Prévia do material em texto
Cap´ıtulo 1 Equac¸o˜es Diferenciais Lineares de Ordem Superior 1.1 Existeˆncia e Unicidade de Soluc¸a˜o Nosso intuito e´ estudar Equac¸o˜es Diferenciais Lineares de ordem n. Estas equac¸o˜es tem a forma an(x)y (n) + an−1(x)y(n−1) + . . . a1(x)y′ + a0(x)y = f(x) com as func¸o˜es cont´ınuas f(x), chamado termo na˜o homogeˆneo, e aj(x), j = 1, . . . , n, chamados coeficientes da equac¸a˜o, em que an(x) 6= 0. A simbologia significa y(n) = d ny dxn , derivada ordina´ria ene´sima de y = y(x). Considerando as condic¸o˜es iniciais y(x0) = y0 e y ′(x0) = y10, . . . , y (n−1)(x0) = yn−10 a`s equac¸o˜es acima, temos o que chamamos de Problema de Valor Inicial (P.V.I.). Primeiramente vamos fazer um estudo teo´rico geral para EDOs Lineares de Ordem n, para em seguida estudarmos me´todos de resoluc¸a˜o para EDO de 2a ordem, e por fim, estender estes me´todos para EDO de Ordem Superior a 2. Teorema 1.1 (Teorema de Existeˆncia e Unicidade) Sejam aj(x), j = 1, . . . , n, e g(x) func¸o˜es cont´ınuas em I intervalo real, com an(x) 6= 0,∀x ∈ I. Se x0 ∈ I, enta˜o o Problema de Valor Inicial an(x)y (n) + an−1(x)y(n−1) + . . . a1(x)y′ + a0(x)y = f(x) 1 com y(x0) = y0 e y ′(x0) = y10, . . . , y (n−1)(x0) = yn−10 possui uma u´nica soluc¸a˜o y(x) neste intervalo I. Exemplo 1.1 Pode-se verificar que o problema y′′ − 4y = 12x, y(0) = 4, y′(0) = 1 tem como soluc¸a˜o y = 3e2x + e−2x − 3x. Como a equac¸a˜o e´ linear de 2a ordem, a2(x) = 1 6= 0, e as condic¸o˜es iniciais sa˜o satisfeitas para esta func¸a˜o, g(x) = 12x e´ cont´ınua em todo R, enta˜o estamos na condic¸a˜o do teorema 1.1, e portanto, esta func¸a˜o e´ a u´nica soluc¸a˜o do PVI, para x0 = 0. Exemplo 1.2 O problema 3y′′′ + 5y′′ − y′ + 7y = 0, y(1) = 0, y′(1) = 0, y′′′(1) = 0 tem a func¸a˜o y = 0 como soluc¸a˜o trivial. Como a equac¸a˜o e´ linear de 3a ordem, em que as condic¸o˜es iniciais sa˜o satisfeitas e as condic¸o˜es do teorema 1.1 sa˜o atendidas, enta˜o a soluc¸a˜o trivial e´ a u´nica soluc¸a˜o este problema, com x0 = 1. Exerc´ıcio 1 Mostre que a func¸a˜o y = cx2 + x + 3 e´ uma soluc¸a˜o para o problema de valor inicial x2y′′ − 2xy′ + 2y = 6, y(0) = 3, y′(0) = 1, em toda a reta Real, para qualquer escolha do paraˆmetro c. 1.2 Problema de Valor de Contorno (P.V.C.) Em alguns problemas, as condic¸o˜es que sa˜o dadas esta˜o relacionadas ao contorno, ou seja, a func¸a˜o inco´gnita e suas derivadas esta˜o especificadas em pontos diferentes. Por exemplo, no caso EDO Linear de Ordem 2, o problema a2(x)y ′′ + a1(x)y′ + a0(x)y = g(x), sujeito a y(a) = y0, y(b) = y1, e´ um Problema de Valor de Contorno. 2 Exerc´ıcio 2 Verifique que, no intervalo (0,+∞), a func¸a˜o y = 3x2 − 6x + 3 resolve o problema de valor de contorno x2y′′ − 2xy′ + 2y = 6, y(1) = 0, y(2) = 3. Para os P.V.C, na˜o e´ garantida a existeˆncia da soluc¸a˜o, muito menos a unicidade, em geral. Vejamos o exemplo: Exemplo 1.3 Analisemos o P.V.C: y′′ + 16y = 0, • com y(0) = 0, y(pi/2) = 0. A func¸a˜o y(x) = c1 cos 4x + c2 sin 4x resolve a equac¸a˜o em questa˜o. Entrentanto, se formos analisar as condic¸o˜es de contorno, concluimos que existem infinitas soluc¸a˜o. (Verifique!) • com y(0) = 0, y(pi/2) = 1, chegamos a conclusa˜o que na˜o existe func¸a˜o que resolva o P.V.C. 1.3 Soluc¸o˜es de Equac¸o˜es Lineares Estudaremos agora me´todos para obter soluc¸o˜es de EDOs Lineares. Para isso, precisamos de estudar alguns conceitos e proposic¸o˜es preliminares. Dizemos que a equac¸a˜o diferencial linear an(x)y (n) + an−1(x)y(n−1) + . . . a1(x)y′ + a0(x)y = f(x) e´ Homogeˆnea se f(x) = 0 (termo na˜o homogeˆneo e´ nulo). Do contra´rio, chamamos a equac¸a˜o de Na˜o Homogeˆnea. 1.3.1 Princ´ıpio da Superposic¸a˜o Teorema 1.2 (Princ´ıpio da Superposic¸a˜o) Sejam k soluc¸o˜es y1, y2, . . . , yk (k na˜o necessariamente igual a n) da equac¸a˜o diferencial linear homogeˆnea de ene´sima ordem an(x)y (n) + an−1(x)y(n−1) + . . . a1(x)y′ + a0(x)y = 0. 3 Enta˜o a combinac¸a˜o linear y = c1y1(x) + c2y2(x) + · · ·+ ckyk(x) em que ci, i = 1, . . . , k sa˜o constantes arbitra´rias reais, e´ tambe´m uma soluc¸a˜o da equac¸a˜o linear. Demonstrac¸a˜o: (Exerc´ıcio) O Princ´ıpio da Superposic¸a˜o garante que a combinac¸a˜o linear de quaisquer soluc¸o˜es da equac¸a˜o linear tambe´m e´ soluc¸a˜o da equac¸a˜o. Exemplo 1.4 y′′ − y = 0. Observe que y1 = e x e y2 = e −x , y3(x) = 3ex sa˜o soluc¸o˜es da equac¸a˜o. Pelo Princ´ıpio (1.2), temos que y(x) = Aex +Be−x + C 3ex e´ soluc¸a˜o da equac¸a˜o. observe que isto e´ equivalente a` y(x) = (A + 3C)ex + Be−x ou y(x) = Dex +Be−x. Exemplo 1.5 y′′ + y = 0. Verifiquemos que y1(x) = senx e y2(x) = cos x sa˜o soluc¸o˜es da equac¸a˜o. Pelo Princ´ıpio (1.2), y(x) = Asenx+B cosx e´ soluc¸a˜o da equac¸a˜o. Na verdade, veremos posteriormente que a soluc¸a˜o geral desta equac¸a˜o e´ y(x) = Asenx + B cosx, para todo A e B reais, isto e´, qualquer soluc¸a˜o desta equac¸a˜o vem da expressa˜o y(x) = Asenx+B cosx, variando os paraˆmetros A e B reais. Exemplo 1.6 x2y′′ − 2xy′ + 2y = 0. Esta equac¸a˜o na˜o e´ de coeficientes constantes. Observe que y1(x) = x e y2(x) = x 2 sa˜o soluc¸o˜es, e neste caso tambe´m, o princ´ıpio da superposic¸a˜o e´ aplica´vel e y(x) = Ax+Bx2 tambe´m e´ soluc¸a˜o da equac¸a˜o. 4 Exemplo 1.7 Para a equac¸a˜o y y′ = 6x4, o princ´ıpio da superposic¸a˜o na˜o e´ aplica´vel. Isto e´ devido a equac¸a˜o na˜o ser linear, portanto, na˜o esta´ garantida o resultado do Princ´ıpio da Superposic¸a˜o. Observe que y(x) = x3 e´ soluc¸a˜o da equac¸a˜o, mas, para A ∈ R, y(x) = Ax3 na˜o e´ uma soluc¸a˜o. 1.3.2 Teorema da Soluc¸a˜o Geral de equac¸o˜es lineares homogeˆneas Queremos trabalhar um teorema que determina a Soluc¸a˜o Geral de uma equac¸a˜o linear homogeˆnea. Mas primeiro precisamos do conceito de Func¸o˜es L.I. e L.D. 1.3.2.1 Func¸o˜es L.I. e L.D. Definic¸a˜o 1.1 (Func¸a˜o Linearmente Independente - LI) As func¸o˜es y1, y2, . . . , yn definidas em I intevalo real sa˜o ditas (L.I) Linearmente Independentes em I se a combinac¸a˜o linear nula C1y1(x) + C2y2(x) + · · ·+ Cnyn = 0 e´ va´lida se, e somente se, C1 = C2 = · · · = Cn = 0. Definic¸a˜o 1.2 (Func¸a˜o Linearmente Dependente - LD) As func¸o˜es y1, y2, . . . , yn sa˜o chamadas L.D. - Linearmente Dependentes em I ⊂ R se elas na˜o forem linearmente independentes. Ou seja, a combinac¸a˜o linear nula C1y1(x) + C2y2(x) + · · ·+ Cnyn = 0 e´ va´lida para algum Ci 6= 0, i = 1, . . . , n. Exemplo 1.8 Sejam y1(x) uma func¸a˜o qualquer dada e y2(x) ≡ 0. Enta˜o sempre neste caso teremos duas func¸o˜es L.D. (por queˆ?) Exerc´ıcio 3 Mostre que, se duas func¸o˜es y1 e y2 sa˜o L.D., enta˜o uma func¸a˜o e´ mu´ltipla da outra. Ale´m disso, se y1, . . . , yn sa˜o func¸o˜es L.D., enta˜o algum yi e´ escrita como combinac¸a˜o linear das demais. 5 Exerc´ıcio 4 1. Mostre que as func¸o˜es y1(x) = e x, y2(x) = e −x sa˜o func¸o˜es L.I. 2. Mostre que as func¸o˜es y1(x) = senx, y2(x) = cos x sa˜o L.I. 3. As func¸o˜es y1(x) = sen2x e y2(x) = senx cosx sa˜o L.D. 1.3.2.2 Wronskiano Nosso interesse sa˜o em func¸o˜es L.I.. Veremos um mecanismo pra´tico para tal verificac¸a˜o: Definic¸a˜o 1.3 Sejam y1, . . . , yn func¸o˜es pelo menos n − 1 deriva´veis em I ⊂ R. O Wronskiano de y1, . . . , yn em I ∈ R e´ o determinante dado por: W (y1, . . . , yn) = det y1 y2 . . . yn y′1 y ′ 2 . . . y ′ n ... ... ... ... y (n−1) 1 y (n−1) 2 . . . y (n−1) n . Teorema 1.3 Suponha y1, . . . , yn func¸o˜es pelo menos n − 1 deriva´veis em I ⊂ R. Se o W (y1, . . . , yn) 6= 0 em pelo menos um ponto do intervalo I, enta˜o as func¸o˜es y1, . . . , yn sa˜o L.I. em todo intervalo I. Exemplo 1.9 Utilize o Wronskiano e verifique que as func¸o˜es abaixosa˜o L.I: 1. f(x) = senx, g(x) = cos x. 2. f(x) = eax, g(x) = ebx, a, b ∈ R, a 6= b. 3. y1 = e αx cos βx, y2 = e αx sin βx, β 6= 0. 4. y1 = e x, y2 = xe x, y3 = x 2ex. Exerc´ıcio 5 Mostre que um conjunto de func¸o˜es y1, . . . , yn pode ser L.I. em um intervalo I, mesmo se seu Wronskiano for nulo. E´ natural perguntarmos: se o Wronskiano de um conjunto de func¸o˜es for nulo, pode- se afirmar que o conjunto e´ L.D.? A resposta e´ na˜o, pelo o que se pode constatar 6 com o exerc´ıcio 5. Entretanto, temos como resultado afirmativo a contrapositiva do teorema 1.3, isto e´ “Se y1, . . . , yn sa˜o func¸o˜es (n− 1) deriva´veis em I e sa˜o L.D., enta˜o o W (y1, . . . , yn) = 0, para todo x ∈ I.” Conclusa˜o 1 Analisando diretamente o conjunto de func¸o˜es, na˜o temos uma equivaleˆncia entre sua Dependeˆncia Linear e o resultado do Wronskiano. Embora nem seja sempre verdade que Wronskiano nulo implique na dependeˆncia linear do conjunto de func¸o˜es, existe uma situac¸a˜o em que a implicac¸a˜o e´ verdadeira: se as func¸o˜es forem soluc¸o˜es de uma EDO linear homogeˆnea. Segue o resultado: Teorema 1.4 Se y1, . . . , yn sa˜o soluc¸o˜es de uma equac¸a˜o diferencial linear de ordem n em um intervalo I. Temos as duas situac¸o˜es: (i) Se y1, . . . , yn sa˜o L.D., enta˜o W = 0,∀x ∈ I. (ii) Se y1, . . . , yn sa˜o L.I., enta˜o W (x) 6= 0,∀x ∈ I. Em seguida, temos o resultado principal da sec¸a˜o − o teorema sobre a soluc¸a˜o geral de uma EDO linear homogeˆnea. Nele, observamos a importaˆncia do estudo da dependeˆncia linear de func¸o˜es: Teorema 1.5 (Teorema da Soluc¸a˜o Geral de equac¸o˜es lineares homogeˆneas) Sejam y1, . . . , yn soluc¸o˜es L.I. da equac¸a˜o linear homogeˆnea an(x)y (n) + an−1(x)y(n−1) + · · ·+ a1(x)y′ + a0(x)y = 0 (1.1) sobre I intervalo real. Enta˜o a soluc¸a˜o geral e´ dada por y(x) = C1y1(x) + C2y2(x) + · · ·+ Cnyn(x), ∀x ∈ R, C1, . . . , Cn ∈ R. Conclusa˜o 2 Em suma, para determinarmos a soluc¸a˜o geral de uma EDO linear ho- mogeˆnea de ordem n, e´ suficiente escreveˆ-la como combinac¸a˜o linear de n func¸o˜es que sa˜o soluc¸o˜es da EDO e que tenham Wronskiano diferente de zero. Vamos usar a A´lgebra Linear para tirar algumas concluso˜es: 7 • Dado uma EDO Linear de ordem n, podemos enxergar o conjunto de todas as suas soluc¸o˜es como um Espac¸o Vetorial. O resultado segue do Princ´ıpio da Superposic¸a˜o 1.2. • Para cada EDO linear de ordem n, pelo teorema 1.1, podemos garantir que sempre temos n soluc¸o˜es que sa˜o L.I. • Se as soluc¸o˜es y1, . . . , yn de (1.5) sa˜o L.I., como, pelo Teorema 1.5 da Soluc¸a˜o Geral de EDO Linear Homogeˆnea, toda soluc¸a˜o e´ combinac¸a˜o linear de y1, . . . , yn, podemos concluir que estas func¸o˜es-soluc¸a˜o geram o espac¸o vetorial da soluc¸o˜es. Portanto, o conjunto {y1, . . . , yn} e´ uma base para este espac¸o. • Logo, podemos concluir o conjunto de todas as soluc¸o˜es de uma EDO Linear Ho- mogeˆnea de ordem n e´ um espac¸o vetorial de dimensa˜o finita n. Vamos analisar os exemplos anteriores: Exemplo 1.10 A equac¸a˜o y′′ − y = 0 tem como soluc¸o˜es y1 = e x, y2 = e −x, y3 = 3ex. Pode-se verificar que W (y1, y2, y3) = 0, logo {y1, y2, y3} sa˜o L.D. Entretanto, tomando somente y1 = ex, y2 = e−x, temos W (y1, y2) 6= 0, o que mostra que sa˜o L.I. Pelo teorema 1.5, a soluc¸a˜o geral da equac¸a˜o e´ y(x) = Aex +Be−x. Exemplo 1.11 Para a equac¸a˜o y′′ + y = 0, temos que f(x) = sin x e g(x) = cos x sa˜o soluc¸o˜es. Ale´m disso, verifique que W (f, g) 6= 0, o que mostra que estas func¸o˜es sa˜o L.I. Pelo teorema 1.5, conclu´ımos que a soluc¸o˜ geral da equac¸a˜o e´ y(x) = A sinx+B cosx. Exemplo 1.12 Observe que para a equac¸a˜o x2y′′ − 2xy′ + 2y = 0 8 temos as soluc¸o˜es y1 = x, y2 = x 2. Entretanto, W (y1, y2) = 0, para x = 0, o que mostra que estas func¸o˜es sa˜o L.D. Logo, a soluc¸a˜o geral na˜o e´ dada por y(x) = Ax + Bx2. (Quem seria sua soluc¸a˜o geral?) 9