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ESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECÇÃO DE SÃO PAULO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITODO TRABALHO E PREVIDENCIÁRIO MATERIAL E PROCESSUAL Luiz Fernando Geronymo UNICIDADE SINDICAL NO BRASIL MONOGRAFIA DE DIREITO São Paulo 2018 ESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECÇÃO DE SÃO PAULO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITODO TRABALHO E PREVIDENCIÁRIO MATERIAL E PROCESSUAL Luiz Fernando Geronymo UNICIDADE SINDICAL NO BRASIL Trabalho de Conclusão de Curso de Pós Graduação da Escola Superior de Advocacia – Processual Trabalhista e Previdenciário. Orientador: Profº. Drº Edson Gramuglia Araujo São Paulo 2018 ESCOLA SUPERIOR DA ADVOCACIA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECÇÃO DE SÃO PAULO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM DIREITODO TRABALHO E PREVIDENCIÁRIO MATERIAL E PROCESSUAL A Comissão Julgadora dos trabalhos de conclusão de curso, “Intitulado tribunal do Júri”, em sessão pública, considerou o candidato Luiz Fernando Geronymo, ____________. COMISSÃO EXAMINADORA: ___________________________________________________________ ___________________________________________________________ ___________________________________________________________ São Paulo, 15 Junho, 2018. Dedico esta conquista aos meus filhos, Ana Giulia Laurentina Geronymo e Luiz Felipe Laurentino Geronymo, pelo carinho e compreensão, por terem tornado a minha existência completa e principalmente pela oportunidade de experimentar a mais pura forma de amor. Ainda dedico a minha esposa, Claudia Laurentina Geronymo que está sempre ao meu lado, me incentivando nos momentos mais difíceis, sem a qual nada disso seria possível. Agradeço primeiramente a Deus, por me permitir alcançar esta conquista, fazendo-se presente em todos os momentos. Aos meus queridos pais, Archimedes Geronymo e Conceição Aparecida Pequeno Geronymo, por me darem a vida e me ensinarem a vivê-la com dignidade. Agradeço também ao nobre orientador, Professor Doutor Edson Gramuglia Araújo, pelas orientações, conselhos e principalmente paciência, tornando possível a conclusão desta monografia. Aos nobres professores que nos acolheram com muito selo e dedicação. Por fim, agradeço a todos que, diretamente ou indiretamente, contribuíram para a elaboração e construção deste trabalho. “Teu dever é lutar pelo Direito, mas se um dia encontrares o Direito em conflito com a Justiça, luta pela Justiça” Eduardo Juan Couture SUMÁRIO RESUMO......................................................................................................................08 ABSTRACT..................................................................................................................09 INTRODUÇÃO.............................................................................................................10 1-DEFINIÇÃO DE SINDICATO....................................................................................11 1.1-FONTES DO DIREITO SINDICAL...............................................................12 2-EVOLUÇÃO SINDICAL NO BRASIL.......................................................................16 2.1-PRINCIPIOS QUE REGEM O DIREITO SINDICAL....................................21 2.2-FUNÇÕES DO SINDICATO........................................................................30 2.3-NATUREZA JURÍDICA................................................................................32 3-UNICIDADE E PLURALIDADE SINDICAL..............................................................33 3.1-UNICIDADE SINDICAL...............................................................................34 3.2-LIBERDADE SINDICAL...............................................................................36 3.3-UNICIDADE VERSUS PLURALIDADE.......................................................38 4-NORMAS SINDICAIS NA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO...41 CONCLUSÃO..............................................................................................................46 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................48 RESUMO O presente trabalho analisa a questão da unicidade sindical no Brasil, com ênfase na pluralidade sindical. Abordaremos a relação sindical sob seus aspectos mais importante, apresentando seu conceito geral e um breve histórico sobre o assunto. Entende-se como sindicato associação de pessoas físicas ou jurídicas, que tem atividade econômica ou profissionais. A principal função do sindicato é a defesa dos interesses coletivos e individuais de seus membros ou de determinada categoria. Abordaremos como ênfase principal, a divergência que existe entre unicidade sindical e pluralidade sindical, sendo que a Constituição Federal em seu artigo 8º estabelece a livre associação, mas não possibilita a criação de mais um sindicato da mesma categoria na mesma base territorial. A questão central é esta, tal imposição é o contraponto, uma vez que, conforme determina o artigo constitucional, facultando a livre associação profissional ou sindical. Contudo, há uma vedação concernente a criação de mais uma organização sindical em qualquer grau, representativa a categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial. Esta posição é de tamanha relevância, uma vez que esbarra na soberania e sobrevivência sindical. Dentro do contexto histórico mundial, é possível verificar a modificação dos modelos de representatividade sindical. Ora, em determinado país era adotada a unicidade, ora era adotada a pluralidade, tudo com a devida proteção da legislação visando maior abrangência protetiva para trabalhadores e empregadores. Existe a necessidade de uma reforma sindical, buscando os verdadeiros interesses do mundo do trabalho, bem como uma adequação legislativa que realmente imponha aos sindicatos a busca pelos interessados de sua categoria, para que haja verdadeira justiça. ABSTRACT This paper analyzes the issue of union unity in Brazil, with emphasis on trade union plurality. We will obey the union relation under its most important aspects, presenting its general concept and a brief history on the subject. It is understood as union association of natural or legal persons, who has economic or professional activity. The main function of the union is the defense of the collective and individual interests of its members or of a certain category. The main emphasis is on the divergence between union unity and union plurality. The Federal Constitution, in its article 8, establishes free association, but does not allow the creation of another union of the same category in the same territorial base. The central issue is this, such imposition is the counterpoint, since, as determined by the constitutional article, allowing the free professional association or union. However, there is a fence concerning the creation of another trade union organization in any degree, representative of the professional or economic category, on the same territorial basis. Thisposition is of such relevance, since it runs into union sovereignty and survival. Within the world historical context, it is possible to verify the modification of the models of union representation. In one country, however, uniqueness was adopted, and plurality was adopted, all with due protection of the legislation, aiming at a greater protection for workers and employers. There is a need for a trade union reform, seeking the real interests of the world of work, as well as a legislative adequacy that really forces trade unions to search for their category for real justification. 10 INTRODUÇÃO O presente trabalho de conclusão de curso vem esboçar o inicio da relação sindical no Brasil, apontado os avanços e retrocesso e perspectivas atuais com relação a unicidade e pluralidade sindical. Buscando conceitos, princípios constitucionais relevantes e aspectos doutrinários. O tema é passivo de reflexões, principalmente no que se refere à relação construída entre empregados e empregadores. A questão da unicidade sindical, objeto central deste estudo, tem como escopo a limitação da categoria sindical por município, sendo isto um paradoxo em relação à posição dominante no mundo. O Brasil é um dos poucos países que não adotam a Convenção 87, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que garante aos empregados e empregadores o livre exercício de sindicalizar em sindicatos de sua conveniência e interesses políticos. Esse tema, transformado em bandeira política, sempre foi suscitado pelo movimento sindical nos tempos da ditadura militar (1964-1984), como uma forma de exigir o direito de livre organização dos trabalhadores e o fim da intervenção do governo militar na vida sindical. Atualmente, tal concepção encontra-se em consonância com a vigente Constituição Federal de 1988 (Artigo 8º, II). Há ainda há quem defenda que a liberdade sindical foi garantida apenas com a exigência da unicidade sindical. Em sentido contrário, de forma muito próxima de ser majoritárias. Alguns doutrinadores entendem que a unicidade sindical, além de outros entraves constitucionais maculam fundamentalmente a liberdade e autonomia sindical, confundindo, questões como unidade e pluralidade se confundem com conceito de unicidade. Estas questões conjunturais imediatas que produzem efeitos no movimento sindical brasileiro têm como apoio, um sistema baseado na liberdade sindical, rompendo com o sistema atual. É possível ainda a interpretação de que a liberdade nada mais é do que a possibilidade, de livrar-se do incomodo de um sindicalismo reivindicatório e divergente aos interesses dos trabalhadores, que, ao longo dos anos, acabou por sepultar inúmeras possibilidades históricas de avanços. 11 1) DEFINIÇÃO DE SINDICATO A palavra sindicato nos remete a palavra síndico, que é encontrada no direito Romano e designada á alguém que recebe poderes para representar uma coletividade. No Grego a expressão aparece como sundike, e na França a expressão sindicato (syndic) é sinônimo de sujeito diretivo de grupos profissionais. Para Quijano, sindicato é a defesa da causa de alguém em algo, expressão utilizada na Grécia e em Roma. O Trade Unions Act da Inglaterra, de 29 de junho de 1871, art.23, dispõe que os sindicatos são associações temporais ou permanentes, surgidas para regular as relações entre trabalhadores e empresários e para impor condições que se referem ao exercício profissional. Na Lei Waldeck-Rousseau, da França, de 1884, “os sindicatos profissionais têm por finalidade exclusivamente a defesa dos interesses “econômicos, industriais e agrícolas e estão formados por pessoas que exercem a mesma profissão, ofícios similares ou profissões conexas”. Para o jurista francês Paul Durand, sindicato “é um agrupamento no qual várias pessoas que exercem uma atividade profissional convencionam pôr em comum, de uma maneira durável e mediante uma organização interior, suas atividades e uma parte dos seus recursos para assegurar a defesa e representação da sua profissão e melhorar suas condições de existência”. Segundo Botija, sindicato “é uma associação, de tendência institucional que reúne as pessoas de um mesmo ofício para a defesa dos seus interesses profissionais”. A doutrina tem apresentado uma série de conceitos sobre sindicatos, no entanto, em sentido estrito, sindicato é definindo como associação que tem por objeto representar e defender os interesses gerais de relativa categoria profissional, bem como, determinada categoria empresarial. Nesse sentido, supletivamente dos interesses individuais dos seus membros. A necessidade de associação esta investida nos poderes de representação dos interesses gerais da categoria de empregados ou de empregadores. Apenas de forma supletiva é que se admite que essa representação se estenda aos interesses individuais dos seus membros. Segundo Amauri Mascaro Nascimento o fim do sindicato é a ”defesa da classe, a reivindicação de melhores condições de trabalho, a negociação coletiva e a condução do processo deflagrado com os conflitos coletivos ¹”. Ainda para Mascaro, “Sindicato é uma organização social constituída para, segundo um princípio de autonomia privada coletiva, defender os interesses trabalhistas e econômicos nas relações coletivas entre os grupos sociais ²”. A Sua Natureza jurídica depende do depende do sistema jurídico em que se encontra, havendo três posições fundamentais. A primeira define o sindicato como ente de direito privado, disciplinado, como as demais associações, pelas regras pertinentes a esse setor do direito. Subdivide-se com a posição de doutrinadores que sustentam a sua natureza privada, porém com o exercício de funções públicas. A segunda inclui os sindicatos entre as pessoas jurídicas de direito público, órgãos pertencentes ao Estado, como no Leste Europeu e no corporativismo italiano e de outros países. O sindicato é mero apêndice do Estado. A terceira vê no sindicato uma pessoa jurídica de direito social. ____________________________ ¹ NASCIMENTO, Amauri Mascaro – Curso de Direito do Trabalho – 26º Edição – São Paulo – Saraiva, 2011, p.1303, ² NASCIMENTO, Amauri Mascaro – Curso de Direito do Trabalho – 26º Edição – São Paulo – Saraiva, 2011, p.1303, 12 No Brasil, na constitucional de 1937 e mesmo depois, o sindicato apresentou características que embora o conserve como pessoa jurídica de direito privado, o cercavam de fortes conotações publicísticas, como é possível concluir pelas suas atribuições legais. Nesse período, o exercício de funções delegadas de Poder Público após a Constituição de 1988 desvinculou efetivamente rompendo com a autonomia de organização e de administração, realçando a natureza privada dos sindicatos e a sua defesa aos interesses coletivos e individuais dos seus representados. 1.1- Fontes do Direito Sindical Tomando a expressão fonte do direito não apenas no sentido técnico do conjunto de pressupostos de validade que devem ser obedecidos para que as normas jurídicas possam ser consideradas obrigatórias (Miguel Reale) mas, também, com maior amplitude, como correlação das estruturas normativas com os seus elementos constitutivos que se desenvolvem na história, será possível dar ao tema dimensão mais abrangente, como convém ao direito sindical, para alguns tema predominantemente sociológico e não jurídico. O liberalismo da Revolução Francesa de 1789 suprimiu as corporações de ofício, entre outras causas por sustentar que a liberdade individual não se compatibiliza com a existência de corpos intermediários entre o indivíduo e o Estado. Para ser livre, o homem não pode estar subordinado à associação, porque esta suprime a sua livre e plena manifestação, submetido que fica aopredomínio da vontade grupal. Essa posição doutrinária, que serviu de suporte para a extinção das corporações de ofício, de longo desenvolvimento histórico, viria a provocar, com a efetivação dos seus objetivos, a interrupção de um procedimento associativo e a dissociação dos mestres, companheiros e aprendizes. Criou-se uma lacuna na ordem jurídica, uma vez que as pessoas que até então podiam pertencer a uma união não mais puderam fazê-lo, com o que se dispersaram, exatamente como pretendia a ideia liberal. O direito individualista da Revolução Francesa se opõe à coalizão trabalhista e, nesse ponto, deixou um vazio nas organizações sociais e em sua ação coletiva. Com isso,separaram-se as primeiras uniões e os seus membros. Esse divórcio prejudicou o instinto de associação. As corporações, porém, uniam empregadores (mestres) e trabalhadores (companheiros). A renovação da atmosfera associativa, que na França se intensificou somente com a Segunda República, caracterizou-se com a associação de assalariados entre si, traço que marcou a evolução do sindicalismo até hoje, quebrado, raramente, por sindicatos denominados mistos, existentes só por exceção. É correto identificar, como Ojeda Avilés1, a fase da proibição, a fase da tolerância e a fase do reconhecimento do direito sindical, esta última subdividindo-se em reconhecimento sob controle do Estado, como no corporativismo e no sistema soviético, e em reconhecimento com liberdade caracterizada pela desvinculação entre a organização sindical e o Estado, em maior ou menor grau. É possível considerar, como primeira manifestação proibitiva da associação dos trabalhadores, a Revolução Francesa de 1789 e o Liberalismo, enquanto consideraram a associação incompatível com a liberdade do homem. Nesse sentido, a Lei Le Chapelier (1791) inequivocamente exemplifica a fase de proibição das coalizões dos trabalhadores. Outras manifestações ocorreram no mesmo sentido. Na Grã-Bretanha uma antiga elaboração jurisprudencial da common law, como cita Antonio Ojeda Avilés, considera contrário ao interesse público todo pacto limitativo da liberdade de comércio 13 individual, seguindo as teorias econômicas que exaltam a livre iniciativa mas vedam as uniões, com o que as leis sobre coalizões (1799 e 1800) proíbem as organizações ou reuniões de trabalhadores enquanto tiverem a finalidade de obter melhores salários ou influir sobre as condições de trabalho. Em diversos países, na mesma época, os sindicatos foram proibidos, considerados como conspiração delitiva, inclusive em países que haviam reconhecido o direito de associação, como a Bélgica. O Código Penal de Napoleão (1810) pune a associação de trabalhadores, expressando a tendência de caracterizar como delito a organização sindical, como se a questão social fosse uma questão policial. O direito de associação reaparecia, de modo tênue, com a Lei Waldeck- -Rousseau. De nada adiantaram as medidas restritivas contra o sindicalismo, as greves e a coalizão. A organização dos trabalhadores prosseguiu desafiando as leis e as sanções aplicadas pelo Estado. Aos poucos, as ideias foram-se modificando, por força da ação direta dos operários e das doutrinas sociais, que começavam a ter aceitação. As leis sobre conspiração, vigentes na Grã-Bretanha, foram revogadas (1824), retirando-se assim o caráter delituoso das coalizões. Como afirma Antonio Ojeda Avilés, o exemplo foi seguido por diversos países, que, embora não admitindo expressamente o direito de sindicalização, passaram a tolerar a existência de sindicatos: França (1864), Confederação da Alemanha do Norte (1864), Holanda (1872), Itália (1890), Estados Unidos da América do Norte, conforme jurisprudência do Tribunal Supremo de Massachusetts no caso Commonwealth versus Hunt e outros. Duas vertentes intervencionistas, e o intervencionismo estatal é incompatível com a liberdade sindical, desenvolveram-se como experiências que tiveram a sua razão de ser mas que na atualidade pouco representam, o sindicalismo socialista e o corporativismo. O sistema político adotado na Rússia levou o sindicato a um impasse teórico, com as suas funções de certo modo comprometidas perante o Estado, a menos que se entenda normal um sindicato reivindicativo diante de uma “ditadura do proletariado”. Falou-se, com alguma propriedade, que na Rússia o sindicato não luta contra algo, mas por algo, com o que se quer dizer que, cabendo ao Estado promover a supressão da luta de classes e estando o poder político teoricamente nas mãos dos próprios trabalhadores, naturalmente inibiram-se as iniciativas espontâneas. Os sindicatos desempenharam um papel educativo e político de defesa dos princípios fundamentais em que se baseia o Estado. Foram unidades de realização do desenvolvimento econômico, e também de uma função relevante na prestação de serviços assistenciais, fazendo parte da própria estrutura da empresa, na qual se interpenetravam. Conforme o preâmbulo dos seus estatutos, desenvolviam todas as suas atividades sob a direção do Partido Comunista da União Soviética, força organizadora e diretriz da sociedade soviética. A Confederação Internacional das Organizações Sindicais Livres questionou o problema perante o Comitê de Liberdade Sindical da Organização Internacional do Trabalho. O governo da URSS respondeu que não havia controle sobre os sindicatos e que os membros do partido eram também membros do sindicato, com o que as deliberações eram tomadas de comum acordo entre os dois órgãos, dando a entender que os sindicatos aceitavam voluntariamente essa submissão. Em consequência, o Comitê de Liberdade Sindical recomendou que os governos deveriam evitar que o movimento sindical se transformasse em instrumento político e deviam, também, evitar interferências nas funções normais do sindicato, a 14 pretexto de manter com eles relações livres.Para Antonio Ojeda Avilés, os três traços estruturais que caracterizaram esse sistema foram baseados nas ideias de ausência de classes antagônicas, no pleno emprego e no plano central, no qual os empresários privados foram substituídos por funcionários públicos na direção das empresas, que se consideravam tão trabalhadores como os demais, ainda quando funcionavam como interlocutores dos comitês de empresas. O sindicalismo nos países de economia socialista, portanto, apresentou-se como “único e pseudovoluntário”; único, em contraposição ao pluralismo sindical; pseudovoluntário, de acordo com a concepção do sindical socialista. A segunda manifestação do sindicalismo sob intervenção é o corporativismo, significando a intervenção e a interferência do Estado no movimento sindical, que invalida, também, a sua naturalidade, na medida em que o submete aos modelos estabelecidos pelo Estado em detrimento da sua livre organização e ação. O padrão básico foi o da Itália, da Carta del Lavoro (1927), considerando o processo de produção uma função de interesse nacional compreendida como um complexo unitário que vincula capital e trabalho sob o manto protetor do Estado, a este competindo a organização das categorias dos trabalhadores. Igual experiência político-econômico-sindical é a da Espanha com o Código do Trabalho (1926), que, segundo Montoya Melgar2, significava a “máxima realização alcançada pelas velhas aspirações harmonicistas, desejosas de substituir o dogma marxista da luta de classes pelo princípio da pacífica colaboração entre estas”. Na era franquista coube ao Fuero del Trabajo (1938) exercer funções estatais de natureza fiscalizadora e normativa; a organização estatal dos sindicatos se fez segundo o princípio do sindicato único, a exemplo da Itália, estruturada de modo hierárquico com a subordinação dos sindicatos ao Estado, a proibição das greves e as regulamentações coletivas corporativas no lugar dos contratos coletivos. Portugaltambém alicerçou o seu sistema de relações de trabalho, com a Constituição Política e o Estatuto do Trabalho Nacional (1933), segundo os mesmos princípios, e, para Cunha Gonçalves, em Princípios de direito corporativo (Lisboa, 1935), observados três princípios: o nacionalismo, significando um sentimento de solidariedade nacional contra o egoísmo estrangeiro; a necessidade de organização, condição de superioridade evolutiva impondo a organização do trabalho pelo Estado; e a pacificação social, implementando, por meio do Estado, a harmonia entre as classes segundo uma ideia de cooperação entre o capital e o trabalho, o anti- individualismo e o antissocialismo. No nacional-socialismo da Alemanha, hiato na vida sindical daquele país, os trabalhadores foram agrupados na Frente de Trabalho Alemã para a consecução dos objetivos do nazismo, eliminada, assim, a liberdade de organização, a exemplo do corporativismo e do socialismo, sendo a principal fonte normativa a Lei de Ordenação do Trabalho Nacional (AIG-1934). Com o fim da Guerra Mundial, o movimento sindical cindiu-se em dois, nas duas Alemanhas, unificado, novamente, com a queda do muro de Berlim, com base num princípio de organização espontânea, que leva a uma unidade natural, não imposta pelo Estado, num sistema cogestionário de relações de trabalho. Paralelamente, desenvolveu-se o modelo sindical desatrelado do Estado, de que é maior exemplo o dos Estados Unidos, segundo uma concepção política liberal, de não intervenção do Estado nas relações coletivas de trabalho, para que estas se desenvolvessem espontaneamente e não pela mão do Estado, portanto a auto- organização do trabalho por meio dos critérios de agrupamento e formas jurídicas de estruturação julgadas adequadas pelos próprios atores sociais e não pelo Governo, com amplos poderes de negociação coletiva apoiada pelo direito de greve, tudo como 15 expressão de um sistema de economia de mercado e de organização política democrática. No entanto, não foi o sindicalismo norte-americano, mas o tradeunionismo da Inglaterra, o mais antigo sindicalismo do mundo, encontrado já em 1720, com uniões de trabalhadores em Londres que reivindicavam salários e limitação da jornada de trabalho, e que adquiriu liberdade com as leis de 1824 e 1871, do qual nos dão uma visão S. e B. Webb, em The history of unionism: 1866-1920 (Londres, 1920). Dólleans, em Histoire du mouvement ouvrier: 1830-1920 (Paris, 1936), diz-nos que foi nos jornais de 1830 que apareceu pela primeira vez a expressão Trade Unions, associação de todos os trabalhadores do mesmo ofício, sendo pioneiros os trabalhadores da tecelagem e construção de Lancashire e Yorkshire. A obra clássica do direito inglês é, na atualidade, Labour and the law, de Otto Kahn-Freund. Na França formou-se a partir de 1884 um sindicalismo confederado com organismos centrais, como a Fédérations des Bourses du Travail, agrupando as Bolsas de Trabalho, entes em torno dos quais se concentrou uma vida sindical para incrementar a oferta e a procura de mão de obra. Surgiu a Confédération Générale du Travail em decorrência de congressos sindicais como o de Limoges (1895) e Montpellier (1902) e desenvolveram-se centrais sindicais como a CGTU — Confédération Générale du Travail Unitaire e a CGT-FO — Confédération Générale du Travail — Force Ouvrière, como decorrência da cisão da CGT; e foi criada a CFTC — Confédération Française des Travailleurs Chrétiens. Destaquem-se, na França, dois grandes pactos, o acordo de Matignon (1936), após um período conturbado por invasões de fábricas 1235 pelos operários e que permitiu o reconhecimento dos princípios da liberdade sindical, das convenções coletivas e dos delegados sindicais, e o acordo de Grenelle (1968), resultante de discussões entre Estado e sindicatos, com quinze pontos que serviram de base consensual para elaboração da legislação trabalhista. Passando-se, agora, às fontes formais ou normas jurídicas que constituem o ordenamento jurídico, há que se examinar, sucintamente, os tipos de normas que constituem as fontes do direito sindical. As fontes internacionais são as Convenções da Organização Internacional do Trabalho, entre as quais as seguintes, de acordo com os respectivos números e temas: n. 11 (1921), sobre direito de associação na agricultura; n. 84 (1947), sobre direito de associação em territórios metropolitanos; n. 87 (1947), sobre liberdade sindical; n. 98 (1949), sobre direito de sindicalização e negociação coletiva; n. 91 (1951), sobre convenções coletivas; n. 92 (1952), sobre conciliação e arbitragem; n. 94 (1952), sobre colaboração no âmbito da empresa; n.113 (1960), sobre consulta às organizações de empregadores e trabalhadores pelas autoridades públicas; n. 130 (1967), sobre exame de reclamações dos trabalhadores na empresa; n. 135 (1971), sobre representantes dos trabalhadores; n. 143 (1971), sobre revisão da Convenção n. 135; n. 141 (1975), sobre organizações de trabalhadores rurais; n. 149 (1975), sobre revisão da Convenção n. 141; n. 144 (1976), sobre consulta tripartite; n. 151 (1978), sobre proteção do direito de sindicalização e procedimentos para determinar condições de emprego na Administração Pública; n. 159 (1978), sobre revisão da Convenção n. 151; n. 154 (1981), sobre desenvolvimento da negociação coletiva; n. 163 (1981), sobre revisão da Convenção n. 154. Entre as declarações programáticas destaque-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), da Organização das Nações Unidas. No plano do direito comunitário, o Tratado de Roma (1957), que fundou a Comunidade Econômica Europeia, hoje União Europeia, o Tratado de Maastricht (1992) e, no âmbito do MERCOSUL, a Declaração Sociolaboral do MERCOSUL. No MERCOSUL há comissões estudando a possibilidade da harmonização das leis nos países que o integram. Outros tipos de normas jurídicas do direito sindical são as leis constitucionais e infraconstitucionais; as disposições da Administração. 16 2) EVOLUÇÃO SINDICAL NO BRASIL Os dois marcos principais da evolução sindical no Brasil é os mesmos do Direito do Trabalho: 1930 e 1988. A) Período Inicial do Sindicalismo Brasileiro — Antes de 1930, o ramo jus trabalhista ainda se encontrava em fase de manifestações incipientes e esparsas, sem alcançar a complexidade de regras, práticas, institutos e princípios aptos a lhe conferirem autonomia no plano do Direito. Isso era compreensível, uma vez que o país mal extirpara a escravatura como principal relação de produção em sua economia (o que ocorreria apenas em 1888), deixando de tornar hegemônica a relação de emprego (base do Direito do Trabalho e do sindicalismo) no conjunto de seus vínculos sócio econômico. Ao lado disso, seu processo industrial, embora crescente, era também relativamente limitado, expandindo-se nas brechas e limites conferidos pela dominante economia agroexportadora. Do mesmo modo que as regras e instituições trabalhistas eram esparsas e incipientes (sequer havia a competência exclusiva da União para legislar sobre o ramo jurídico, o que somente surgiu com a Emenda Constitucional de 1926), assim também era o próprio sindicalismo. As primeiras associações de trabalhadores livres surgiram nas décadas finais do século XIX, ampliando-se a experiência associativa ao longo do inicio do século XX. Tratava-se de ligas operarias, sociedades de socorro mutuo, sociedades cooperativas de obreiros, enfim, diversos tipos de entidades associativas que agregavam trabalhadores por critérios diferenciados(4). Na formação e desenvolvimento dessas entidades coletivas teve importância crucial à presença da imigração europeia, que trouxe ideias e concepções plasmadas nas lutas operarias do velho continente. A ordem jurídica regulatória do Sindicalismo, na época, não era do tipo interventivo, inexistindo modelo oficialde sindicato a ser implementado (ao contrario do que ocorreriam tempos depois, a contar de 1930). De fato, ainda em 1890, o Decreto n. 1.162 derrogou a tipificacao da greve como ilicito penal, mantendo como crime apenas os atos de violência praticados no desenrolar do movimento (4). Logo em seguida, a Constituição Republicana de 1891 iria assegurar os direitos de reunião e associação (art. 72, § 8a). Algum tempo depois, o Decreto n. 979, de 1903, facultaria a criação de sindicatos rurais (onde se situava, na época, a parte mais significativa da forca de trabalho do país) (5), ao passo que, em 1907, o Decreto Legislativo n. 1.637 estenderia a vantagem a área urbana, facultando a criação de sindicatos profissionais e sociedades cooperativas (6). _______________________ 4 VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. p. 46. 5 PINTO, Jose Augusto Rodrigues, ob. cit., p. 57. 6 PINTO, José Augusto Rodrigues, ob. cit. e FAUSTO, Boris. Trabalho Urbano e Conflito Social — 1890-1920. São Paulo: Difel, 1976. p. 223-224. 17 Os historiadores explicam que o sindicalismo pré-30 tornou-se relativamente estruturado em alguns específicos segmentos, em particular atados a dinâmica central da economia da época. Nesse quadro, os setores de ferrovias e portos, vinculados a agroexportacão de café, apresentaram evolução organizativa consistente. Boris Fausto, a esse respeito, expõe: “As docas de Santos reuniram o primeiro grupo importante de trabalhadores em todo o Estado, cujas lutas se iniciaram em fins do século e permaneceram constantes no correr dos anos”. (7) Completa o mesmo autor: “O setor serviços (ferrovias e portos) e estrategicamente o mais relevante, dele dependendo o funcionamento básico da economia agroexportadora, assim como o que representa o maior grau de concentração de trabalhadores”. Ao lado desse sindicalismo mais proeminente, surgem também entidades sindicais em torno do parque industrial que se forma entre 1890 e 1930 no pais, principalmente em São Paulo. No conjunto, esse incipiente movimento sindical teve participação eventualmente importante em certos períodos da Republica Velha. Os autores, por exemplo, apontam a greve pelas oito horas de trabalho, abrangendo São Paulo, Santos, Ribeirão Preto e Campinas, em 1907, e a conjuntura de intensos movimentos trabalhistas passada de 1917 a 1920 como alguns dos pontos mais significativos da atuação coletiva obreira nessa fase inicial do sindicalismo e do ramo justrabalhista. (9) Como exposto por este autor em outra oportunidade, a característica desse período a presença de um movimento operário ainda sem profunda e constante capacidade de organização e pressão, quer pela incipiência de seu surgimento e dimensão no quadro econômico-social da época, quer pela forte influencia anarquista hegemônica no segmento mais mobilizado de suas lideranças próprias. Nesse contexto, as manifestações autonomistas e de negociação privada vivenciadas no novo plano industrial não tem ainda a suficiente consistência para firmarem um conjunto diversificado e duradouro de praticas e resultados normativos, oscilando em ciclos esparsos de avanços e refluxos (10). B) 1930: implantação e reprodução de modelo sindical — O modelo trabalhista brasileiro preponderante no século XX construiu-se, como se sabe, nas décadas de 1930 e 40, no desenrolar do Governo Getulio Vargas. O mais importante pilar desse modelo era o sistema sindical, que se entrelaçava com seus demais sustentáculos. Essa fase de construção institucional, ja iniciada em 1930, consubstancia, em seus primeiros treze a quinze anos (ou pelo menos ate 1943, com a Consolidação das Leis do Trabalho), intensa atividade do Estado, em consonância com o novo padrão de gestão sociopolítico que se instaura no país com a derrocada, em 1930, da hegemonia exclusivista do segmento agroexportador de café. O Estado largamente intervencionista que se forma estende sua atuação também a área da chamada questão social. Nesta área implementa vasto e profundo conjunto de ações diversificadas mas nitidamente combinadas: de um lado, através de profunda repressão sobre quaisquer manifestações autonomistas do movimento operário; de outro lado, por meio de minuciosa legislação instaurando um abrangente novo modelo de organização do sistema jus trabalhista, estreitamente controlado pelo Estado (11). __________________________ 7 FAUSTO, Boris, ob. cit., p. 13. Curso de Direito do Trabalho – Mauricio Mascaro Goldinho,p.1376 8 FAUSTO, Boris, ob. cit., p. 122 –Curso de Direito do Trabalho – Mauricio Mascaro Goldinho,p.1376 9 FAUSTO, Boris, ob. cit., p. 146-150 e 157-217. 10 DELGADO, Mauricio Goldinho. Introdução ao Direito do Trabalho, 3. ed. São Paulo: LTr, em seu Capitulo II, item 2.A. 11 DELGADO, Mauricio Goldinho. Curso de Direito do Trabalho, 11º ed,São Paulo, p,1377 18 Essa evolução em um interregno de menos de dois anos, entre 1934 e 1935, com a Constituição de 1934, quando voltou a florescer maior liberdade e autonomia sindicais (a própria pluralidade sindical foi acolhida por esta Constituição). Entretanto, logo imediatamente o governo federal retomou seu controle pleno sobre as ações trabalhistas, através do estado de sitio de 1935, dirigido preferencialmente às lideranças políticas e operarias adversárias da política oficial. Mais que isso, com o estado de sitio de 1935, continuado pela ditadura aberta de 1937, pode o governo federal eliminar qualquer foco de resistência a sua estratégia política-juridica, firmando solidamente a larga estrutura do modelo justrabalhista, cujas bases iniciara logo após o movimento de outubro de 1930. O modelo justrabalhista mencionado forma-se a partir de políticas integradas, administrativamente dirigidas em pelo menos em seis direções. Todas essas políticas mostraram-se coerentemente lançadas e estruturadas nos quinze anos do governo instalado em 1930. A primeira área contemplada pela ação governamental seria a própria administração federal, de modo a viabilizar a coordenação das ações institucionais a serem desenvolvidas nos anos seguintes. Criou-se, assim, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comercio pelo Decreto n. 19.443, de 26.11.1930. Meses após, em 4.2.1931, instituiu-se o Departamento Nacional do Trabalho (Decreto n. 19.671-A)(12). A área sindical seria também imediatamente objeto de normatização federal, através do Decreto n. 19.770, de 19.3.1931, que cria uma estrutura sindical oficial, baseada no sindicato único (embora ainda não obrigatório), submetido ao reconhecimento pelo Estado e compreendido como órgão colaborador deste(13). Passado o interregno da Constituição de 1934, aprofundou-se o modelo sindical oficial corporativista, através da Carta de 1937 e do Decreto n. 1.402, de 5.7.1939. A essa altura ja se tomara juridicamente explicito o que fora pratica institucional desde 1935: a inviabilidade de coexistência de qualquer outro sindicato com o sindicalismo oficial. Como terceira área de desenvolvimento da política trabalhista oficial, criou-se um sistema de solução judicial de conflitos trabalhistas. Esse sistema seria instaurado, inicialmente, mediante a criação das Comissões Mistas de Conciliação e Julgamento (Decreto n. 21.396, de 21.3.1932), em que so poderiam demandar os empregados integrantes do sindicalismo oficial (Decreto n. 22.132, de 25.11.1932). A Carta de 1937 (não aplicada, e verdade), referindo-se a uma Justiça do Trabalho, induziria, alguns anos após, ao aperfeiçoamento do sistema, na medida em que elevava seu patamar institucional. A Justiça do Trabalho seria, por fim, efetivamente regulamentada pelo Decreto-Lei n. 1.237, de 1.5.1939(14) O sistema previdenciário, também de formação corporativa, vinculado as respectivas áreas profissionaise aos correspondentes sindicatos oficiais, do mesmo modo que as demais instituições do modelo justrabalhista, começou a ser estruturado logo após 1930. Nesse caso, a estruturação procedeu-se a partir da ampliação e reformulação das antigas Caixas de Aposentadoria e Pensões, vindas da época precedente e ainda organizadas essencialmente por empresas. ______________________ 12 MORAES FILHO, Evaristo de. Tratado Elementar de Direito do Trabalho. V. I. Rio de janeiro: Freitas Bastos, 1960. p. 316. 13 VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e Sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989. p. 146-147. 14 Apenas em 1946, pela Constituição daquele ano, e que a Justiça do Trabalho passou a integrar, contudo, o Poder Judiciário 19 Já em 1931, pelo Decreto n. 20.465, de 1.10.31, o novo governo promoveu a primeira reforma ampliativa do anterior sistema previdenciário, firmando, contudo, a categoria profissional como parâmetro (15). O núcleo essencial do novo sistema reformulado e ampliado seriam os diversos Institutos de Aposentadorias e Pensões, abrangendo categorias especificas e tendo âmbito nacional. Com essa nova denominação, o primeiro desses órgãos a ser instaurado foi o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM), mediante o Decreto n. 22.872, de 29.6.1933. Inúmeros outros órgãos semelhantes seguiram-se nos anos subsequentes. A legislação profissional minuciosa desponta por toda essa época, como mais uma área de atuação da política trabalhista do novo governo. Citem-se, ilustrativamente, alguns dos inúmeros diplomas justrabalhistas: Decreto n. 21.471, de 17.5.1932, regulamentando o trabalho feminino; Decreto n. 21.186, de 22.3.1932, fixando a jornada de oito horas para os comerciários, preceito que seria, em seguida, estendido aos industriários (Decreto n. 21.364, de 4.5.1932); Decreto n. 21.175, de 21.3.1932, criando as carteiras profissionais; Decreto n. 23.103, de 19.8.1933, estabelecendo ferias para os bancários, e diversos outros diplomas que se sucederam ao longo da década de 30 ate 1943. A última das direções seguidas pela política oficial tendente a implantar o modelo trabalhista corporativista e autocrático da época traduzia-se nas distintas ações voltadas a sufocar manifestações políticas ou operarias autonomistas ou simplesmente adversas a estratégia oficial concebida. O primeiro marco dessas ações combinadas residiria na Lei de Nacionalização do Trabalho, reduzindo a participação de imigrantes no segmento obreiro do país (Decreto n. 19.482, de 12.12.1930, estabelecendo um mínimo de 2/3 de trabalhadores nacionais no conjunto de assalariados de cada empresa). A essa medida estrutural seguiram-se os diversos incentivos ao sindicalismo oficial (monopólio de ação junto as Comissões Mistas de Conciliação; exclusivismo de participação nos Institutos de Aposentadorias e Pensões, etc.), incentivos que seriam transformados, logo após, em expresso monopólio jurídico de organização, atuação e representação sindical. Finalmente, por quase todo o período getulista, uma continua e perseverante repressão estatal sobre as lideranças e organizações autonomistas ou adversas obreiras. O modelo justrabalhista então estruturado reuniu-se, anos após, em um único diploma normativo, a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-Lei n. 5.452, de 1.5.1943). Embora o nome reverenciasse a obra legislativa anterior (consolidação), a CLT, na verdade, também alterou e ampliou a legislação trabalhista existente, assumindo, desse modo, a natureza própria de um código do trabalho. C) Continuidade do Modelo nas Décadas Subsequentes — O modelo justrabalhista construído entre 1930 e 1945 manteve-se quase intocado nas longas décadas posteriores. A fase de oficialização autoritária e corporativista do Direito do Trabalho brasileiro e de seu modelo sindical estende-se, assim, de 1930 ate pelo menos a Constituição de 1988. Sobre essa continuidade comenta o cientista político Leoncio Martins Rodrigues: "Um dos fatos que chamam a atenção na historia do sindicalismo brasileiro e a extraordinária persistência do tipo de sindicato esboçado após a vitoria de Vargas e completado durante o Estado Novo. Atribuiu-se sua criação a influencia das doutrinas fascistas então em moda, principalmente a Carta do Trabalho italiana. No entanto, depois de 1945, com a chamada redemocratização do pais, o modelo de organização sindical que parecia ter sido uma imposição artificial da ditadura varguista (sob influencia fascista) não sofreu alterações que afetassem sua essência.”(16) 20 Na verdade, o conjunto do modelo justrabalhista oriundo entre 1930 e 1945 e que se manteve quase intocado. A exceção do sistema previdenciário que, na década de 1960, foi afastado da estrutura corporativa sindical e dissociado desse tradicional modelo justrabalhista, não se assiste, quer na fase democrático-desenvolvimentista de 1945-1964(61>, quer na fase do regime militar implantado em 1964, a implementação de modificações substantivas no modelo justrabalhista imperante no pais. D) Constituição de 1988: mudança e continuidade — A Constituição de 1988 e o mais relevante ponto de mudança no modelo trabalhista e sindical brasileiros, desde 1930/45, embora seja também, ao mesmo tempo, um elemento assecuratório de sua continuidade. (17) Não se pode negar, e verdade, os claros pontos de avanço democrático na Constituição brasileira: a nova Constituição confirma em seu texto o primeiro momento na historia brasileira após 1930 em que se afasta, estruturalmente, a possibilidade jurídica de intervenção do Estado — através do Ministério do Trabalho sobre as entidades sindicais. Rompe-se, assim, na Constituição, com um dos pilares do velho modelo: o controle político-administrativo do Estado sobre a estrutura sindical. Ao lado disso, a nova Constituição, pela primeira vez em seis décadas, fixa reconhecimento e incentivos jurídicos efetivos ao processo negocial coletivo autônomo, no seio da sociedade civil. (18) Entretanto, contraditoriamente, a mesma Constituição preserva institutos e mecanismos autoritário corporativos oriundos das bases do velho modelo justrabalhista, como, ilustrativamente, a antiga estrutura sindical corporativista. Por essas contradições e que se pode considerar mera transição a fase inaugurada no Direito do Trabalho do pais pela Constituição de 1988, ao menos no tocante ao Direito Coletivo do Trabalho. a) Avanços Democráticos — Do ponto de vista da criação de condições favoráveis a mais ampla participação dos grupos sociais na geração de normas jurídicas a comporem o universo normativo do pais, democratizando o sistema de gestão trabalhista vigorante, parece claro que a nova Lei Maior teve flagrante intenção de colocar a sociedade brasileira nesse caminho. Já em seu Preâmbulo, a Constituição fala em exercício de direitos sociais e individuais, faz menção a uma sociedade pluralista e defende a solução pacifica de conflitos. Nos Princípios Fundamentais, refere-se a valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, a uma sociedade livre, justa e solidaria, reiterando a noção de solução pacifica de conflitos. Mais que isso, a Constituição de 1988 inova — de modo muito destacado — perante todos os Textos Constitucionais anteriores ao estatuir que todo o poder emana do povo, que o exercera por meio de seus representantes ou diretamente. ___________________ 15 GODINHO Mauricio Delgado – Curso de Direito do Trabalho p. 1379 11º Ed. Apenas em 1946, pela Constituição daquele ano, e que a Justiça do Trabalho passou a integrar, contudo, o Poder Judiciário. 16 RODRIGUES, Leoncio Martins. Trabalhadores, Sindicatos e industrialização. São Paulo: Brasiliense, 1974, p. 94. A observação em parênteses esta no original. 17 GODINHO Mauricio Delgado – Curso de Direito do Trabalho p. 138111º Ed. 18 No período da Republica Democrático - Desenvolvimentista (1945-1964), esse modelo viu-se acrescentar de uma instituição de nítido caráter politico-eleitoral, o Partido Trabalhista Brasileiro. A respeito, ver DELGADO, Lucila de Almeida Neves. PTB: do Getulismo ao Reformismo — 1945-1964. Sao Paulo: Marco Zero, 1989. 21 Ora, na medida em que se sabe que a norma jurídica e a consumação de um processo político bem-sucedido, pode-se concluir que pretendeu também a Constituição valorizar formas autônomas de exercício do poder, não apenas através de instrumentos políticos clássicos (ainda que raramente utilizados na historia brasileira, como o plebiscito e o referendum — art. 14, CF/88), como ainda mediante mecanismos de produção autônoma do Direito — que traduzem um meio notável de exercício direto do poder. A Constituição confirmara essa intenção, ao acentuar a importância das convenções e acordos coletivos contidas no (arts. 7° XXVI e 8S, VI, CF/88)(19) 2.1) PRINCIPIOS QUE REGEM O DIREITO SINDICAL 1. Princípio da liberdade associativa e sindical: O primeiro desses princípios postula pela ampla prerrogativa obreira de associação e, por consequência, sindicalização. O princípio pode ser desdobrado em dois: liberdade de associação, mais abrangente; e liberdade sindical. O princípio da liberdade de associação assegura consequência jurídico- institucional a qualquer iniciativa de agregação estável e pacífica entre pessoas, independentemente de seu segmento social ou dos temas causadores da aproximação. Não se restringe, portanto, à área e temáticas econômico-profissionais (onde se situa a ideia de liberdade sindical). O princípio associativo envolve as noções conexas de reunião e associação. Por reunião entende-se a agregação episódica de pessoas em face de problemas e objetivos comuns; por associação, a agregação permanente (ou, pelo menos, de largo prazo) de pessoas em face de problemas e objetivos comuns. Noções interligadas, a liberdade de reunião sempre foi pressuposto importante à consecução da liberdade de associação - trata-se daquilo que José Afonso da Silva chama de “liberdade-condição, porque, sendo um direito em si, constitui também condição para o exercício de outras liberdades” (19) As duas ideias e dinâmicas têm lastro na própria matriz social do ser humano, sendo também fundamentais à estruturação e desenvolvimento da democracia. São, ao mesmo tempo, uma afirmação da essência humana dos indivíduos e uma seiva oxigenadora da convivência democrática no plano social. O direito de reunião pacífica e de associação sem caráter paramilitar está assegurado na Carta Magna (art. 5o, XVI e XVII), estando, de certo modo, referenciado nas constituições brasileiras desde o primeiro texto republicano (art. 72, §8°, CR/1891). A liberdade associativista tem uma dimensão positiva (prerrogativa de livre criação e/ou vinculação a uma entidade associativa) ao lado de uma dimensão negativa (prerrogativa de livre desfiliação da mesma entidade). Ambas estão mencionadas no texto magno (“ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado” - art. 5º, XX, CF/88). Tal liberdade, é claro, envolve outras garantias da ordem jurídica: livre estruturação interna, livre atuação externa, auto-sustentação, direito à auto-extinção ____________________________ (19) Sobre esse caráter inovador da Constituição de 1988, no que tange a formas institucionais de participação direta da população no exercício do poder, ver BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. A Cidadania Ativa — Referendo, Plebiscito e Iniciativa Popular. São Paulo: Atica, 1991 e, ainda, MOISES, Jose Álvaro. Cidadania e Participação — Ensaio sobre o Referendo, o Plebiscito e a Iniciativa Popular. São Paulo: Marco Zero, 1990. Rev. TST, Brasília, vol. 67, ns 2, abr/jun 2001 22 (ou garantia de extinção por causas ou agentes externos somente após regular processo judicial). Direcionado ao universo do sindicalismo, o princípio mais amplo especifica-se na diretriz principio da liberdade sindical (ou da liberdade associativa e sindical). Tal princípio engloba as mesmas dimensões positivas e negativas já referidas, concentradas no universo da realidade do sindicalismo. Abrange, desse modo, a liberdade de criação de sindicatos e de sua auto-extinção (com a garantia de extinção externa somente através de sentença judicial regularmente formulada). Abrange, ainda, a prerrogativa de livre vinculação a um sindicato assim como a livre desfiliação de seus quadros (o art. 8º, V, da Constituição especifica o comando já lançado genericamente em seu art. 5º, XX: “ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato”). Registre-se que matérias relativas à estruturação interna dos sindicatos e suas relações com o Estado e, também, de certo modo, com os empregadores, têm sido englobadas em um princípio afim, o da autonomia sindical, a ser examinado no item a, à frente. a) Cláusulas de sindicalização forçada Há sistemáticas de incentivos à sindicalização (apelidadas de cláusulas de segurança sindical ou de sindicalização forçada) que são controvertidas no que tange à sua compatibilidade com o princípio da liberdade sindical. Trata-se, por exemplo, das cláusulas negociais coletivas denominadas closed shop, union shop, preferenciai shop e, por fim, maintenance o f membership. Pela closed shop (empresa fechada), o empregador se obriga perante o sindicato obreiro a somente contratar trabalhadores a este filiados. Nos EUA, tal dispositivo foi considerado ilegal pela Lei Taft-Hartley, de 1947.6 Pela union shop (empresa sindicalizada), o empregador se compromete a manter apenas empregados que, após prazo razoável de sua admissão, filiem-se ao respectivo sindicato operário. Não se obstrui o ingresso de trabalhador não sindicalizado, mas inviabiliza-se sua continuidade no emprego caso não proceda, em certo período, à sua filiação sindical.7 Próxima a esta, há a cláusula preferencial shop (empresa preferencial), que favorece a contratação de obreiros filiados ao respectivo sindicato.8 Neste rol destaca-se ainda a cláusula maintenance of membership (manutenção de filiação), pela qual o empregado inscrito em certo sindicato deve preservar sua filiação durante o prazo de vigência da respectiva convenção coletiva, sob pena de perda do emprego.9 Tais dispositivos de sindicalização forçada colocam em confronto, inegavelmente, liberdade individual obreira de filiação e/ou desfiliação e reforço da organização coletiva dos próprios trabalhadores - em suma, liberdade individual versus fortalecimento sindical. Neste embate há sistema jurídico-político de tradição democrática (como os anglo-americanos) que se mostraram mais tolerantes com a prevalência da “liberdade do grupo profissional” sobre a liberdade individual. Contudo, na tradição juspolítica latina, a começar pela França, a concepção dominante volta-se à direção de negar validade a tais cláusulas. No Brasil, tem prevalecido o entendimento denegatório de validade às citadas cláusulas de sindicalização forçada. b) Práticas anti-sindicais: Há, por outro lado, sistemáticas de desestímulo à sindicalização e desgaste à atuação dos sindicatos (denominadas de práticas anti-sindicais) que entram em claro choque com o princípio da liberdade sindical. Trata-se, por exemplo, dos chamados yellow dog contracts, das company unions e, ainda, da prática mise à 1 'index. No 23 primeiro caso (contratos de cães amarelos) o trabalhador firma com seu empregador compromisso de não filiação a seu sindicato como critério de admissão e manutenção do emprego. A expressão inglesa, entretanto (yellow dog contracts), sugere uma crítica ao trabalhador que subscreve essa cláusula de não filiação sindical. Na experiência histórica de outrospaíses, contudo (inclusive o Brasil), sabe-se que os fatos tendem a se passar de maneira diversa: é comum ouvir-se falar em práticas meramente informais, inviabilizando, pela pressão surda no ambiente laborativo, a efetiva possibilidade de adesão de empregados a seu respectivo sindicato. No segundo caso (sindicatos de empresa - no Brasil, sindicatos amarelos), o próprio empregador estimula e controla (mesmo que indiretamente) a organização e ações do respectivo sindicato obreiro. No terceiro caso (colocar no Index - no Brasil, lista negra), as empresas divulgariam entre si os nomes dos trabalhadores com significativa atuação sindical, de modo a praticamente excluí-los do respectivo mercado de trabalho. (20) Tais cláusulas ou práticas (e outras congêneres) são, sem dúvida, inválidas, por agredirem o princípio da liberdade sindical, constitucionalmente assegurado. c) Garantias à atuação sindical: O princípio da liberdade associativa e sindical propugna pela franca prerrogativa de criação e desenvolvimento das entidades sindicais, para que se tomem efetivos sujeitos do Direito Coletivo do Trabalho. Como qualquer princípio, enquanto comando jurídico instigador, a presente diretriz também determina ao ordenamento jurídico que confira consistência ao conteúdo e objetivo normativos que enuncia. Ou seja, que estipule garantias mínimas à estruturação e atuação dos sindicatos, sob pena de não poderem cumprir seu papel de real expressão da vontade coletiva dos respectivos trabalhadores. (21) Algumas dessas garantias já estão normatizadas no Brasil. A principal delas é a vedação à dispensa sem justa causa do dirigente sindical, desde a data de sua inscrição eleitoral até um ano após o término do correspondente mandato (art. 8o, VIII, CF/88), Esta garantia conta, inclusive, com medida judicial eficaz do Juiz do Trabalho, mediante a qual se pode determinar, liminarmente, a reintegração obreira em contextos de afastamento, suspensão ou dispensa pelo empregador (art. 659, X, CLT, conforme Lei n° 9.270/1996). Conexa à presente garantia existe a intransferibilidade do dirigente sindical para fora da base territorial de seu sindicato (art. 543, CLT). Diversas dessas relevantes garantias essenciais estão expressamente consignadas em textos normativos construídos ao longo de décadas pela Organização Internacional do Trabalho (Convenções n° 11,87,98,135,141 e 151, por exemplo). Além disso, têm sido inseridas, classicamente, em experiências democráticas consolidadas no mundo ocidental (ilustrativamente, Estatuto dos Trabalhadores da Itália - Lei n° 300, de 1970). ___________________ (20) Gomes e Gottschalk informam que na França a prática mise à l’index também tornou-se conhecida como instrumento utilizado pelo próprio sindicalismo para desgaste ou pressão sobre trabalhadores não filiados: “o sindicato apela para os associados a fim de que não mantenham relações sociais, camaradagem, confraternização, com o empregado indigitado...(visando)... constranger o não sindicalizado à sindicalização..,”. In ob. cit., p. 481-482. 12. (21) A concepção de princípio como comando jurídico instigador encontra-se desenvolvida no capítulo I da recente obra deste autor, Princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho, São Paulo: LTr, 2001 https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/52335/007_delgado.pdf?sequence=1 24 2. Princípio da autonomia sindical: Os sindicatos/organizações sindicais devem ser livres, autônomas e independentes, em relação ao Estado e em relação a sua contraparte. Não se trata de soberania sindical, afinal os sindicatos se curvam à lei, ou seja, dentro da lei poderão atuar e defender os interesses dos trabalhadores, mas não se trata de algo ilimitado; sem a necessidade de pedir autorização. As associações tem o poder de realizar esta luta, mas os sindicatos tem o dever de proteger os direitos dos trabalhadores. Depois da instituição do sindicato, haverá autonomia deste. Ou seja, não é necessária e nem obrigatória a autorização do Estado para abrir sindicato, sendo necessário somente o seu registro no MTE. O registro é obrigatório e é com o registro que o sindicato ganha personalidade jurídica. Tal princípio sustenta a garantia de autogestão às organizações associativas e sindicais dos trabalhadores, sem interferências empresariais ou interferência do Estado. Trata portanto, da livre estruturação interna do sindicato, sua livre atuação externa, sua sustentação econômico-financeira e sua desvinculação de controles administrativos estatais ou em face do empregador. É verdade que quando se fala no princípio genérico da liberdade de associação nele se englobam, naturalmente, as matérias relativas à estruturação interna das entidades associativas e suas relações com o Estado. Entretanto, na história do Direito do Trabalho desdobrou-se o princípio geral em dois, conforme já sugerido: o da liberdade sindical e o da autonomia dos sindicatos. Reconheça-se que tal segmentação resulta de particularidades importantes da história do sindicalismo, que não se destacaram com tanta ênfase na história das demais associações civis, culturais, políticas, religiosas ou de outra natureza. É que além do problema da liberdade sindical no sentido estrito (isto é, liberdade de criação de entidades sindicais com a consequente dinâmica de filiação e des filiação de trabalhadores a tais entidades) sempre foi crucial à sorte do sindicalismo no Ocidente as lutas pela autonomia dos sindicatos perante o Estado (e, em certo grau, também perante os empregadores). O dilema da autonomia versus controle político-administrativo dos sindicatos sempre foi um dos problemas centrais da história do sindicalismo nos países ocidentais (no Brasil, inclusive, acentuadamente - como se sabe), razão por que o princípio maior da liberdade sindical se desdobrou em duas diretrizes correlatas: a da própria liberdade e a especificamente relacionada às questões da autonomia das entidades sindicais operárias. O princípio da autonomia sindical sempre sofreu graves restrições na história jurídica e política brasileira. Antes de 1930 o princípio padecia em meio às próprias debilidades de todo o Direito do Trabalho, que sequer se estruturava como um ramo jurídico próprio e complexo. Em sua fase inicial de manifestações incipientes e esparsas, o futuro ramo justrabalhista ainda não possuía um conjunto sistemático de regras, princípios e institutos que assegurassem plena cidadania à atuação coletiva dos trabalhadores no país. Dominava a política institucional da República Velha, como se sabe, certa concepção liberal individualista que não encontrava justificativa para a regulação normativa do mercado de trabalho, nem espaço político para a absorção institucional dos movimentos sociais produzidos pelos trabalhadores dos incipientes segmentos industriais da época e de certos setores de serviços (ferroviário e portuário, principalmente). A inegável existência de sindicatos livres, no período, não chegou a formar uma tradição sólida de autonomia, seja pela incipiência do sistema industrial e do mercado de trabalho correspondente, seja pelo fato de que a autonomia fazia-se 25 fora do direito, não se institucionalizando em um modelo jurídico bem definido e estruturado. (22) A década de 1930 vê instaurar-se no Brasil, como se conhece, um sistema justrabalhista de estrutura e dinâmica autoritárias, sob direto e minucioso controle político e administrativo do Estado, nos moldes corporativistas, embebido do modelo fascista importado da Itália da época. Neste sistema, falar-se em princípio de autonomia sindical é simplesmente um contrassenso, uma vez que o caráter publicista dos sindicatos colocava-os sob a égide do Ministério do Trabalho, com poderes incontrastáveis de criação, extinção e intervenção cotidianana vida de tais entidades. Mesmo após o fim da ditadura Vargas (1930-1945), o princípio da autonomia sindical não chegou a ser efetivamente incorporado na ordem jurídica brasileira (aliás, esta foi um a das singularidades da democracia brasileira pós-1945: mecanismos democráticos formais no plano político-institucional e estrutura corporativista centralizadora e autoritária no plano do mercado de trabalho). Assim, não obstante o princípio formalmente constasse do texto da Constituição subseqüente à instauração do sistema trabalhista brasileiro tradicional (Carta de 1946) ele era inteiramente vazio de conteúdo já que esdruxulamente compatibilizado com as regras do corporativismo autoritário estabelecido. Com o advento do regime militar a estrutura corporativista sindical ajustou-se como luva às pretensões antidemocráticas do novo regime, preservando-se intocado nas duas Cartas Constitucionais então editadas (1967 e 1969 - EC n° l) .(23) Somente a partir da Carta Magna de 1988 é que teria sentido sustentar-se que o princípio autonomista ganhou corpo na ordem jurídica do país. De fato, a nova Constituição eliminou o controle político-administrativo do Estado sobre a estrutura dos sindicatos, quer quanto à sua criação, quer quanto à sua gestão (art. 8o, I). Além disso, alargou as prerrogativas de atuação dessas entidades, seja em questões judiciais e administrativas (art. 8o, III), seja na negociação coletiva (art. 8°, VI, e 7º, XXVI), seja pela amplitude assegurada ao direito de greve (art. 9º). Entretanto, curiosamente, a mesma Constituição manteve traços relevantes do velho sistema corporativista do país. É o que se passa com a unicidade sindical (art. 8o, II), com o sistema de financiamento compulsório e genérico de toda a estrutura, inclusive sua cúpula (art. 8º, IV), com o poder normativo dos tribunais trabalhistas e, finalmente, com os mecanismos de representação corporativa no seio do aparelho de Estado - no caso, através da chamada representação classista na Justiça do Trabalho. São estruturas e instrumentos que se chocam, afinal, de modo patente, segundo as experiências históricas vivenciadas por algumas das mais sedimentadas democracias ocidentais (como Itália e Alemanha, por exemplo), com o princípio da autonomia sindical. Embora um dos mais perversos desses traços tenha sido extirpado onze anos após a vigência da Carta Magna (a Emenda Constitucional n° 24, de dezembro de 1999, suprimiu a representação classista no corpo do Judiciário Trabalhista), as demais contradições permanecem, colocando em questão, mais uma vez, a plenitude do princípio da autonomia dos sindicatos na ordem jurídica e política do Brasil (24). _______________ (22) Relembre-se a famosa frase atribuída ao Presidente Washington Luiz de que “a questão operária é uma questão de polícia”. Para o exame da evolução do Direito do Trabalho no período, consultar a obra deste autor, Introdução ao Direito do Trabalho, 2. ed., São Paulo: LTr, 1999 (Capítulo II - O Direito do Trabalho no Brasil). (23) Obviamente que em 1964 foram afastadas as lideranças sindicais mais combativas, promovendo-se centenas de intervenções nas entidades existentes; contudo, a estrutura institucional do sistema se manteve intocada, no quadro de asfixia política então inaugurado. Rev. T S T , Bras., vol. 67, ns 2, abr/jun2001 89 (24) Sobre tais antinomias da Carta de 1988, consultar a obra deste autor, Introdução ao Direito do Trabalho, 2. ed., São Paulo: LTr, 1999, “A Carta Constitucional de 1988 e a Transição Democrática Justrabalhista”. Ver também Amauri Mascaro Nascimento, Compêndio de Direito Sindical, 2. ed., São Paulo: LTr, 2000, p. 162-168 (item 52, “O Sistema Brasileiro”). Consultar ainda José Francisco Siqueira Neto, Direito do Trabalho & Democracia - apontamentos e pareceres, São Paulo: LTr, 1996, especialmente em seus capítulos 6 e 7, p. 156-248. São Paulo: LTr, 1993 - Revista de Direito do Trabalho, 26 3. Princípio da interveniência sindical na normatização coletiva: Para que seja possível a criação de norma jurídica, é necessário que haja existência de um ente sindical. No Brasil, exige-se a presença do sindicato nas negociações (art. 8º, CF.). Quando for celebrado um acordo coletivo ou uma convenção coletiva de trabalho é OBRIGATÓRIA à participação/interveniência dos sindicatos com fundamento no art. 8º, inciso VI da CF/88. Em face de tal princípio não constitui, para o direito, negociação coletiva trabalhista qualquer fórmula de tratamento direto entre o empregador e seus empregados, ainda que se trate de fórmula formalmente democrática (um plebiscito intra-empresarial, por exemplo). Os poderes da autonomia privada coletiva, no direito brasileiro, passam necessariamente pelas entidades sindicais obreiras. Neste quadro, qualquer ajuste feito informalmente entre empregador e empregado terá caráter de mera cláusula contratual, sem o condão de instituir norma jurídica coletiva negociada. Na qualidade jurídica de mera cláusula contratual, este ajuste informal submete-se a todas as restrições postas pelo ramo justrabalhista às alterações do contrato de trabalho, inclusive o rigoroso princípio da inalterabilidade contratual lesiva. A presente diretriz atua, pois, como verdadeiro princípio de resistência trabalhista. E corretamente, pois não pode a ordem jurídica conferir a particulares o poderoso veículo de criação de normas jurídicas (e não simples cláusulas contratuais) sem uma consistente garantia de que os interesses sociais mais amplos não estejam sendo adequadamente resguardados. E a presença e a atuação dos sindicatos têm sido consideradas na história do Direito do Trabalho uma das mais significativas garantias alcançadas pelos trabalhadores em suas relações com o poder empresarial. 4. Princípio da equivalência dos contratantes coletivos: O princípio da equivalência dos contratantes coletivos postula pelo reconhecimento de um estatuto sócio-jurídico semelhante a ambos os contratantes coletivos (o obreiro e o empresarial). Tal equivalência resulta de dois aspectos fundamentais: a natureza e os processos característicos aos seres coletivos trabalhistas. Em primeiro lugar, de fato, os sujeitos do Direito Coletivo do Trabalho têm a mesma natureza, são todos seres coletivos. Há, como visto, o empregador que, isoladamente, já é um ser coletivo, por seu próprio caráter, independentemente de se agrupar em alguma associação sindical. É claro que pode também atuar através de sua entidade representativa; contudo, mesmo atuando de forma isolada, terá natureza e agirá como ser coletivo. No que tange aos trabalhadores sua face coletiva institucionalizada surge através de seus entes associativos; no caso brasileiro, os sindicatos. Os seres coletivos obreiros e empresariais têm, pois, a mesma natureza. O segundo aspecto essencial a fundamentar o presente princípio é a circunstância de contarem os dois seres contrapostos (até mesmo o ser coletivo obreiro) com instrumentos eficazes de atuação e pressão (e, portanto, negociação). Os instrumentos colocados à disposição do sujeito coletivo dos trabalhadores (garantias de emprego, prerrogativas de atuação sindical, possibilidades de mobilização e pressão sobre a sociedade civil e Estado, greve, etc.) reduziriam, no plano jus-coletivo, a disparidade lancinante que separa o trabalhador, como indivíduo, do empresário. Isso possibilitaria ao Direito Coletivo conferir tratamento jurídico mais equilibrado às partes nele envolvidas. Nessa linha, perderia sentido no Direito Coletivo do Trabalho a acentuada diretriz protecionista e intervencionista que tanto caracteriza o Direito Individual do Trabalho. 27 É bem verdade que, no caso brasileiro, mais de dez anos após a Carta de 1988 ainda não se completou a transição para um Direito Coletivo pleno, equânime e eficaz - assecuratóriode real equivalência entre os contratantes coletivos trabalhistas. E que, embora tenha a Constituição afirmada, pela primeira vez desde a década de 1930, de modo transparente, algum dos princípios fundamentais do Direito Coletivo no país, não foi seguida, ainda, de uma Carta de Direitos Sindicais, que adequasse a velha legislação heterônoma às necessidades da real democratização do sistema trabalhista e da negociação coletiva. Veja-se, ilustrativamente, a esse respeito, o debate sobre a extensão da garantia de emprego de dirigentes sindicais. A superação, pelo art. 8o, CF/88, do velho critério do art. 522, CLT (que confere garantia apenas ao máximo de sete diretores e três conselheiros fiscais eleitos, e respectivos suplentes) ainda não permitiu vislumbrar-se qual é, afinal, o novo critério protetivo surgido. É gritante a inadequação da tímida garantia do art. 522 ao largo espectro constitucional (e à sociedade complexa hoje existente no Brasil). Contudo, a ausência de um parâmetro alternativo claro (que evite também, ao reverso, o abuso do direito), tem inclinado os tribunais à acomodação com o velho texto da CLT - o que frustra, obviamente, o princípio da efetiva equivalência entre os seres coletivos trabalhistas. Note-se, por outro lado, que ainda não se criaram fórmulas eficazes de representação obreira nas empresas, nem se estendeu, regra geral, a tais representantes ou delegados obreiros o manto protetivo da “estabilidade provisória”. Observe-se, por fim, a resistência do legislador executivo (através de medidas provisórias) em permitir o prevalecimento temporário das normas coletivas negociadas enquanto não celebrado novo acordo coletivo, convenção ou contrato coletivo do trabalho no contexto da respectiva categoria ou empresa. (25) Todas essas (e outras) situações de lacunas ou imprecisões da legislação heterônoma trabalhista comprometem a real observância do princípio da equivalência dos contratantes coletivos trabalhistas. Contudo, é evidente que, tendo os princípios natureza de norma (ao menos, comando jurídico instigador concorrente), hão de ter também eficácia jurídica, isto é, aptidão para incidir, regendo, relações da vida humana - o que deverá ser apreendido pela evolução jurisprudencial ao longo do tempo. (26) 5. Princípio da lealdade e transparência na negociação coletiva: O princípio da lealdade e transparência nas negociações coletivas vincula-se ao anteriormente examinado. Visa ele assegurar, inclusive, condições efetivas de concretização prática da equivalência teoricamente assumida entre os sujeitos do Direito Coletivo do Trabalho. Há duas faces no princípio: lealdade e transparência. Ambas são premissas essenciais ao desenvolvimento democrático e eficaz do próprio processo negocie coletivo. Afinal, o Direito Coletivo objetiva formular normas jurídicas - e não apenas cláusulas contratuais - , razão por que a lealdade e o acesso a informações inscrevem-se no núcleo de sua dinâmica de evolução. ________________________ (25) Sobre este último problema, envolvente às relações temporais das normas coletivas negociadas com os contratos de trabalho, contrapondo três critérios distintos (o da aderência irrestrita, o da aderência li- 92 Rev. T S T, Brasília, vol. 67, ns 2, abr/jun2001. (26) A concepção normativista concorrente dos princípios, que se tem tornado dominante nos mais moderno Direito Constitucional e Filosofia do Direito, por obra de autores célebres como Norberto Bobbio, Vezio Crisafulli, Jean Boulanger, Robert Alexy, Gomes Canotilho, Ronald Dworkin, Paulo Bonavi-des, e outros, está estudada no capítulo I da obra deste autor, Princípios de Direito Individuale Coletivo do Trabalho, São Paulo: LTr, 2001. 28 A lisura na conduta negociai atinge qualquer das duas partes coletivas envolvidas. Não se pode aqui, regra geral, invocar o princípio tutelar (próprio ao Direito Individual) para negar validade a certo dispositivo ou diploma anteriormente celebrado na negociação coletiva - as partes são teoricamente equivalentes (ao contrário do que ocorre no ramo justrabalhista individual). Em derivação ao princípio da lealdade e boa fé na negociação coletiva (outra denominação do princípio) não seria válida a greve em período de vigência de diploma coletivo negociado, em vista da pacificação traduzida por esse próprio diploma. E claro que uma mudança substantiva nas condições fáticas vivenciadas pela categoria poderia trazer a seu alcance a exceção da cláusula rebus sic stantibus. Porém o simples inadimplemento pelo empregador no tocante ao conteúdo do diploma coletivo negociado não justifica greve, por existir no ordenamento jurídico a correspondente ação judicial de cumprimento.21 A noção de transparência é também de grande importância no conteúdo desse princípio (podendo, inclusive, ser inferida da simples idéia de lealdade e boa fé). (27) É evidente que a responsabilidade social de se produzirem normas (e não meras cláusulas) conduz à necessidade de clareza quanto às condições subjetivas e objetivas envolvidas na negociação. Não se trata aqui de singela pactuação de negócio jurídico entre indivíduos, onde a privacidade prepondera; trata-se de negócio jurídico coletivo, no exercício da chamada autonomia privada coletiva, dirigida a produzir universos normativos regentes de importantes comunidades humanas. A transparência aqui pertinente é, sem dúvida, maior do que a que cerca negócios jurídicos estritamente individuais. Por isso, aqui é mais largo o acesso a informações adequadas à formulação de normas compatíveis ao segmento social envolvido. 6. Princípio da criatividade jurídica da negociação coletiva O principio da criatividade jurídica da negociação coletiva traduz a noção de que as negociações coletivas e seus instrumentos (contrato coletivo, acordo coletivo e convenção coletiva do trabalho) têm real poder de criar norma jurídica (com qualidades, prerrogativas e efeitos próprios a estas), em harmonia com a normatividade heterônoma estatal. Tal princípio, na verdade, consubstancia a própria justificativa de existência do Direito Coletivo do Trabalho. A criação de normas jurídicas pelos atores coletivos componentes de uma dada comunidade econômico- profissional, realiza o princípio democrático de descentralização política e de avanço da autogestão social pelas comunidades localizadas. A antítese ao Direito Coletivo é a inibição absoluta ao processo de negociação coletiva e à autonormatização social, conforme foi tão característico ao modelo de normatização subordinada estatal que prevaleceu nas experiências corporativistas e fascistas europeias da primeira metade do século XX.(28) No Brasil, a tradição justrabalhista sempre tendeu a mitigar o papel do Direito Coletivo do Trabalho, denegando, inclusive, as prerrogativas mínimas de liberdade associativa e sindical e de autonomia sindical aos trabalhadores e suas organizações. Com a Carta de 1988 é que esse processo começou a se inverter, conforme se observam de distintos dispositivos da Constituição (ilustrativamente, art. 7º, VI e XIII; art. 8º, I, III, VI; art. 9º). _______________________ (27) Rev. TST, Brasília, vol. 67, n92, abr/jun200l 93 p.93 (28) Um estudo sobre os padrões principais de sistemas trabalhistas no mundo ocidental desenvolvido encontra-se no primeiro capitulo da obra deste autor, Introdução ao Direito do Trabalho. 29 Na análise desse princípio é pertinente retomar-se importante diferenciação - às vezes não suficientemente ponderada na doutrina: a que separa norma jurídica de cláusula contratual. Em nossa obra Introdução ao Direito do Trabalho já ressaltávamos não ser meramente acadêmica a distinção, mas fundamental: “é que o direito confere efeitos distintos às normas (componentes das fontes jurídicas formais) e às cláusulas (componentes dos contratos).
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