Buscar

Apostila_de_Direito_Internacional_Privado

Prévia do material em texto

Apostila de Direito Internacional Privado
Capítulo I – INTRODUÇÃO E NOÇÕES FUNDAMENTAIS
INTRODUÇÃO
O homem não nasceu, em verdade, para viver só, e sim em grupo.
Com efeito, tem ele necessidades diversas tais como: alimentação, segurança, bem-estar, aprendizagem e outras tantas que somente se realizam com o seu relacionamento com o próprio semelhante.
Resumindo: ninguém é auto-suficiente.
À pertinência a um grupo social equivale dizer que cada um encontra-se submetido às suas determinações, que direcionam a sua conduta para aquele desiderato que o grupo busca encontrar.
Sociedade alguma pode prescindir de normas que possam regular a coexistência pacífica dos indivíduos que a compõem e de um poder que a organize.
Contudo, devemos falar em primeiro lugar na presença, dentro dos grupamentos sociais, daquilo que se costuma chamar poder grupal difuso. Nele, todos participam da vida social como governantes e como governados. Este poder é exercido pela opinião pública que, por sua vez, nasce, cresce e se desenvolve fulcrada na crença, nos usos, nos costumes e nas tradições, sem dúvida, base de uma consciência coletiva atuante.
Impulsos econômicos, religiosos, militares e domésticos acabam, entrementes, por condicionar o poder a um só indivíduo ou vários deles, implicando a passagem, que tem por fatores preponderantes os supra citados, do poder difuso grupal para o poder institucional ou poder político.
Assim sendo, grosso modo, a criação do poder político pelo grupal difuso deu origem ao surgimento do Estado e, conseqüentemente, à implantação de um sistema jurídico capaz de delimitar esse poder, não só fixando grau de responsabilidade, como também formas de investiduras nos cargos públicos e no desempenho destes.
Tudo isso é estabelecido, em tese, visando à segurança do homem, ao seu pretendido bem-estar e à maneira de se conduzir no meio social sem molestar os direitos alheios, para que possa, assim, também desfrutar dos seus.
Como se viu, dentro do território do Estado, há sempre, por trás de cada um dos seus habitantes, um complexo de normas que lhe dão direitos e impõem-lhe obrigações.
Consigne-se, contudo, por oportuno, que tal complexo de normas ou sistemas jurídicos não é igual em todos os Estados. Ele sofre mutações ou variações de ente para ente, em face das mudanças de costumes de cada povo, das diferenças de tradições, religiões, raças e condições econômicas, em fim, do modus vivendi de cada nação.
Se houvesse identidade de tais modus vivendi em cada povo ou de povo para povo, um único sistema jurídico seria comum a todos os Estados e não haveria conflitos de leis no espaço.
Das mesma forma, se os habitantes de um Estado não se deslocassem para outro, esses conflitos também não ocorreriam, e, conseqüentemente, não haveria falar na necessidade de criação de um grupo específico de normas com o fito de dirimi-los.
Todavia, o homem precisa ir ao encontro de outros povos para fazer negócios, adquirir ou aumentar as riquezas, ou buscar algo que lhe esteja faltando dentro da área de sua vivência, não se contentando em viver dentro de um só território.
Daí, serem os conflitos de leis no espaço uma realidade inexorável, porquanto, se o negócio passou a ser realizado entre pessoas de Estados diferentes, tornou-se difícil saber qual dos sistemas deveria ter a necessária aplicação ao caso eventualmente surgido.
Iguais entraves despontaram também em relação aos direitos pessoais, ou seja, aqueles que dizem respeito ao nome, à personalidade, à capacidade e à família.
Na realidade, à proporção que aumentavam os meios de comunicação e transportes, maiores eram as relações entre pessoas desses mesmos Estados, fato que veio contribuir para o crescimento de referidos conflitos.
Assim, foi preciso que a comunidade internacional definisse a maneira de solucionar esses conflitos, e o fez por meio de Tratados.
Os já estudados Tratados, assim, são a fonte primeira do ramo da ciência jurídica que se ocupa do complexo de regras e princípios voltados à solução de conflitos de leis no espaço, o Direito Internacional Privado (DIPr).
1. CONFLITOS DE LEIS
Há duas espécies de conflitos: o conflito de leis no tempo e o conflito de leis no espaço. Do primeiro, trata o Direito intertemporal e, do último, o Direito Internacional Privado.
As vigas-mestras do Direito Intertemporal estão inseridas nas disposições do art. 2.º, do Decreto-lei n.° 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil – LICC), senão vejamos:
“Art. 2.° Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue’’.
“§ 1.° A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior...”
Por outro lado, os arts. 7º e segs. da referida lei e outras disposições fora dela (leis extravagantes) disciplinam os conflitos de leis no espaço, ou seja, constituem o sistema brasileiro de aplicação da lei estrangeira, sendo um claro exemplo, por isso mesmo, de normas de Direito Internacional Privado.
2. OBJETIVO DO DIPr
Sempre que se fala no objetivo do Direito Internacional Privado, vem logo a lume: conflitos de leis no espaço.
Esta é uma tônica usada por quase todos os internacionalistas, sendo majoritário o entendimento de que tal ramo da ciência jurídica venha de se ocupar primordialmente do complexo de normas jurídicas que tenha tal fito.
3. CONDIÇÕES JURÍDICAS DO ESTRANGEIRO
Na época contemporânea, as condições jurídicas do estrangeiro são quase as mesmas nos diversos Estados, sofrendo restrições apenas em alguns deles.
O art. 5º, caput, da atual Constituição Federal é bem incisivo:
“Art. 5.° Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade...”
A própria constituição, contudo, está a demonstrar que as condições jurídicas do estrangeiro divergem das condições do nacional, a quem garantido um espectro de direitos e garantias mais amplo.
Assim é que, a despeito do disposto no dispositivo retro mencionado, entende-se que a Lei n.° 6.815/80, conhecida como Estatuto do Estrangeiro, norma legal que disciplina a situação jurídica do estrangeiro no Estado brasileiro, não teria sido ab-rogada pela nova Ordem Constitucional.
ESCOLA ESTATUTÁRIA FRANCESA
Em face do aspecto nebuloso da Escola italiana, um tanto confusa e também difusa, coube a Bertrand D’Argentré, internacionalista francês (1519-1590), nascido em Vitré, educado na Bretanha, a iniciativa de criar referida escola.
De princípio, suas idéias não tiveram a devida aceitação na França, isto porque estavam impregnadas do ranço do feudalismo. Apesar disto, foram encampadas pelos Países Baixos, inclusive pela Alemanha.
Somente no século XVIII, os juristas franceses voltaram suas vistas para a escola de D’Argentré, passando a estudá-la com a necessária seriedade.
D’Argentré deixou evidenciado o seguinte: todo estatuto tem como objeto as coisas ou as pessoas. É, por conseguinte, real ou pessoal. Mais tarde, admitiu a existência de estatutos mistos, sem contudo defini-los.
O real é, por força das circunstâncias, territorial. O pessoal é feito para as pessoas, enquanto o real para as coisas.
O estatuto pessoal, aquele que incide diretamente sobre as pessoas, deveria acompanhá-las para onde fossem. Entretanto, faz D’Angentré certa restrição, ou seja, o estatuto real deveria ser a regra e a exceção, o pessoal. Assim a extraterritorialidade do estatuto pessoal teria aplicação muito limitada. Daí a semelhança da sua escola com os princípios feudais.
Conforme fizemos menção acima, já no século XVIII, três figuras exponenciais do mundo jurídico francês, ou seja, Boulenois, Bouhier e Froland, tentaram reformular a escola de D’Argentré, dando ênfase mais à aplicação extraterritorial dos estatutos, transformando conseqüentemente aquilo que era por D’Argentré exceção emregra.
E argumentavam: tudo assim devia ser feito em obediência aos princípios que norteavam a própria justiça e a comitas gentium uma espécie de cortesia internacional.
Mesmo assim, não obtiveram o êxito pretendido.
ESCOLA ESTATUTÁRIA HOLANDESA
Do mesmo modo como a escola francesa, tinha como escopo o aperfeiçoamento da escola italiana. A escola holandesa visava adequar à realidade de sua época os estatutos real e pessoal.
Inicialmente, coube a Nicolaus Burgundus, a divulgação da teoria de D’Argentré.
Procurou, destarte, desenvolver a teoria do referido estatutário francês, dando-lhe os mesmos moldes e a mesma classificação, ou seja, dividiu igualmente os estatutos em reais e pessoais. Os reais eram territoriais, isto é, só tinham aplicação dentro do território do Estado de sua elaboração, enquanto os pessoais podiam ser observados fora de sua área.
Quanto aos estatutos mistos, procurou esclarecê-los do seguinte modo: tratavam de móveis e de imóveis, ou mesmo de pessoas e de imóvel.
Posteriormente, surge Christian Rodenburg (1618-1668), considerado o autêntico criador da escola estatutária holandesa. E assim foi consagrado porque deu-lhe um rumo certo, sem aquelas indecisões da escola francesa.
Fixou-se no critério absoluto da territorialidade de todos os estatutos, isto é, fossem reais (coisas) ou pessoais (pessoas) seriam aplicados tão-somente na área territorial do Estado holandês. Posteriormente, em razão da cortesia internacional (comitas gentium), passou a aceitar a mesma escola a aplicação dos estatutos pessoais, mas tão-somente em casos excepcionais.
A doutrina holandesa foi magistralmente exposta por Urich Huber (1636-1694) em sua obra: Praelectionum Juris Civilis... e tudo ficou delineado dentro dos três axiomas abaixo enumerados:
a) o direito de cada Estado reina nos limites de seu território e rege todos os seus súditos, mas além não tem nenhuma força;
b) devem ser considerados como súditos de um Estado todos aqueles que se encontrem nos limites de seu território, quer estejam aí fixados de maneira definitiva, quer não tenham aí senão estada temporária;
c) os governantes, por cortesia (id comiter agunt), procedem de modo que o direito objetivo de cada povo, depois de ter sido aplicado nos limites de seu território, conserve seus efeitos em toda parte, contanto que nem os Estados estrangeiros nem seus súditos sejam de modo algum prejudicados em seu poder, ou seu direito subjetivo.
Há, no entanto, quem diga que comitas para os holandeses não significava realmente cortesia, e sim necessidade de fato relativa aos interesses particulares.
Entendemos que comitas visava a uma coisa e a outra, ou seja, à necessidade de fato e cortesia.
ESCOLA ESTATUTÁRIA ALEMÃ
Não foram os alemães originais. Apresenta-se Johann Nikolas Hert (1652-1710) como sua principal figura.
Procurou dividir os estatutos de maneira bastante prática, ou seja, pessoal, aquele referente ao domicílio, real à situação da coisa; enquanto estabeleceu o regulador da forma como sendo aquele do lugar da celebração do ato.
Coube, igualmente, a Henrich von Cocceji a divisão do direito objetivo em estatutos pessoais, reais e mistos.
Finalmente, as escolas estatutárias não tiveram o devido êxito. Não eram práticas. Eram, sim, confusas e prolixas. Nasceram profusas e confusas com Bártolo. E as demais nada fizeram senão dar continuidade à indecisão inicial.
CODIFICAÇÃO E DOUTRINAS
As normas de DIP surgiram nas grandes codificações, mesmo antes de despontarem três grandes doutrinas, uma da lavra de Joseph Story, dos Estados Unidos, outra de F. Carl von Savigny, da Alemanha e, finalmente, aquela de Pasquale S. Mancini, da Itália. Tais doutrinas tiveram retumbante influência nas leis, na jurisprudência, nas convenções e nos tratados de DIP durante os séculos XIX e XX.
As escolas estatutárias perderam completamente o seu valor.
O Código Napoleônico de 1804 teve realmente grande influência na Europa, ascendência esta que também se projetou nos diversos códigos dos Estados americanos.
Trazia, no seu art. 30, o princípio da territorialidade da lei, isto porque adotou como elemento de conexão a lex rei sitae, ou seja, para os imóveis da área francesa. Entretanto, fixou o domicílio para a capacidade e estado das pessoas. Seguiu, assim, as pegadas da velha escola de D’Argentré.
No meio ao normativo francês, surgiu, em 1834, Joseph Story, formado pelo Harvard College, advogado, político, jurisconsulto, membro da Suprema Corte dos EUA e professor de Direito na Universidade de Harvard, inclusive com trânsito livre nos foros americanos e ingleses.
Despontou e se projetou através da obra: Comentários sobre Conflitos de Leis, Estrangeiras e Domésticas, com Relação a Contratos, Direitos e Ações, em especial com Relação a Casamentos, Divórcios, Testamentos, Sucessões e Sentenças. Esta obra também é bastante conhecida só pelo nome Conflict of Laws, ou, na sua expressão maior, Commentaries on the Conflict of Laws, Foreign and Domestic, in regard to Contracts, Rights and Remedies and especially in regard to Marriages, Divorces, Wills, Sucessions and Judgements.
Muitas das suas idéias foram facilmente absorvidas pela atual codificação.
Na realidade, ele afastou-se das escolas estatutárias. Desprezou a divisão estatutos reais, pessoais e mistos. Contudo, acabou por adotar o territorialismo de D’Argentré, mas tão-somente naquilo que lhe era d essencial.
Para a capacidade das pessoas, optou pela lei do domicílio, tendo como exceção apenas as regras para a capacidade de contratar, porquanto achava correto ser a lei do lugar do contrato. Fixou-se na máxima latina lex rei sitae para os bens imóveis.
Quanto ao casamento, submeteu-o à lei do lugar de sua celebração.
O divórcio e as relações dos cônjuges regiam-se pela lei do domicílio atual.
Em síntese, Story adotou o domicílio como regra geral, inclusive para bens móveis que obedeciam à lei do domicílio, ressalvadas apenas as regras quanto aos imóveis e quanto aos atos de celebração do casamento.
Na Alemanha, aparece o grande trabalho do genial Savigny intitulado: Sistema de Direito Romano Atual ou System des Jeutigen Romischen Rechts, correspondente ao Livro 3° da parte geral de sua obra.
Para Savigny, deveria haver uma comunidade de direito entre os povos.
Toda relação jurídica deveria ter uma sede, o seu centro de gravidade através do qual se projetava a vontade dos interessados.
O domicílio deveria ser o elemento de conexão por excelência. Serviria assim para indicar a lei que regulasse a capacidade das pessoas e os direitos de família Entretanto, também adotava a lex rei sitae, para os bens imóveis, enquanto os móveis seriam regidos pela lei do proprietário, desde que estivessem em movimento.
As idéias de Savigny foram prontamente aproveitadas por Teixeira de Emitas, autor do primeiro anteprojeto do nosso Código Civil, inicialmente implantado na Argentina. Veio, posteriormente, influenciar o nosso legislador quando da elaboração dos arts. 10 e 14 da atual Lei de Introdução ao Código Civil, bem assim no tocante à mudança do nosso principal elemento de conexão: a nacionalidade passando a ser o domicílio.
Mancini foi original. Criou a sua doutrina, toda ela embasada na nacionalidade.
Para ele, a lei pessoal era, portanto, a lei nacional. Disciplinava a capacidade, os direitos de família e sucessões, tudo tal qual estava escrito no Código Civil italiano de 1865.
Em síntese, a doutrina de Mancini está inserida nos termos seguintes:
“Leis de direitos públicos, territoriais, aplicando-se a todos no respeito à soberania; de direito privado necessário, pessoais, de efeito extraterritorial, acatando a nacionalidade de cada indivíduo; e de direito voluntário dependendo da autonomia da vontade, sob a influência direta da liberdade”.
Esta doutrina teve grande influência na Europa, pois até hoje a nacionalidade é o elemento de conexão comum aos Estados europeus.
O CÓDIGO BUSTAMANTE
É fruto da Convenção de Havana de 20.02.1928.
Foi promulgado aqui no Brasil pelo Decreto-Lein° 18.871, de 13.08.1929.
Países que o subscreveram: Brasil, Cuba, República Dominicana, Haiti, Panamá, Costa Rica, Nicarágua Honduras, Salvador, Guatemala, Chile, Bolívia, Equador, Peru e Venezuela. São, portanto, ao todo, 15 (quinze) países inclusive 6 (seis) da América do Sul.
Não houve quase divergência entre os signatários, porque cada país escolheu o seu elemento de conexão e exclui o artigo que melhor lhe aprouvesse.
O Brasil optou pela não-aplicação dos arts. 52 e 54, uma vez que tratam de matéria atinente ao divórcio. Hoje, tudo isto está superado. O Brasil já traz, na sua legislação, o instituto do divórcio.
Tem o Código Bustamante 427 artigos assim distribuídos por assunto, ou seja, tratam primeiramente de um título preliminar, contendo regras gerais. A seguir, referem-se à matéria de Direito Civil Internacional, Direito Comercial Internacional, Direito Penal Internacional e, por último, Direito Processual Internacional.
4. DIREITOS ADQUIRIDOS
São aqueles a que o nacional ou estrangeiro fazem jus após o preenchimento dos prévios requisitos de determinada lei, procurando o seu reconhecimento fora da área da aquisição.
Aqui, pode perfeitamente ser reconhecido um direito adquirido, desde que não venha a ofender a nossa ordem pública e a soberania nacional.
Citemos como exemplo um casamento de franceses que estejam domiciliados no Brasil. Nos termos do art. 129, § 6°, da Lei n° 6.015/73, pode ser registrada a sua certidão em Títulos e Documentos, e, conseqüentemente, produzirá ela efeito para todos os fins.
5. CONFLITOS DE LEIS
Não são, evidentemente, reconhecidos os direitos adquiridos que firam a nossa ordem pública como, por exemplo, o casamento de um árabe com duas ou mais mulheres, o chamado casamento poligâmico. É lógico que não será reconhecido entre nós por ferir a ordem pública brasileira.
Falamos somente de ordem pública, porque, sendo esta a soma dos valores morais e políticos de um povo, nela estão incluídos os bons costumes e a ofensa à nossa soberania.
6. DEFINIÇÕES
Definir (do Latim: definire). É o mesmo que dizer tudo em poucas palavras. É dizer algo em forma de síntese. Não é absolutamente tarefa fácil. Daí a razão por que as definições sempre são incompletas.
À luz de tudo que foi comentado, podemos dizer que o Direito Internacional Privado é o ramo da ciência jurídica que trata da aplicação da lei estrangeira e dos conflitos desta com as leis locais.
Haroldo Valladão assim o definiu:
“O DIP é o ramo da ciência jurídica que resolve os conflitos de leis no espaço, disciplinando os fatos em conexão no espaço com leis divergentes e autônomas.”
Esta definição é antes de tudo uma síntese de fácil compreensão, ou seja, referiu-se à aplicação da lei estrangeira e aos conflitos desta com as leis locais. Na parte correspondente aos conflitos, está a opção do juiz, em face do elemento de conexão, pela lei nacional, com recusa à norma alienígena por ofensa à ordem pública, ou pela lei estrangeira, a depender da existência de permissivo no sistema interno.
Vejamos a definição de Asser:
“Denominamos direito internacional privado o conjunto de princípios que determinam a lei aplicável às relações jurídicas entre pessoa pertencentes a Estados ou Territórios diferentes, aos atos praticados nestes países estrangeiros e, em suma, a todos os casos em que devemos aplicar a lei de um Estado no território de outro.”
7. RELAÇÕES DO DIP COM O DIREITO INTERTEMPORAL
Na verdade, o Direito é um só. Está dividido para melhor estudo e aplicação.
Ambos os direitos acima enumerados, destarte, têm uma só fonte. São galhos de um só caule.
A sombra do Direito é uma espécie de agasalho à própria sociedade para que possa viver sempre em harmonia.
Tanto um direito como o outro tratam de conflitos de leis, ou seja, o Direito Intertemporal tem como objeto o conflito de leis no tempo, enquanto o DIPr, segundo a maioria dos tratadistas, tem como objeto o conflito de lei no espaço.
Em razão do exposto, o Direito Intertemporal visa abranger as divergências dentro do mesmo sistema jurídico. Por outro lado, o DIPr cogita desses contratempos entre os diversos sistemas jurídicos.
Savigny, famoso jurista alemão, mostra-nos, com a precisão devida, os pontos de atuação de um e do outro ramo do Direito. Vejamos:
“No DIPr as relações jurídicas se apresentam móveis, gravitando em torno de sistemas jurídicos fixos, sendo portanto um direito translatício. No Direito Intertemporal, porém, as relações jurídicas se mostram estáticas, no âmbito de determinado sistema jurídico sujeito a uma evolução constante.”
8. AFINIDADE DO DIPr COM O DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO (DIP)
Aquele parentesco que familiarmente costumamos chamar de primo carnal tem igual aplicação no que se refere aos laços existentes entre os ramos do Direito, DIPr e DIP. São autônomos, mas têm relações muito íntimas, a ponto de ser até mesmo possível a fusão de ambos.
Mancini, renomado internacionalista italiano, foi sempre da opinião de que os dois fossem fundidos em um só, tal é a aproximação de um com o outro.
E, na realidade, tinha e tem inteira razão essa sua posição de cunho doutrinário. Pois, esses ramos do Direito têm uma só fonte: os tratados, bem como institutos comuns, v.g., a nacionalidade.
Esses tratados visam não somente à convivência pacífica entre pessoas de dois ou mais Estados, como também destes, nas suas relações mútuas dentro da esfera internacional. Na primeira hipótese, as regras deles advindas são de Direito Internacional Privado, enquanto, na segunda, são do Direito Internacional Público.
À luz do exposto e após a unificação, ambos deveriam passar a receber uma só denominação como lógico: Direito Internacional das Pessoas. A primeira parte trataria do geral, enquanto a segunda, do especial com dois subtítulos: Direito Internacional dos Estados e Direito Internacional das Pessoas Físicas e Jurídicas de Direito Privado.
9. AS LIGAÇÕES ENTRE O DIPr E O DIREITO COMPARADO
Não há, evidentemente, um Direito Comparado, e sim, um método comparativo, já que Direito pressupõe a idéia de aplicação.
Direito Comparado nada mais é, em verdade, do que um sistema de pesquisa através do qual o experto, após examinar dois institutos, desce às suas origens, indo da causa ao efeito e do efeito à causa, isto é, aplicando ora o método dedutivo, ora o método indutivo, para finalmente chegar à verdade perquirida, ou seja, à eventual identidade existente entre um e outro.
Este trabalho é de suma importância para o Direito Internacional Privado, principalmente no exame das instituições desconhecidas.
Instituições desconhecidas, para quem não sabe, são aquelas existentes num sistema jurídico e ignoradas por outro.
Tomemos como exemplo a hipoteca de bens móveis (navios e aeronaves), instituída pelo Código Civil Brasileiro. Pois bem, um juiz estrangeiro, ao tomar conhecimento de um caso que envolva essa instituição, obviamente não existente em seu direito, tendo como interessado um brasileiro e um seu nacional, ou vice-versa, terá de recorrer ao Direito Comparado a fim de dar uma solução hábil e justa. E, para que possa ir de encontro ao desate, fará impreterivelmente uma busca com a finalidade de encontrar uma instituição semelhante ao nosso instituto.
Igualmente, o Direito Comparado também exerce papel preponderante no exame comparativo entre um instituto revogado e um outro que passou a existir por força de nova disposição legal.
Aqui, o experto examinará as raízes da nova lei, a occasio legis, bem assim a razão de ser da revogação de uma e da vigência da outra, buscando de tal forma encontrar a ratio legis.
É evidente que todo esse trabalho é feito através do conhecimento do método comparativo.
10. CONFRONTO DO DIREITO UNIFORME COM O DIP
Realmente, aqui, não podemos falar de afinidade de um direito com o outro, e sim, de confronto, ou seja, a existência de um pressupõe a inexistência do outro.
Como o Direito Uniforme deveria ser o direito comum a todos os povos, podemos dizer, até mesmo com certa margem de certeza,que esse direito nunca será uma realidade e não passará de um sonho, de uma utopia.
As normas de DIP apenas indicam a lei comercial ou civil a ser aplicada ao caso concreto, enquanto as de Direito Uniforme atuam de maneira direta disciplinando o caso.
O Direito Uniforme, ou melhor dizendo, a uniformização do direito, conforme acabamos de frisar, ainda não adquiriu sentido universal. É, portanto, parcial e incompleta.
Tomemos como exemplo a Convenção de Genebra, de 1930, seguida de outras tantas que tornaram cambial a nota promissória e o cheque, comuns nas suas características de autonomia, liquidez e exigibilidade a várias legislações da Europa e das Américas. Contudo, sem a necessária aceitação de todos os países deste planeta Terra.
Podemos fazer menção a convenções, tais como aquelas de Haia, que trataram de uma lei uniforme para a compra e venda de imóveis, bem assim a outras tantas sobre divórcio, e por último, aquela da lavra dos países escandinavos que cogitavam da uniformização do direito de adoção, casamento, transportes terrestres e aéreos.
Não podemos deixar de nos referir a outras convenções sobre propriedade industrial, transportes marítimos etc.
Em verdade, a uniformização também alcançou a área do Direito Público. Entretanto, visando mais à cooperação internacional no combate ao tóxico, ao tráfico de prostitutas é à pirataria.
Apesar de todos os esforços, nenhuma dessas convenções conseguiu implantar, de maneira generalizada e de forma universal, o chamado Direito Uniforme, mesmo na área restrita do objetivo, tratado e aceito pela totalidade dos Estados signatários.
Capítulo II
DENOMINAÇAO. TAXONOMIA. AUTONOMIA. MÉTODO.OBJETO
A denominação Direito Internacional Privado realmente está consagrada. Contudo, ainda não é a mais ajustada à nossa disciplina, pois o que é privado não pode ser internacional.
Apesar de não ser devidamente adequada, foi sempre a mais aceita e decantada, porquanto procuraram sempre os internacionalistas a identificação do seu primeiro autor. Lafayette, citado por Amílcar de Castro, afirma que Portalis usou-a pela primeira vez em 1803. Posteriormente, já em 1834, coube a Joseph Story empregá-la em sua obra: Comentários sobre Conflitos de Leis Nacionais e Estrangeiras. Mas, na verdade, quem pela primeira vez intitulou uma obra com a denominação Direito Internacional Privado foi o advogado alemão Foelix, radicado em Paris no ano de 1843, assim conhecida: Tratado de Direito Internacional Privado.
Outras denominações foram dadas, mas sempre sem a devida aceitação. Vejam-se: Direito Intersistemático (Arminjon), Normas de Colisão (Hert), Direito Civil Internacional (Laurent), Conflito das Leis (Beale, Stumberg, Goodrich), Direito Interespacial (pontes de Miranda), Direito dos Limites (Frankenstein) etc.
1. TAXONOMIA
A taxinomia ou classificação de suas normas também sempre foi objeto de controvérsia.
Podemos classificá-las, segundo a opinião de alguns internacionalistas, quanto à aplicação e quanto à natureza.
Quanto à aplicação, Martin Wolff assim as classifica: normas de aplicação imperfeita e normas de aplicação perfeita.
São normas imperfeitas todas aquelas que visam mais a beneficiar, favorecer os seus nacionais. Tomemos como exemplo o art. 10 da Lei de Introdução ao Código Civil, especialmente o seu §1º
, cujo teor segue-se:
“A vocação para suceder em bens estrangeiros situados no Brasil será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge brasileiro e dos filhos do casal, sempre que não lhes seja mais favorável a lei do domicílio.”
Normas perfeitas são justamente as que têm aplicação indistinta no tocante a nacionais e estrangeiros. São, na realidade, inúmeras a ponto de tomarmos as primeiras como exceções, sendo que, no Brasil, o exemplo mais típico está no art. 5º, caput, da Constituição vigente.
Quanto à natureza, os autores se dividem no modo de classificá-las.
Para Carlos Ghirardini, as normas de Direito Internacional Privado se agrupam: direito em matéria internacional, organização jurídica internacional e Direito Público externo.
No primeiro agrupamento, estariam as normas de interesses locais.
A seguir, diz ele que as normas de DIP constituem tantos grupos quantos são as organizações territoriais e por último as normas próprias da comunidade internacional.
Já Cavaglieri não pensava assim. Entendia que as normas de DIP eram relevantes ou irrelevantes, isto porque levava em conta o caráter público ou privado do seu conteúdo. Entretanto, acabou por concluir que eram sui generis.
Em direito, conforme ensina o Professor Fávila Ribeiro, quando não sabemos definir, a melhor maneira é dizer que é sui generis. Pois, sui generis é tudo aquilo que o pensamento não alcança e as palavras não dizem.
Enquanto isso, Jacques Maury concluiu dizendo que as normas de DIP não são exclusivamente de Direito Público nem de Direito Privado, e sim mistas.
Finalmente, devemos manifestar nossa opinião no sentido de que elas são iguais às do direito interno, ou seja, imperativas e permissivas, variando de Estado para Estado, de uma feita que as nossas normas de DIPr são de caráter imperativo. Mas há Estados que adotam os dois critérios.
2. AUTONOMIA DO DIPr
Alguns autores acham que a autonomia científica do DIPr é posta em dúvida, entre eles, se podendo citar a opinião do nosso abalizado internacionalista Oscar Tenório. Para ele, trata-se mais de um corpo de teorias relativas às leis do que de uma disciplina autônoma.
O respeito que devotamos ao renomado autor não nos impede firmar ponto de vista contrário.
Já dissemos que o DIPr é um ramo da ciência jurídica e assim o definimos.
Sabemos, por outro lado, que o Direito é um só e apenas está dividido para melhor compreensão, ensinamento e aplicação.
Por outro lado, identificamos a autonomia de uma ciência ou de um ramo do Direito quando tem objetivo próprio, instituto próprio, fundamentos próprios e método próprio.
O Direito Internacional Privado tem tudo isto, ou seja, objeto próprio: conflitos de leis, reconhecimento aos direitos adquiridos e às condições jurídicas do estrangeiro.
Institutos existem vários, como exemplo podemos citar: a extradição, a deportação, a expulsão, a nacionalidade etc.
Os fundamentos são aqueles já expostos no primeiro ponto, através dos quais ficou demonstrada a necessidade imperiosa de terem aplicação as chamadas normas de conflitos no espaço, tudo em face do relacionamento entre pessoas pertencentes a Estados diferentes.
3. MÉTODO PRÓPRIO
Toda ciência tem o seu método, ou seja, o caminho através do qual podemos encontrar o seu objetivo. Assim, se não há objeto, não poderá haver método. Uma coisa implica na outra.
O método para cada ciência não deixa de ser o científico, ou seja, o método dedutivo-indutivo. Ou ainda mais, conforme alguns autores: o da lógica do razoável. Seja como for, em qualquer ramo do conhecimento humano, a lógica é instrumento de trabalho.
O Direito como ciência inexata, como fenômeno cultural que é, não poderia fugir à regra, isto é, o seu interprete trabalha também com a lógica.
Assim sendo, podemos dizer que o DIP tem método, e este é o cientifico. Isto porque nele estão inseridas a dedução e a indução.
Devemos realmente considerar correta tal intercalação de uma feita que as pesquisas, em qualquer ramo da ciência jurídica, são realizadas ora partindo do geral para o particular (dedução), ora do particular para o geral (indução).
4. ENSINO
Coube à Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, em 1907, a criação de uma cadeira autônoma de Direito Internacional Privado, tendo à frente o emérito Rodrigo Octávio.
Já em 1915, entrou em vigor o Decreto-Lei nº 11.530, de 18 de março daquele ano, colocando referida cadeira no 5º ano do Curso de Bacharelado.
Houve, em 1931, com a reforma do Ensino Superior de autoria de Francisco Campos, algo inovador, porquanto a estrutura das Faculdades de Direito ficou dividida em Curso de Bacharelado e Curso de Doutorado. Assim sendo, a cadeira de DIPr foi inserida nesteúltimo como disciplina de especialização e aperfeiçoamento.
Em face das inúmeras reclamações, a cadeira voltou para o Curso de Bacharelado, ex vi da Lei nº 114, de 11.11.1935.
O Conselho Federal de Educação, entretanto, através da Resolução nº 27, de janeiro de 1972, manteve a mencionada cadeira no mesmo curso, mas em caráter optativo.
Em outros Estados, como na Inglaterra, na Suécia, na Iugoslávia etc., o ensino da disciplina Direito Internacional Privado é dado de forma autônoma. Enquanto isto, na França faz parte do 3ºano do Curso de Bacharelado como ensino obrigatório.
5. OBJETO
O direito internacional privado resolve conflitos de leis no espaço referentes ao direito privado; indica qual direito, dentre aqueles que tenham conexão com a lide sub judice, deverá ser aplicado. O objeto da disciplina é internacional, sempre se refere às relações jurídicas com conexão que transcende as fronteiras nacionais. Desta forma, alguns pontos são analisados pelo direito internacional privado, que são a questão da uniformização das leis, a nacionalidade, a condição jurídica do estrangeiro, o conflito de leis como já citado e o reconhecimento internacional dos direitos adquiridos pelos países.
Objeto do Direito Internacional Privado
Sumário. 1. Problema controvertido. 2. Direito uniforme e direito internacional privado. 3. A nacionalidade. 4. Condição jurídica do estrangeiro. 5.
Conflito de leis. 6. Direitos adquiridos. 7. Conflito entre normas de direito interno.
1.Problema controvertido.
Diferentes são as idéias dos doutrinadores acerca do objeto do direito internacional privado. Sabendo-se ser esta uma disciplina das mais
importantes, principalmente no tocante ao aumento dos relacionamentos entre diferentes pessoas por todos os lugares do mundo, maior será a sua
necessidade de conhecimento e aplicação.
É a opinião de Amílcar de CASTRO:
“...o direito internacional privado, ou visto como setor da ordem jurídica estatal, ou tido como técnica de aplicação de certos ramos do direito, só pode
ter um objeto. A orientação clássica é no sentido de considera-lo como parte integrante do direito positivo; e, assim compreendido, só pode ter um
objeto, ou melhor, só deve ser direito com diferença específica, que não seja predominante nos demais compartimentos jurídicos. E se não for tido
como direito, mas como técnica de aplicação do direito, ainda assim não se lhe poderá atribuir função própria de qualquer seção da ordem jurídica,
sem investir contra a lógica...”
e
“...mas em direito internacional privado, tudo tem sido tão confundido e controvertido que, em torno do seu objeto, não poderá deixar de haver acesa
discussão”.
Muitos autores atribuem a cinco problemas o possível objeto do direito internacional privado:
criar um direito uniforme, uniformizar as leis;
nacionalidade;
condição jurídica de estrangeiro;
conflitos de leis;
reconhecimento internacional de direitos adquiridos.
2. Direito uniforme e direito internacional privado.
O objeto do direito internacional privado, segundo sustentam alguns, seria a criação de um direito uniforme. No entanto, sabe-se que isto dificilmente
se tornará realidade.
Novamente CASTRO:
“Direito uniforme e direito internacional privado são coisas inconfundíveis: resume-se aquele na coincidência de normas emanadas de duas ou mais
ordens jurídicas estatais, enquanto este seria o conteúdo de uma única ordem jurídica mundial. De tal sorte, só qundo houver jurisdição universal, é
que poderá haver direito universal. Como se vê, o direito uniforme não é ramo do direito, não é parte da ciência ou d arte jurídica, nem do direito
positivo, pois consiste na simples semelhança dos direitos positivos, ao passo que o direito internacional privado, visto por uns como parte do direito
positivo, e por outros como técnica de aplicação do direito, é secção da ciência ou da arte jurídica, com finalidade própria, que não é de modo algum
a de uniformizar o direito”.
Autores como Asser e Jitta entendem que o direito internacional privado sempre teve por objeto o conflito de leis, mas seu verdadeiro objeto é criar
um direito privado para a humanidade, ou seja, a uniformidade legislativa.
STRENGER conclui que, embora existama várias posições a respeito da uniformidade legislativa, nenhuma atende ao que “...parece ser o objeto do
direito internacional privado: conflito de leis no espaço”.
3. A nacionalidade.
A nacionalidade é apontada por muitos como sendo o objeto do direito internacional privado. Este seria o de regular a nacionalidade.
É sabido que sem a determinação das nacionalidades dos envolvidos na relação jurídica anormal, não há como solucionar o problema.
O surgimento dos problemas de direito internacional privado tem sempre conexão com a nacionalidade das partes.
A nacionalidade teria sido cogitada de maneira muito profunda por diferentes internacionalistas. Entretanto, não se teria conseguido provar, mesmo
assim, que ela é objeto desta ciência do direito.
É o que diz CASTRO:
“...a nacionalidade e o domicílio são relevantes circunstâncias de conexão tomadas em consideração pelo direito internacional privado, mas
decididamente não fazem parte do objeto desta disciplina, que não regula, nem a aquisição, nem a perda, nem a mudança de uma ou de outra”.[5]
Elas são somente importantes circunstâncias de conexão.
4. Condição jurídica de estrangeiro.
A condição jurídica de estrangeiro não é o objeto do direito internacional privado. A mesma tem como objetivo a solução de um problema e o direito
internacional privado de outro.
Condição jurídica de estrangeiro é o conjunto de direitos de que o mesmo pode usufruir em determinado país, que não o seu próprio, durante um
certo período de tempo. É o estado de estrangeiro em oposição ao estado de nacional.
5. Conflito de leis.
A tarefa do direito internacional privado pode ser considerada como a de procurar qual a solução adequada para resolver um conflito de leis no
espaço. Este pode ser considerado como o objeto básico do direito internacional privado.
6. Direitos adquiridos.
Doutrina desenvolvida pelos EUA e Inglaterra, a doutrina dos direitos adquiridos crê que a única lei capaz de criar um direito é a do próprio país onde
aconteceram os atos geradores do mesmo. A função do direito internacional privado é proteger os direitos criados no interior de suas fronteiras, nas
fronteiras de cada país. O seu objeto, portanto, seria o reconhecimento em um Estado dos direitos adquiridos ou declarados por sentença em outro.
7. Conflito entre normas de direito interno.
O objeto do direito internacional privado realmente é o conflito de leis no espaço.
Resta saber se o direito internacional privado abrange tanto os conflitos de leis no espaço de direito público, quanto os de direito privado.
STRENGER faz longo estudo a respeito de diferentes espécies de direito público como o constitucional, o administrativo, penal e processual para
reconhecer que pertencem ao campo do direito internacional privado os conflitos de leis processuais relativos às provas dos atos jurídicos.
São suas as palavras:
“Em resumo, o objeto do direito internacional privado é o conflito de leis no espaço,inclusive os problemas de direito processual a respeito de provas”.
O direito internacional privado também pode ser utilizado para resolver conflito de leis de direito privado no espaço interno de um mesmo país. É o
caso dos Estados Unidos da América.
O fato é que existe uma multiplicação de direitos privados num só Estado soberano.
A conclusão de STRENGER é a seguinte:
“A corrente dominante e, ao que parece, não ultrapassada, explica o objeto do direito internacional privado sob a perspectiva de que o problema
somente pode ser considerado no plano dos conflitos de leis. O Direito internacional privado tem por fim principal a aplicação da lei estrangeira em
determinado país. Como as legislações não apresentam as mesmas características, sendo ao contrário dessemelhantes e até contraditórias e
antagônicas, os conflitos de leisformam elemento peculiar às organizações políticas constituídas em Estados. Somente a existência e a permanência
desses conflitos justificam e explicam o direito internacional privado e seu desaparecimento não parece provável, em face das peculiaridades
histórico-culturais de cada povo”.
Capítulo III
AS FONTES DO DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO
“Fonte”, do Latim fons, fontis, é o mesmo que origem, causa ou princípio. Entretanto, não podemos falar em fonte do DIP diversa dos demais ramos do Direito.
O Direito, conforme já dissemos, é um só. Ele nasce, parte ou se inicia dum único direito, o direito à vida. Os outros direitos são desdobramentos deste.
Fundamental mesmo é a vida. Tudo existe em razão da vida. Os demais direitos básicos como aqueles atinentes à liberdade, à segurança e à propriedade existem em razão da vida.
É evidente, quando exigimos liberdade é porque queremos ter uma vida saudável, livre e digna de ser exercitada. O mesmo ocorre com a segurança, esta é essencial, pois, sem ela, não poderemos viver, seremos fatalmente eliminados do convívio social e familiar, perderemos até a chamada vida vegetativa, acabaremos por voltar ao pó.
O direito à propriedade também é de grande valia, porquanto, sem meios, é impossível subsistir. Todavia, este direito só é realmente útil à vida quando tem limites compatíveis com as necessidades da própria sociedade.
Os excessos desestabilizam a sociedade, geram miséria e infelicidade a muitos em proveito de poucos.
O Direito é como a vida, nasce, modifica-se, permanece, morre e renasce.
Já o fato não, é mais acidental, ocasional e passageiro, não é, por conseguinte, fonte, mas é a seiva alimentarora do próprio Direito. Sem os atos ou sem os fatos não haveria mudança de comportamentos, e assim o Direito passaria a ser prescindível. Tudo seria estático.
Quanto às fontes, os autores divergem muito, mas fazendo-se uma análise de suas opiniões, chegaremos à fácil conclusão de que a maioria termina por dividir as fontes em internas e externas. As internas são as leis e os costumes, enquanto na área internacional destacam-se os costumes e os tratados.
Na verdade, cada país tem um conjunto de normas que tratam da aplicação das leis estrangeiras e dos conflitos destas com as leis locais. São, destarte, as chamadas fontes internas do DIP.
A exemplo disto, podemos citar a Lei de Introdução ao Código Civil (do art. 7° ao 19), alguns dispositivos da vigente Constituição, como, por exemplo, o caput do art. 5°, e mais aqueles contidos no texto do art. 12 respectivo.
Como leis extravagantes e dispositivos contidos em Códigos, temos de citar o Decreto-Lei n° 2.044, de 31.12.1908, arts. 42 a 47, os arts. 98 e 100 do Código Tributário Nacional, o art. 88 do Código de Processo Civil, que disciplina competência internacional; o art. 337 do mesmo diploma legal que trata da prova do direito estrangeiro; o Estatuto do Estrangeiro, Lei n° 6.815, de 19.08.1980, atualizada pela Lei n° 6.964, de 09.12.1981, devidamente regulamentada pelo Decreto n° 86.715, de 10.12.1981, além da Lei n° 7.180, de 20.12.1983, reguladora da concessão da permanência no Brasil de estrangeiros registrados provisoriamente.
Estas são, na quase totalidade, as fontes internas do DIP na área do nosso ordenamento jurídico.
A fonte primária do Direito é a lei, sendo o costume, a secundária.
Em nosso sistema jurídico, quando a lei não disciplina o fato, sempre há costume.
Isto ocorre tanto no direito interno como no externo.
Em assim sendo, cabe ao juiz pesquisar esse costume em cada caso, ouvindo testemunhas, colhendo indícios, fazendo exame comparativo entre usos internos e externos e o grau de aceitação do âmbito nacional.
Feito esse trabalho, dará a necessária decisão que valerá como lei entre as partes e será sempre aceita, crida e imposta por se achar embasada num costume devidamente pesquisado e consolidado através de uma decisão judicial.
Não se trata de jurisprudência. A jurisprudência entre nós não é fonte de direito, de uma feita que o nosso juiz não dita o direito: tão-somente o diz.
A decisão judicial após o transito em julgado não passa disto, enquanto a jurisprudência nada é mais senão o somatório dos julgados.
Enfim, a jurisprudência é sempre fruto de vários julgados que tiveram como fulcro ou base leis ou costumes.
São fontes externas, conforme já frisamos, o costume internacional e os tratados.
O costume internacional, bem o define Machado Villela: “É o acordo tácito dos Estados no sentido de aceitar uma norma obrigatória reguladora da sua conduta nas suas relações mútuas”. Ou melhor dizendo, é aceitação por parte de vários Estados, ou dois, ou mais Estados, partes interessadas sem qualquer discrepância. É assim essencialmente bilateral, porquanto a aceitação, por parte de apenas um Estado, não constitui costume na área internacional.
O tratado, já estudado em Direito Internacional Público, é a fonte externa por excelência do Direito Internacional Privado.
Desde que aprovado pelas partes signatárias e promulgando, tem força obrigatória. É de dupla natureza jurídica, ou seja, é um compromisso internacional e, ao mesmo tempo, norma interna.
CLASSIFICAÇÃO DAS FONTES
A complexidade dos problemas existentes no Direito Internacional Privado reflete uma variedade de fontes que estabelecem regras, as quais têm como objetivo solucionar tais problemas.
Enquanto o Direito Internacional Público baseia-se em regras produzidas por fontes supranacionais, no Direito Internacional Privado preponderam as regras das fontes internas, quais sejam, pela ordem de importância:
1. Lei
2. Tratados
3. Jurisprudência
4. Doutrina
5. Costumes
1 – LEI
No estado atual da Ciência Jurídica, o Direito Internacional Privado é Direito Privado, é Direito Nacional de cada pais.  Suas normas, seus princípios estão formulados na legislação positiva de cada Estado.  Portanto, a lei interna é a grande fonte do Direito Internacional Privado.
Portanto, as normas de Direito Internacional Privado são normas locais, são regras de Direito Interno, e constituem por assim dizer, verdadeiros sistemas nacionais de Direito Internacional Privado.
A codificação das regras do Direito Internacional Privado teve início no século XIX, destacando-se o Código de Napoleão (1804), o qual estabeleceu regras sobre a aplicação das leis no espaço.
Seguindo o Código de Napoleão, surgiram vários outros como o Código Civil do Chile, o Código Civil da Itália, o Código Civil do Canadá, o Código Civil da Espanha, entre outros.  Dentre eles, o que mais se destacou foi o italiano, por sua forma mais sistemática dos dispositivos de Direito Internacional Privado.
Nos seus arts. 6º ao 12 das "Disposições Gerais", relativas à publicação, interpretação e aplicação das leis, encontramos normas interessantes sobre leis pessoais; situação dos bens móveis e imóveis; contratos, competência e formas do processo; execução de sentença estrangeira e as limitações de ordem pública e bons costumes.
No Brasil, o panorama jurídico não é diverso.  Antes do Código Civil tínhamos regras dispersas.
Em 1916, foi promulgado o Código Civil, em cuja "Introdução", nos arts. 8º a 21, foram determinadas regras de direito interno sobre o Direito Internacional Privado.  E, finalmente, na última "Lei de Introdução", de 04 de setembro de 1942, consagrou-se o nosso sistema local, pelo qual devemos resolver os conflitos de leis entre a lei brasileira e a lei estrangeira.
Todos esses fatos, portanto, são demonstradores de que no estado atual da Ciência Jurídica, a grande fonte de nossa disciplina é a lei interna de cada país.  Os Estados prescrevem suas regras de solução de conflitos de leis da maneira que lhes parece melhor, independentemente das regras adotadas por outros povos.  Daí podemos concluir que a lei interna é a grande fonte de Direito, pela qual suas regras se manifestam no corpo da ciência jurídica.
2 - TRATADOS INTERNACIONAIS
Além das fontes internas, o Direito Internacional Privado é baseado também em fontes internacionais, como osTratados e Convenções e a Jurisprudência Internacional, e também - como no Direito Internacional Público - pelos princípios gerais de Direito aceitos pelas nações civilizadas.
Os tratados, em matéria de nacionalidade estão voltados para os conflitos de nacionalidade, tendo como objetivo evitar os inconvenientes da dupla nacionalidade, entre outros.
A respeito das convenções, faz-se importante destacar a Convenção de Haia, que estabelece soluções para conflitos de leis no campo do Direito Civil e Comercial.
O tratado internacional é o instrumento para o Direito Internacional Privado uniforme e para o Direito Uniforme substantivo ou material.  A expressão "tratado Internacional" significa um acordo internacional, celebrado por escrito entre os Estados, regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer conste de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica.  Cada país regula, individualmente, a incorporação do tratado internacional ao sistema jurídico interno e a sua ordem hierárquica dentro do sistema.
É em relação aos conflitos de leis que se tem o maior número e mais importante acervo de diplomas legais internacionais nesta matéria, os quais se dividem em:
Convenções contendo regras de solução de conflitos de leis, isto é, o Direito Internacional Privado Uniformizado.
Convenções que aprovam Lei Uniforme para atividades de caráter internacional.
Quanto aos tratados, vale mencionar o "Tratado de Lima", que garante a igualdade dos estrangeiros aos direitos civis de que gozam os nacionais e estabelece o critério da lei da nacionalidade das pessoas para decidir as questões de estado e de capacidade jurídica; e o "Tratado de Montevidéu", voltado para o sistema de domicílio.
Além dos tratados vale frisar o “Código Bustamante”, que trata principalmente da lei que rege o estado e a capacidade das pessoas.
No Brasil, um tratado internacional não pode ferir a Constituição e, inclusive, está sujeito ao controle de constitucionalidade.  O que se discute, sobretudo na doutrina, de particular interesse para nossa disciplina, é a relação do direito infraconstitucional com o tratado internacional.
A possibilidade de trazer mais segurança às relações jurídicas, diante das dúvidas existentes, e a do próprio legislador estabelecer os critérios para definir relação entre tratado internacional e legislação doméstica conflitante. Em parte, isso já ocorre no Brasil, no nível da legislação ordinária.
O legislador brasileiro teve a chance de implementar o princípio da primazia do tratado internacional sobre a legislação ordinária de origem interna do Direito Internacional Privado por ocasião da revisão da Lei de Introdução do Código Civil de 1942, podendo isso ser sido feito diretamente no texto revisado.  Essa manifestação expressa por parte de legislador, evitaria discussões futuras sobre o tema dentro da nossa disciplina.
O tratado internacional, no Brasil, depende de promulgação e publicação para a sua vigência.  Para que todos os tratados de Direito Internacional Privado passem a ter força de lei, é indispensável a aprovação do Congresso Nacional e os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Art.5º § 3º - Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004). O mesmo procedimento abrange as emendas e a revisão ou reforma de tratado em vigor no país.  O Brasil pode excluir ou modificar o efeito jurídico de certas disposições mediante uma declaração unilateral, que é a reserva, se o próprio tratado a tolerar.  Reservas, no entanto, só são possíveis em tratados multilaterais ou convenções, podendo ser feitos por ocasião do término das negociações de um tratado, quando o texto já é definitivo e está assinado pelos negociadores ou, ainda, durante o processo de aprovação legislativa.
Certos acordos internacionais, via de regra, não estão submetidos à aprovação do Congresso Nacional.  São os chamados acordos executivos, possíveis quando o próprio Congresso Nacional autoriza acordos de especificação, de detalhamento, de suplementação, previstos no próprio texto de um tratado e deixados ao arbítrio dos países pactuantes.  A doutrina admite, ainda, o acordo executivo, entre outras hipóteses, quando se trata meramente de interpretar cláusulas de um tratado vigente.  Acordos internacionais com reflexos sobre a nossa disciplina são imagináveis dentro desse âmbito restrito.
O tratado internacional não é, ainda, uma fonte jurídica muito significativa no Direito Internacional Privado brasileiro.  O país ratificou, até a presente data, por exemplo, apenas cinco das convenções elaboradas pela Conferência Especializada Interamericana de Direito Internacional Privado.
O tratado mais importante da espécie, ratificado pelo Brasil, foi o Código Bustamante, de 20 de Fevereiro de 1928, promulgado pelo Decreto nº 18.871, de 13 de Agosto de 1929.
O Código Bustamante foi ratificado por quinze países sul-americanos.  Vários países, entretanto, declararam reservas quanto à aplicação da convenção.  Ademais, o art. 7º do Código permite aos países contratantes determinarem o estatuto pessoal da pessoa física com autonomia própria.  Isso significa que aos países contratantes é facultado aderir livremente ao elemento de conexão do domicílio ou ao da nacionalidade.  Bustamante declarou-se a favor do último, defendeu uma posição minoritária da América Latina; prevaleceu, porém, na maioria dos Estados a adoção do elemento de conexão do domicílio nas suas legislações.
O Código de Bustamante, contudo, não tem quase nenhuma aplicação na prática. Quais seriam as razões para tanto?
O tratado é muito abrangente, refere-se, inclusive, a matérias que não pertencem ao Direito Internacional Privado propriamente, como o Direito Penal Internacional e a Extradição.  Seu conteúdo é muitas vezes vago, e por isso vários países declararam reservas quanto à sua aplicação, como já mencionado.  As regras contidas no tratado, em parte, não correspondem mais às tendências modernas deste Direito.
O Código Bustamante tem limitado, consideravelmente, o seu campo de aplicação, em virtude do reduzido número de causas de Direito Privado com conexão internacional nos países vinculados juridicamente ao Código.
As normas do Direito Internacional Privado brasileiro encontram-se, basicamente, na Lei de Introdução ao Código Civil.  Essa lei é posterior à promulgação do Código de Bustamante, e uma parte da doutrina e a jurisprudência dominante entendem que a lei posterior derroga o tratado anterior quando em conflito com este.  Por fim, os juizes não conhecem o Código Bustamante ou não querem aplicá-lo.
Não faltaram tentativas para revisar o Código Bustamante, levando em consideração, particularmente, o fato de o Brasil, em 1942, com a nova Lei de Introdução ao Código Civil ter abandonado a sua posição anterior de adotar o princípio da nacionalidade, dando preferência àquele do domicílio quanto ao estatuto pessoal da pessoa física.  A guinada do Brasil a favor do elemento de conexão do domicílio significava que todo continente americano, inclusive os Estados Unidos, aplicaria o mesmo elemento de conexão, o que poderia ter facilitado uma reformulação do Código.  Todos os esforços nesse sentido, contudo, não foram coroados de êxito.  Atualmente, as Conferências Especializadas Interamericanas de Direito Internacional Privado são os motores da evolução do Direito Internacional Privado no continente, limitando-se, porém, a uniformizar determinadas matérias específicas da nossa disciplina.
3 – JURISPRUDÊNCIA
A jurisprudência é empregada com dupla significação.  JURISPRUDÊNCIA EST DIVINARUM ATQUE HUMANARUM RERUM NOTITIA, IUSTI ATQUE INIUSTI SCIENTIA, já dizia Ulpianus; e neste sentido é a própria ciência jurídica: é o conhecimento das coisas divinas e humanas, a ciência do justo e do injusto.  A outro propósito, Calhistratusfazia referência à RERUM PERPETUO ET SIMILITER IUDICATORUM AUCTORITAS, e com este sentido é que a palavra jurisprudência é empregada: autoridade das coisas  semelhantes, julgadas constantemente  do mesmo modo.
Dado o caráter permanentemente aproximativo da lei ao disciplinar o fato social, jamais a alcançaria nesse seu disciplinamento um perfeito envolvimento do fato social. Teria a regulamentação do fato exclusivamente pelas normas dos códigos que se tornariam demasiadamente volumosa.  O fato social é disciplinado de maneira genérica pelo Direito Positivo. Lacunas e espaços vazios formam-se dentro desse envolvimento jurídico. É justamente nessas lacunas e hiatos que penetra a jurisprudência para conseguir o que a norma escrita não o pode fazer.
A jurisprudência - salienta Amilcar de Castro - enquanto entre nós não tenha força obrigatória, valendo apenas como doutrina, é importantíssima fonte de Direito Internacional Privado, cujas normas legisladas, em geral, são poucas.  E note-se que, como a lei, é resultante de atos oficiais de um poder público, presumidamente imparcial, pelo que, se não tem força de obrigar os juizes a segui-la, não deixa de ter o prestígio dos atos oficiais.
Haroldo Valladão enuncia o seu ponto de vista mostrando que a jurisprudência dos tribunais torna-se cada vez mais uma verdadeira tábua de logaritmos do jurista, fornecendo cada dia soluções não previstas ou mal e incompletamente previstas pelo legislador.  Ela é particularmente necessária ao Direito Internacional Privado - acentua o grande internacionalista brasileiro - um Direito cuja legislação é fortemente reduzida.
E continua: “Ao lado da lei forma-se um direito jurisprudencial, mais plástico, possível de ser modificado pelos próprios tribunais, mais vivo, particularizado: o direito positivo corrente. O direito jurisprudencial une o direito positivo corrente. O direito jurisprudencial une o direito atual ao direito futuro: ele é a fonte entre o JUS CONSTITUTO e o JUS CONSTITUENDO”.
A autoridade e o valor positivo da jurisprudência variam em cada Estado.  Os países do Common law, como a Grã-Bretanha e os Estados Unidos lhe dão maior categoria de fonte que os direitos escrito e codificado.
4 – DOUTRINA
A doutrina é outra fonte reconhecida de Direito Internacional Privado, tendo muito influenciado a evolução da nossa disciplina em todas as partes do mundo.  Veja-se que os princípios fundamentais do Direito Internacional Privado moderno repousam nas teorias doutrinárias desenvolvidas desde o século XIX. É o campo do direito em que a doutrina tem mais desenvoltura, maior aplicabilidade.  Ela interpreta as decisões judiciais a respeito do Direito Internacional Privado e com base nas mesmas desenvolve os princípios da matéria.  Entretanto, a doutrina também serve de orientação para os tribunais, os quais muitas vezes recorrem a ela para decidir questões deste Direito.
O grande mérito da doutrina é o de ter elaborado um sistema de regras jurídicas constitutivas da parte geral do Direito Internacional Privado.  Estas regras, raras vezes, incorporam-se diretamente à legislação dos Estados.  Em sua grande maioria são compostas por regras não escritas, e sua aplicação, pelos tribunais, baseia-se de imediato, nas fontes doutrinárias.
Quanto a natureza da Norma
Quanto à sua natureza, a norma de Direito Internacional Privado é geralmente conflitual, indireta, não solucionadora da questão jurídica em si, mas indicadora do direito interno aplicável, daí ser classificada como sobredireito. Também existem normas substanciais, diretas, como se verá. No plano do direito convencional, fonte internacional, as normas podem ser indiretas quando seguem o método conflitual, como também diretas, quando adotam regras materiais uniformes.
Existem ainda as normas conceituais ou qualificadoras, que se restringem a definir determinados institutos para efeito do D.I.P
Normas Indiretas
A norma de Direito Internacional Privado conflitual objetiva indicar em situações conectadas com dois ou mais sistemas jurídicos qual dentre eles deva ser aplicado. Assim, determinará que ordenamento jurídico será aplicado para questões de capacidade, para os institutos do direito de família e do direito das sucessões, para os contratos e demais obrigações e para as questões de direito real, fazendo esta escolha por meio de pontos de contato, nacionalidade ou domicílio das pessoas, local da assinatura do contrato ou local do cumprimento da obrigação, local da situação do bem, pontos estes denominados regras de conexão.
Estas normas não solucionam a questão jurídica propriamente dita, não dizem se a pessoa é capaz ou incapaz, se o contrato é válido ou não, se o causador do dano a outrem é civilmente responsável ou não, se certos colaterais herdam ou não, e assim por diante. Estas normas do D.I.P. apenas indicam qual dentre os sistemas jurídicos de alguma forma ligados à hipótese, deve ser aplicado. São denominadas de normas instrumentais. O aplicador da lei seguirá a norma de Direito Internacional Privado como se fora uma seta indicativa do direito aplicável, e neste, procurará as normas jurídicas que regulam o caso sub judíce.
Assim, a Introdução ao Código Civil brasileiro, promulgada em 1916, determinava em seu artigo 8° que "a lei nacional da pessoa determina a capacidade civil, os direitos de família, as relações pessoais dos cônjuges e o regime de bens do casamento..." substituída em 1942 pelo artigo 7° da Lei de Introdução ao Código Civil, que reza que "a lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família". Em ambas regras vemos que o legislador de Direito Internacional Privado determina que se aplique a lei interna de determinado país, o país da nacionalidade da pessoa, no regime de 1916, e o país do seu domicílio, segundo a regra de 1942.
No plano convencional, o artigo 263 do Código Bustamantel é ilustrativo. Dispõe:
"A forma de saque, endosso, fiança, intervenção, aceite e protesto de uma letra de câmbio submete-se à lei do lugar em que cada um dos ditos atos se realizar."
Veja-se como a Convenção determina a aplicação de variadas leis internas, conforme o local em que tenham ocorrido os atos jurídicos que constituem o título de crédito e outros que eventualmente a ele se acrescentem.
Da mesma forma a Convenção da Haia de 1971 sobre a Lei Aplicável em Matéria de Acidentes Rodoviários, dispõe em seu artigo 3° que:
"A lei aplicável é a lei interna do Estado sobre o território do qual o acidente ocorreu."
A nacionalidade e/ou o domicílio das pessoas envolvidas no acidente, a matrícula dos veículos, sua procedência, seu destino, todos estes fatores se tornam irrelevantes ante a regra convencional que manda aplicar tão-somente a lei do país em cujo território tenha ocorrido o acidente. Caberá à Corte de qualquer um dos Estados cuja prestação jurisdicional tenha sido solicitada, e que tenha aprovado ou venha a aprovar a Convenção, ir em busca das normas sobre responsabilidade civil em acidente de veículos que vigorem no país onde o acidente ocorreu, pois nem sempre a causa será julgada no país em que se verificou o acidente.
Normas Diretas
Há, excepcionalmente regras de Direito Internacional Privado de outra natureza: normas diretas, substanciais, que dão solução à quaestio juris; destacam-se as regras sobre nacionalidade e sobre a condição jurídica do estrangeiro, umas determinam os titulares da nacionalidade de cada Estado, regulam a aquisição e a perda deste status e as outras delimitam os direitos dos estrangeiros. São regras eminentemente diretas, substanciais, sem qualquer conteúdo conflitual.
Na Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro encontramos o parágrafo 5° do art. 7° que faculta ao naturalizando casado adotar o regime da comunhão parcial de bens, e o artigo 11 por seus parágrafos 2° e 3° limitando o direito dos governos estrangeiros na aquisição de bens imóveis e suscetíveis de desapropriação; são normas substanciais,diretas, mas, também é verdade que não versam questões de conflito de leis.
Na França encontramos a disposição do artigo 170 do Código Civil, alínea I, que ordena aos franceses que contraem núpcias no estrangeiro, publicar previamente na França os proclamas de que trata o artigo 63 do mesmo código.
François Rigaux assinala que os legisladores nacionais criam normas de D.I.P. diretas ao regulamentar o tratamento de seus militares que se encontram no exterior.
Como vimos no capítulo 1113 o D.I.P. trabalha com o método conflitual e o método uniformizador. Este opera por meio de convenções que aprovam Leis Uniformes sobre atividades de caráter internacional - o segundo dos "quatro fatores resumidos" - Direito Internacional Uniformizado - contendo regras diretas.
Exemplos clássicos de Direito Internacional Uniformizado são a Convenção para Unificação de certas regras relativas ao transporte aéreo internacional, assinada em Varsóvia em 12 de outubro de 1929, que versa os direitos e obrigações do transportador, do expedidor e do destinatário 4 e a Convenção das Nações Unidas sobre Contratos para a Venda Internacional de Bens, assinada em Viena em 11 de abril de 1980 cuida da formação do contrato e das obrigações do vendedor e do comprador'. Ambas fixam normas materiais, diretas.
Há que se diferenciar entre as convenções que elaboram direito uniforme, por coordenação internacional', como as convenções de Genebra sobre títulos de crédito, que não distinguem entre as relações jurídicas internas das internacionais, que criam direito civil ou comercial uniformizado' de um lado, e, de outro lado as convenções que estabelecem normas uniformes em assuntos de estrita aplicação na atividade internacional como a compra e venda internacional, o transporte internacional, marítimo e aéreo. Aí temos normas de Direito Internacional Uniformizado.
Mesmo nas Convenções de Direito International Privado Uniformizado, em que se espera ver só normas indiretas, indicadoras do sistema jurídico aplicável, vamos encontrar uma ou outra norma direta, como, por exemplo, na Convenção da Haia de 1973 sobre a lei aplicável às obrigações alimentícias, cujo artigo 11, 2a alínea dispõe que "mesmo que a lei aplicável disponha diversamente, as necessidades do credor e as possibilidades do devedor serão tomadas em consideração na determinação do montante dos alimentos devidos".
Normas Qualificadoras
Há ainda normas que não são conflituais, nem substanciais, mas conceituais ou qualificadoras. Assim classificamos, por exemplo, as regras que definem o domicílio, necessárias para a boa aplicação das normas conflituais, das quais são acessórias.
Temos, no D.I.P. brasileiro, a regra do § 7° do artigo 7° da Lei de Introdução ao Código Civil que determina a extensão do domicílio do chefe da família ao outro cônjuge e aos filhos não emancipados, bem assim o do tutor ou curador aos incapazes sob sua guarda.
No campo das fontes internacionais a Convenção Interamericana sobre o Domicílio de Pessoas Físicas no D.I.P. aprovada na 2' Conferência Interamericana de Direito Internacional Privado, Montevidéu, 1979, assim define o domicílio em seu artigo 2°:
"O domicílio da pessoa física será determinado pelas circunstâncias discriminadas na seguinte ordem:
1. O local de sua residência habitual;
2. O local de seu principal lugar de negócios;
3. Na ausência dos dois fatores acima, o lugar de sua residência;
4. Na ausência de sua residência, o lugar onde a pessoa se encontrar.
Não é uma regra de conflito. Também não é uma norma substancial. É uma regra definidora, qualificadora, que colabora com a norma conflitual que indica a lei do domicílio para reger determinadas matérias.
Estrutura da Norma de DI.P.: Normas Unilaterais, Bilaterais e Justapostas
A classificação das normas conflituais de acordo com a sua estrutura divide-as em normas unilaterais ou incompletas e normas bilaterais ou completas. Há ainda a composição de duas normas unilaterais correspondentes que se completam.
Comparemos duas normas clássicas de D.I.P. para apreender a distinção entre as normas unilaterais e as bilaterais.
O Código de Napoleão, de 1804, prescreve em seu artigo 3°, alínea 3a:
"As leis concernentes ao estado e à capacidade das pessoas regem os franceses, mesmo residentes em país estrangeiro."
O artigo 20 da lei italiana de 1995, manteve o princípio da nacionalidade como reguladora da capacidade civil das pessoas em seu artigo 20, com a seguinte redação:
"A capacidade jurídica da pessoa física é regida por sua lei nacional"
Ambas regras de D.I.P. determinam a aplicação da lei da nacionalidade para as questões de estado e de capacidade, só que a francesa concentra a regra na aplicação da sua lei para os seus nacionais, enquanto que a italiana universalizou a regra, determinando que todas as pessoas sejam regidas pelas leis de sua nacionalidade.
A francesa é uma norma unilateral, imperfeita, egoísta, só cuida dos franceses, a italiana é uma norma multilateral, perfeita, universal, pois se ocupa de todo mundo.
A distinção entre a norma francesa e a italiana também ilustra as duas óticas diversas da disciplina:' a norma francesa cuida da extensão geográfica de sua própria lei - unilateralista, enquanto que a italiana cuida dos institutos do estado e da capacidade das pessoas, dispondo que os mesmos se submetem à lei da nacionalidade das pessoas multilateralista, distinção esta que é igualmente ilustrada por outra comparação de regras, entre as legislações italiana e alemã anteriores, respectivamente de 1942 e 1900.
A regra italiana, no artigo 19, dispunha:
"As relações patrimoniais entre cônjuges são reguladas pela lei nacional do marido ao tempo da celebração do casamento."
A regra germânica, no artigo 15, estabelecia:
"O regime matrimonial de bens será regulado de acordo com as leis alemãs quando o marido, ao tempo da celebração do casamento, for alemão."
Como bem explica Kahn Freund:'°
"Ambas regras expressam o mesmo princípio, de que a lei da nacionalidade do marido à época do casamento determina as normas que se aplicarão às relações patrimoniais entre ele e sua esposa. Mas usam técnicas legislativas diferentes. A lei italiana responde à seguinte pergunta:  que lei se aplica?' A lei alemã responde à pergunta:  quando se aplica a lei alemã?. Mas o efeito de ambas regras é praticamente o mesmo, pois em toda parte os tribunais destilaram regras multilaterais das normas unilaterais contidas na legislação. O exemplo vem dos tribunais franceses, que transformaram a regra do artigo 3°, alínea III em uma norma multilateral. 'As leis concernentes ao estado e à capacidade das pessoas se aplicam aos franceses mesmo que residentes no exterior transformou-se em O estado e a capacidade da pessoa são regidos pela lei de sua nacionalidade, onde quer que ela resida.
A pergunta do legislador unilateralista - "quando se aplica minha lei" - corresponde a uma ótica de concentração nas leis de diversos países e nos seus conflitos, que é seguida por uma preocupação em aplicar a lex forí. Quem olha para as leis em conflito e procura extrair uma solução da diversidade, estará sempre inclinado a aplicar sua própria lei. Já a pergunta do legislador bilateralista - "que lei se aplica" - está mais voltada para o fato jurídico e o exame de suas particularidades e nuances, observação esta que induz a procurar a lei mais apropriada para a solução, o que leva a maior objetividade e maior capacidade de universalizar".
No D.I.P. brasileiro temos o artigo 8° da Introdução ao Código Civil, de 1916, que assim dispunha:
"A lei nacional da pessoa determina a capacidade civil, os direitos de família, as relações pessoais dos cônjuges e o regime de bens do casamento, sendo lícita quanto a este a opção pela lei brasileira..."
regra esta substituída pela contida no artigo 7° da Lei de Introdução ao Código Civil, de 1942, que prescreve:
"A lei do país em que for domiciliada a pessoa determina as regras sobre o começo e o fim da personalidade, o nome, a capacidade e os direitos de família."Temos nas duas sucessivas regras do D.I.P. brasileiro a regra bilateral, que segue o método multilateral no que o legislador seguiu a orientação consagrada por Teixeira de Freitas em seu Esboço, artigo 849:
"A validade ou nulidade dos atos jurídicos entre vivos e das disposições de última vontade, no que respeita à capacidade ou incapacidade dos agentes, será julgada pelas leis do seu respectivo domicílio."
Estas são regras bilaterais ou completas quanto à sua estrutura, pois não objetivam a aplicação de sua própria lei (como a francesa) e são regras multilaterais quanto à sua ótica pois versam a instituição determinando-lhe a lei aplicável.
Na França a lei, de 11 de julho de 1975, manteve a tradição unilateralista do Código napoleônico, ao reformar o artigo 310 do Código Civil francês, que passou a ter a seguinte redação:
"O divórcio e a separação de corpos são regidos pela lei francesa nas seguintes hipóteses:
- quando um e outro dos cônjuges são franceses;
- quando os cônjuges têm seu domicílio em território francês;
- quando nenhuma lei estrangeira se considere competente e os tribunais franceses sejam competentes para conhecer do divórcio e da separação de corpos.""
Em direito societário a lei francesa de 24 de julho de 1966, artigo 3°, dispõe que:
"As sociedades cuja sede social esteja situada na França, são regidas pela lei francesa."
A doutrina francesa explica que a regra conflitual unilateral "visa determinar o campo da aplicação no espaço de sua própria lei e por conseqüência limita seu objeto apenas à designação da lei do foro".
No Brasil temos algumas regras unilaterais, destacando-se o artigo 13, parágrafo único da Introdução de 1916 que assim dispunha:
"Sempre se regerão pela lei brasileira os contratos ajustados em países estrangeiros quando exeqüíveis no Brasil, as obrigações contraídas entre brasileiros em país estrangeiro, os atos relativos a imóveis situados no Brasil e os atos relativos ao regime hipotecário brasileiro."
Na Lei de Introdução ao Código Civil de 1942, encontramos várias regras unilaterais, como as do artigo 7°, § 1 °, artigo 9°, § 1 ° e artigo 10, § 1 °.
Invariavelmente unilaterais são as regras sobre nacionalidade, condição jurídica dos estrangeiros e as normas processuais, eis que cada Estado só tem competência para determinar as condições de aquisição de sua nacionalidade, para fixar os direitos e as limitações dos estrangeiros que se encontram em seu território e delinear a competência jurisdicional de seus próprios tribunais. Nenhum Estado se aventurará a reger a nacionalidade de outros Estados, a determinar regras sobre o direito de estrangeiros em território de outro país ou a fixar a competência de tribunais de outros Estados.
Os defensores do unilateralismo sustentam que o legislador só tem competência sobre a aplicação de suas próprias leis, não lhe cabendo atribuir competência sobre a lei de outro legislador, pois só este dirá do alcance de sua lei. Segundo esta escola o legislador apenas determina quando se aplicará sua própria lei.
Esta escola, ao defrontar-se com uma hipótese não abrangida pela norma unilateral do foro, quando, por exemplo, o tribunal francês tiver que decidir sobre o estado e a capacidade de um alemão ou de um inglês que se encontre na França, ou sobre uma sociedade cuja sede social esteja situada em outro país, tem adotado duas atitudes diversas. Uma advoga a bilateralização da regra unilateral: se o Direito Internacional Privado francês determina a aplicação da lei francesa para os franceses em matéria de estado e capacidade, resulta que os tribunais franceses devem aplicar a lei alemã para o cidadão de nacionalidade alemã, e a lei inglesa para o estado e a capacidade do cidadão inglês. Esta tem sido a orientação da jurisprudência francesa.
No Brasil isto significa que como o casamento realizado no Brasil se rege, quanto às formalidades, pela lei brasileira, 14 o casamento realizado no exterior, reger-se-á pela lei do local de sua celebração. Esta aplicação jurisprudencial resulta na bilateralização da norma formalmente unilateral.
A outra corrente do unilateralismo não aceita esta bilateralização, entendendo, como já vimos, que a lei estrangeira só poderá ser aplicada se ela mesma assim desejar, isto é, se ela se declarar competente. Voltando aos exemplos anteriores, na França, o alemão será regido pela lei alemã, de sua nacionalidade, porque o Direito Internacional Privado alemão estabelece esta regra para o estado e a capacidade do alemão. Já o inglês, cuja legislação não adota a regra da nacionalidade, mas a do domicílio, não poderá ter aplicada à sua pessoa na França a lei de sua nacionalidade, pois que ela não admite a sua competência nesta hipótese. Os tribunais franceses não poderiam aplicar a lei inglesa contra a vontade desta.
Segundo autores alemãeS16 o Direito Internacional Público veda a um Estado atribuir ou negar competência à lei de outro Estado. Von Bar assim resumiu esta doutrina: "Impor uma competência a quem não a deseja, não é tratá-lo como um igual, é reivindicar uma espécie de superioridade ou atribuir-se um direito supranacional; é agir como uma Corte superior que ordena a um tribunal inferior, que se declara incompetente, a decidir sobre o mérito da causa. Ora, como todos os Estados são iguais e devem se respeitar uns aos outros, não pode haver competência imposta."
Esta doutrina é fortemente criticada, pois dela resultam duas situações sem solução: a lacuna e o acúmulo.
A lacuna se verifica quando nenhuma outra lei se considera competente na espécie, como, por exemplo, no caso do inglês domiciliado na França. E o acúmulo se verificará quando mais de uma lei estrangeira se considerar competente.
Loussouarn e Bourel imaginam a seguinte hipótese de acúmulo: uma francesa, casada com um cidadão belga, ambos domiciliados na Inglaterra, promove seu divórcio contra o marido, fundamentando a competência do Tribunal francês no artigo 14 do Código de Napoleão que fixa a competência do Judiciário francês para questões que envolvam cidadãos desta nacionalidade. A lei francesa não se aplicará nem com base na alínea I do artigo 310 do Código, pois não são franceses ambos os cônjuges, nem com fundamento na alínea II, pois não estão domiciliados em território francês, nem com apoio na alínea III, pois que ambas as outras leis envolvidas, a inglesa e a belga se consideram competentes, a inglesa por estarem os cônjuges domiciliados na Inglaterra, e a belga, por ser a nacionalidade do marido. Estamos diante da hipótese do acúmulo. Como poderá o Juiz francês escolher entre as duas leis estrangeiras?
Antes da Lei de 1975 o Direito Internacional Privado do divórcio na França era regido pela regra unilateral da nacionalidade contida no artigo 3°, alínea III do Código de Napoleão e em casos de cônjuges de nacionalidades diversas, a jurisprudência aplicava a lei do país do domicílio do casal, como conexão subsidiária.
Atualmente, dizem Loussouarn e Bourel "sem querer fazer o jogo de profetas" se ocorrer a hipótese formulada, os tribunais aplicarão a lei inglesa, lei do domicílio do casal, e assim fazendo, dizem os autores, estarão ressuscitando indiretamente o bilateralismo.
Isto porque, sendo a lei francesa competente quando os dois cônjuges são domiciliados na França, aplicar a lei inglesa, por estarem os dois cônjuges domiciliados na Inglaterra, desprezando a lei belga, que se considera competente por força da nacionalidade do cônjuge varão, significa bilateralizar a norma unilateral do Direito Internacional Privado francês.
A escola que defende o bilateralismo repudia o argumento da competência exclusiva do legislador estrangeiro de limitar a aplicação de sua lei, argumentando que aplicar a lei de determinado Estado não implica em atribuir-lhe competência, eis que a existência das suas regras é um fato no mundo jurídico. Outrossim, se a aplicabilidade de uma lei estivesse ligada à competência do Estado da qual emana, deveria ser vedado aos Estados fixar a aplicabilidade de sua lei no exterior, pois

Continue navegando