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Estudos de Lingua Oral e Escrita (3, 5, 15)

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As narrativas na conversação (2), Íalas repro-
duzidas e falas pfessupostas
As falas reproduzidas
Continuamos neste texto a examinar o problemas de narrativas inseridas
na conversação, rtilizando documentação do projeto de estudo da norma lin-
güística urbana culta de São Paulo (Projeto NURC/SP).'
como vimos no artigo anterior desta coletânea, narrar fatos durante uma
conversação constitui um dos muitos recursos de que os falantes dispõem para
referir-se a eventos passados que tenham relação com o tópico em desenvolvi-
mento. A história narrada pode ser coerente com as falas que se seguem ou
pode vir a tornar-se um artifício para a mudança de tópico. euase sempre
funciona como uma ilustração, justificativa ou avaliação das idéias desenvolvi-
das pelo falante na conversação. Para fefferson (197g:220), a ocorrência das
narrativas na seqüência de turnos de fala pode ter dois aspectos discretos:
(...) I ) a história é "disparada" durante o curso de uma conversação turno-a-turno,
isto é, algumas coisa dita num momento particular na conversação pode lembrar
um interlocutor (falante ou ouvinte) de urna história particular que pode ou não
ser "topicamente" coerente com a fala em desenvolvimento; 2) a história é metodi-
camente introduzida durante a seqüência da conversação turno-a-turno. Isto é,
técnicas são usadas para desenvolver uma relação entre a histór ia e a falaanterior e,
dessa maneira, calcular e estabelecer a "apropriabilidade" do ato de contar a história.
As narrativas são "disparadas", pois, por mecanismos de associação de idéias
e podem vir precedidas de "marcadores de início de narrativa s" (me lembrei
que, eu me lembro quando, isso me faz lembrar, nno posso me esquecer de, me
lembro disso como se fosse hoje, etc.
Este artigcr se utiliza das gravações dos diálogos n.o 62,255, 333 e 343, publicados em castilho
& Preti (orgs.) A linguagem falada cuba na cidotle de Sao Paulo 
- 
Ditilogos entre dois ínforman-
Íes. São Paulo: T.A. Queiroz: FAPES| 1987, v. IL
EsruDos DE Lírrrcun OnnL E EscRtrA
As narrativas podem ser anarisadas no contexto conversacional sob váriosaspectos. podemos fazê-ro do ponto de vista de sua estrutura, observando comose constrói a sintaxe narrativa (cf. Labov, rgTg).Assim, é possíveÌ ver suas vá_rias partes (resumo, desenvorvimento, avariação, concrusão,'roìos ,"pr"sentadasao nível da frase.
Podemos estudá-las, também, dentro do macrocontexto da conversação,procurando vislumbrar seus aspectos interativos: porque ela é,.disparada,,; comose torna um processo discursivo com a participação dos interl,ocutores; comoseus pormenores correspondem a uma avaliaçào do narrador, tarrao em contaos objetivos na interação;porque determinado tipo de rru.rurià é empregado;como serve de meio para atingir a certos 
fns n1;""";;ç;;, etc. Esses aspec_tos, entre outros, correspondem a uma visão da narrativa dántro da rinha daAnálise da Conversaçâo.
uma abordagem interacionar da narrativa na conversação não pode igual_mente dispensar aspectos semântico-cognitivos, estudando_se a relação entrea realidade passada e a forma como é trãnsformacla em narrativa:
contar histórias nos dá uma excelente oportunìdade de ..corrigir o destino,l demonitorar-nos a nós mesmos' agindo de acordo .o- u i-ug.-";"" uma pessoatem de si mesma e quer impoiaos outr
narrador é um deus, no sentid-o d. q'...iuï',rl;,ï;.ïJ:'.ïfff.:i::ïft"ïÍ:
que partilha, no momento da narração. (Gulich A, quurtfrotr,lóUà, ,rrl
considerando-se a interaçào conversacional, a narrativa pode formalmen_te apresentar-se, conformevimos no artigo anterior, de três manelras distintas:sob a forma de uma reprodução (repkyiïg conversational rmrrative); sob a for_ma de uma notícia (report);ou sob a io.riu de uma afirmação (statement).Do ponto de vista interacionar, não é indiferente a .o,ru.r*çao o uso de,m tipo ou cle outro na.narrativa. A reprodução, enl que se objetiva mostrar aoouvinte os fatos passados como se ar,ìrrarra- acontecendo, com pormenoresque fluem na "cena", convém a situações de interação menos tensas, a temascomuns e familiares, a interlocutores que têm maior intimidade entre si, o quefavorece o uso expressivo de certos recursos pero narrador, como o discursodireto, as variações entonacionais, as imitações de voz, o emprego do presentehistórico para dar a idéia de permanência no tempo, etc. Nesse tipo de narrati-va é possível deixar mais claros os mecanismos avariativos do falante, evicren-ciando certos pormenores em detrimento cle ontros.
29
30
DrNo Pne rr
Exemplo I
ftÏ:rït está dando dinheiro agora... deixou de ser Bolsa n é? agora éconstrução...
L2 Bolsa caiu...
rt::il"*:ï:ï.nós estávamos tendo uma aula e a pessoa farava né?.....não vocêsiarde,rr"r.i"-"ïï'J;:';'iïïïï1ri::ïli:f*i:,"ï'jfi**ïïf 
Xïfaço agora né? caiu tudo q"; i";;i."*"t. 
. gSmo é que eu vou viver merhordaqui uns anos se eu não tenho mais naãa hoje?'i.. ele farou,.é... não sei sãoprobremas que estâo-acontecendo 
. 
"ingìun' entende nada do que estáacon recen do':.. ( NURC/SP OZ OZ, I inhaï- 693 _7 0 5),
Esse exemplo nos permite observar argumas características da narrativatipo reproduçao' Inicialm**, 
"-", 
ìr" 
"" 
,.t "disparada,, a partirda men-ção da palavra bolsa, confirmada p"tã-o.rrrirrt:. E_ seguida, vemos que onarrador "avaria" certos por-".ror., do acorrtecimento rJferidá. Ere pretende.:- r-.u diálogo reproduzido 
.olo.u..*l
situação 
..ono-mi.u, exempÌificadu rnoruror.",tlultta 
sua perplexidade ante a
observe-se, também, que a cena revivida Ji'ffi:ï"h'#"ï:ïïïff:,ï
llrffi5:ilïiïrï"0"-'e admitir que as estrururas no diárogo reproduzido
r.âanotícia,o.,"'iï::;il:Jïi,lfi;.ii*,;:ji;":t**::;
;:ï:Ïã.T:ïf ,'ill*'d"'upu'"'"'":iì"';'"u',i*i" j"-;;;;-narrador
já terminados. AÌém jl":t::ry:tva do presente, considerando-os realmenregüísticas1p.o.",,oàJ'i:ï:il,ffiJ:ïïï,ï:ï'":.il,ï:.f ï"ïï*a:ïït"dl.-.4 etc.), pois a síntese é uma tarefa mu.de falante. _ _ "rlrrvrç v urrra urera murto mais complexa a qualquer tipo
Ëxemplo 2
Ll (...) NUNca:: encr
temer pela própria ,lttttttt 
circustâncias que tenham me feito'.. preocupar:: ou
indiúduoq*ã;;;;".'b.#ïËiïï"ï::,1tï'lilï;lll1iil*;.ïffi ilaéreas foram das mais:: favoráveis pãrriu.-i* como... particularidade curiosa dasminhas viagens aéreas"' eu suponhã que::... ú a mais exótica... foi o fato de eu ter
A transcrição obedece às norm-as do projeto NURc/sB descritas na nota n.o 2 do texto ante_rior' As rinhas mencionadas ,.r...*-..i 
.ãioà. ìJuï,."ar, cirada na nota n.o I deste arriso.
Esru Dos DE LíNcun Onnt r EscRlrA
trocado... o valor de uma passagem por uma palestra a oito mil metros de altitude
... quando do vôo inaugural... da VASP para Manaus... ah o vôo do :: One eleven...
um dos:: diretores da companhia me propôs como:: forma de promoçâo... uma
passagem aérea gratuita... e eu disse a ele que só poderia aceitar se fosse possível
levar minha esposa tamBÉM... então ele disse que nessa circunstância para
justificar perante a companhia a ida... da minha minha esposa... eu teria qtte fazer
alguma coisa pela companhia... e... a/aquilo que o professor sabe fazer... ahn... única
e exclusivamente é dar aula... então ele pediu... que:: eu preparasse uma aula para.'.
apresentar aos passageiros através do... microfone de::... de bordo... (NURC/SR D2
255. llnnas tuJ-z+l
Esse fragmento pertence a uma interação verbal que se caracteriza por um
alto nível de formalidade. É um diálogo tenso, entre interlocutores na diretoria
de um colégio famoso de São Paulo. O falante 1 é um conferencista, escritor,
professor, com grande facilidade em formalizar-se. O segmento narrativo, uma
notícia, se liga à idéia oposta a que o interlocutor 2 desenvolvia, isto é, de que
tivera uma experiência desagradável com viagens de avião. Para contar algo
exótico, Ll encontra nos pormenores da narrativa uma forma de auto-valori-
zar-se perante o ouvinte.
Nas narrativas do tipo reprodução, conforme,também, tivemos oportuni-
dade de ver anteriormente, ocorrem com bastante freqüência diálogos sob a
forma de discurso direto reproduzido. Tiata-se de um recurso que atomiza os
fatos narrados, "refazendo" falas que o narrador teria pronunciado ou ouvido
na ocasião, com as prováveis entonações e efeitos de sentido ocorridos em tor-
no do diálogo. Nessa tarefa o narrador comporta-se como um "ator", reprodu-
zindo no "palco" da conversação as frases que retira da memória. Ou, pelo
menos, quer fazer crer a seu ouvinte que reproduz o que de fato ouviu. Às
vezes, chega a reproduzir o que outros já lhe reproduziram' aludindo a diálo-
gos que não ouviu pessoalmente. Portanto, são artifícios expressivos do falante
e,talvez, seja o aspecto mais rico das narrativas reproduzidas, porque nas falas
é possível avaliar melhor o comportamento das pessoas envolvidas, já que po-
demos fazê-las falarem como hoje desejaríamos que o tivessem feito. Portanto,
o que o narrador reproduz no diálogo pode ser muito mais o que ele, protago-
nista do fato, gostaria de ter dito na ocasião ou de ter ouvido de outras pessoas
envolvidas no fato.
Exemplo 3
L2 em Flori/ em Florianopolis
t
L 1 em Florianópolis
31
32 Drruo pnrrr
L2 onde::..' onde estão as rendeiras sentadas a gente vai passando... de carro e
oìhando em todas as casas... há uma há uma renáeira truUutt 
"rrao 
1it*r.ll é:: é umaé uma velha e:: uma senhora... é uma menina...mas todas as mulheres estãotrabalhando em renda... e::.. então u/ duas delas vieram falar conosco... ela ela disse
assim "ahn dar dona:: ahn:: façavor de me dizer uma coisa... a senhora a senhora vê
novela?"." eu digo "vejo""que que a senhora está vendo?'r..eu estava vendo
aquela coisa... naquela ocasião eu estava vendo uma novela à" rrpi.. ela disse...
"escute uma coisa por favor me diga... a Maria morreu?"... (NURC/sp D2 333,rr-
nhas 416-30)
Nesse diálogo, a falante estava ilustrando com sua história uma idéia que
vinha desenvolvendo: na novela de Tv há uma grandezaque é o fato de que ela
confraterniza todo o país, as mais diferentes classes ,ociair, que num determi-
nado momento param suas atividades para ver o capítulo do dia. observe_seque o diálogo citado procura reproduzir as formas lingrrísticas dentro das va_
riações que teriam sido empregadas pelo falante na ocasião (',façavor,,). As fa-
las se colocam dentro deumframeque indica, inicialmente, afetividade da nar-
radora para com a ouvinte idosa que, por sua vez, adquire um tom suplicante("escute uma coisa por favor me diga... a Maria 
-o.rarr?";. Depois, a narrado-
ra muda para um tom de brincadeira:
Exemplo 4
L2 eu achei essa frase uma coisa comovente maravilhosa... quer dizer oBrasil inteiro estava vendo... pensando ao mesmo tempo ((iindo))...Ll "Maria morreu"...
L2 uma coisa linda né?
t
rnas você veja
L2 disse "não" ai eu respondi ( ) "não... eu eu sei se a Maria morreu ou não
morreu maseunão vou dizer a você... porque lá ern São paulo está mais adianTAda...Ll e voce val { )
L2 uns dois..' uns dois meses e eu vou tirar sua graça ((rindo)) você espera umpouquinho que você vai saber se" ((rindo))
Ll se a Maria morreu ou não (NURC/SP D2 333,linhas 432_45)
A narrativa antecipa a concÌusão desejada pela falante na interação (..quer
dizer o Brasil inteiro estava vendo... pensando ao mesmo tempo,,), a participa-
ção da interlocutora na conclusão do fato e, ainda mais: contèm um potencial
de reportabilidade paÍa a ouvinte, pois se associa a outros acontecimentos que
servirão para comprovar a mesma idéia desenvolvida no tópico. De fato, assim
que L2 termina sua história, Ll retoma com um marcador de início de narrativa:
LI
EsruDos DE Lír.rcun OnnL E EscRfrA 33
Èxemplo 5
i:'i::il'ï:lT;ïïi#ffiïiij quando o;: o chacerer Gibson Barbosa eraBrasília... f f,"rr.li."ìï::;:ïTres.não é? "' éh"' eu estive com ete em
bem qmado...sse)) 
então se dizia Iá que eÌe.._ 
"rr,, 
,, 
""rrJ* :; nr. ia para o ar o
ursentes... 
. d:ï:ìjiHïï::.1#l: dere" ' ai'ì" q"ï.Ëti,'hu d.,pu.ho.
minha cozinheira nâo p*it^ ó ììà";;::':t:':.- eu chegava aqui em casa a
coisa estranh"... 
".;,. ;;;ï,í!,7!!ïrao 
não é? _... enrão eu airiu,._u, e .rlu
naquera hora 
- 
neste Brasil inteiro neste país 
.o.rrirr.n,. nJrì.".*u,o momento...
criaruras_",,0ïÍJ,1ï'.ï::i"ïJ:::,;ïi,i'1,fi 
Ë,ï:f 
,.#,rf 
:,:,ïi,ï::ï.enredo essa história qu. r. p.o..rrã_. fxunclsp 
":rlrì, ì_,rï s 447_61)
'",:â;:l'il:i :'j"iffiï"ïitjï j, I ois, cumpriu to das as exp ectativas da
i*1Ë,.,:ïì"Ìï:ï"0"aidéia.;",;J,o:,,..:ïi1ïïlïïï#;,ïr:i:ïï:ï
p a s s a d o, 0,,.,.u',ffìIJi #ï:ïl J#":*ru;;í:; J't.o, d o i, ra to s d oDependendo do poder de *trtt. 
".àriação dos fatos porparte do narradore de suas quaridades d" "."pr.r"iì"ot"i o" cena rememo.uàu, pode_se dizerque a capacidade de ficção do falante nas narrativas não tem rimites.sob o ponto dlvi1a das estratégiuJ."p."rriuas 
utiÌizadas nus faÌas repro_
iï'.:1ï.ff T;iï:Jnl:i:r*:* j"rrameo,..ã"-,,ì*"-,,a,vez,asua
ção para elas, mostrando que uma aÌreraç;t::-1i*"d:r chega a chamar a aren-
;i;.ï*::, " n, o d er ", rui u,, t". õ;,,,:l ï:l,ï:ffi:l I ï ï: :*,ï:ï ï;
Exemplo 6
1.2 então a Tatá est
você andar nu .iauãlu.ïÏi:iïÏiïdia né? que:: depois das seis horas da noire
rearmenre ach o que ne/ mu ito, ;,.; ;;;,iï,ï..".i:ï,ï:::,*ïilÍ,,:i;econômico maìs atto ne? fNuRêrS;;i';;r,Ìinhas 51_5)
E faciÌ de compreender o mecanismo de preservaç ão da facedo narrador( Goffman, r97 r), se observarm"r-n""'ï àr, ,"or"oïrãu*'rl"ï"J^sentimentode discriminação racial 
". 
..",ru'. pll'irro, .,o leito aeu" t;;'u;" dita, querdizer' a entonação reproduzid.a, 
..ro.rïï'reu caráter marcado e ressaÌva aresponsabilidade do n:ïu.do_. (p"Ì, ;";";, em parte, d.e vez que L2reconhe_ce que' no centro da cidade "-rito pouca gente ainda mora Iá assim de nível
34 Drrrro Pnrrr
socioeconômico mais alto", o que demonstra sua participação no preconceito
da Tatá).
As falas pressupostas
Em outras ocasiões, o falante revela que possui recursos para suprir uma
participação que julga incerta ou insuficiente do ouvinte, na interação. Ou,
então, ele domina a tal ponto determinados momentos da conversação, que lhe
parece melhor, ao invés de entregar o turno, pressupor, ele próprio, ao falar, a
contra-argumentação do ouvinte. Esse fenômeno de antecipação do discurso
de outrem na conversação denomina-se fala pressuposta, que pode ocorrer na
narrativas ou em qualquer outïa parte da interação verbal.
As falas pressupostas podem vir antecedidas ou não de marcadores conyer-
sacionais de pressuposição, do tipo você pode dizer, se você disser, se eu falo, eu
diria, você diria, etc. e podem referir-se ao ouvinte, ao próprio narrador ou a
terceiros mencionados na conversação:
Exemplo 7
Ll (..) numa época ou noutra a tua potencialidade de fazer hecatombe aumenta
né? então você veja a própria bomba atômica né?... no que foi descoberta não con-
seguia arrebentar com o mundo... hoje em dia se eles quiserem já arrebenta... racha
o mundo em dois...assim né? o que não viram na própria bomba atômica... okay?...
então você pode dizer "bom antigamente eu estava com a idéia de arrebentar gente
muito mais do que agora"... mas não interessa eles estão com a potencialidade de
arrebentar maior... pô mesmo sem ser para matar ou não matar... (NURC/SP D2
343, linhas 1705-16)
No inquérito 343 um dos interlocutores, Ll, do sexo masculino, tem uma
participação maior na interação do que L2, do sexo feminino. Esse domínio no
diálogo se projeta, em alguns momentos para as falas pressupostas, que permi-
tem ao interlocutor manter a posse do turno e admitir intervenções supostas,
mais de acordo com a argumentação que vinha desenvolvendo. O recurso é
expressivo a tal ponto que o falante se permite argumentar contra a própria
fala pressuposta, como se fosse uma intervenção do ouvinte ("mas não interes-
sa eles estão com a potencialidade de arrebentarmaior").
A pressuposição pode tornar-se, em alguns casos, um recurso bastante tea-
tral na narrativa do falante, que joga com as variações nas falas, no desempe-
nho do papel pressuposto do ouvinte:
Esru Dos DE LÍNcun Onnl E EscRtrA 3s
Exemplo 8
Ll você entendeu? não está um
suicídio não aumentou mui::to
grau alto... está um grau sei lá... menoÍ... a taxa de
mais?
L2 uhn uhn
Ll porque está num grau mais alto né?... você ficava repressivo assim
L2 mas é que antes outras pessoas
Ll "ai quero me matar" e ficava sozinha na floresta... e chegava a noite "uh uh uh"
você "ah" e corria para casa
L2 mas isso é cultural também M.
t
Ll "ah estou depressivo... deixa eu tomar umas bolinhas..." toma as bolinhas e .'.
tibum ((ruídos)) certo? todos os processos... (NURC/SP 343,D2linhas 1330-44)
Nesse exemplo, temos várias frases pressupostas do ouvinte em meio a uma
narrativa imaginada pelo falante. Note-se que não se trata propriamente de
Lrm turno narrativo, no sentido de uma unidade de discurso fechada que deve
ser respeitada pelo ouvinte. Este sabe que se trata de uma pressuposição ence-
nada pelo narrador e, por isso, tenta por mais de uma vez tomar-lhe o turno.
Embora a pressuposição no ato conversacional ocorra quase sempre em
relação à fala do ouvinte, ela pode também referir-se a um falante impreciso que
passa a atuar na conversação ou até ao próprio falante que está com a palavra:
Exemplo 9
L2 (...) como eu tenho colegas que às vezes não dão um passo... com medo.'. às
vezes eles falam "não... eu tenho tantos filhos... minha esposa... pago aluguel...
poderá não dar certo e ali é um negócio incerto"... que eu acho que seria o tipo da
coisa errada né?... acho que apareceu uma oportunidade... deveríamos aproveitar...
L1 uhn uhn
L2 amanhã ou depoisvocê casavocêvai...ter mais responsabilidade mais... mais medo
Ll uhn uhn é porque você::
L2
t
mais medo
Ll você passa a pensar inclusive em função da sua família também...
L2 entende é mais medo porque você fala ( )"poxa se eu ficar desempregado por
tanto tempo... se eu não tiver uma certa reserva... como é que eu vou me
arrumat?"... (NURC/SP D2 62,1inhas 772-91)
Podemos observar dois casos distintos de falas pressupostas. No primeiro,
o narrador transforma os seus argumentos em falas que oS colegas poderiam
-,,'
36 DrNo PnErr
ter dito a propósito do assunto. O narrador presupõe o que os "colegas" (que,
na verdade, acabam na fala tornando-se um falante individual, identificado
pelo pronome ea) costumam dizer em certas situações. Toda a fala é caracteri-
zadapor uma mudança de frame em relação ao discurso precedente, para mar-
car o tom atemorizado. No segundo, o pronome yocé substitui a forma prono-
minalizada a gente e, portanto, é uma pressuposição de uma fala do próprio
falante que está com a palavra. Trata-se de um recurso puramente expressivo e
uma forma de sair da linha dissertativa para uma unidade de diiílogo simulado.
Embora menos comum, as falas pressupostas também podem ocorrer com
discurso indireto:
Exemplo 10
L1 ele pega o carro esporte e se arrebenta... pega uma moto ( ) e se esbodega
t
L2 aquele exemplo que você cleu... não
necessariamente...... você pode dizer que:: porque o carro esporte é mais perigoso
talvez... mas... isso não quer dizer que o processo nãoval não vai ser transmitido...
você pode dizer que chega uma geração que... é tão forte a coisa que se matam por
exempÌo... mas se isso não acontecer:: a ligação vai ser mantida... (NURC/SP D2
343, linhas 1295-304)
Nota-se que L2, mesmo jogando com o discurso indireto na fala pressu-
posta do ouvinte, não deixa de responder contra-argumentando, o que de-
monstra o seu interesse em manter o domínio do turno (pelo menos num
momento da conversação em que vinha participando, em sobreposição, ten-
tando divergir das idéias do interÌocutor): "talvez... mas... isso não quer dizer
que o processo não val não vai ser transmitido"; "mas se isso não acontecer:: a
ligação vai ser mantida".
As falas pressupostas, conforme estamos vendo, não deixam de ser igual-
mente uma manifestação de poder na conversação, uma liderança de que o
falante não quer abrir mão na interação.
Em conclusão, pode-se dizer que, tanto as falas reproduzidas, quanto as
pressupostas constituem recursoso tipicamente expressivos, por meio dos quais
o falante dramatiza seus argumentos, buscando como um ator colocar em cena
certo evento acontecido ou que poderia ter acontecido. As estratégias de repro-
dtrzir, tanto quanto as de pressupor, dependem da situação de interação, do
tipo de interlocutor, do grau de liderança do falante, de seu papel social em
relação ao ouvinte, de sua capacidade inventiva, muito mais do que da capaci-
dade de memorizar os fatos oassados.
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5
A hesitação no discurso dos idosos
os "idosos velhos" (acima de 80 anos), em virtude de suas características
psicofísicas decorrentes do envelhecimento ou das pressões sociais que atuam
sobre essa classe de falantes, socialmente marginalizada, nem sempre encon-
tram interlocutores dispostos a participarem da interação verbal, ou mesmo,
simplesmente, ouvi-los. (Cf. Preti, 1991).
As gravações realizadas no Projeto de Estudo da Norma Lingüística urba-
na culta de são Paulo (Projeto NURC/sp) e no projeto de Estudo da Lingua-
gem dos Idosos velhos de São paulo (LIV/sp) demonstram que esses falantes,
em geral relegados ao silêncio pelas pessoas com as quais convivem (a .,suave
violência do silêncio'] referida por winkin,lggl), passam para um comporra-
mento de grande loquacidade, quando têm a oportunidade de se fazerem ou-
vir com atenção pelos seus interlocutores.
Para entender por que o idoso se marginaliza na conversação, é preciso ter
em mente que o processo de envelhecimento adiantado prejudica as habilida-
des de comunicação, pois a conversação, como um jogo, possui regras e con-
venções marcadas e, não raro, negociadas previamente entre os interlocutores,
de acordo com os parâmetros culturais de uma sociedade..
uma das causas que colaboram para o desinteresse dos falantes de outras
faixas etárias pelo discurso dos idosos é que o envelhecimento se manifesta
com intensidade sobre as reações psíquicas, sobre o poder de reflexão e análise,
sobre a capacidade comunicativa e receptiva, gerando uma natural lentidão no
"idoso velho'] que impede o processamento, recepçào e compreensão das in-
formações, numa velocidade compatível com os padrões conversacionais dos
demais falantes. Helfrich (1979:8) refere-se a estudos que demonstram que,
"em idade avançada 
- 
65 a 90 anos 
- 
as pausas tendem a aumentar, enquanto o
tempo de articulação tende a decrescer". Nas sociedades urbanas, em especial a
sobrecarga das atividades reflete-se consideravelmente na pressa de comuni-
car, na necessidade de uma compreensào mais âgilerâpidapara poder interagir
com eficiência na conversação. São características, em geral, ausentes nos "ido-
sos velhos", cujo discurso é marcado pelo excesso de pausas, decorrente das
hesitações.
.
"+L'"
48 DrNo Pnrrr
o fenômeno da hesitação na linguagem faz parte,em maior ou menor in-
tensidade' de qualquer tipo de falante, de qualquer faixa etâria,em quarquer
situação de comunicação. euase sempre é um problema de memória, mas pode
refletir o precário domínio, pelo falante, do assunto desenvolvido na conversa_
ção' Assim, podemos tomar, ao acaso, exemplos de discurso de jovens ou deidosos: I
Exemplo I
L1 e::: sempre... quem manda é::...
segundos) especulação imobiliária
anos, masculino)
(4 segundos) os... a:::... 
- 
como é que se diz? ...(5
né? (Nuc/sB 343D2,linhas 7|-g,falante d,e26
Exemplo 2
Ll. a ganga regra geral::... (2 segundos) é::...(3 segundos) vemos ver se tem uma
coisa que::... (2 segundos) era uma espécie de de de de de de de de de:: _ como éque se chama esse negócioaqui:: meu Deus do céu? (3 segundos) esta:::... ( 4
segundos) (NURC/SR 396 D2,rinhas 734-37, falante de g"r anos, mascurino)
Ë,xemplo 3
L2 ai jánão sei já não entrei::.'. (2 segundos) porque lá es/ éh:::... (2 segundos) tem oskren-akarore não sei mais o que mai são,::... iz segundor; t.ibo, urrià que têm mais
ou menos a mesma estrutura todos no no... AIto Xingu eu acho baixo não sei... (2
segundos) e'.. (2 segundos) aí eu não entrei... (NunÕsp 343 D2,linhas 750_55,falante de 26 anos feminina)
Enquanto os dois primeiros exemplos refletem casos típicos de falhas mo-
mentâneas de memória, o último mostra o desconheci-errto do assunto porparte da falante. Nos três, os alongamentos de sílabas, as pausas de maior ou
menor duração, as repetições contribuem para o processo de disfluência, em
nível discursivo' e de ruptura dos segmentos, em níveÌ sintático.
os exemplos I e 2 revelam, ainda, o pedido de coraboração do falante (por
meio da intercalação de uma parentética: "como é que se diz?,' ;..como é que
chama esse negócio aqui:: meu Deus do céu?"). Ele pretende o auxílio do ou-
vinte para a lembrança da palavra esquecida. Tiata-se de um caso curioso quebem demonstra como, às vezes, o falante, depois de tentar conservar o domí_
nio da palavra' procura realizar uma entrega de turno controlada, apenas para
que o interlocutor colabore momentaneamente, o que pode nem chegar a ocorrer.
ll"1otot retirados do corpus NURC/SB publicado em castilho & preti (r987) . A linguagem
falada culta na cidade de são pauro 
- 
DìáIogos entre dois informantes.são pauro: T.A. eueiroz:FAPESP. v. II.
EsruDos DE Lírrrcun Onnt E Escntrn 49
Apesar de comum em todos os falantes, a hesitação ganha maior freqüên-
cia no disCUrsO dos "idoSOs velhOs", p6rque, confOrme sabemos, O proCesso de
envelhecimento prejudica gradativamente a memória (e, com mais intensida-
de, a memória dos fatos recentes) e a audição.
A hesitação pode manifestar-se de três formas:
1. pela repetição de um mesmo vocábulo seguidas vezes;
2. pelo alongamento de sílabas, seguido de pausas de menor ou maior duração;
3. pelos marcadores de hesitação: éh, éhn, ahn' uhn, agora, digamos, mas, etc'
Exemplo 4
Ll meias de seda... marca Águia que eram as mais finas
L2 uhn:::...
Ll eram as mais finas... e:::... vestidos de :::". vocês usavam vestidos parapara
parapaÍabaile de organdi... regra geral...
L2 éh::
L1 de organdi... ou::... outros tecidos que desapareceram como::... o::... digamos...
o:::... o voile... o voile de lã... (NURC/SP D2 linhas 90-7, falantes com mais de 80 anos)
Podemos observar, nesse exemplo, as hesitações que ocorrem pela repeti-
ção de preposições (para) e do artigo (o); pelo alongamento de vogais do arti-
go (o:::), preposição (de:::) e conjunção (ou:::); pelas pausas que se seguem a
esse alongamento; pela presença dos marcadores de hesitação (éh, digamos).
Em todos esses momentos, o falante está buscando o vocábulo esquecido na
memória ou a forma de continuar sua frase; enfim, ganhando tempo e man-
tendo o seu turno.
Essas características influem sobre o andamento do discurso, cujo ritmo se
torna desigual: às vezes, lento; outras vezes' rápido em seus arrancos.
A hesitação pode também ser responsável pelo fenômeno da reformula-
ção, muito comum na língua falada. O exemplo anterior pode, ainda, ser lem-
brado: "... e:::... vestidos de:::... vocês usavam vestido para para para para baile
de organdi..." O esquecimento momentâneo do vocábulo organdi faz o falante
abandonar o segmento que iniciara ("o vestido de:::...) reformulando a frase,
na qual o vocábulo aflora, ao final.
A freqüência da hesitação no discurso dos "idosos velhos" revela, paralela-
mente, apesar das falhas da memória, uma preocupação em manter o turno' o
que nem sempre acontece. O interlocutor facilmente interfere, toma a palavra
ou, se for seu desejo apenas colaborar, vale-se do recurso do engate2 para com-
pletar o pensamento do falante que estava com a palavra:
2 O engate ocorre, quando o interlocutor'
da pelo falante que está com a palavra'
reconhecendo a estrutura que está sendo desenvolvi-
resohre completá-la, antes que ele o faça.
50 Dlruo PnErr
nao pagava porque vovó tinha casas
o::...
t
Macedo Soares(NURC/SP 396D2,linhas 1097-1 100, falantes com mais de B0 anos)
As hesitações podem conduzir, também, a outras alterações em nível dis-cursivo. Assim, nos assuntos que envolvem posições conflitantes entre os inter_locutores são comuns as repetições hesitantes, as pausas, os alongamentos, àsvezes, em busca do eufemismo salvador. É o que ocorre, quando os idosos in_teragem com jovens e precisam manifestar sua posição contráriaà mudançados costumes, por exemplo, em particular, no campo da moral:
Exemplo 6
Ll o rapaz iria iria iria tirar uma moça... ele estava sujeito a levar uma tábuamesmo...
Documentadora ((risot t
Ll estava sujeito a levar porque as moças... eram muito mais... mais:::... bom oscostumes eram muito ma/ evidentemente
Doc.
Ll muito mais
Doc. sei
Ll mais severos... do que hoje...
Exemplo 5
L2 quando ficou viúva... e::: mas você
depois... você cedeu a casa::... para o:::
L1
(NURC/SP, idem, linhas 269_80)
Nesse fragmento, o farante procura um adjetivo que qualifique a moral desua época, quanto às relações sociais entre o homem e a mulher. Tiata_se deum ponto da conversação que lhe causa certo constrangimento, porque aDocumentadora é jovem e, no fundo, há uma crítica verada ao comportamen-to da mulher moderna. Ele mesmo dirá, em outro momento, ainda com certahesitação, que "tinha... algumas moças que:::... que eram bem mais Ìevianas...
mas era muito raro... muito raro...,'
o inquérito NURC/SP D2 396, que nos está servindo de principal basepara as considerações deste artigo, apresenta 316 0corrências de hesitação, as_sim distribuídas em relação ao ponto em que ocorrem no discurso dos idosos:
EsruDos DE LÍr.rcun OnnL E EscRlrA
Esse quadro permite-nos concruir que opredominantemente nos seguintes pontos do
fenômeno da hes rtação ocorre
discurso:
depois dos determinantes de nomes
na frase e 7o/o após o verb o ser,totali_
51
,r"J:*l::s 
dos nomes (substantivos); ou antes dos adjerivos em função
Assim , 3lo/o das ocorrências se dão(artigos, adjetivos) em qualquer posição
zando 3\o/o das hesitaçÕes:
Exemplo 7
L2 tinha uma uma umas primas (NUC/Sp, idem, linha 764)
Exemplo g
.*i.,túïï:fïïï:*Jï,ïíï.ï,ïï#estão de corete e:: nos no no no::::noste... (NURC/Sp, idem, linhas 6l_4) tos assustados não tinha qualquer toale-
Exemplo 9
Ll mesmo essas essas:::... firmas como La Saison e ouftas... (NURC/SB idem, ünha g9l )
Exemplo l0
Ll então o guarda cívico quase todos eles .r1l'-"flrrr eram:::... era::::... portugueses...QUAse Todos eram portugueses... (NURC/SR idem, Ìinhas 327_g)
3:.npOr as preposições, interrompendoHá |4o/o de ocorrí
ção de: 3ncias na g,uuuçao,."lïlï:ïïJ:t:Ë-"ïui,"po,i-
N.o de
Ocorrências
Local do discurso
9B
21
21
61
46
11
9
15
25
9
Depois dos artigos
Depois de pronomes adjetivos
Depois do verb o ser
Depois das conjunções
Depois das preposições
Depois de outros pronomes
Depois de outros verbos
Depois de advérbios
Depois de marcadores de hesitação
Em outros pontos
31
7
7
19
I4
3
3
5
B
3
52 Drno Pnrrr
Exemplo 1l
Ll nunca freqüentamos:: essas soirées assim de::... do Clube Internacional ou desses
cÌubes assim de... dos grã-finos (NURCiSR idem,linhas 508-10)
Exemplo 12
Ll essa guarda-civil que existiu até há pouco tempo... foi feita exclusivamente paÍa
recepções... e teatros... não tinha outra função ... depois passou a... a a a exercer
o::... a fiscalização de rua... (NURC/SR idem,linhas 331-5)
3. Depois de conjunção, na complementação de um segmento do discurso
ou no início de um novo tópico.
No diálogo examinado, o predomínio é da conjunção coordenativa e, num
total de l5o/o para l9o/o de ocorrências de conjunções.Exemplo 13
Ll ... houve a::... a invaSÃO:: de São Paulo... por... por por pessoas:: não só de
fora... principalmente de fora... cresceu muito depois da guerra... imigração... e::::...
e do norte sobretudo do norte... (NURC/SP, idem, linhas 62I-5\
Nesse trecho, com muitas hesitações, observa-se o alongamento e pausa
prolongada depois da conjunção e que inicia a informação final que completa
o tópico ou subtópico que o falante vinha desenvolvendo.
Um dos momentos freqüentes de hesitação com a mesma conjunçào ocor-
re na rememoração das datas em que se deram os fatos:
Exemplo 14
Ll o:::: sírios já foram modificando um pocadinho o::... o o::: sistema de negócios
mas até mil novecentos e... e::: vinte::... (NURC/SR idem, linhas 672-4)
Exemplo 15
Ll por volta de mil novecentos e:::.. . talvez mil novecentos e::
L2 e vin::te...
t
Ll e TRInta e que começou com:: como... passou a a a ater tecidos... (NURC/
SP, idem, linhas 843-7)
A dificuldade em precisar o tempo passado causa a hesitação que, às vezes,
não se resolve nem com o "discurso a dois", isto é, com a colaboração do inter-
locutor.
Uma comparação entre as ocorrências em inquéritos NURC/SP de 4 dife-
rentes faixas etárias, acima de 80 anos ( "idosos velhos", inquérito 396), de 60 a
80 ("idosos jovens", inquérito 333) de 36 a 55 (inquérito 360), de 25 a 35 (in-
Esruoos or Lítcun Onnl e Escnrrn
quérito 343), veriamos que a média de hesitações se revela bem mais alta
primeiro grupo:3
53
no
\.o do inq. Tempo N.o ocorrências o/o por minuto
396
333
360
343
75 min
57 min
66 min
B0 min
3r6
r39
73
87
4,2r
2,43
1,10
1'08
Poderia parecer, a princípio, que o fenômeno da hesitaçào também interfe-
riria na densidade das frases e no volume de palavras empregado no discurso.
Mas essa constatação demandaria uma continuação deste estudo, com um le-
vantamento mais exaustivo de dados, compreendendo inquéritos das várias
faixas etárias.
uma amostragem pequena tornou-se irrevelevante nesse sentido, quando
nos utiÌizamos de 3 inquéritos: 396 ( acima de g0 anos),360 (acima de 36 anos),
62 (26 anos):
\J.o irq. Tempo N. o de palavras o/o por minuto
396
360
62
75 min
66 min
87 min
r0.336
9.648
rr.370
r37
146
130
Esse fato, talvez, pareça demonstrar que os idosos possuem mecanismo
compensatórios em seu ritmo de fala, isto é, momentos de lentidão se alternam
com outros mais rápidos, pois esses falantes, normalmente, costumam falar
aos arrancos.
O Projeto NURCiSP só abor da 3 faixas etárias: 25-35; 36-55; acima de 56 anos.
15
Estrategias conversacionais no
dialogo de ficção: em busca de uma
teoria da "conversação fite raria"
Âs gravações em fita magnética e, ffrais do que elas, as gravações de údeotêm possibilitado, hoje, rr-u áo.u-entação bastànte 
"n.i"ri"áu interação ver_bal na conversação ,trazend.o para aanálise ringüística a reprodução dos atos defala tal como se realizaram.
No entanto' sabemos que nem sempre podemos ter à mão esses instru-mentos tecnorógicos para documentar características da conversação e, nãoraro' recorremos à nossa memó ria parareproduzir 
.rrru,egiu, áiscursivas ou adocumentos escritos da mídia o, à" fir".utura, para exemplificar nossas teo_rias' Assim, se fizermos um levantamento dos textos lingüírii.o, qrr" tratam deproblemas interacionais na ríngua falada,vamos encontrar um grande númerode diálogos escritos publicadoJpera imp.ensa, transcrições de entrevistas, crô_nicas etc., bem como muitos textos lite;ári
rsroparanãofalarmosdaexemplio*rr"i,*'ià:'^:::iï;:,*H:rïrt:rftï"ï
drinhos' à propaganda, tambéÁ pr"r"r*, ,u documentação de textos farados.Quer dizer, podemos entender cada uma dessas fontes como repositóriosde modelos falados, de esq-t,emas de dialogos reais, guardados na memória dequem escreve com indicação' não raro, doìue podemos chamar de estratégiasconversacionais.ETas podem resurtar das intenções que precedem o ato conver_sacional ou de alterações ocorridas durante o seu andamento. Referimo_nos auma estância pragmática' que pode ser reverada p"ro .ru.rJo, o,, p"to, pro_prios interlocutores, ocasionanào possíveis alteraçoes de seu .o-portu_".rtoverbal. são formas que os farantes prurrelu- no início ou durante o andamentodo diálogo para expressar ou não o que realmente pensam; para se fazeremcompreender de uma maneira qtle lh"s interessa; para ocultarem intençõesnão explícitas em seus atos; para revelarem sua aproximação ou afastamentodo interlocutor; para buscarem 
.o-p.""nrão ou entendimento; etc.Goffinan (i9g9) cunhou' com propriedade, de "modus vivendiconversa-cional" o ato de os interlocu,o.", pr*.ràr",. irrt.rugi., 
.rriturrdo 
.orrflitos (que,
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152
Dlruo Pnrrr
apesar de tudo, podem ser, às vezes, a intenção dos farantes ou de um deres),choques decorrentes de possíveis p;;;; ., sustentação daface.rais estratatégiasconversacionais, também, podem estar presentes na escrita e, não raro, as en_contramos no contexto da "conversuçat nt.r,i.i;;;;mentos que nospermitem compreender merhor o p"rfiipsicológico dos interrocutores, seu reaÌestado no diárogo, justificando as tecnicìs hngüísticas que empregam para abor_dar certos temas, influir sobre o .;;r., reverar poder ou submissão, dar rea_
l,*l*t:*'J::,:;: escondem;;;' de espirito -,,i,o air",entes do que
Intervenções oportunas do narrador.
recerosft açosda,;,:";*;;:;,;ffi ï:ï"t1ï:,ti.,i:ill,lLJ,',ï"ï:ï:ï
conscientemente pelo narrador, dírante o rerato,' (urbano, 2000:2r),eremen_tos pragmáticos fundamentais para percebermo, ;;r;;ì;;ãï'.or,rr.rrucionaisempregadas peras personagens, as marcas de interativi a^a""o" alaogo de ficção.Este artigo decorre de um projeto que pretende mostrar caminhos paradescobrir' no diárogo riterário, porrtu"irt rquemas conversacionais, que se re-velam na construção de textos á" n.fio"irtas brasileiror,.- l.rro, momentosde sua obra, considerado o contexto trriori.o-..rrturar que os autores descre_vem e os modelos de competência comunicativa que i"r..i".J"*m e atribuema suas personagens.
Daremos preferência aos romancistas conhecidos pera sua hab'idade naconstrução de suas o::r^.ïï*r, cuja linguagem se revela um dado imporrantepara a compreensão das cenas e dos fatos em que se envorvem. por uma ques_tão de espaço' vamo-nos ater, aqui, apenas à análise de exemplos do romanceCaetés, de Graciliano Ramos, putn.uão ,ro irri.io da década de 30.
1. Uma teoria da ,tonversação literária,,
Ao situarmos nosso tema dentro dos rimites da prosa literária, somos ime_diatamente tentados a discuti-ro 
.- pi;;;; estéticos, ou seja, não apenas refe_rentes aos movimentos riterário, o.rà determinado 
_"_;";.listórico e suaconseqüente ligação com os estilos de época, mas também às próprias relaçõesentre arte e realidade, entrando 
.- probr"-as de teoria riterária, como a veÍos_similhança entre o texto criado 
. o, furo, reais que podem ter-lhe servido debase' Dizer que esses problemas podem ficar alheios à análise de nossos mode_los de conversação 
'"riuigrrorut; "-;iiü" o. rrrfo.-ações de que o analistada "conversação literária"-deve 
-r"t^a, O".u .oapr""nder as estratégias con_versacionais' Mas não é por essas tt'hu. irr. pretendemos caminhar aqui.
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ração
1,
Qr
algur::
canl. -
EsruDos DE Lírrrcun Onnl E EscRtrA 153
Por outro lado, em momento algum queremos afirmar que os dirílogos de
ficção podem representar exatamente a conversação natural, cujas marcas mais
autênticas (marcadores conversacionais, hesitações, frases incompletas, repeti-
ções, sobreposição de vozes, etc.) nem sempre se revelam nos textosescritos,
pois uma tentativa de mera transcrição da fala poderia não coincidir com a
expectativa do leitor de um texto literário.
Mas as personagens literárias poderiam revelar em seu diálogo estratégias
comunicativas ideais, surpreendendo-nos pela forma como expressam, simu-
lam ou escondem suas intenções; como marcam com suas palavras uma apro-
ximação ou um distanciamento de seu interlocutor; como fingem camarada-
gem ou revelam hostilidade; como chegam por meios verbais diferentes ou até
pelo próprio silêncio aos mesmos fins; como se tornam intencionalmente cla-
ros ou obscuros no que pretendem comunicar.
os dirílogos construídos na ficção podem operar, às yezes, por padrões ideais,
revelando-nos de forma mais precisa as ligações entre estados interiores das
personagens e sua expressão verbal, pois informações contextuais do narrador
esclarecem-nos' quem sabe com mais precisão, os reais estados psicológicos
das personagens ao articularem certas estratégias na conversação. Não se trata,
evidentemente, de vermos em tais textos formas mais ',corretas,, de falar na
linguagem natural, mas, sim, de encontrarmos modelos mais eficientes de co-
municação em busca de certos fins.
Nesse sentido' como reconhecem Tãnnen e Lakoff (1994:139), acostuma-
dos à aniílise da conversação natural em fitas de gravação, .,somos atingidos
freqüentemente de um modo perverso pera sua aparente falta de naturalidade,
pela sua dificuldade em ser compreendida. comparada com o diálogo numa
peça ou num romance, a conversação natural nos atinge com o que não espe-
ramos, não operando por um padrão preconcebido."
o conhecimento de exemplos de conversação, interiorizados pelos escrito-
res em várias épocas e expressos na linguagem de suas personagens, poderão
conduzir-nos, pois, à revelação de estratégias conversacionais, que podem apro-
ximar-se ou não da fala natural ou até figurarem como modelos de uma inte_
ração ideal.
1.1. Os fatores extralingüísticos
Quando analisamos uma conversação naturar sempre devemos ter em conta
algumas características ligadas aos interlocutores ou às condições que os cer-
cam, enquanto interagem:
-ítb
.,,Èllt
)(t
154
Dlr.ro Pnrrr
Pode-se fazer a análise das variações de comportamento lingüístico dos falantes,tomando-se como base as variáveis sociais, considerando-se, nos farantes, a suafaüa etária, sexo (gênero), profissão, escolaridade, origem geográfica, bem comosuas variáveis psicológicas, seu tipo de pessoa que explicarìa Ãuitos aspectos desua linguagem, como' por exemplà, ,.,, .it-o di uoz.il;;;;rì;;;es, associadas àsituação de comunicação, isto e, ar .orraiçã.s em que se desenvoive a conversação(local, grau de intimidade entre ot ra*i.r, tema etc.) poderiam fornecer pistaspara uma análise próxima da realidade do
1*? f f *ã ãu,,in.u., u " ri,,;"s; :;ii ï,ïï::i Jïffiï: .ï ïi.ï
Da mesma forma, no diárogo riterário, o contexto e a qualificação das per-sonagens poderão facilitar-nos a compreensão da linguagem ut'izada. veja-mos' este fragmento de diárogo .- q.r., entre os vários interlocutores, um épromotor público. Durante a interação, que ocorre num salão de bilhar, elepretende valer-se de sua condição profissional, para justifi.u. ua, .r.udos quecometera e que resultaram na liberdade de um criminoso:
Ex. 1
- 
Continuamos nós? perguntou o italiano
- 
Não vale a pena, respondi. Seu Silvério, o tempo.
E, recolhendo o troco:
- 
Sempre os senhores puseram na rua o Manoel Thvares, hein?
- 
Eu não! Exclamou o Dr. Castro. Foi o júri.
- 
O júri? Estranhei. O senhor tambérn. Érta urrto. O senhor apelou?
- 
Não se afobem, 
-..r'"-,g*. c;;;;;. i'_.j
- Quem é que está brigando, seu Varejão? Retorqui de mau modo.
- 
E que os senhores conversam aos gritos. E o Neves passou uí._ f..nt., pu.o.,acolá na esquina' euando andarem rï*ir*a1, não vão pensar que fui eu.
- 
E: r:*oljulga que eu me importo com o Neves? Não me importo, não tenho
il:1ï.j|}ï'ft dele nem de ninguém, u*a.i .o- i*; ;";l'i,'fï.qu.,oao,
- 
Exatamente o que ia dizer, declarou o Dr. castro. Não tenho medo de ninguém,nem do Neves nem d1 ninguém. De ninguémr renho a minha consciência. Era oque eu ia dizer.A minha consciência. E sãu bacharel.
- 
Ah! É bacharel? Meus parabéns.
E olhei-o com escárnio por cima do ombro do pa5çeu1, que se meteu de permeio.Aparentando calma' comecei a escovar u goiu ao paretó, esforçando-me por terfirmes os dedos, que tremiam ligeiramentel
-João Valério, gritou Isidoro cot raiva, você vem ou fica?
- /á vou, Pinheiro. Foi você que perguntou ao Dr. castro se eÌe era bachareÌ? Eu nãofui. Foi você, pascoal? Foi o senhor^"" V"*;rã? Tâmbém não foi. Está ai.
berr:
conl
ocul
Pain
ïTì O t.
rio r;
\rO q.l
I
pela
ESTUDOS DE LÍrrrCUN ONNI E ESCRITA
o Dr' Castro deu dois passos, apoiou a mão gorda na tabela do bilhar:
- 
Senhor Valério!
- 
É discurso?
- 
Com mil diabosl Exclamou Isidoro.
-,Não, senhor' gaguejou o promotor roxo. Não sou nenhum tolo, está ouvindo? Enão tenhomedo de ninguém, compreende? Nem do senhor, nem do Neves, nem deninguém. Não sou nenhum tolo.
- 
O senhor disse.
- h. Era o que eu que ria dtzer. E a
- Qual consciência! Soltou Manoel
se. Ora consciência!
minha consciência é limpa.
Tâvares porque lhe mandaram que não apelas-
- 
consciência' sim senhor. consciência! E nào admito. sou amigo de todos, nãogosto de questões, mas nâo admito. Nas atribuiço.r in.r.ni.r;;4" cargo... E istomesmo' está certo. Tenho integridade, não vergo, tenho... tenho integridade.
- 
Bonitol Recebeu ordem...
- 
Não recebo ordem, não me submeto. Firme, entende como é? Escravo da lei, fiquesabendo. Comigo é em cima do direito, percebe? Desde pequeno. a mintra viaa ecÌara. cabeça levantada, com desassombrà, na trilha do dever, ali na linha reta, com_preende? Ora muito bem. Não ando seduzindo mulheres .";"ã;. '
- 
LOmoí
- 
É isto mesmo' Não vivo com saltos de pulga, ninguém encontra em mim rabo depalha. Amigo de todos, mas com seriedàe, sem maroteiras.
- 1.::) O que eu quero é que este idiota me diga...
- 
Idiota é sua mãe.
-... 
quais são as maroteiras minhas que eÌe conhece.(Ramos, Graciliano. Caetés p.lg}_l)
Pelo contexto da narrativa, sabemos que /oão varério, o narrador e tam_bém principal personagem da históriu, é .rL modesto 
.o.rtudo, que se envolvecom Luísa, mulher de Adrião, em cujo armazémtrabalha. o .o-u.rc", embora
ocultado pelos amantes, acaba motivando desconfianças na pequena cidade dePalmeiras dos Índios, onde vivem. Algumas personagens, entre as quais o pro-motor castro, procuram valer-se das suspeitas para acusar Ioão varério. poste_riormente à cena que citamos, que termina numa tentativa de agressão, o ad-vogado encaminhará uma carta de denúncia a Adrião.
Há algumas características da linguagem do Dr. castro que se expricampela sua profissão:
- 
A minha consciêncial E sou bacharel.
- 
Nas atribuições inerentes ao meu cargo...É isto mesmo, está certo. Tenho integri_dade, não vergo, tenho... tenho inteeriãade.
155
156 Drruo Pnrrr
- 
Escravo da lei, fique sabendo. Firme, entende como é? Escravo da lei, fique saben-
do. como é em cima do direito, percebe? Desde pequeno. A minha viáa é clara.
cabeça levantada, como desassombro, na trilha do ãever, ali na linha reta. com-
preende? Não ando seduzindo mulheres casadas-
- 
Como?
- 
É isto mesmo. Não vivo com saltos de pulga, ninguém encontra em mim rabo de
palha. Amigo de todos, mas com seriedade, sem maroteiras.
como foi pego de surpresa por foão valério, que já o provocara antes, pois
reconhecia nele um homem que se defendia mal, recorreu à acusação moral,
valendo-se de um conhecimento partilhado pelo interlocutor, embora só hou-
vesse suspeitas sobre o caso amoroso.
A sua constante referência à lei, ao direito, à sua condição de bacharel, sua
propensão para o discurso marcam bem sua linguagem como própria de um
homem que trabalhano júri.
Por outro lado, a provocação de João valério se deve menos ao seu senso dejustiça do que ao fato de o Dr. castro ser o futuro genro de Nazaré, seu conhe-
cido, que revelara em cena anterior, por meio de indiretas, ter conhecimento
de seu caso com Luísa. Não podendo vingar-se de Nazaré, passara a provocar o
Dr. Castro.
vemos, pois, que o levantamento das variáveis socioculturais das persona-
gens' seu tipo psicológico (valério, poï exemplo, é um tímido e essa condição
se evidencia na sua insegurança e formas indiretas de acusação), bem comojustificativas de ordem pragmáticas, relativas aos fatos que lhe antecedem, nos
permitem compreender melhor o comportamento verbal dos interlocutores.
Mas, ainda assim, é insuficiente para analisarmos as estratégias conversacio-
nais de cada um, durante a interação.
Além disso, é importante na interação que o falante conheça o estilo nor-
mal de seu interlocutor, isto é, o que pode ser esperado de sua competência
lingüística, baseado em conhecimentos anteriores do mesmo interlocutor. É
uma suposição, às vezes, mas lhe permite :utilizar certos recursos, como, no Ex l,
a ironia em relação aos valores morais do Dr. castro, no exercício de sua profis-
são, colocando em perigo suaface e colaborando para a sua disfluência na fala.
1.1. As estratégias conversacionais
r
l_Poderíamos situar o estudo dessas estratégias dentro da Análise da con-
versação, mas também das teorias da Pragmática e daAnálise do Discurso...Esse
EsruDos DE Lírrrcun Onnl E EscRlrA 157
tipo de trabalho z
esrudam*,**ïiiïi1H;,ïn',',ïïï:'.H:J::ïï?'ïïïïiïï.ïtr:
nicativa; o encadeamento de suas intervenções e aí estreitamente dependentede estratégias de clnyeao da paravra, de.um trabarho impÍcìto de negociaçãopermanente. (...) o dirilogo é menos um intercâmuio rrurãorrioso de informa_ções do que uma rede flexíver nu quur cada um tenta aprisionar seu co_enun_ciador.', (Maingueneau, 1996:23) Ë nesses embates, que podem chegar até aviolência, os farantes tentam evitar as ameaças de desvatoii zação d,esua ima_gem social na conversação, salvando ou_perden do a face,para usarmos a co_
;H'*:1ïïâï-*" & L*i";;i iirtt,que reracionu uìi,,g,ug.- ao com_
U:n dos problemas que tem merecid
AnáÌise da cànversação refere-se às difer 
atenção por parte dos estudiosos da
várias persp".ti,uì de anárise tem sido à-e-seeïç#Ìnï:iliï1ï.i:fï ï#,,ili_139), mas hoje se insisre na idéia a" uÃ-*ntinuum entre, ;;;, modaridades,"mesmo porque existe uma 
"r.ritu irrãrmar que ,. up*i_JJu fara e uma faraformal que se aproxim,a du r",itu, d"f""ã*g" do tipo de situaçao comunicati-va' Assim, o que se pod e dizere q"" u ir.ri,a formal ea fala informaÌ constituemos pólos opostos de.um contínuo, ao longo do qual ," ,ir""- 
", 
diversos tipos
ff Ïï,i:ïïï:3Ï,i:::l; ï:ïjïj*:' "*bo.u," .uit" raá, em direrenças
mento na ríngua fatadae,,u e,.,ita. E;:ilr":::i*ï,ï:'ïeito ao pru,,"ju-pectiva interacional em que se coloca este estudo au..r,rutÇi;J:::ï:#:.De uma maneira gerar, lembru-o, qr. autores como Bernstein (1g7r),Halliday (1985) e ochdtrzg),."*;;;;, insisriram em argumas dicotomiasmais rigorosas que levaram às conhecidas oposições entre fala e escrita: con_textualizada/descontextu alizada; irnpf.ìta"*pti.iu; 
."aurráuï,ìl.orra"nsada;
ffi :rffi;i^lí)iii;i^thp"'i'urp"".ü,'aonormarizadatnor::matizada.(cr.
Uma dessas características nos chama particularmente a atenção, pois serefere à fala como atividade não planejadl, t"rrdo em vista que uma conversa_ção pode ser iniciada numa determi.,áda direção 
" 
utt"ru._ã.ÃpÌetamente,em função das intervenções de um dos intepróp ria inte" r", oì 
" 
r"-u u," ar un," ; ì;ì:ï:::ï:ïff#:::ï:;:ï" #cle-se ao longo dela, com a projeção de ouúo ou outros tópicos, que nem se_quer haviam sido imaginadãs ao irri.io.;;-, no Ex. r, o andamenro da con_versação acaba por levar os interrocutores a um conflito, rrao p.tu uurorvição de
;ï:ï:"ï:# Castro, mas pela atusão ao caso amoroso entre Vatério e uma
158 Dlruo Pne l
Mas é preciso lembrar que, freqüentemente, iniciamos uma conversaçãocom propósitos determinados e, pelo menos num primeiro momento , utiliza-mos certas estratégias discursivas na abordagem do tema que prevemos. E nãose trata apenas de uma eraboração prévia de um conteúd;;;iu,r- rópico, deuma seqüência imaginada de argumentos, mas até da preparação prévia decertas formas de dizer para expressar sentimentos reais o,., ruiro. ou até estadosdúbios' Assim, no 8x.1, valério provoca o Dr. castro por meio de uma frasecom uma impricatura conversacional bem clara, tendã em vista os conheci_mentos partilhados por todos os presentes: "sempre o, ,".rh*, puseram narua o Manoel Tâvares, hein?'l
são do dia-a-dia exempros em que começamos a elogiar o interlocutor,para depois lhe pedirmos um favor; .- q,r" dizemos frur""s d" duplo sentidopara não revelarmos diretamente um sentimento; em que falamos das virtudesde um comportamento, para depois fazer uma critica;em que tentamos aÌter_nar um comportamento mais danoso para acontinuação d-" ,r- diálogo comum mais agradáver ao nosso interlocuior. Essas estratigu, prerriu, que fazemparte da habilidade do falante em tratar certos temas contrastam com outrasem que os interlocutores se envorvem em conflitos, desde o início, por revela_rem abruptamente as reais intenções de suas palavras. A propósito, arudindo àteoria das faces, e à necessidade de estratégias para 
-urrre-à na conversação,afirma Maingueneau: "É contudo necessário se autodesvalorizar um pouco paravalorizar o outro e ser' em compensação, valorizado po, .f". oui um trabalhoincessante de negociação entre iorças'contraditórias.j rop..it.p.ìzgr
. 
É evidente que tais estratégias podem mudar repentina e s'eguidamente aolongo da conversação, diluir-se, exigir replanejamentos contínuos, que são cria-dos em função das intervenções de nossã interlocutor. Talvez,fá. irro, teóricosresolveram atenuar essa característica das modaridades de líng'u'a, fururrdo,.o-oochs (1979), em "planejamento restrito", incluindo a própria escrita que, emúltima análise pode, também, dependendo de ,.r" firruiidude e de seu gênero,não revelar maior planejamento (um recado, um b'hete pessoar é redigido, emcertas circunstâncias, sem reverar um plano determinado na exposiçao das idéiase até em sua sintaxe).
Na modalidade falada, poderíamos concordar com Koch (op.cit. p. 69),quando, referindo-se à conversação natural face a face,ufir_u, '
é relativamente não planeiâvel de antemão, o que decorre, justamente, de suanature za altamente interacional; assim, ela é localmente planejada,isto é, plane-jada e replanejada a cad,anovo,.lance,,do jogo.
o texto falado apresenta-se "em se fazendo'l isto é, em sua própria gênese, ten-dendo, pois, a "pôr a nu" o próprio processo de sua construção.
1.
2.
Esru Dos DE LÍlrcun ORAL E EscRf rA 159
o fluxo discursivo apresenta descontinuidades freqüentes, devidas a uma sériede fatores de ordem cognitivo/inte rat'ae que têm, portanto, justificativas prag-máticas.
o textc falado apresenta, assim, uma sintaxe característica, sem deixar de ter,como fundo, a sintaxe geral da língua.
(Koch, 1992: 69)
o diálogo de ficção se presta a uma análise das rerações entre os propósitosiniciais do falante na interação e as estratégias que escorhe para desenvorvê_las,porque podemos servir-nos das informações do narrador e do contexto. per_mite, ainda, que observemos, também, o resultado dessas estratégias prévias aolongo da conversação, bem como o seu processo de repranejamento, tendo emvista o andamento da conversaçao. sabemos que a falta desse replanejamentopode determinar, por exemplo: o fracasso das intençoes iniciais do falante; aocorrência de problemas como o silêncio dos interloc,r,o.""" ul.rterrupção doprocesso interativo pelo conflito entre eles (no Ex. 1, Valério, que passa de acu_sador a acusado, não define .rouu .st.utegia discursiva e parte para ainjúria etentativa de agressão);-a,perda daface (".ro n*. 1, o Dr.cas,à, uo receber aacusação de desonestidade profissional, perde a face, pertu,rbu_r. 
" 
.o_.çu ugaguejar).
Durante o desenvolvimento da conversação, podem ocorrer..pressões deordem pragmática que acabam por sobrepor-se às exigências da sintaxe. Istosignifica que o locutor, freqüentemente, vê-se obrigado a..sacrificar,,a sintaxeem favor das necessidades da interação, fato que se traduz pela presença, notexto falado' de falsos começos' anacolutos, orações truncadas etc., bem comoa recorrer com freqüência a inserções de vários tipos, a ..p;ç;;, e a paráfra_ses' com o intuito, entre outros, de garantir a compreensão de seus enunciadospelo parceiro." (id., p.70)
No Ex' 1' o Dr tï'10, tomado de surpresa peras acusações violentas e pelaironia mordaz de valério, repete insistenìemente o que jurga ser o seu. argu-mento principal de defesa, isto é, o fato de ser um promotor, um homem quelt"bdli :o3 u justiça, do que infere ser um homem justo ( ..renho... tenhointegridade";'A minha consciência. E sou bacharel,,). Além disso, revela a bus_ca desesperada de uma estratégia na interação, pelas hesitações e, finalmente,define um ataque ao interrocuto..o,.o estratégia de defesa. varendo_se de umsubentendido, de uma impricatura conversacional (,.Não ando seduzindo mu_lheres casadas"), ataca a conduta moral de João varério, o que leva a conversa_ção a um conflito.
E interessante lembrar que as estratégias discursivas de ataque de cada in_terìocutor se baseiam em princípios éticol, ora relativos à vida profìssionar, ora
3.
4.
160 Drruo Pnrl
à vida familiar. Então, com estratégias iguais chegam a um resultado igual (o
que Tãnnen e Lakoff denominam de identidade pragmática): ambos perdem
sua imagem social (sua face), as acusações ficam sem resposta e falas sobrepos-
tas indicam a violência e a agressão:
- 
O que eu quero é que esse idiota me diga...
- 
Idiota é sua mãe.
- 
...quais sãos as maroteiras minha que ele conhece.
A propósito do conflito na conversação e de suas causas, lembram Tânnen e
Lakoff (op.cit. p. 140), referindo-se a cenas de um casamento,de Bergman que
"a hostilidade não é expressa, portanto, pela confrontação (que é inconcebível),
mas pelo sarcasmo, ironia, impessoalidade". No texto que analisamos, é, tam-
bém, a ironia de valério sobre a condição profissional do interlocutor, suas per-
guntas retóricas aos demais presentes, ridicularizando o interlocutor (,,4h! É
bacharel? Meus parabéns"; "Foi você que perguntou ao Dr. castro se ele era
bacharel? Eu não fui. Foi você, Pascoal? Foi o senhor, seu varejão? Tâmbém não
foi. Está aí.") bem com a aparente impessoalidade e o subentendido da frase do
Dr. castro ("Não ando seduzindo mulheres casadas.") que exacerbam a hostili-
dade do diálogo,levando os interlocutores à perda da face e àconfrontação final.
No Ex. I, analisamos um diálogo construído emque se observam caracte-
rísticas lingüísticas que remetem à influência a priori de fatores socioculturais
(profissão e status de um das personagens), além de estratégias conversacio-
nais preparadas de início ou geradas pelo andamento da interação.
. Vejamos, em seguida, como João valério e Luísa terminam o seu caso, numa
cena em que estratégias apriorísticas da conversação revelam-se iguais, a princí-
pio e, depois, diversas, para um resultado comum ao finar, desejado por ambos.
EX.2
(Denunciados por uma carta anônima 
- 
na verdade escrita pelo Dr. castro 
- 
Luísa
e /oão valério são forçados a separar-se. Adrião, que já se encontrava doente, tenta
o suicídio. Ferido gravemente, sobrevive apenas oito dias. Valério, ante a repercus-
são do fato, afasta-se da casa de Luísa por mais de dois meses. Reconhece para si
mesmo que o amor terminara e não sente mais vontade de reencontrar a amante.
Mas, instado por um amigo que conhecia o caso, resolve seguir seu conselho e pro-
por casamento a Luísa como forma de reparar-lhe os danos morais causados no
contexto da pequena cidade, onde a história se passa.
Procura-a, sem êxito, várias vezes. Ela sempre lhe dá uma desculpa para não recebê-
lo. Por fim, resolve tentar por uma última vez e ela dispõe-se a recebê-lo. valério
arrepende-se de ter ido e a surpresa da decisão de Luísa o deixa indeciso sobre as
EsruDos DE Lírrrcun ORAL E Escnrrn 161
mínimas estratégias que deve tomar na conversação, começando pelo tratamentogramatical que lhe deve dar, considerando que ela é, uo 
-.r*o *-po, ,u" u-urra.
e dona do armazémem que trabalha. Hesitã, pois, entre uma forma nominal ínti_
ma 
- 
Luísa 
- 
e um forma de tratamento mais rãspeitosa 
- 
D. Luísa 
- 
que só utilizara
antes, na presença de outras pessoas)
Muito bem. Eu ia tornar-me importuno, não a deixaria tão cedo, e a responsabili_
-dade 
do rompimento ficavaparãeh. Fui ao casarão oito dias a fio. Antes do traba-lho acendia um cigarro, chegava lá, apressado:
-A senhorajá saiu do banheiro, Zacarias?
E ia para o escritório.
|ulgo que tenho procedido com cavalheirismo, entrei a matutar uma noite. Ama_
nhã, ponto final nisso. como certeza era imagina que vivo doido por encontrá-la.
Quando, no outro dia, penetrei no jardim, fíiu u pro^rssa de nunca mais pôr ali
os pés.
- 
A sinhá mandou pedir que esperasse um momento.
Não entendi.
- 
Como foi que você disse, Zacarias?
- 
Lá em cima, fez ele mostrando os dentes alvos.
Subi, desconsolado.
Receber-me! E eu que me tinha habituado a
zacarias abriu o salão. Tudo transformado:
tristeza que dava frio.
ouvlr recusas!
o piano coberto, outras cortinas, uma
senti-me obtuso. Nem sabia como tratar Luísa. Fulana ou D. Furana? complicação.
Talvez ela se melindrasse com um tratamento familiar. Mas atirar_lhe dona, cara a
cara, sem testemunhas, era tolice. Dificuldade.
Ia em plena atrapalhação, quando Luísa entrou. Estava de preto e muito pálida, foi
só o que vi.
com a cabeça baixa, aceitei a cadeira que ela me indicou e fique a olhar a manchadeixada pela sola do meu sapato numa almofada que desazadamente pisei. sem medar a mão, Luísa sentou-se. creio que também se conservou cabisbaixa. Houve um
silêncio estúpido.
- 
Vim aqui... arrisquei.
- 
Vem aqui sempre, atalhou ela. Não tenho querido recebê_Io...
Emendou:
- 
Não tenho podido. É a verdade: não posso.
Mordi os beiços. E, para acabar depressa:
- 
o que eu queria era declarar que me considero obrigado... morarmente obrigado...
Ela estremeceu, encarou-me:
- 
Obrigado a que, foão Valério? A casar comigo?
- 
A acolher qualquer resolução sua, respondilimidamente. supuz... compreende?
Não sei... Todos os dias me preparava para vir.
- 
E vem depois de dois meses, Ioão Valério?
- Que havia de fazer? um golpe, um abalo tão grande... e tive acanhamento. É
natural. Se foi por isso que me fechou a porta uma semana...
162 DrNo Pnrrr
- 
Não, disse ela erguendo-se. Não precisa justificar-se.
E, aproximando-se, falando-me quase ao ouvido:
- 
É que desapareceu tudo.
- 
Tem certeza? Perguntei levantando-me.
E percebi logo que a pergunta era idiota.
- 
Eu estava com algum escrúpulo, continou Luísa. Talvez o Valério ainda fosse o
mesmo... Estou agora tranqüila. Nenhum de nós sente nada, e o Valério finge triste-
2a... Para que mentir?
-Faz pena! Murmurei comovido.
Eu agora era para ela um pequenino João Valério, guarda-livros mesquinho.
- 
Adeus! balbuciou Luísa com uma lágrima na pálpebra.
- 
Adeus! gemi.
(íd. p.2re-22r)
Sobre a influência dos fatores extralingüísticos no Ex.2.,talvezpudéssemos
lembrar alguns aspectos do caráter de João Valério, sempre inconstante, inde-
ciso, tímido (como, aliás, ele mesmo se define no fim da narrativa:'A timidez
que me obriga afrcar cinco minutos diante de uma senhora, torcendo as mãos,
com angústia"). Luísa, bem mais objetiva, tem condições para compreender
rapidamente que o caso está terminado.
Os dois meses de separação, o esfriamento dos sentimentos trouxe a loão
Valérioum primeiro problema na sua estratégia conversional para o encontro
com Luísa. Não sabia sequer como tratá-la, hesitando entre sua antiga e dupla
condição de mulher do patrão e de amante. Resolve bem a questão: em ne-
nhum momento do diálogo recorre a uma forma de tratamento. Nesse senti-
do, Luísa é mais precisa, alternando ]oão Valério, usado na formalidade do ar-
mazém ( ao lado de o senhor), com o simples Valério, dos encontros amorosos.
O problema do afastamento/intimidade que precede a entrevista prolon-
ga-se por todo o diálogo, em que Valério não sabe como Luísa irá recebê-lo,
mas sua estratégia conversacional serão as frases incompletas, as meias pala-
rrras que poderão evitar um comprometimento, que espera não concretizar.
Elementos pragmáticos marcam as condições da conversação: a mudança
de um cenário conhecido pelos amantes, "uma tristeza que dava frio", a ausên-
cia de cumprimentos iniciais, o "silêncio estúpido" que se instaurou. Durante
todo o diálogo, Valério "arrisca", "responde timidamente", faz petgunta idiota.
Sua estratégia consiste em esperar uma revelação de Luísa e, por isso, recorre
aos conhecimentos partilhados, às frases incompletas, prontamente completa-
das por Luísa, inclusive por um assalto ao turno, indicado pelo verbo "atalhou":
- 
Vim aqui... arrisquei
- 
Vem aqui sempre, atalhou ela.
EsruDos DE Lírrrcun Onnr E Escnrrn
- 
o que eu querra era declarar que me considero obrigado...
moralmente obrigado...
- 
obrigado a que, Ioão valério? A casar comigo?
- 
A acolher qualquer resolução sua, respondi timidamente.
Supuz...compreende? Não sei...
163
observe-se que valério traduz bem suas "obrigações,'que são de cunho
puramente moral e não afetivo, o que é imediatamente compreendido por Luísa.
Por outro lado, Luísa revela-se, a princípio, indecisa, mas uma auto-corre-
ção esclarece praticamente suas intenções: não deseja continuar, embora não
saiba quais são as reais intenções de Valério:
- 
(...) Não tenho querido recebê-1o...
Emendou:
- 
Não tenho podido. É a verdade: não posso.
Essa seqüência de verbos muito reveladora, ainda, não convence valério.
Mas, ao notar que este também não tinha intenção de continuar, pois iâ não a
amava e, portanto, sua indecisão decorria disso, Luísa procura o àfastamento.
Optando por uma estratégia de análise fria dos fatos, recorre inclusive ao trata-
mento de terceira pessoa (o valério), que marca bem a intenção de afastamento:
- 
É que desapareceu tudo.
- 
Eu estava com algum escrúpulo, continuou Luísa. Tâlv ez oValério ainda
fosse o mesmo... Estou agora tranqüila. Nenhum de nós sente nada, e o
Valério finge tristeza ... para que mentir?
o diálogo nos revela, nas diferentes atitudes dos interlocutores, na indeci-
são em revelarem suas reais intenções, de um lado todo o receio de comprome-
timento de valério; de outro, a expectativa de Luísa de que ainda permaneça
algum resquício e afeição no amante, o que poderia levar a uma hesitação em
concretizar o rompimento com palavras mais diretas. Em ambos, o desencanto
da perda do amor. o diálogo nos mostra a sua comoção, que se traduz num
simples "Faz pena!", seguido da conclusão melancólica: "Eu agora era para ela
um pequenino João Valério, guarda-livros mesquinho."
Para Luísa e valério o trágico sentimento da ilusão amorosa desfeita, tra_
duzido pragmaticamente no adeus "balbuciado'] por um e "gemido", por outro:
- 
Adeus! balbuciou Luísa com lágrimas na pálpebra.
- 
Adeus! gemi.
164 Drr.ro PRETI
Ainda podemos observar neste diálogo
o "discurso a dois", em que todo o texto se
de ficção como ele caracterrzabem
constrói com a colaboração de am-
bos os interlocutores.
Deumaformageral,podemosdizerqueotextodefinebemasestratégias
conversacionais dos falantes' Valério' conforme vimos' procura 
Luísa constran-
gido, porque realmente nào quer continuar o relacionamento e 
utiliza uma
dissimulação constante, com frases incompletas' cujo signifìcado pode dar
margem a várias interpretações, pois sua intenção é tet cetteza se 
Luísa quer
efetivamente continuai o caso. Luísa pretende apenas saber se valério 
irá res-
sentir-secomaseparação,nocasodeaindaamá-la'seuobjetivoéomesmo:
romperorelacionamento.Suaestratégiaconversacional,aprincípio,também
éadasondagem,depoistorna.Semaisdireta:advinhaasfrasesincompletasde
valério e sua intenção. Descoberta a verdade, muda de estratégia 
e torna-se
clara edecisiva na análise dos sentimentos de ambos. E essa 
nova estratégia de
Luísa deÍìnirá os rumos defìnitivos da interação'
Emresumo,ValérioeLuísa,usandoestratégiasconversacionaisdiferentes'
chegam a um objetivo final: a separação sem conflito' A essa estratégia de con-
versação,TânneneLakoffdenominamdesinonímiapragmática(..ousodedi-
ferentes artifícios lingüísticos pata alcançar fins semelhantes")'
Embora se trate de uma situação amorosa absolutamente banal, 
não pode-
mos deixar d. ,..oti.ter que este diálogo de ficção guarda muitas semelhan-
çascomafalanatural""""lu,sobmuitosaspectos'ousoperfeitodeestraté-
giu, .on r..racionais, com vistas a obter um resultado desejado'
Considerações finais
Poderíamos resumir' aqui, as etapas que devem ser trilhadas' 
nesta teoria
da "conversação literária":
1. Estudo dos fatores extraJingüísticos, trazidos pelas informações 
de or-
dem pragmatica, emlorno do diá'Íogo de ficção' podendo-se lançar mão 
da
teoria da variação tirrgtiisti.a, ,ro .urJdu caracterização das personagens, 
além
das informações contextuais do narrador'
2.Est.rdodainteraçãopropriamentedita,levando-seemcontaasestraté-
gias conversacionais tstaU"ttiidu s a priori' por meio das informações 
do
narrador
3.Acompanhamentodasestratégiasconversacionaisdaspersonagens'como
se comportam e suas possíveis alterações' no decorrer da 
interação'
4. Análise a", 
"i;ãri"os 
atingidos pelo uso das estratégias conversacionais,
no início e durante a conversação'
Ref e
!
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