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candau didatica entre saberes, sujeitos e praticas Candau

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Giseli Barreto da Cruz
Ana Teresa de Carvalho Correa de Oliveira
Maria das Graças Chagas de Arruda Nascimento
Monique Andries Nogueira
(ORGANIZADORAS)
I
Ensino de didática
Entre recorrentes e urgentes questões
FAPERJ
Fimitd^ An Carlo»Chmja»Filltnrfn AmparaA PPMJUIM iln Citniln do Hlo de Janeiro
Rio de Janeiro
&•
2014
DIDáTICA: ENTRE SABERES,
SUJEITOS E PRÁTICAS 1
Vera Maria Candau
1 INTRODUçãO
Hoje diferentes autores, de distintos contextos sociais e a
partir de reflexões culturais e científicas diversificadas, afirmam
que vivemos uma época em que é cada dia mais forte a consci-
ência de que o mundo passa por transformações profundas e em
acelerado ritmo de mudança. Salientam que vivemos uma crise
de paradigma. Essa realidade provoca em muitas pessoas e gru-
pos reações contraditórias de insegurança, mal-estar, inquietação
e medo, e também de abertura e esperança, sentimentos mobili-
zadores das melhores energias para a construção de um mundo
diferente, mais humano e solidário.
Essa realidade está especialmente presente entre nós,
quando a afirmação de uma sociedade democrática e igualitária
encontra diariamente obstáculos nas políticas hegemónicas que
em nome da modernização, da inserção no mundo globaliza-
do, na economia de mercado e na sociedade do conhecimento,
1 Texto publicado originalmente nos anais do XVI Endipe, realizado na
Unicamp, de 23 a 26 de julho de 2012.
111
DIDáTICA: ENTRE SABF.RES, SUJEITOS E PRáTICAS ENSINO DE DIDáTICA: ENTRE RECORRENTES E URGENTES QUESTõES
reforçam a marginalização e a exclusão de diferentes grupos so-
i ia is. No entanto, é necessário também reconhecer
nos cenários públicos de movimentos sociais de afirmação de
sujeitos socioculturais e de questões e temas específicos, de
trução de sociedades que articulem políticas de igualdade e po-
l íticas de reconhecimento e favoreçam novas configurações dos
Estados, tendo como perspectiva a construção de democracias
mais plenas c igualitárias.
Vivemos tempos tensos, dinâmicos, instáveis e criativos.
Muitas são as interrogações, as urgências e as interpelações à afir-
mação de uma vida digna a que todas as pessoas têm direito.
Nesse contexto, a educação vive
especialmente paradoxal e contraditório. Não se pode
negar a enorme expansão do sistema educacional nas ú ltimas
décadas, pelo menos no que se refere à educação básica. O dis-
curso oficial apresenta a educação como a
pela modernização das nossas sociedades,
menores possibilidades de integrar-se no mundo globalizado e
na sociedade do conhecimento e do consumo. A educação é vis-
ta como a esperança do futuro.
Nesse contexto, na minha perspectiva, o pensamento pe-
dagógico tem tido um desenvolvimento que podemos classifi-
de débil, light, de pouco debate entre os diferentes atores
implicados para o aprofundamento em
o sentido da escolarização hoje. As questões instrumentais dos
processos educativos centralizam as políticas públicas como, por
exemplo, a gestão e a avaliação dos sistemas educativos, conce-
bidas de modo restrito e focalizando basicamente o desempenho
acadêmico obtido em algumas áreas curriculares que pode
medido e quantificado. A articulação entre o sistema educacional
e a perspectiva empresarial se faz cada vez mais forte. Os temas
relativos ao sentido da educação escolar e seu formato historica-
mente construído não são discutidos, por mais que os desafios
que as escolas e os professores/as enfrentam se multipliquem e
apresentem em episódios emblemáticos caráter dramático.
Para Dubet (2011):
a presença
car
questões que focalizemcons-
ser
no continente um mo-
mento
grande responsável
por suas maiores ou
Em todos os lugares, e não somente na escola, o
programa institucional [ republicano ] declina. E
mutação é muito mais ampla que a simples confron-
tação da escola com novos alunos c com os problemas
engendrados por novas
se trata de uma mutação radical que a identidade
dos atores da escola fica fortemente perturbada, para
além dos problemas específicos com os quais eles se
deparam.
A escola foi um programa institucional moderno,
programa institucional apesar de tudo. Hoje,
“ ainda mais modernos” , as contradições desse
essa
No entanto, persistem elevados índices de analfabetismo,
evasão, fracasso e desigualdade de oportunidades de educação
regiões geográficas e grupos sociais. São graves a crise da
escola pública e a
demandas. É também porque
entre
crescente fragmentação do sistema de ensi-
no. Grupos sociais, em geral os mais pobres, têm acesso apenas
a determinadas escolas, e outras camadas de população, com
maior poder aquisitivo, frequentam as melhores escolas públi-
cas e escolas particulares consideradas de excelência. Por
mas um
somos
programa explodem, não apenas sob o efeito de uma
ameaça externa, mas de causas endógenas, inscritas
germe da própria modernidade (p. 299).
outro
lado, são crescentes o questionamento e o mal-estar em relação
aos sistemas educacionais e às escolas. Fenômenos de violên- no
cia, discriminação e bullying se multiplicam e afetam diferentes
atores presentes nas escolas. A realidade do burnout (“ desgaste
profissional” ) é cada vez mais comum entre os educadores
educadoras.
A educação escolar está hoje desafiada a promover
qualidade adequada à sociedade contemporânea. A dar respos-
tas aos desafios que as escolas e educadores/as enfrentam.
uma
e as
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DIDáTICA: ENTRE SABERES, SUJEITOS E PRáTICAS ENSINO DE DIDáTICA: ENTRE RECORRENTES E URGENTES QUESTõES
É nesse contexto em que a educação escolar ser evidenciada no discurso cada vez mais Frequente que sente
a necessidade de acrescentar um adjetivo à palavra “ qualidade” :
fala-se de qualidade total, qualidade humana, qualidade social,
qualidade cidadã, etc.
Parto nesta reflexão da afirmação de que, cm contextos
democráticos, a qualidade da educação é objeto de contínuas
negociações, disputas e revisões c apresenta um cará ter multidi-
mensional.
se encontra —
entre a crise e a reinvenção - que situamos a didática, como um
campo do conhecimento pedagógico orientado à compreensão
dos processos de ensino-aprendizagem e à construção de for-
mas alternativas de desenvolvê-los, orientadas a promover uma
educação que dê resposta aos interrogantes atuais da sociedade,
dos educadores/as, das crianças e jovens sobre o sentido da es-
colarização em suas vidas. Pretendo identificar sinteticamente as
principais concepções de qualidade da educação hoje presentes
no discurso educacional e situar as possíveis contribuições da
didática numa perspectiva sociocrítica c intercultural de enfren-
tamento das questões atuais que desafiam nossas escolas, a partirdas reflexões desenvolvidas pelo Grupo de Estudos sobre Coti-diano, Educação e Culturas (Gecec), vinculado ao Departamen-
to de educação da PUC-Rio, com o apoio do CNPq.
O que está em jogo atualmente é o confronto entre dis-
tintas concepções da qualidade da educação, que l êm a ver com
os diferentes modos de entender as relações entre educação, es-
cola e sociedade.
Mencionarei três concepções que me parecem ser as mais
presentes em nossas sociedades, consciente de que não existem
em estado puro e que as articulações entre elas, não necessa-
riamente expl ícitas e coerentes, transitam em nossos distintos
cenários.2 QUALIDADE DA EDUCAçãO: UM DISCURSO PLURAL
Fendo presente o contexto que descrevi,
qualidade da educação adquire relevância
A primeira concepção vem adquirindo cada vez maior for-
ça e apresenta como característica principal conceber a educação
como um produto capaz de responder às exigências do desen-
volvimento económico e do mercado. Seu objetivo principal é
formar sujeitos empreendedores e consumidores. Nesse sentido,
a qualidade vem definida pelas necessidades do aparato produ-
tivo e do mercado. A busca da qualidade supõe um maiorajuste
do sistema educacional a essas necessidades. A educação fica as-
sim reduzida a uma função fundamentalmente económica, a de
capacitar o “ capital humano” necessá rio ao modelo económico
vigente. Afirma a centralidade do conhecimento científico e dos
saberes valorizados pela sociedade dominante. Enfatiza o domí-
nio das tecnologias de informação e comunicação. Essa é a visão
que, com distintos matizes e revestida de linguagens plurais, vem
informando as políticas educacionais de inspiração neoliberal.
Uma segunda perspectiva é a que entende a qualidade da
educação como uma volta a concepções e aspectos tradicionais
a questão da
especial. Todas as
autoridades educacionais, os/as professores/as e as famílias de-fendem a promoção da qualidade da educação. Além disso, a
referência à qualidade sempre orientou distintas concepções e
propostas educacionais ao longo da história. Todos os planos de
reforma dos sistemas de ensino pretendem trabalhá-la de alguma
forma. Contudo, a expressão qualidade da educação, ao mesmo
tempo em que explicita um aparente consenso, também admite
distintas interpretações e encobre diferentes marcos conceituais
e políticos de conceber a educação, relacionando
de sociedade e cidadania
-a com o tipo
que se quer construir. Trata-se de umaexpressão polissêmica, de
constante reformulação, que suscita fortes polêmicas e de-bates entre os educadores e educadoras
conceito socialmente construídoum
e em
e na sociedade em ge-ral. Essa polissem ia da expressão “ qualidade da educação” pode
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DIDáTICA: ENTRE SABERES, SUJEITOS E PRáTICAS ENSINO DE DIDáTICA: ENTRE RECORRENTES E URGENTES QUESTõES
il.i educação2. Afirma que a modernização da educação, assim
como os movimentos renovadores, têm favorecido
superficiais e de pouca consistência nas escolas. Defende tam-
bém que a ênfase nos interesses das crianças e dos adolescentes,
aspecto fundamental do conhecido movimento das “ escolas
novas” , enfraqueceu a função do/a professor/a e sua autorida-
de. A escola passa a priorizar o “ acolhimento” em detrimento
de sua função cognitiva. É necessá rio reafirmar a centralidade
da formação intelectual e moral dos educandos, a cultura geral,
o domínio dos autores que têm amplo reconhecimento acadê-
mico, os conteúdos concebidos como universais, a disciplina,
a autoridade do/a professor /a, o esforço e os procedimentos
formais da avaliação. Nessa perspectiva, a qualidade da educa-
ção se entende como uma revitalização dos conteúdos e valores
considerados como configuradores de uma concepção tradicio-
nal da educação.
Essas duas maneiras de se conceber a qualidade da edu-
cação se situam politicamente em uma perspectiva que, em
geral, reforça o modelo dominante na sociedade ou propõem
algumas mudanças que não afetam sua lógica básica. Algumas
vezes essas concepções se articulam , por mais contrapostas que
possam parecer. Seu af ã é que os processos educacionais res-
pondam às necessidades detectadas, sobretudo as do mercado
e a dos grupos sociais hegemónicos. Podem propor medidas
orientadas à inclusão dos grupos marginados na sociedade vi-
gente, contudo sua lógica estrutural não é colocada em ques-
tão. São essas as visões da qualidade de educação que hoj
geral, se expressam com maior força nas nossas sociedades.
Na produção acadêmica da área de educação sobre as distintas
tendências pedagógicas, a perspectiva tradicional é em geral apontada
como a de maior vigência no desenvolvimento histórico da escolarização
em diferentes países. Para alguns autores, a dificuldade de construir
estratégias pedagógicas adequadas para enfrentar os desafios colocados
h o j e às escolas e aos/as educadores/as está provocando, em muitos
contextos, o fortalecimento dessa perspectiva.
No entanto, é possível perguntar: podemos entender a
qualidade da educação em outro marco conceituai e ideológico?
Situo-me entre aqueles educadores e educadoras que acreditam
que sim. Na verdade, há várias experiências em curso que utili-
zam outros parâmetros. Partem da convicção profunda de que a
educação escolar pode colaborar com processos de transforma-
ção estrutural da sociedade. Assumem uma perspectiva crítica e
intercultural. Afirmam a importância da educação como direito
humano que não pode ser reduzido a um produto que se negocia
na lógica do mercado. Defendem o papel do Estado na demo-
cratização da educação e se opõem às formas diretas e indiretas
de privatização da escola pública. Lutam pela valorização da pro-
fissão docente e pelo reconhecimento dos movimentos promovi-
dos por educadores e educadoras. Propõem “ reinventar” a escola,
seus espaços, tempos, organização, dinâmicas, etc.
Assumo essa perspectiva. Sou consciente de que ela já está
sendo constru ída no dia a dia de muitas escolas e salas de aula,
por muitos educadores e educadoras, em várias partes do país.
É nessa busca que situo as possíveis contribuições da didática.
processos
3 BREVES APONTAMENTOS SOBRE A HISTóRIA DA DIDáTICA ENTRE NóS
A didática tem uma longa trajetória histórica, sempre re-
lacionada com os diferentes contextos sociopol íticos e culturais,
as diferentes concepções de educação e as relações entre escola e
sociedade. Ao longo de sua história, da Didática Magna (1631)
de Comênio, considerada o ponto de partida da construção da
didática moderna, até hoje, tem sido objeto de ardorosas discus-
sões, controvérsias e intensas buscas.
Centrarei estes breves apontamentos no seu desenvolvi-
mento entre nós, especialmente a partir dos anos 1980, isto é,
do seminário “ A Didática em Questão” , realizado em 1982, que
está completando, portanto, 30 anos. No entanto, considero
fundamental, para uma visão ampla do desenvolvimento da di-
e, em
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Felipe
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Felipe
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ENSINO DE DIDáTICA: ENTRE RECORRENTES E URGENTES QUESTõESDIDá TICA: ENTRE SABF.RES, SUJEITOS E PRáTICAS
gico, enquanto constituindo um campo de conheci-
mento e enquanto conteúdo do currículo da formação
do educador, no contexto da luta pela especificidade e
importância do papel dos processos da educação e do
ensino, no movimento de recuperação e democrati-
zação da escola pú blica e na transformação social
il.ilica a partir dos anos 1950, a leitura do livro de Magda Soares
( 1991), baseado no seu memorial do concurso para professora
titular de didática da UFMG, Metamemória-memórias: travessia
de uma educadora, certamente uma produção fundamental para
se compreender o processo vivido nessa etapa.
Quando foi realizado o seminário “A Didática em Ques-
tão” , considerado o in ício dos hoje chamados Endipcs (Encontro
Nacional de Didática e Prática de Ensino), essa iniciativa estava
marcada pelo contexto de forte compromisso com a construção
dos caminhos de redemocratização da sociedade brasileira. Para
todos os implicados, essa era uma exigência iniludível: articular
os processos educacionais com as dinâmicas de transformação e
resgate do estado de direito no país. Conscientes de que a edu-
cação tinha um papel, limitado, mas significativo, no processo
sociopolítico c cultural de afirmação da democracia, colocamos
nossos melhores esforços na construção de uma pedagogia e uma
didática em consonância com essa perspectiva.
Certamente a década del 980 constituiu uma etapa fecun-
da e mobilizadora de um pensamento pedagógico e didático ori-
ginal e diversificado, assim como de diferentes propostas, tanto
no nível de sistemas educativos, como de escolas e salas de aula.
O que se pretendia nesse seminário de 1982? Assim foi
explicitado em um dos seus objetivos: “ Estimular a busca de
propostas alternativas que visem, de fato, à ampliação quanti-
tativa e à melhoria qualitativa das oportunidades educacionais
para a maioria da população brasileira’ (Candau, 2005, p. 9).
Oliveira (2000),membro da mesa-redonda que, no X En-
dipe, realizado no Rio de Janeiro, foi dedicada à análise dos 20
anos de produção dos Endipes, na mesma perspectiva, afirma
em relação à década del 980:
( p. 164 e 165) .
Quanto aos anos 1990, os depoimentos analisados pela
pesquisa “ Ressignificando a Didática numa perspectiva multi/
intercultural” , que coordenei no período 2003-2006, com o
apoio do CNPq, salientam uma menor convergência de ideias e,
embora possamos dizer que há uma continuidade das reflexões
em torno da perspectiva crítica, naquele momento essa aborda-
gem se faz presente de modo mais frágil. Sobre essa década, os/
as entrevistados/as parecem concordar com o fato de que existe
uma incorporação de novos temas, a partir de outros enfoques
teórico-metodológicos. Por exemplo, temas como professor re-
flexivo, professor pesquisador, identidade docente, questões rela-
tivas ao cotidiano escolar ganham força. Para alguns/mas entre-
vistados/as começa a aparecer aqui o tema do multiculturalismo,
mas ainda de modo bastante tangencial.
No que diz respeito à última década, é possível afirmar
que, em geral, é percebida como uma fase em que a confluência
de olhares e perspectivas se fragilizou ainda mais, e se acentua a
diversificação de temas e abordagens. Alguns chegam mesmo a
caracterizá-lo como um momento de “ risco de dispersão” . Prefi-
ro considerá-lo como a afirmação de um universo plural e diver-
sificado de buscas e referenciais.
Novos elementos parecem “ afetar” o campo da didática.
Alguns deles são: a tentativa da retomada de uma visão tecnicis-
ta, em consonância com as atuais políticas educacionais, a neces-
sidade de busca de novos referencias para lidar com novos con-
textos, novos sujeitos, novas problemáticas, como, por exemplo,
a violência e os impactos provocados pelas tecnologias da infor-
Pode-se constatar, então, o fato de que, para além das
diferentes posições sobre o objeto de estudo das á reas,
o que existe é um grande consenso. Ele se refere à luta
defesa da legitimidade do saber didático-pedagó-em
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Felipe
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ENSINO DE DIDáTICA: ENTRE RECORRENTES E URGENTES QUESTõESDIDáTICA: ENTRE: SABERES, SUJEITOS E PRáTICAS
à construção de sociedades democráticas que articulem igual-
dade e reconhecimento das diferenças culturais, assim como
alternativas ao caráter monocultural e ocidentali-
maçao e comunicação no processo de ensino-aprendizagem.
Alem disso, as questões relativas ao multiculturalismo ganham
maior presença, seja quando apontam o tema das diferenças
como uma possibilidade de enriquecimento da reflexão e ação
didáticas, seja quando suscitam preocupações em
ticulação entre o social e o cultural.
Em relação a essa última questão, convém ressaltar que
uma maior incorporação da dimensão cultural na análise das
questões pedagógicas não supõe necessariamente uma retra-
ção do social. Trata-se de articular as diferentes dimensões dos
processos educativos, com a consciência da importância de se
trabalhar os processos de construção de identidades culturais,
tanto no âmbito pessoal como social.
a propor
zante dominante na maior parte dos países do continente.
Tendo este como ponto de partida para os trabalhos
venho realizando, considerei necessário construir, de
relação à ar-
que
modo coletivo, no espaço do grupo de pesquisa que coor-
deno, uma concepção de educação intercultural que servisse
de referência comum para os trabalhos da equipe e, com
esse objetivo,- optei pela utilização da perspectiva dos mapas
conceituais.
A teoria dos mapas conceituais teve sua origem nos
anos 1970, com os trabalhos de Joseph Novak, pesquisador
psicologia cognitiva.
base a teoria da aprendizagem significativa de David
Temestadunidense, especialista emApresentadas essas breves reflexões, é possível afirmar
que o campo da didática está no momento atual sendo de-
safiado por novas problemáticas, É possível interpretar
realidade como um
por
Ausubel.essa
momento de desestabilização e diversifi-
cação, em que emerge uma pluralidade de enfoques, temáticas
e problemáticas. O desafio atual da didática, na perspectiva
que privilegio, pode ser sintetizado em como trabalhar com
a diferença, ou melhor, com as
atores e protagonistas, favorecendo espaços de interlocução e
diálogo entre, principalmente, os grupos de pesquisa presentes
como ferra-Novak concebe os mapas conceituais
cujo principal objetivo é organizar e representar omentas,
conhecimento. Segundo Novak e Canas (2005) , os mapas
conceituais são estruturados a partir de conceitos funda-
relações. Essa ferramenta está orientada adiferenças entre seus próprios mentais e suas
reduzir e concentrar a estrutura cognitiva subjacente a
dado conhecimento, visibilizando os elementos básicos da
u m
estrutura cognitiva a ele subjacente e permitindo analisar
seus elementos fundamentais.
A questão focal que orientou nossos trabalhos foi: em
que consiste a educação intercultural? Com
tida, durante o primeiro semestre de 2009, realizamos encon-
que fomos trabalhando conjuntamente as
diferentes etapas do desenvolvimento do mapa conceituai.
O passo fundamental consistiu em definir as categorias
básicas. Depois de vários encontros, chegamos a assumir con-
sensualmente que eram as seguintes: sujeitos e atores, saberes
e conhecimentos, práticas socioeducativas e pol íticas públicas.
neste campo.
Neste sentido, me sinto provocada a trazer questões que
venho trabalhando nos últimos anos, especialmente a partir da
última década, que me parecem estar demandando
olhar, uma nova leitura para as questões do campo da didática.
ponto de par-esseum novo
tros semanais em
4 CONSTRUINDO UMA DIDáTICA NA PERSPECTIVA SOCIOCRíTICA E
INTERCULTURAL
Situo-me na perspectiva da interculturalidade crítica.
Essa é uma proposta epistemológica, ética e política orientada
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DIDáTICA: ENTRE SABERES, SUJEITOS E PRáTICAS ENSINO DE DIDáTICA: ENTRE RECORRENTES E URGENTES QUESTõES
Apresentarei as categorias básicas e enumerarei alguns de-
safios postos por cada uma delas para as práticas pedagógicas
reflexão
nar e
dú-Quanto à categoria de saberes e conhecimentos, sem
vida, ela tem especial importância para a didática. Parto da
afirmação da ancoragem histórico-social dos diferentes sabe-
conhecimentos e de seu caráter dinâmico, o que supõe
e a
e pesquisa em didática, certamente com caráter prelimi-
provisório. Convém ter presente que essas categorias estão
inter-relacionadas e concebidas de modo articulado.
res e
analisar suas raízes históricas c o desenvolvimento que foram
A primeira categoria, sujeitos e atores, refere-se à promo-
ção de relações tanto entre
sofrendo, sempre em íntima relação com
quais esse processo se vai dando e os mecanismos de poder
nele presentes. Em consonância com
posição que afirma que mais do que discutir se esses
os contextos nos
sujeitos individuais, quanto entre
grupos sociais integrantes de diferentes grupos socioculturais. A
interculturalidade crítica fortalece a construção de identidades
dinâmicas, abertas e plurais, assim como questiona uma visão
essencializada de sua
Koff (2009, p. 61) , as-
sumo a
termos são sinónimos ou não, o importante é reconhecer a
existência de diversos saberes e conhecimentos no cotidia-constituição. Potência os processos dc
poderamento, principalmente dc sujeitos e atores inferiorizados
e subalternizados, e a construção da autoestima, assim como
estimula a construção da autonomia num horizonte dc
em-
escolar e procurar estimular o diálogo entre eles, assu-
mindo os conflitos que emergem dessa interação.Trata-se dc
dinâmica fundamental para que sejamos capazes de dc-
no
eman- uma
senvolver currículos que incorporem referentes de diferentesuniversos culturais, coerentes com a perspectiva intercultural.
Esse cruzamento dc culturas, conhecimentos e saberes se dá
cipação social.
Neste sentido, é importante que as práticas educativas
partam do reconhecimento das diferenças presentes na escola e
na sala dc aula, o que exige questionar os processos de homoge-
neização, que invisibilizam e ocultam as diferenças, reforçando o
caráter monocultural das culturas escolares.
vezes de modo confluentede diferentes maneiras, algumas
complementário, e outras de interação tensa, chegando
confronto entre diferentes posições. As tensões
ou
mesmo a um
Romper com este “ daltonismo cultural” (Cortesão; Stoer,
1999, p. 56) e ter presente o “arco-íris das culturas” nas práticas
educativas supõe todo
naturalizadas e enraizadas
universalismo e relativismo no plano epistemológico
geral, se fazem especialmente presentes. O
entre
e pedagógico em
que considero importante na perspectiva intercultural é es-
timular o diálogo e a
cotidiano escolar e nos processos de ensino-aprendizagem
processo de desconstrução de práticas
no trabalho docente para sermos edu-
cadores/as capazes de criar novas maneiras de situar
um
construção de conhecimentos comuns
-nos e inter- no
vir no dia a dia de nossas escolas e salas de aula. Exige valorizar
as histórias de vida de alunos/as e professores/as e a construção
de suas identidades culturais, favorecendo a troca o intercâmbio
desenvolvidos nas salas de aula.
socioeducativas referida à inter-A categoria práticas
culturalidade exige colocar em questão as dinâmicas habitu-
ais dos processos educativos, muitas vezes padronizadores e
uniformes, desvinculados dos contextos socioculturais dos
baseados no modelo frontal
e o reconhecimento mútuo, assim como estimular que profes-
sores/as e alunos/as se perguntem quem situam na categoria de
“ nós” e quem são os “ outros” para eles. Esta categoria também
convida à interação da escola com os diferentes
sujeitos que dele participam e
de ensino-aprendizagem. Favorece dinâmicas participativas,
processos de diferenciação pedagógica, a utilização de múlti-
plas linguagens e estimulam a construção coletiva.
grupos presentes
na comunidade e no tecido social mais amplo, favorecendo
dinâmica escolar aberta e inclusiva.
uma
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ENSINO DE DIDáTICA: ENTRE RECORRENTES E URGEN TES QUESTõESDIDáTICA: ENTRE SABERES, SUJEITOS E PRáTICAS
de ação afirmativa orientadas a fortalecer processos de cons-
trução democrática que atravessem todas as relações sociais, na
perspectiva de radicalização dos processos democráticos.
Na perspectiva da didática, supõe ter presente o contexto
onde se realizam as práticas educativas, os constrangimentos e
possibilidades que lhe são inerentes, e desenvolver um diálogo
crítico e propositivo no sentido de fortalecer perspectivas educa-
tivas e sociais orientadas a radicalizar os processos democráticos
e articular igualdade e diferença, em todos os níveis e âmbitos,
do macrossocial à sala de aula.
Destaco dois aspectos incluídos nesta categoria de espe-
para a didática: a diferenciação pedagógica
utilização de múltiplas linguagens e mídias no cotidiano escolar.
A diferenciação pedagógica não constitui um tema novo na re-flexão pedagógica. No entanto, hoje exige uma abordagem mais
ampla que, sem desconsiderar os aspectos psicológicos
os relativos aos ritmos e estilos de aprendizagem, incorporem
também a utilização de distintas expressões culturais. A
trução de materiais pedagógicos nessa perspectiva e a criação de
condições concretas nas
cas
ciai relevância e a
, como
cons-
escolas que permitam uma efetiva dife-
renciação é outra exigência. Supõe “desengessar” a sala de aula,
multiplicar espaços e tempos de ensinar e aprender.
Quanto ao que diz respeito a linguagens e mídias, traba-
o já afirmado nesta categoria, trata-se
5 CONSIDERAçõES FINAIS
Retomo agora algumas das reflexões que desenvolvi neste
Uma escola de qualidade para todos e todas ainda não foi
lhadas em articulação com
de conceber a escola como um centro cultural em que diferentes
linguagens e expressões culturais estejam presentes c sejam pro-duzidas. Não se trata simplesmente de introduzir
nologias de informação c comunicação e sim de dialogar
processos de mudança cultural, presentes cm toda a população,
tendo, no entanto maior incidência
texto.
conquistada. No momento atual está pressionada e desafiada por
muitas questões. Não se trata de enfrentá-las através de um mero
ajuste ou reforma de alguns aspectos específicos de
guração, reduzindo sua problemática à gestão e maior controle
através de sistemas de medição de determinadas aprendizagens.
as novas tec-
sua confi-com os
entre os jovens e as crianças,
configurando suas identidades (Sarlo, 2004, p. 120 e 121).
Os educadores e educadoras estão chamados a enfrentar
Assumo a perspectiva de que é necessário “ reinventar a
escola ’, para que possa ser mais significativa e relevante para os
tempos pós-modernos em que vivemos. Reinventar exige ressig-
nificar e construir uma nova configuração. A dimensão cultural
vem adquirindo especial relevância, em todos os âmbitos, do po-
lítico ao escolar. A consciência de que igualdade e diferença se
exigem mutuamente é cada vez mais forte.
Os diferentes grupos socioculturais, particularmente
os historicamente marginalizados e silenciados, vêm adqui-
rindo continuamente crescente visibilidade e questionam a
escola. A reflexão didática não pode estar alheia a essa proble-
mática. A partir da perspectiva crítica, na qual estou enraizada,
considero que a interculturalidade é central para se avançar
produção de conhecimentos e práticas orientados a colaborar na
as questões colocadas por essa mutação cultural, o que supõe não
somente promover a análise das diferentes linguagens e produtos
culturais, como também favorecer experiências de produção cul-tural e de ampliação do horizonte cultural dos alunos e alunas,
aproveitando os recursos disponíveis na comunidade escolar e
na sociedade.
A quarta categoria, políticas públicas, aponta para as rela-
ções dos processos educacionais e o contexto político-social
que se inserem. A perspectiva intercultural crítica reconhece os
diferentes movimentos sociais que vêm se organizando
de questões identitárias, defende a articulação entre políticas de
mhecimento e de redistribuição (Fraser, 2001) e apoia políti-
em
em torno
na
rec(
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DIDáTICA: ENTRE SABERES, SUJEITOS E PRáTICAS ENSINO DE DIDáTICA: ENTRE RECORRENTES E URGENTES QUESTõES
afirmação de uma sociedade verdadeiramente democráti
que justiça social e justiça cultural se entrelacem.
Essa perspectiva da didática crítica e intercultural está em
que
tanto na produção acadêmica,
quanto na prática cotidiana de educadores e educadoras.
REFERêNCIASca em
construção. No entanto, já é possível identificar elementos
favorecem seu desenvolvimento CANDAU, V. M. F. Construir ecossistemas educativos: reinventar a
escola. In: CANDAU, V. M. F. (org.). Reinventar a escola.7. cd. Petró-
polis: Vozes, 2010 ( 1. ed., 2005).
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Felipe
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