dos locais consagrados aos cultos e às cerimônias” “Liberdade de culto: a religião não é apenas sentimento sagrado puro. Não se realiza na simples contemplação do ente sagrado, não é simples adoração a Deus. Ao contrário, ao lado de um corpo de doutrina, sua característica básica se exterioriza na prática dos ritos, no culto, com suas cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidades aos hábitos, às tradições, na forma indica pela religião escolhida.” (BRASIL, 1988) Desta maneira a liberdade de culto fortalece a liberdade de crença, pois na vigência da Constituição Imperial em 1824, previa-se a liberdade de crença, mas se negava a liberdade de culto pública, já que a exteriorização da religião que não fosse a católica somente poderia ocorrer na privacidade do culto. Com a Proclamação da República, passou-se a proteger não somente a liberdade de crença, mas também o local do culto. O artigo 5º, inciso VI, da atual Constituição trata taxativamente, a liberdade de culto e a proteção aos locais da exteriorização da liberdade de crença. Essa proteção inibe o ataque fiscal do Estado. Isto é, a liberdade de culto é assegurada pela Constituição de 1988, que veda qualquer obstáculo quanto à manifestação da liberdade de crença. De acordo com os ensinamentos de José Afonso da Silva: [...] a religião nãoé apenas sentimento sagrado puro. Não se realiza na simples contemplação do ente sagrado, não é simples adoração a Deus. Ao contrário, ao lado de um corpo de doutrina, sua característica básica se exterioriza na prática dos ritos, no culto, com suas cerimônias, manifestações, reuniões, fidelidades aos hábitos, às tradições, na forma indicada pela religião escolhida. (AFONSO SILVA, 2007, p. 249). O inciso VI do artigo 5º da Constituição Federal assegura o livre exercício dos cultos religiosos e a proteção, na forma da lei, aos locais de culto e suas liturgias. Acerca disto, dispõe José Afonso da Silva: É evidente que não é a lei que vai definir os locais do culto e suas liturgias. Isso é parte da liberdade de exercício dos cultos, que não está sujeita a condicionamento. É claro que não há locais, praças, por exemplo, que não são propriamente locais de culto. Neles se realizam cultos, mais no exercício da liberdade de reunião do que no da liberdade religiosa. A lei poderá definir melhor esses locais não típicos de culto, mas necessários ao exercício da liberdade religiosa. E deverá estabelecer normas de proteção deste e dos locais em que o culto normalmente se verifica, que são só templos, edificações com as características próprias da respectiva religião. (AFONSO SILVA, 2007, p. 250). Destarte que a liberdade de culto abrange ainda a inviolabilidade dos templos e dos locais de culto, uma vez que esses locais são necessários para o exercício religioso e seus ritos. 2.3 LIBERDADE DE ORGANIZAÇÃO RELIGIOSA Essa liberdade permitiu a constituição e funcionamento dos cultos sob a máscara da personalidade jurídica prevista pela legislação civilista, isto é, as organizações religiosas “funcionam sob o manto da personalidade jurídica que lhes é conferida nos termos da lei civil, conforme prescreve o § 1º, do artigo 44, do Código Civil: “Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado: (...) IV - as organizações religiosas; (...) § 1º - São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.” (BRASIL, 2002) Com o reconhecimento dos cultos através da personalidade jurídica conferida pelo ordenamento jurídico, nasce o dever jurídico do Estado de não impor dificuldades e/ou embaraços na criação de organizações religiosas, haja vista a obrigação constitucional do Estado de não embaraçar a criação de entidades religiosas através da tributação de impostos sobre templos religiosos. 22 Sendo assim a liberdade religiosa é um direito com caráter de primeira geração, tendo seu início ao fim do século XVII. Tal direito fundamental de primeira geração deve ser assegurado pelo Estado, segundo a concepção de Bastos (1989, p.32), por “um dever de não fazer, de não atuar, de abster-se, enfim naquelas áreas reservadas ao indivíduo”. Entende-se, que o Estado, tem a obrigação de não permitir as supostas transgressões ao direito de desempenhar o credo religioso. Sobre este ponto a CF/88, em seu artigo 19, inciso I: Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou suas representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; (BRASIL, 1988) Partindo da premissa a qual é vedado que o Estado mantenha aliança ou vínculo de dependência com qualquer que seja a religião (Igreja), é visível o trato excepcional do Estado em relação à Igreja Católica, através do Acordo bilateral alicerçado entre a República Federativa do Brasil juntamente com a Santa Sé em 2008, enquanto se oficializava na audiência oficial na: “biblioteca do Vaticano entre o papa Bento XVI e o ex-presidente Lula, e 16 o mesmo foi aceito pela Câmara dos Deputados, no dia 26 de agosto de 2009, e em 08 de outubro de 2009” pelo Senado Federal (ORO, 2011, p. 222). Cabe citar o que Mariano (2001) e Oro (2011) contextualizam referente às grandes críticas surgidas pela sociedade, onde este alega a violação do art. 19 da Constituição brasileira, onde veda ao Estado, possuir vínculos de subordinação ou aliança com devoções religiosas e igrejas e subsidiá-los. CAPÍTULO 3 - TRANSTORNO EM TORNO DA LIBERDADE RELIGIOSA 3.1 INVOCAÇÃO DE DEUS NO PREAMBULO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL O Partido Social Liberal – PSL/AC – propôs uma ação direta de inconstitucionalidade contra ato da Assembleia Constituinte do Estado do Acre, alegando omissão, por ser o único estado da Federação que não repete em sua Constituição estadual a invocação a Deus existente no preâmbulo da Constituição Federal, alegando tratar-se de norma de repetição obrigatória, de acordo com o artigo 25 da Constituição Federal e o artigo 11 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT. O preâmbulo da Constituição Estadual do Acre é assim redigido: A Assembleia Estadual Constituinte, usando dos poderes que foram outorgados pela Constituição Federal, obedecendo o ideário democrático, com o pensamento voltado para o povo e inspirada nos heróis da Revolução Acreana, promulga a seguinte Constituição do Estado do Acre. (ACRE, 2013, página única). Segue a ementa da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal acerca do tema: EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONSTITUIÇÃO: PREÂMBULO. NORMAS CENTRAIS. Constituição do Acre. I. - Normas centrais da Constituição Federal: essas normas são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro, mesmo porque, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local. Reclamações 370-MT e 383-SP (RTJ 147/404). II. - Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (acesso em 27abr. 2017) A ação direta de inconstitucionalidade analisada foi julgada improcedente no ano de 2002, não tendo mais o tema sido pauta de debate da mais alta cúpula do órgão julgador do Brasil. Votação: unânime. Resultado: improcedente. Acórdãos citados: Rcl-370, Rcl-383 . Obs.: - impedido o Min. Gilmar Mendes. Número de páginas: (14). Análise:(ANA). Revisão:(VAS/RCO). Inclusão: 15/12/03, (MLR). Parte superior do formulário Parte inferior do formulário 24 Nesse sentido, o STF entendeu que ele não possui eficácia jurídica (força normativa), tanto que as Constituições estaduais não estão obrigadas a transcrever a expressão sob a proteção de Deus em seu conteúdo. Nesse mister, Alexandre de Moraes versa sobre a subjetividade do preâmbulo: “[...] o Estado brasileiro, apesar de laico, não é ateu, como comprova o preâmbulo constitucional, e, além disso, trata-se de um direito subjetivo e não de uma obrigação, preservando-se, assim, a plena liberdade religiosa daqueles que não professam nenhuma crença” (MORAES, 2009, pg. 49) O preâmbulo da Constituição de 1988 traduz o entendimento de que o Brasil não é um Estado ateu, isto é, há igualdade entre as diversas e diferentes religiões, enquanto o artigo 19, inciso I, do Texto Constitucional determina a laicidade do Estado, bem como a proibição de embaraço aos cultos religiosos, como esclarecem Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco: “O Estado brasileiro não é confessional, mas tampouco é ateu, como se deduz do preâmbulo daConstituição, que invoca a proteção de Deus. Admite igualmente, que o casamento religioso produza efeitos civis, na forma o disposto em lei (...) a laicidade do Estado não significa, por certo, inimizade com a fé.” Nesse mister, não há conflito entre o preâmbulo e o artigo 19, inciso I, da Constituição de 1988, visto que a expressão sob a proteção de Deus possui um caráter subjetivo. 3.2 USO DE SOMBOLOS RELIGIOSOS EM REPARTIÇÕES PÚBLICAS Seguindo a esta citação do art. 19 do código Civil, pode-se igualmente lembrar como violação da presença do crucifixo em órgãos públicos tais como: escolas, hospitais, prisões, parlamentos e até mesmo em tribunais, não mostrando então a separação Igreja-Estado permitindo desta forma um tratamento distinto frente às outras religiões. Portanto, o Estado obrigatoriamente deve ser neutro, partindo do princípio da ruptura do Estado e da religião. Porém cabe lembrar que o princípio de neutralidade não pode se confundir com omissão. Desta maneira o Estado quando houver violação a esse direito, é do Estado a prestação jurisdicional para não permitir, reparar e sanar o agravo à liberdade de religião. (BASTOS, 1989). Ocorreram inúmeras manifestações em desacordo com o uso dos crucifixos, principalmente nos Tribunais, desde o advento da República, separação do Estado e igreja. No Brasil, o assunto ressurgiu no ano de 2005, quando o Juiz de Direito gaúcho Roberto Arriada Lorea, propôs uma moção simbólica sugerindo a retirada dos crucifixos das salas de audiência do Rio Grande do Sul. Ainda, em 2007. A maioria dos magistrados votantes foi contra a moção, demonstrando o enraizamento da religião na cultura brasileira. Em relação ao uso dos símbolos religiosos ganhou força na França, no ano de 2004, houve internacionalmente grande polêmica foi promulgada a lei LOI 2004- 228, proibição a utilização de símbolos religiosos ostensivos em escolas públicas do país. Maria Cláudia Bucchianeri escreveu o seguinte: “A fixação ou manutenção, pelo Estado ou por seus Poderes, de símbolos distintivos de específicas crenças religiosas representa uma inaceitável identificação do ente estatal com determinada convicção de fé, em clara violação à exigência de neutralidade axiológica, em nítida exclusão e diminuição das demais religiões que não foram contempladas com o gesto de apoio estatal e também com patente transgressão à obrigatoriedade imposta aos poderes públicos de adotarem uma conduta de não-ingerência dogmática, esta última a assentar a total incompetência estatal em matéria de fé e a impossibilidade, portanto, do exercício de qualquer juízo de valor (ou de desvalor) a respeito de pensamentos religiosos” (BUCCHIANERI, 2009). Outro argumento utilizado com frequência pelos religiosos favoráveis ao uso de símbolos cristãos em prédios públicos, especialmente nas dependências do Poder Judiciário, diz respeito ao fato de serem utilizados como “fontes de inspiração” para a correta atuação dos agentes estatais. Inspiração para quê? pergunta-se. Certa vez, Ives Gandra da Silva Martins chegou a escrever: 26 “No caso da magistratura, os valores cristãos se tornam ainda mais fortemente 'fonte de inspiração' para as decisões, uma vez que 'fazer justiça' é, de certo modo, exercer um atributo divino. A justiça humana será tanto menos falha quanto mais se inspirar na justiça divina”. (GANDRA SILVA MARTINS, artigo citado) Na verdade, essa afirmação do eminente Ministro deveria causar preocupação e estranheza já que a chamada “justiça divina” nem sempre se assemelha ao ideal de justiça consagrado na Constituição Federal e tido como modelo para a sociedade em que vivemos hoje. Pelo contrário, na leitura da Bíblia, um dos símbolos cristãos mais utilizados, é fácil encontrar atrocidades e massacres ordenados por Deus e perpetrados por seus seguidores, conforme relatado no “esquecido” Velho Testamento. De fato, a Bíblia possui modelos de comportamento ideais e não-ideais, mas a verdade é que ela não pode ser utilizada como “inspiração” ou tida como modelo de “justiça” a ser seguido. Por outro lado, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ já decidiu que o uso de símbolos religiosos em órgãos da Justiça não fere o princípio de laicidade do Estado. CNJ deixou a cargo dos juízes a decisão acerca da permanência de crucifixos nas paredes de suas salas de audiência. O Supremo Tribunal Federal, dois ministros já se manifestaram contra a manutenção do crucifixo localizado no plenário: Celso de Mello e Marco Aurélio. Significa dizer que as salas de audiência e Tribunais não são locais de culto, assim como nenhum outro órgão estatal. De fato, a Cruz afigura-se, desde sempre, um símbolo religioso específico da fé cristã, não podendo dissociar-se desse seu significado, o que afronta a opção constitucional pelo Estado laico que já se esperava ver consolidada. No plano internacional, recentemente a Itália foi condenada pela Corte Europeia de Direitos Humanos por ostentar crucifixos em Escolas Públicas no caso Lautsi v. Italy. Já na Alemanha, o Tribunal Constitucional decidiu que a coerção de participar de uma lide sob a cruz, contrariando as convicções religiosas ou ideológicas do litigante, caracteriza uma intervenção na liberdade de crença do mesmo, que acabou por enxergar ali uma identificação do Estado com a fé cristã. E em outra oportunidade, o Tribunal alemão decidiu que; “a colocação de cruzes nas salas de aula ultrapassa os limites aceitáveis, pois a cruz não pode ser separada de sua específica referência ao conteúdo religioso da fé cristã” (ALEMANHA) Conclui-se que a provável maneira de sanar esse problema a qual gera a morte de muitos indivíduos é a tolerância religiosa é o Estado se manter neutro, conforme está na Constituição Federal. 28 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Após análise dos temas e dados expostos nesse estudo, podemos concluir que a Liberdade Religiosa é um Direito que custou a ser conquistado, surgindo no mundo durante a transição histórica entre Era Moderna e Contemporânea e que no Brasil só foi conquistado com o advento da República. Passa ser típico o comportamento do legislador quando o mesmo criou, no sistema legislativo, normas que impunham esse direito e outras que penalizavam a infração contra esse direito. Todavia, há momentos em que conflitos de direitos e nessa situação se necessário um minucioso estudo para revelar em qual lado a balança deve suspender. Acima de tudo não se deve negar o direito a crença, e sim adaptá-lo. Portanto, a Liberdade Religiosa é uma direto que não pode ser negado a ninguém e que se em algum momento esse direito entrar em conflito com algum outro será necessária uma análise minuciosa do caso concreto para saber sobre direito conflitante. Percebemos ainda que, apesar de ser um princípio basilar estar elencada entre os direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros, é suprimida, em detrimento à tradição e cultura do povo. A religião mais presente na história do Brasil é o catolicismo desde os primórdios da nação brasileira. Deixando bem claro que a religião deixou suas marcas que não podem ser apagadas na cultura nacional e na nossa sociedade, que acaba interferindo na total separação entre Estado e a Religião. Os símbolos católicos estão em repartições públicas, de todo o País, se tornando prejudicial para o desenvolvimento social da nação. Há adeptos de todasas religiões tanto da maioria como na minoria, ou até mesmo daqueles que preferem não crer em nenhuma religião, tendo assim seus direitos discriminados e não tolerados. O Estado brasileiro se pauta nos princípios da igualdade e liberdade, princípios da nossa constituição Federal, para garantir o pluralismo religioso, para que todos escolham ter ou não uma religião. É preciso que haja a separação do Estado e a igreja como um sistema político, assumindo a posição Laica. Esta separação só é possível no âmbito da formalidade, uma vez que não tem como separar o Estado da sociedade. A execução da liberdade religiosa se justifica nas discussões e nos debates acerca dos temas conflitante aqui exposto uma vez que ao falar sobre questões como uso dos símbolos religiosos, a invocação a Deus no preâmbulo da constituição Federal expõe o Estado Laico Brasileiro. Sendo assim, demonstrando sua fragilidade do sistema laico do Brasil em um momento em que o pluralismo religioso vem aumentando a cada dia mais, um crescimento das igrejas evangélicas e também de quem tem o direito de não crer em nada como os ateístas, desta forma, se verifica, então, que enquanto a sociedade encarar a religião como fator determinante para a realização do bem comum, esse bem será distorcido: alguém será privilegiado e outro discriminado. É fundamental, novamente na atualidade, a defesa, por um lado, da liberdade religiosa de todos e, por outro, a afirmação virtuosa do Estado Laico. 30 5. REFERÊNCIAS ACRE. Constituição do Estado do Acre. Promulga a Constituição do Estado do Acre em 3 de outubro de 1989 Disponível em: http://www.aleac.net/sites/default/files/Constituicao_Estadual.pdf>. Acesso em: 28abr. 2017. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em:. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 27 Abr. 2017 _______. Supremo Tribunal Federal. ADI 4439. Relator Ministro Roberto Barroso _______. https://www.jusbrasil.com.br/busca?q=As+normas+centrais BULOS, UadiLammêgo. Constituição Federal anotada: jurisprudência e legislação infraconstitucional. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2001. BULOS, UadiLammêgo. Curso de Direito Consitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. Barzotto, Luís Fernando. A Democracia na Constituição Brasileira de 1988. São Leopoldo: UNISINOS, 2003. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 2 vol. 3 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 54. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 199. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. São Paulo: Saraiva. 1988-1989.v.1. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 2 vol. 3 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 55. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 05 out. 1988. Disponível em:. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm Acesso em: 27 Abr. 2017 ______. Supremo Tribunal Federal. ADI 4439. Relator Ministro Roberto Barroso. BOBBIO Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Tradução Marco Aurélio Nogueira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986. BOBBIO, Norberto. Igualdade e Liberdade. 5. ed. Rio de Janeiro, Ediouro, 2002. DECLARAÇÃO Universal da Laicidade no Século XXI. In: LOREA, Roberto Arriada (org.). Em defesa das liberdades laicas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008 SANTOS JUNIOR, Aloisio Cristovam. A liberdade de organização religiosa e o Estado laico brasileiro. São Paulo: Mackenzie, 2007. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. KELSEN, Hans. Teoria Feral do Direito e do Estado. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Altas, 2008, p. 99. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 21 ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 248 - grifo do original. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 21 ed. rev. ampl. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 249. MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. São Paulo: Atlas, 1998, p. 123. MARIANO, Ricardo. Análise sociológica do crescimento pentecostal no Brasil. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001. MARIANO, Ricardo; ORO, Ari Pedro. The reciprocal instrumentalization of religion and politics in Brazil.In: Annual Review of the Sociology of religion, 2011 ORO, Ari Pedro. A laicidade no Brasil e no Ocidente: Algumas considerações. Civitas, Porto Alegre, v.11, n.2, p. 221-237, maio-ago.2011 MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 7 ed. Editora Saraiva.2012. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito constitucional. 3 ed. – São Paulo: Saraiva, 2004. LOREA, Roberto Arriada. O Poder Judiciário é laico. In: Tendencias/Debates. Folha de São Paulo. Publicado em 03 de outubro de 2005. Disponível em: . Acesso em: 28 Abr. de 2017. MENDES, Gilmar Ferreira. COELHO, Inocêncio Mártires. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 3 ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 408-9. FRANÇA. LOI 2004-228. Disponível em:. Acesso em 27 Abr. 2017. FERREIRA FILHO, Manoel. Curso de direito constitucional. 33. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 300. 32 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 70010129690, voto do Desembargador Araken Assis. Disponível em: . Acesso em: 1 set. de 2013 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional: Teoria do Estado e da constituição – direito constitucional positivo. 15 ed. rev. atual. ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 783. SILVA, Enio Moraes da. Revista de Informação Legislativa, Brasília, DF, ano 42, n. 167, p. 216, jul./set. 2005. KANT. Immanuel. A Fundamentação da metafísica dos costumes: a Doutrina Universal do Direito, Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1996, p. 158. HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. São Paulo: Martin Claret, 2003, p. 143. Grifos do original. AZAMBUJA, Darcy. Teoria geral do estado. 36 ed. São Paulo: Globo, 1997, p. 19. Grifo do original SILVA JUNIOR, Nilson Nunes da. O conceito de Estado. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 68, set 2009. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6742&revista_caderno =9>. Acesso em set 2017. HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. Tradução de Norberto de Paula Lima. 2. ed. São Paulo: Ícone, 1997. SANTOS, André Leonardo Copetti; LUCAS, Doglas Cesar. A (in)diferença no Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. FRESTON, Paul. Protestantes e a política no Brasil: Da Constituinte ao Impeachment f. Tese (Doutorado) Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas HAYNES, Carlyle Boynton.ANEXO A DECLARAÇÃO UNIVERSAL DA LAICIDADE NO SÉCULO XXIII. Preâmbulo. Considerando a crescente diversidade religiosa e moral no seio das sociedades atuais e os desafios encontrados pelos Estados modernos para favorecer a convivência harmoniosa; considerando também a necessidade de respeitar a pluralidade das convicções religiosa, ateias, agnósticas, filosóficas e a obrigação de favorecer, por diversos meios, a decisão democrática pacífica; e, finalmente, considerando a crescente sensibilidade dos indivíduos e dos povos com relação às liberdades e aos direitos fundamentais, incentivando os Estados a buscarem o equilíbrio entre os princípios essenciais que favorecem o respeito pela diversidade e a integração de todos os cidadãos com a esfera pública, nós, universitários, acadêmicos e cidadãos de diferentes países, propomos a reflexão de cada um e o debate público, sobre a seguinte declaração: Princípios fundamentais. Artigo 1º: Todos os seres humanos têm direito ao respeito à sua liberdade de consciência e à sua prática individual e coletiva. Este respeito implica a liberdade de se aderir ou não a uma religião ou a convicções filosóficas (incluindo o ateísmo e o agnosticismo), o reconhecimento da autonomia da consciência individual, da liberdade pessoal dos seres humanos e da sua livre escolha em matéria de religião e de convicção. Isso também implica o respeito pelo Estado, dentro dos limites de uma ordem pública democrática e do respeito aos direitos fundamentais, à autonomia das religiões e das convicções filosóficas. Artigo 2º: Para que os Estados tenham condições de garantir um tratamento igualitário aos seres humanos e às diferentes religiões e crenças (dentro dos limites indicados), a ordem política deve ter a liberdade para elaborar normas coletivas sem que alguma religião ou crença domine o poder e as instituições públicas. Consequentemente, a autonomia do Estado implica a dissociação entre a lei civil e as normas religiosas ou filosóficas particulares. As religiões e os grupos de convicção devem participar livremente dos debates da sociedade civil. Os Estados não podem, de forma alguma, dominar esta sociedade e impor doutrinas ou comportamentos a priori. Artigo 3º: A igualdade não é somente formal; deve-se traduzir na prática política por meio de uma constante vigilância para que não haja qualquer discriminação contra seres humanos no exercício dos seus direitos, particularmente dos seus direitos de cidadão, independentemente deste pertencer ou não a uma religião ou a uma filosofia. Para que a liberdade de pertencer (ou de não pertencer) a uma religião exista, poderão ser necessárias “acomodações razoáveis” entre as tradições nacionais surgidas de grupos majoritários e as de grupos minoritários. 34 A Laicidade como princípio fundamental do Estado de Direito. Artigo 4º: Definimos a laicidade como a harmonização, em diversa conjuntura sócio histórica e geopolítica, dos três princípios já indicado: respeito à liberdade de consciência e a sua prática individual e coletiva; autonomia da política e da sociedade civil com relação às normas religiosas e filosóficas particulares; nenhuma discriminação direta ou indireta contra os seres humanos. Artigo 5º: Um processo laicizador emerge quando o Estado não está mais legitimado por uma religião ou por uma corrente de pensamento especifica, e quando o conjunto de cidadãos puder deliberar pacificamente, com igualdade de direitos e dignidade, para exercer sua soberania no exercício do poder político. Respeitando os princípios indicados, este processo se dá através de uma relação íntima com a formação de todo o Estado moderno, que pretende garantir os direitos fundamentais de cada cidadão. Então, os elementos da laicidade aparecem necessariamente em toda a sociedade que deseja harmonizar relações sociais marcadas por interesses e concepções morais ou religiosas plurais. Artigo 6º: A laicidade, assim concebida, constitui um elemento chave da vida democrática. Impregna, inevitavelmente, o político e o jurídico, acompanhando assim os avanços da democracia, o reconhecimento dos direitos fundamentais e a aceitação social e política do pluralismo. Artigo 7º: A laicidade não é patrimônio exclusivo de uma cultura, de uma nação ou de um continente. Poderá existir em conjunturas onde este termo não tem sido utilizado tradicionalmente. Os processos de laicização ocorreram ou podem ocorrer em diversas culturas e civilizações sem serem obrigatoriamente denominados como tal. Debates sobre a laicidade Artigo 8º: A organização pública do calendário, as cerimônias fúnebres oficiais, a existência de “santuários cívicos” ligados a formas de religião civil e, de maneira geral, o equilíbrio entre o que surgiu da herança histórica e aquilo que se atribui ao pluralismo atual em matéria de religião e de convicção de uma determinada sociedade, não podem ser considerados solucionados de maneira definitiva, e lançar-se no terreno do inimaginável. Ao contrário, isto constitui o centro de um debate laico pacífico e democrático. Artigo 9º: O respeito concreto à liberdade de consciência e a não-discriminação, assim como a autonomia da política e da sociedade frente a normas particulares, devem ser aplicados aos debates necessários relativos às questões associadas ao corpo e à sexualidade, com a enfermidade e a morte, com a emancipação das mulheres, a educação dos filhos, os matrimônios mistos, a condição dos adeptos de minorias religiosas ou não religiosas, dos “não-crentes” e daqueles que criticam a religião. Artigo 10º: O equilíbrio entre três princípios constitutivos da laicidade também é um fio condutor para os debates democráticos sobre o livre exercício de culto, sobre a liberdade de expressão, a manifestação de convicções religiosas e filosóficas, o proselitismo e os limites decorrentes do respeito pelo outro, bem como as interferências e as distinções necessárias entre os diversos campos da vida social, as obrigações e os acordos razoáveis na vida escolar ou profissional. Artigo 11º: Os debates sobre estas diferentes questões colocam em jogo a representação da identidade nacional, as regras de saúde pública, os possíveis conflitos entre a lei civil, as representações morais particulares e a liberdade de decisão individual, como um marco do princípio da compatibilidade das liberdades. Em nenhum país e em nenhuma sociedade existe uma laicidade absoluta; tampouco as diversas soluções disponíveis em matéria de laicidade são equivalentes. 85 A Laicidade e os desafios do século XXI Artigo 12º: A representação dos direitos fundamentais evoluiu muito desde as primeiras proclamações de direitos (final do século XVIII). A significação concreta da dignidade dos seres humanos e da igualdade de direitos está em jogo nas soluções propostas. O limite estatal da laicidade enfrenta hoje problemas provenientes de estatutos específicos e de direito comum, de divergências entre a lei civil e determinadas normas religiosas e de crença, de compatibilidade entre os direitos dos pais e aquilo que as convenções internacionais consideram como direitos da criança, bem como direito à “blasfêmia” ou à liberdade de expressão. Artigo 13º: Nos diversos países democráticos, para numerosos cidadãos, o processo histórico de laicização parece ter chegado a uma especificidade nacional, cujo questionamento suscita receios. E, quanto mais longo e conflituoso tiver sido o processo de laicização, em maiores proporções se manifestará o medo de mudanças. Não obstante, na sociedade ocorrem profundas mutações, e a laicidade não poderia ser rígida e imóvel. Portanto, é necessário evitar tensões e fobias, para poder encontrar novas respostas aos novos desafios. Artigo 14º: Nos locais onde ocorrem, os processos de laicizaçãocorresponderam historicamente a uma época em que as grandes tradições religiosas dominavam os sistemas sociais. O sucesso de tais processos criou certa individualização do religioso e daquilo que se refere às crenças, o que se transforma em uma dimensão da liberdade de decisão pessoal. Contrariamente, o que se teme em determinadas sociedades, a laicidade não significa abolir a religião, mas a liberdade de decisão em matéria de religião. Isso também implica, nos dias de hoje, onde necessário, desligar o religioso daquilo que se encontra assentado na sociedade e de todas as imposições políticas. Sem embargo, quem fala de liberdade de decisão também se refere à livre possibilidade de uma autenticidade religiosa ou de convicção. Artigo 15º: Portanto, as religiões e convicções filosóficas se constituem socialmente em locais de recursos culturais. A laicidade do século XXI deve permitir articular diversidade cultural e unidade do vínculo político e social, da mesma maneira que as laicidades históricas tiveram que aprender a conciliar as diversidades religiosas e a unidade deste vínculo. É a partir deste contexto global que se faz necessário analisar o surgimento de novas formas de religiosidade, tanto de combinações entre tradições religiosas, de misturas entre o religioso e aquilo que não é religioso, de novas expressões espirituais, mas também de formas diversas de radicalismos religiosos. Igualmente, é no contexto da individualização que se deve compreender porque é difícil reduzir o religioso ao exclusivo exercício do culto, e porque a laicidade como marco geral da convivência harmônica é, mais do que nunca, desejável. Artigo 16º: A crença de que o progresso científico e técnico pode engendrar progresso moral e social encontra-se atualmente em declínio; isto contribui para tornar o futuro mais incerto, dificultar a sua projeção e tornar os debates políticos e sociais 36 menos legíveis. Depois das ilusões do progresso, corre-se o risco de privilegiar unilateralmente os particularismos culturais. Esta situação nos estimula a ser criativos com relação à laicidade, para inventar novas formas para o vínculo político e social, capazes de assumir esta conjuntura inédita e encontrar novas relações com a história que construímos em conjunto. Artigo 17º: Os diferentes processos de laicização correspondem aos diferentes desenvolvimentos dos Estados. As laicidade, por outro lado, tomaram diversas formas, dependendo do fato do Estado ser centralista federal. A construção de grandes conjuntos supra-estatais e o relativo, mas real, desprendimento do jurídico com relação ao estatal geram 86 uma nova situação. O Estado, sem embargo, encontra-se mais em uma fase de mutação do que em verdadeiro declínio. Tende a atuar menos na esfera do mercado, e perde, pelo menos de maneira parcial, o perfil de Estado Benfeitor que ocupou em muitos países em maior ou menor proporção. Por outro lado, intervém em esferas até agora consideradas como privadas, isto é, íntimas, e talvez responda mais do que no passado a demandas sobre segurança, algumas das quais podem ameaçar as liberdades. Portanto, necessitamos inventar novos vínculos entre a laicidade e a justiça social, assim como entre a garantia e a ampliação das liberdades individuais e coletivas. Artigo 18º: Ao mesmo tempo em que existe uma vigilância para que a laicidade não adote, neste contexto, aspectos da religião civil ou se sacralize de alguma forma, a aprendizagem dos seus princípios inerentes poderá contribuir para uma cultura de paz civil. Isso exige que a laicidade não seja concebida como uma ideologia anticlerical ou como um pensamento intangível. Além disso, em contextos onde a pluralidade de concepções do mundo se apresenta como uma ameaça, esta deverá aparecer como uma verdadeira riqueza. A resposta democrática aos principais desafios do século XXI chegará através de uma concepção laica, dinâmica e inventiva. Isso permitirá que a laicidade se mostre realmente como um princípio fundamental de convivência.
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