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Caderno elaborado no decorrer do 4º período da Faculdade de Direito da UFJF 2012 2 DIREITO PENAL – PARTE GERAL CADERNO DE PARTE GERAL PENAL II (ARTS. 29 A 120) 3 I – INTRODUÇÃO I – Introdução.............................................................................................................14 II- Requisitos ao concurso de pessoas........................................................................15 1. Pluralidade de agentes e de condutas..................................................................15 2. Relevância causal de cada conduta (nexo causal) .............................................16 3. Vínculo subjetivo livre (liame subjetivo entre os agentes) ................................17 4. Identidade (unidade) de infração penal..............................................................17 III. Teorias sobre o concurso de pessoas....................................................................18 1. Teoria Pluralista....................................................... ...........................................18 2. Teoria dualista....................................................... .............................................18 3. Teoria monista ou unitária..................................................................................19 IV. Formas – autoria e participação..........................................................................20 1. Autoria.................................................................................................................20 1.1. Teorias....................................................... ....................................................21 1.2. Formas de autoria.........................................................................................25 2. Participação.........................................................................................................31 2.1. Teorias....................................................... ...................................................33 2.2. Arrependimento do partícipe e participação por omissão..........................33 3. Punibilidade do concurso de pessoas.................................................................34 3.1. Participação de menor importância.............................................................34 3.2. Cooperação dolosamente distinta (desvio subjetivo) .................................35 4. Casos de impunibilidade.....................................................................................37 5. Comunicabilidade das circunstâncias.................................................................38 6. Concurso de pessoas nos crimes culposos.........................................................41 I – Abordagem histórica das penas...... .....................................................................43 II – Finalidades das penas.. ....................................................... ...............................44 1. Retribuição....................................................... ..................................................44 2. Prevenção....................................................... ....................................................45 2.1. Prevenção geral ............................................................................................45 4 DIREITO PENAL – PARTE GERAL 2.2. Prevenção especial.......................................................................................46 3. Ressocialização....................................................... ............................................46 III- Modelos prisionais (breve histórico) ..................................................................48 IV – Penas privativas de liberdade.............................................................................50 1. Reclusão e detenção .............................................................................................51 2. Regimes de cumprimento de pena.....................................................................52 2.1. Fixação legal do regime inicial de cumprimento de pena............................53 2.2. Noções gerais acerca das regras do regime fechado...................................57 2.3. Noções gerais acerca das regras do regime semiaberto.............................58 2.4. Noções gerais acerca das regras do regime aberto.....................................59 2.5. Regime especial............................................................................................61 3. Direitos do preso.................................................................................................62 4. Trabalho do preso...............................................................................................63 I – Do tema....................................................... .........................................................65 1. Introdução....................................................... ...................................................66 2. Modalidades de medidas de segurança ..............................................................67 2.1. Internação em hospital de custódia e tratamento.......................................68 2.2. Tratamento ambulatorial.............................................................................68 2.3. Nossa opinião...............................................................................................69 2.4. Medida de segurança como tratamento e retribuição.................................70 3. Início, cumprimento e fim da medida de segurança......................................... 70 3.2. Prazo mínimo...............................................................................................70 3.2. Medida de segurança como uma sanção de caráter perpétuo?...................71 4. Desinternação ou liberação condicional.............................................................72 5. Reinternação do agente.......................................................................................73 6. Substituição da pena por medida de segurança.................................................74 6.1. Substituição da pena por medida de segurança nos casos de semi- imputabilidade....................................................................................................74 6.2. Superveniência de doença mental...............................................................76 I – Preliminares acerca da detração...........................................................................79 1. Prisão em flagrante..............................................................................................79 5 I – INTRODUÇÃO 2. Ordem Judicial...................................................................................................80 2.1. Prisão preventiva..........................................................................................81 2.2. Prisão temporária........................................................................................82 2.3. Conclusão.....................................................................................................83 II – Detração em processos distintos.........................................................................83 3.1. Detração em processos distintos e o art. 111 da LEP...................................84 III – Detração e internação por motivos de saúde (mental ou física).......................84 I – Conceito de penas restritivas de direito...............................................................86 II – Substituição da pena privativa deliberdade pela restritiva de direitos.............86 2. Requisitos objetivos: Quantidade da pena, cometimento culposo do delito e a reincidência em crime doloso.................................................................................87 2. Requisito subjetivo.............................................................................................89 III – Critérios para a substituição da pena de prisão pela restritiva de direitos......89 IV – Conversão da pena restritiva de direitos em pena privativa de liberdade........90 V – Espécies de penas restritivas de direitos.............................................................92 1. Prestação pecuniária (art. 45, §1º e 2º do CP) ....................................................92 5.1. Violência doméstica e familiar contra a mulher ..........................................93 2. Perda de bens e valores (art. 45, §3º do CP) .....................................................93 2.1. Perda de bens e valores (art. 45, §3º) e efeito confisco (art. 91).................94 2.2. Perdimento dos bens em favor do Estado...................................................94 3. Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas (art. 46 do CP) .94 3.2. Delito de consumo de drogas e a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas...............................................................................................95 4. Interdição temporária de direitos (art. 47 do CP)..............................................96 4.1. Proibição do exercício de cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo...................................................................................................96 4.2. Proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou de autorização do Poder Público................98 4.3. Suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo...............98 4.4. Proibição de frequentar determinados lugares...........................................99 5. Limitação de fim de semana (art. 48 do CP)......................................................99 6 DIREITO PENAL – PARTE GERAL I – Noções preliminares ...........................................................................................101 1. Pena de multa e a prestação pecuniária............................................................101 2. Natureza da pena de multa...............................................................................102 3. Observações sobre a pena de multa..................................................................103 4. Art. 49, §2º do Código Penal e o erro da expressão “quando da execução”....104 II – Fixação da pena de multa..................................................................................104 1. Primeira etapa: quantidade de dias-multa.......................................................105 2. Segunda etapa: valor do dia-multa...................................................................105 III – Pagamento da pena de multa...........................................................................106 IV – Execução da pena de multa...............................................................................107 1. (não) Conversão da pena de multa....................................................................107 2. Competência para a execução da pena de multa..............................................108 V – Prescrição....................................................... ...................................................109 VI – Superveniência de doença mental....................................................................109 I – Teoria das Circunstâncias....................................................................................111 1. Ordem de importância.......................................................................................111 2. As três categorias das circunstâncias................................................................112 2.1. Qualificadoras.............................................................................................112 2.2. Causas de aumento e diminuição...............................................................112 2.3. Circunstâncias – judiciais e legais..............................................................113 II – Aplicação da pena...............................................................................................132 1. Critérios..............................................................................................................132 2. Etapas da aplicação da pena..............................................................................133 3. A denominada quarta fase................................................................................135 I – Introdução...........................................................................................................140 II – Sistemas de aplicação da pena para o concurso de crimes...............................140 1. Cúmulo material....................................................... ........................................140 2. Exasperação....................................................... ...............................................141 III – Espécies de Concurso.......................................................................................141 1. Concurso material (ou real) de crimes..............................................................141 7 I – INTRODUÇÃO 1.1. Requisitos e consequências do concurso material.....................................141 1.2. Concurso material homogêneo e heterogêneo...........................................142 1.3. Concurso material e penas restritivas de direitos......................................142 2. Concurso Formal (ou ideal) de crimes..............................................................143 2.1. Requisitos e consequências do concurso formal........................................143 2.2. Concurso formal próprio de crimes...........................................................144 2.3. Concurso formal impróprio de crimes.......................................................145 3. Cúmulo material benéfico (art. 70, parágrafo único, CP)................................146 4. Crime continuado....................................................... ......................................146 4.1. Natureza jurídica do crime continuado......................................................147 4.2. Requisitos e consequências do crime continuado......................................147 4.3. Crime continuado específico (ou qualificado) ..........................................149 4.4. Crime continuado e exasperação...............................................................150 4.5. Concurso Material benéfico.......................................................................150 IV – Aplicação e dosimetria da pena no concurso de crimes..................................151 V – Multa no concurso de crimes.............................................................................151 VI – Crime Continuado e novatio legis in pejus......................................................152 VII – Erro na execução – aberratio ictus..................................................................152 1. Resultado diverso do pretendido (aberratio criminis) .....................................153 VIII – Limite de cumprimento da pena de prisão....................................................153 I – Definição....................................................... ......................................................155 1. Natureza jurídica da sursis................................................................................1562. Obrigação do juiz em apreciar a possibilidade de sursis..................................156 II – Requisitos para aplicação da sursis...................................................................156 1. Não reincidente em crime doloso......................................................................157 2. A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício..158 3. Inaplicabilidade de penas restritivas de direitos..............................................158 III – Espécies de sursis.............................................................................................158 IV – Revogação da suspensão condicional...............................................................160 1. Período de prova....................................................... ........................................160 2. Revogação obrigatória do sursis.......................................................................160 3. Revogação facultativa........................................................................................162 8 DIREITO PENAL – PARTE GERAL 3.1. Prorrogação facultativa...............................................................................163 V – Prorrogação automática do período de prova...................................................163 VI – Extinção da pena privativa de liberdade..........................................................164 VII – Observações finais...........................................................................................164 I – Evolução Legislativa............................................................................................165 1. Lei nº 7.244 de 1984........................... ..............................................................165 2. Constituição Federal de 1988 e os Juizados Especiais.....................................165 II - Lei nº 9.099 de 1995.................... ......................................................................166 1. Princípios informadores do Juizado Especial Criminal...................................166 2. Objetivos dos Juizados Especiais Criminais.....................................................167 3. Competência do Juizado Especial.....................................................................167 III – Medidas Despenalizadoras...............................................................................167 1. Fase preliminar – Fase pré-processo................................................................168 1.1. encaminhamento ao Juizado Especial Criminal ........................................168 1.2. Audiência preliminar..................................................................................169 1.3. Transação (composição) civil.....................................................................169 1.4. Transação Penal..........................................................................................170 2. Sistemática processual: Procedimento Sumaríssimo.......................................171 2.1. Complexidade ou circunstância especial....................................................172 3. Suspensão condicional do processo (“suspro”)................................................172 3.1. Competência para o oferecimento do suspro.............................................173 3.2. O suspro no ordenamento jurídico-penal..................................................173 3.3. Requisitos para a concessão do suspro......................................................173 3.4. Condições necessárias para a suspensão condicional do processo............174 3.5. Período de prova............... .........................................................................175 3.6. Revogação da suspensão condicional do processo.....................................175 3.6. Extinção da punibilidade. ..........................................................................176 3.7. Suspensão da prescrição.............................................................................176 3.8. Medida óbvia.............................................................................................176 3.9. Observações acerca da suspensão condicional do processo......................177 9 I – INTRODUÇÃO I – Introdução...........................................................................................................178 II – Requisitos do livramento condicional...............................................................179 1. Pena privativa de liberdade igual ou superior a dois anos (art. 83, caput, do CP) ................................................................................................................................179 2. Cumprimento de (um terço) da pena se o condenado não for reincidente em crime doloso e tiver bons antecedentes (art. 83, I, do CP)..................................180 3. Cumprimento de (metade) da pena se o condenado for reincidente em crime doloso (art. 83, II, do CP) .....................................................................................181 4. Cumprimento de (dois terços) da pena se o condenado houver praticado algum crime previsto pela lei 8.072 de 1990, se o apenado não for reincidente específico em crimes dessa natureza (art. 83, V, do CP)......................................181 5. Comprovação de comportamento satisfatório durante a execução da pena (art. 83, III, do CP) .......................................................................................................182 6. Bom desempenho do condenado no trabalho que lhe foi atribuído (art. 83, III, do CP) ..................................................................... .............................................183 7. O condenado deve ter aptidão para prover a própria existência com trabalho honesto (art. 83, III, do CP) .................................................................................183 8. Tenha o condenado reparado o dano causado pela infração, salvo impossibilidade de fazê-lo (art. 83, IV, do CP).....................................................183 9. Requisito específico (art. 83, parágrafo único, do CP).....................................184 III – Condições para o cumprimento do livramento condicional...........................184 1. Condições obrigatórias (art. 132, §1º da LEP) .................................................184 2. Condições facultativas (art. 132, §2º da LEP)...................................................185 3. Modificação das condições................................................................................185 IV – Revogação e efeitos da revogação.....................................................................185 1. Revogação obrigatória (art. 86 do CP)..............................................................186 2. Revogação facultativa (art. 87 do CP) ..............................................................189 V – Extinção da pena e prorrogação do período de prova.......................................190 1. Sentença de extinção da pena: meramente declaratória ou constitutiva.........190 VI – Livramento Condicional e execução provisória da sentença............................191 1. Competência para o estabelecimento do livramento condicional.....................191 I – Introdução...........................................................................................................192 II – Efeitos da Condenação.......................................................................................192 1. Efeitos genéricos da condenação.......................................................................192 2. Efeitos específicosda condenação....................................................................195 10 DIREITO PENAL – PARTE GERAL I – Conceito......................................................... .....................................................197 II – Aplicabilidade......................................................... ...........................................197 III – Requisitos e competência.................................................................................198 IV – Revogação......................................................... ...............................................198 I – Considerações preliminares................................................................................199 II – Conceito de ação................................................................................................199 III – Condições da ação...........................................................................................200 1. Legitimidade das partes....................................................................................200 2. Interesse de agir, ou processual.......................................................................200 3. Possibilidade jurídica do pedido.......................................................................201 4. Justa causa........................................................................................................202 IV – Espécies de ação penal.....................................................................................202 1. Ação penal de inciativa pública.........................................................................203 1.1. Ação penal de inciativa pública incondicionada........................................203 1.2. Ação penal de iniciativa pública condicionada.........................................203 1.3. Princípios informadores da ação penal de inciativa pública.....................204 2. Ação penal de inciativa privada........................................................................205 2.1. Ação penal de inciativa privada propriamente dita (ou exclusiva)...........206 2.2. Ação penal de iniciativa privada personalíssima......................................206 2.3. Ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública...........................206 2.4. Princípios informadores da ação penal de iniciativa privada...................207 3. Ação penal no crime complexo.........................................................................207 4. Decadência do direito de queixa e de representação.......................................208 5. Renúncia ao direito de queixa..........................................................................209 6. Perdão do ofendido...........................................................................................209 V – Lastro probatório mínimo e inquérito policial...................................................211 1. Do inquérito......................................................... ..............................................211 I – Introdução...........................................................................................................213 11 I – INTRODUÇÃO 1. Causas extintivas da punibilidade presentes no art. 107, CP............................213 1.1. Morte do agente (inciso I) ..........................................................................214 1.2. Pela anistia, graça ou indulto (inciso II) ....................................................215 1.3. Retroatividade de lei que não mais considera o fato com criminoso – abolitio criminis (inciso III) .............................................................................217 1.4. Prescrição, decadência ou perempção (inciso IV).....................................218 1.5. Renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada (inciso V) .............................................................................................219 1.6. Retratação do agente, nos casos em que a lei admite (inciso VI)..............221 1.7. Perdão judicial (inciso IX) .........................................................................222 II – Extinção da punibilidade nos crimes acessórios, complexos e conexos..........223 I – Exposições preliminares.....................................................................................225 II – Espécies de prescrição.......................................................................................225 1. Formas ou modalidades da prescrição da pretensão punitiva.........................226 1.1. Prescrição punitiva propriamente dita (artigo 109 do CP)........................226 1.2. Prescrição superveniente, intercorrente ou subsequente (arts. 109 e 110 do CP) .......................................................... .........................................................228 1.3. Prescrição retroativa...................................................................................229 2. Prescrição da pretensão executória...................................................................231 2.1. Prescrição no caso de fuga ou revogação do livramento condicional (art. 113, CP) .....................................................................................................................231 3. Termo inicial da prescrição (art. 111 e 112 do CP) ............................................231 4. Prescrição da pena de multa.............................................................................232 III – Causas de aumento e diminuição dos prazos prescricionais..........................232 1. Causas de redução do prazo prescricional........................................................232 2. Causa de aumento do prazo prescricional........................................................233 IV – Causas suspensivas da prescrição....................................................................233 V – Causas interruptivas..........................................................................................234 1. Recebimento da denúncia ou da queixa (inciso I)............................................235 2. Pronúncia (inciso II) ........................................................................................235 3. Decisão confirmatória da pronúncia (inciso III) .............................................236 4. Publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis (inciso IV).....236 5. Início ou continuação do cumprimento da pena (inciso V).............................236 6. Reincidência (inciso VI) ...................................................................................236 12 DIREITO PENAL – PARTE GERAL 7. Efeitos da interrupção.......................................................................................237 VI – Prescrição no concurso de crimes....................................................................237 VII – Competência para o reconhecimento da prescrição......................................238 VIII – Prescrição pela pena em perspectiva (ideal, hipotética ou pela pena virtual) ......................................................... .........................................................................238 Bibliografia ......................................................... ....................................................240 13 I – INTRODUÇÃO 14 DIREITO PENAL – PARTE GERAL I- Introdução; II – requisitos ao concurso de pessoas: 1. Pluralidade de agentes e condutas; 2. Relevância causal de cada conduta; 3. Vínculo subjetivo l ivre; 3. Identidade de infração penal . III –requisitos ao concurso de pessoas: 1. Teoria pluralista; 2. Teoria dualista; 3. Teoria monista ou unitária. IV – Formas – autoria e participação: 1. Autoria; 2. Participação; 3. Punibilidade do concurso de pessoas; 4. Casos de impunibilidade; 5. Comunicabilidade das circunstâncias; 5. Concurso de pessoas nos crimes culposos . São inúmeras as infrações penais disposta no ordenamento jurídico-penal que podem ser praticadas por uma só pessoa, a exemplo do delito de furto (art. 155, CP) ou homicídio (art. 121, CP). Todavia, existem outras que exigem no mínimo quatro pessoas para que se configure o crime, como acontece no delito de quadrilha ou bando (art. 288, CP). Na primeira hipótese, onde os crimes podem ser praticados por uma única pessoa, estar-se-á diante dos chamados crimes unissubjetivos; na segunda, onde existe a necessidade de um número plural de pessoas, ver-se-á a configuração dos chamados crimes plurissubjetivos. Assim, cabe o reforço que: crimes unissubjetivos são os crimes cuja conduta núcleo pode ser praticada por uma única pessoa, a exemplo do que ocorre com o furto, lesão corporal, homicídio etc. Já os plurissubjetivos, ao revés, são aqueles em que o tipo penal exige a presença de duas ou mais pessoas, sem as quais o crime não se configura, como é o caso da formação de quadrilha ou bando, rixa etc. São também reconhecidos como crimes de concurso necessário. 1 Disciplinando o concurso de pessoas, diz o art. 29, caput, do Código Penal, que quem, de qualquer modo, concorre para o crime, incide nas mesmas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. Ao observar o enredo deste dispositivo, já se pode concluir que o art. 29 se aplica em regra aos delitos unissubjetivos, também conhecidos como crimes de concurso eventual, uma vez que aos crimes plurissubjetivos, ou de concurso necessário, devido ao fato de exigirem a presença de, no mínimo, duas ou mais pessoas, variando de acordo com o tipo penal em trabalho, não haveria necessidade de regra expressa aos autores, ou coautores, tendo aplicação somente no que diz respeito à participação nessas infrações penais. 2 Portanto, fala-se em concurso de pessoas quando duas ou mais pessoas concorrem à prática de uma mesma infração penal. Essa colaboração recíproca pode ocorrer nos casos em que são vários os autores, bem como naqueles onde existam autores e partícipes. 1 , Rogério, Código penal comentado, cit., p. 38. GRECO 2 , Rogério, Curso de direito penal, v.1, cit., p. 415. GRECO 15 II- REQUISITOS AO CONCURSO DE PESSOAS Assim discorre o art. 29 do Código Penal: Art. 29. Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. § 1º - Se a participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída de um sexto a um terço. § 2º - Se algum dos concorrentes quis participar de crime menos grave, ser-lhe- á aplicada a pena deste; essa pena será aumentada até metade, na hipótese de ter sido previsível o resultado mais grave. Percebe-se que o art. 29 do CP contém uma regra de extensão dos limites do tipo para atingir a conduta daqueles que auxiliaram a prática do delito. A regra trazida por tal dispositivo aplica-se, comumente, aos chamados crimes de concurso eventual (unissubjetivos), que são aqueles que podem ser cometidos por um único agente, mas que, eventualmente, são praticados por duas ou mais pessoas. Quando duas ou mais pessoas se reúnem com o fim de cometer tais infrações (homicídio, lesão corporal, furto, dano etc.), ou, na expressão do Código, se concorrerem para o crime, incidirão nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. 3 Para a formação do concurso de pessoas é indispensável à análise dos seguintes requisitos: a) pluralidade de agentes e de condutas; b) relevância causal de cada conduta; c) vínculo subjetivo livre (liame subjetivo entre os agentes); d) identidade (unidade) de infração penal. Os três primeiros requisitos se ligam mais a caracterização do concurso de pessoas, o último tem uma ideia de consequência daquele concurso. A pluralidade de agentes (e de condutas) é requisito indispensável à caracterização do concurso de pessoas. O próprio nome induz sobre a necessidade de, no mínimo, duas pessoas que, unindo esforços, almejam praticar determinada infração penal. 4 Destaca que (BITENCOURT, 2002, p. 380): BITENCOURT “esse é o requisito básico do concurso eventual de pessoas: a concorrência de mais de uma pessoa na execução de uma infração penal. Embora todos os participantes desejem contribuir com sua ação na realização de uma conduta punível, não o fazem necessariamente, da mesma forma e nas mesmas condições. Enquanto alguns, segundo Esther FERRAZ, praticam o fato material típico, representado pelo verbo núcleo do tipo, outros limitam-se a instigar, induzir, auxiliar moral e materialmente o executor ou executores praticando atos que, em si mesmos, seriam atípicos. A participação de cada um contribui 3 Op. cit. 4 Op. cit. p. 416. 16 DIREITO PENAL – PARTE GERAL para o desdobramento causal do evento e respondem todos pelo fato típico em razão da norma de extensão do concurso”. Na análise de tais acusações, a acusação deve, sempre que possível, descrever o que cada um fez, de modo a elucidar o grau de participação no cometimento do delito. De certo, em alguns crimes torna-se deveras tormentoso estabelecer o que cada um fez, tome-se o exemplo: Em um crime societário, onde existem 4 sócios, dois principais com 49% das ações cada, e dois figurantes, com 1% cada. Esta sociedade emprega funcionários que a administram diretamente, esses funcionários começam a sonegar impostos. Essa sonegação refletirá não só nos funcionários que sonegaram impostos, mas em também em todos os sócios, sejam os principais, sejam os figurantes, sem estes terem participado de alguma forma do cometimento do delito. Se a conduta levada a efeito por um dos agentes não possuir relevância ao cometimento da infração penal, deve-se desconsiderá-la e concluir que o agente não concorreu à sua prática. Com propriedade aduz (BITENCOURT, 2002, p. 380)que: BITENCOURT “A conduta típica ou atípica de cada participante deve integrar-se à corrente causal determinante do resultado. Nem todo comportamento constitui ‘participação’, pois precisa ter ‘eficácia causal’, provocando, facilitando ou ao menos estimulando a realização da conduta principal”. Assim, arquitete-se o seguinte exemplo: Bejani, com firme propósito de causar morte a Custódio, por não ter encontrado sua arma, vai até a residência de Margarida e, explicando-lhe o fato, pede-lhe o revólver emprestado. Margarida, mesmo sabendo da intenção Bejani, empresta-lhe a arma. Antes de ir ao encontro de Custódio, Bejani resolve, por mais uma vez, procurar a sua arma, e, para sua surpresa, consegue encontrá-la. Assim, deixa de lado o revólver emprestado por Margarida e, agora, com sua própria arma vai à procura de Custódio e lhe causa a morte. Tendo em vista que se retirada do liame causal a conduta de emprestar a arma feita por Margarida o resultado continuaria a existir, essa é dada como não relevante à produção do resultado, vez que não estimulou (já que Bejani já estava disposto ao cometimento do crime), ou influenciou o agente no cometimento de sua infração. É importante lembrar que o nexo de causalidade é a característica que liga a ação ao resultado pretendido. Certo é que todo crime tem resultado, ainda que não naturalístico. Bem disserta , que elucida: LUIZ FLÁVIO GOMES “Não existe crime sem resultado, diz o art. 13. A existência do crime depende de um resultado. Leia-se: todos os crimes exigem um resultado. Se é assim, pergunta-se: qualo resultado sempre exigido para a configuração do crime? Lógico que não pode ser o resultado natural (ou naturalístico ou típico), porque esse só é exigido nos crimes materiais. Crimes formais e de mera conduta não possuem ou não exigem resultado (natural). Consequentemente, o resultado 17 II- REQUISITOS AO CONCURSO DE PESSOAS exigido pelo art. 13 só pode ser o jurídico. Este sim é que está presente em todos os crimes. Que se entende por resultado jurídico? É a ofensa ao bem jurídico, que se expressa numa lesão ou perigo concreto de lesão. Esse resultado possui natureza normativa (é um juízo de valor que o juiz deve fazer em cada caso para verificar se o bem protegido pela norma entrou no raio de ação dos riscos criados pela conduta)”. 5 O terceiro requisito indispensável à construção do concurso de pessoas diz respeito ao chamado liame subjetivo, ou seja, o vínculo psicológico que une os agentes à prática da mesma infração penal. Quando não for possível enxergar o vínculo subjetivo entre os agentes, cada qual responderá, isoladamente, por sua conduta. Ademais, este vínculo subjetivo dever ser livre, isto é, entre os agentes do crime deve existir uma adesão livre a prática delituosa. Quase sempre este vínculo é preestabelecido, no entanto, nada obsta que ele ocorra na iminência da prática da infração penal. Bem destaca que (MIRABETE, 2002, p. 226): MIRABETE “Somente a adesão voluntária, objetiva (nexo causal) e subjetiva (nexo psicológico), à atividade criminosa de outrem, visando à realização do fim comum, cria o vínculo do concurso de pessoas e sujeita os agentes à responsabilidade pelas consequências da ação.” Outrossim, o simples conhecimento da realização de uma infração penal ou mesmo a concordância psicológica caracterizam, no máximo, ‘conivência’, que não é punível, a título de participação, se não constituir, pelo menos, alguma forma de contribuição causal, ou, então, constituir, por si mesma, uma infração típica. Tampouco será responsabilizado como partícipe quem, tendo ciência da realização de um delito, não o denuncia às autoridades, salvo se tiver o dever jurídico de fazê- lo. 6 O quarto requisito necessário à caracterização do concurso de pessoas é a identidade de infração penal. Isso quer dizer que os agentes, unidos pelo liame psíquico, devem querer praticar a mesma infração penal. Seus ânimos devem dirigir-se ao cometimento de determinada e escolhida infração penal. 7 Para que o resultado da ação de vários participantes possa ser atribuído a todos, “tem que consistir em algo juridicamente unitário” 8. Como afirma , não é propriamente um requisito, mas consequência DAMÁSIO jurídica diante das outras condições. Assim, em boa ilustração, sugere (BITENCOURT, 2002, p. 381): BITENCOURT 5 , Luiz Flávio, Princípio da ofensividade no direito penal, cit., p. 59-60. GOMES 6 , Cezar Roberto, Manual de direito penal, v.1, p. 381. BITENCOURT 7 , Rogério, Curso, v.1, p. 417. GRECO 8 , Cezar Roberto, Manual, v.1, p. 381; , Sebastian, Derecho Penal argentino, cit., p. 253. BITENCOURT SOLER 18 DIREITO PENAL – PARTE GERAL “Alguém planeja a realização da conduta típica, ao executá-la, enquanto um desvia a atenção da vítima, outro lhe subtrai os pertences e ainda um terceiro encarrega-se de evadir-se do local com um produto do furto. É uma exemplar divisão de trabalho constituída de atividades díspares, convergentes, contudo, a um mesmo objetivo típico: subtração de coisa alheia móvel. Respondem todos por um único tipo penal ou não se reconhece a participação ou o próprio concurso na empresa criminosa.” Com o escopo de diferenciar e apontar a infração cometida por cada um dos seus agentes (autores e partícipes) surgiu três teorias que merece destaque: a) teoria pluralista; b) teoria dualista; e c) teoria monista ou unitária. Para a teoria pluralista, haveria tantas infrações penais quantos fossem o número de autores e partícipes. Assim, “a cada participante corresponde uma conduta própria, um elemento psicológico próprio e um resultado igualmente particular. À pluralidade de agentes corresponde a pluralidade de crimes. Existem tantos crimes quantos forem os participantes do fato delituoso”. 9 Seria como se cada autor ou partícipe houvesse praticado sua própria infração penal, independentemente da sua colaboração para com os demais. Destarte, se alguém tivesse induzido duas outras pessoas a praticar um delito de furto, teríamos três infrações penais distintas. Uma para cada um dos agentes. Ou seja, uma para o partícipe e uma para cada um dos coautores, isto é, para aqueles que efetuaram de fato a subtração da coisa alheia móvel (praticaram o verbo núcleo do tipo). 10 De fato, com esse pensamento, chegou-se a ver na participação um crime distinto, especial, o “crime de concurso”. Todavia, esta ideia era precária, já que o título do crime que se pune é o do tipo especificamente violado e não uma suposta figura particular para cada um dos participantes. O resultado produzido também é um só (unidade infracional). Deveras, a participação de cada concorrente não constitui atividade autônoma, mas concorre para uma ação única, com objetivo e resultado comuns. Essa é uma teoria subjetiva, ao contrário da monista, que é objetiva. 11 A teoria dualista, ao seu tempo, distingue o crime praticado pelos autores daquele cometido pelos partícipes. Destarte, nesta percepção haveria dois tipos de crimes: (i) um para os autores, aqueles que realizam a atividade principal (aquele que prática o verbo núcleo do tipo), a conduta emoldurada no ordenamento positivo; (ii) e outro para os partícipes, aqueles que desenvolvem uma atividade secundária, que não realizam a conduta nuclear descrita no tipo penal. Assim, construindo um exemplo em cima do disposto acima, e reutilizando o exemplo do furto mencionado no item 9 BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado, v.1, cit., p. 415. 10 GRECO, Rogério, Curso, v.1, cit., p. 417. 11 BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado, v.1, cit., p. 415. 19 III. TEORIAS SOBRE O CONCURSO DE PESSOAS supra, ter-se-ia uma infração para aquele que induziu à prática do crime de furto e outra para os coautores, isto é, para aqueles que realizaram a conduta nuclear descrita no tipo penal (subtrair coisa alheia móvel). 12 Todavia, não obstante essa ideia dúplice, o crime é um só, e, muitas vezes, a ação daquele que realiza a atividade típica (o executor) é menos importante que a do partícipe (v.g., naqueles casos de autoria intelectual). No entanto, afinal, a teoria consagra dois planos de condutas, um principal (dos autores ou coautores), e um secundário (dos partícipes). 13 A teoria monista, também reconhecida como unitária, adotada pelo nosso sistema jurídico-penal, compartilha que todos aqueles que concorrem ao crime incidem nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. Assim, (BITENCOURT, 2008, p. 416) “essa teoria não faz qualquer distinção entre autor e partícipe, instigação e cumplicidade. Todo aquele que concorre para o crime causa-o em sua totalidade e por ele responde integralmente”. Deste modo, em frase comum aos manuais de direito penal, para a teoria monista existe um crime único: embora o crime seja praticado por diversas pessoas, permanece único e indivisível. 14 Definição feliz teve (FERRAZ, 1976, p. 30): ESTHER DE FIGUEIREDO FERRAZ “o delito cometido graças ao concurso de várias pessoas não se fraciona em uma série de crimes distintos. Ao contrário, conserva-se íntegro, indiviso, mantendo sua unidade jurídica à custa da convergência objetiva e subjetiva das ações dos múltiplos participantes”. Assim, valendo do exemplo do furto, outrora dado, haveria um único crime de furto, que seria atribuído aopartícipe e aos coautores. Ademais, a concepção monista parte da teoria da equivalência das condições necessárias à produção do resultado (conditio sine qua non). Contudo, o fundamento maior dessa teoria é político-criminal, que prefere punir igualmente a todos os participantes de uma mesma infração penal 15. Não obstante o Código Penal tenha adotado como regra a teoria monista ou unitária, na realidade, os parágrafos do art. 29 aproximam a teoria monística da teoria dualística e da pluralística ao determinar a punibilidade diferenciada da participação, argumentação que contribui com o pensamento é a de LUIZ REGIS , que aduz (PRADO, 2002, p. 395): PRADO “O Código Penal reformado (1984) adota essa teoria, ainda que de forma matizada ou temperada, já que estabeleceu certos graus de participação e um 12 GRECO, Rogério, Curso, v.1, cit., p. 417-418; BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado, v.1, cit., p. 415. 13 BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado, v.1, cit., p. 416. 14 BITENCOURT, Cezar Roberto, Tratado, v.1, cit., p. 416; GRECO, Rogério, Curso, v.1, cit., p. 417. 15 MIR PUIG, Santiago, Derecho penal – Parte general, cit., p. 309. 20 DIREITO PENAL – PARTE GERAL verdadeiro reforço do princípio constitucional da individualização da pena (na medida de sua culpabilidade).” Além dos parágrafos 1º§ e 2º§ do art. 29, existem outras exceções à regra monista que a temperam, a exemplo do crime de aborto, em que quando a gestante prática em si própria o aborto comete o delito do art. 124 (autoaborto), e quando outrem nela realiza, com seu consentimento, comete o delito do art. 126 (aborto cometido por outrem). Neste caso, para mesmo crime são dois tipos penais distintos. E, também, o crime de corrupção, que encontra sua face passiva descrita no art. 317 e a sua feição ativa no art. 333. Também dois tipos penais distintos. Em todos esses exemplos, os crimes são passíveis de concurso de pessoas, assim, p.ex., se no autoaborto, para a gestante em estado puerperal, for auxiliada, como na situação em que terceiro lhe entrega o instrumento com o qual ela irá tirar a vida de seu filho, ocorrerá um concurso de pessoas. Autoria e participação são conceitos que podem ser extraídos na natureza das coisas. e apontam com nitidez esse fato, elucidando que ZAFFARONI PIERANGELI (ZAFFARONI e PIERANGELI, 1999, p. 663-664): “O concurso de várias pessoas num mesmo evento não é um fenômeno que se dá somente no direito penal, mas que é algo cotidiano. Da mesma maneira dizemos, diariamente, que fulano é autor de tal coisa, que beltrano é autor de tal outra, que sicrano cooperou com fulano em tal coisa e que fulano incentivou beltrano a fazer outra.” Destaca que o “conceito de autoria não pode circunscrever-se a quem BITENCOURT pratica pessoal e diretamente a figura delituosa, mas deve compreender também quem se serve de outrem como ‘instrumento’ (autoria mediata). É possível igualmente que mais de uma pessoa pratique a mesma infração penal, ignorando que colabora na ação de outrem (autoria colateral), ou então, consciente e voluntariamente, coopere no empreendimento criminoso, quer praticando atos de execução (coautoria), quer instigando, induzindo ou auxiliando (participação) na realização de uma conduta punível” 16. Correndo a partir destas premissas ora elencadas, chega-se às principais teorias que chamaram para si a responsabilidade de, juridicamente, identificar quem figuraria como autor e quem seriam os partícipes. Foram criados conceitos restritivos e extensivos de autor como situações extremas para, a posteriori, surgir uma novel concepção, que se pode denominar de intermediária, trazida pela teoria do domínio do fato. 16 Tratado, v.1, cit. p. 419. 21 IV. FORMAS – AUTORIA E PARTICIPAÇÃO Segundo essa concepção, autor é aquele que realiza a conduta típica descrita na lei, isto é, o que prática o verbo núcleo do tipo: mata, subtrai, falsifica etc. 17 Todos os demais que, de qualquer forma, o auxiliassem, mas que não viessem a realizar a conduta narrada pelo verbo do tipo penal seriam considerados partícipes. 18 O conceito restritivo de autor segue atrelado a uma teoria objetiva de participação. Realizar a conduta típica é objetivamente distinto de favorecer a sua realização. Deduz-se daí, por si só, que autoria e participação também devem ser distinguidas através de critérios objetivos. Por isso, segundo JESCHECK , o conceito 19 restritivo de autor necessita ser complementado por uma teoria objetiva de participação, que pode assumir dois aspectos distintos: 1. Teoria objetivo-formal Para a teoria objetivo formal, autor é aquele que prática a conduta descrita no núcleo do tipo; todos os demais que concorrerem para essa infração penal, mas que não realizam a conduta expressa pelo verbo existente no tipo serão considerados partícipes. 20 2. Teoria objetivo-material A teoria objetivo-material, como aduz , buscou suprir os defeitos da JESCHECK teoria objetivo-formal, “oferecendo um complemento mediante a perspectiva da maior periculosidade que deve caracterizar a contribuição do autor ao fato em comparação com a do cúmplice”,21 ou, como elucida o digníssimo professor DAMÁSIO , a teoria objetivo-material “distingue autor de partícipe pela maior DE JESUS contribuição do primeiro na causação do resultado”. 22 . A teoria objetiva, de acordo com o conceito restritivo de autor, Fragilidades encontrou duros óbices no que dizia respeito à chamada autoria mediata. Arquitete- se o exemplo de um médico que querendo causar a morte de uma paciente x, que se encontra internada no hospital onde o mesmo exercia suas funções, prepara uma injeção contendo veneno letal e determina a uma enfermeira que aplique-a na paciente x. Enfermeira, atendendo ao pedido do médico, aplica a injeção e causa a morte a paciente x. Faz-se notório que apesar do médico não ter realizado a conduta descrita no verbo núcleo do tipo do art. 121 do Código Penal, ele teve total domínio do fato para que o resultado morte viesse a acontecer. Como o médico não praticou a conduta narrada pelo verbo núcleo do tipo, através da teoria restritiva não poderia ele ser considerado autor. Tal solução, sem maiores esforços, não parece ser a mais correta. Não raro uma pessoa que se encontra à frente de toda a movimentação delitiva, organizando-a, orientando-a, armando suas estratégias, tendo-a sob seu absoluto 17 BITENCOURT, Cezar Roberto, Manual, v.1, cit., p. 382. 18 GRECO, Rogério, Curso, v.1, cit., p. 419. 19 Tratado de derecho penal – parte general, v.2, cit., p. 893. 20 GRECO, Rogério, Curso, v.1, cit., p. 420. 21 Tratado, v.2, cit., 893. 22 Teoria do domínio do fato no concurso de pessoas, cit., p. 16. 22 DIREITO PENAL – PARTE GERAL controle, e, não obstante isso, não executa qualquer parcela da conduta que o tipo descreve. Podemos citar como exemplo o traficante chefe, que não usa as drogas, não as vende, apenas manipula toda a ação criminosa, ou, até mesmo, o clássico exemplo do chefe de uma máfia que ordena aos seus asseclas que elimine o chefe do grupo rival. Assim, conclui-se que este autor mediato não pode ser considerado mero partícipe, mas, sim, como real autor. 23 O conceito extensivo de autor encontra-se numa situação diametralmente oposta à do conceito restritivo. Pelo fato de partir da conditio sine qua non, os adeptos do conceito extensivo não fazem distinção entre autores e partícipes. Todos aqueles que, de qualquer forma, colaboram à prática do fato são considerados autores. 24 Ao revés da teoria restritiva que é objetiva, a teoria extensiva é de teor subjetivo, seguindo atrelada à teoria subjetiva da participação. Assim,para os adeptos deste pensamento, autoria e participação não podem distinguir-se objetivamente, pois que ambas são equivalentes desde um prisma causal, somente restando-lhes a possibilidade de uma distinção baseada em um critério subjetivo. 25 Assim, baseada na vontade dos agentes, existirá a vontade de ser autor (animus auctoris), quando o agente quer o fato como próprio, e uma vontade de ser partícipe (animus socii), quando o agente deseja o fato como alheio. 26 Essa distinção, todavia, pode tornar-se equivocada em algumas situações, por exemplo: um matador de aluguel causa a morte da vítima não porque a desejava, mas, sim, porque fora pago para tanto, isso geraria o resultado de não autoria do assassino profissional, ou, o curioso caso apontado por e 27, ZAFFARONI PIERANGELI no qual se afirmou que um assassino profissional contratado num país estrangeiro, que fora enviado para matar asilados croatas com uma pistola de gás venenoso, não era autor, porque não queria o fato como seu, pois o interesse pelo resultado pertencia à potência que o enviava. 28 Assim, tanto o conceito extensivo de autor, como a teoria subjetiva da participação, devem ser rechaçados. A teoria do domínio do fato é a mais bem sucedida elaboração em consideração às teorias até então conhecidas. Ela consegue distinguir com limpidez autor e executor, admitindo com facilidade a figura do autor mediato, além de possibilitar melhor compreensão da coautoria. Ocupa posição intermediária entre as teorias objetivas e subjetivas, sendo considerada uma teoria objetivo-subjetiva. Aponta a doutrina29 que a teoria do domínio do fato surge em 1939, pela cátedra de . HANS WELZEL 23 PIERANGELI, José Henrique, Escritos jurídico-penais, cit., p. 55; GRECO, Rogério, Curso, v.1, cit., p. 421. 24 GRECO, Rogério, Código, cit., p. 88. 25 Cf. GRECO, Rogério, Curso, v.1, p. 421; JESCHECK, Hans-Heinrich, Tratado de derecho penal, v. 2, p. 895. 26 GRECO, Rogério, Curso, v.1, p. 421; BITENCOURT, Cezar Roberto, Manual, v.1, p. 384. 27 Manual, p. 667. 28 GRECO, Rogério, Curso, v.1, p. 422. 29 GRECO, Rogério, Curso, v.1, p. 422; BITENCOURT, Cezar Roberto, Manual, v.1, p. 384. 23 IV. FORMAS – AUTORIA E PARTICIPAÇÃO Em curta definição, assim delibera sobre o conceito de autor para ROGÉRIO GRECO teoria do domínio do fato (GRECO, 2011, p. 88): “Autor é aquele que decide o se, o como, e o quando da infração penal; é o senhor de suas decisões”. Autor, segundo essa teoria, é quem tem o poder de decisão sobre a realização do fato. É não só o que executa a ação típica, como também aquele que se utiliza de outrem, como instrumento, para a execução da infração penal (autoria mediata). Como ensina , “a conformação do fato mediante a vontade de WELZEL realização que dirige de forma planificada é o que transforma o autor em senhor do fato” 30. Porém, como afirma , não só a vontade de realização resulta JESCHECK decisiva para a autoria, mas também a importância material da parte que cada interveniente assume no fato. 31 Portanto, pode-se concluir que o autor é aquele que tem controle da situação de fato ou prática atos de execução, isto é, prática o verbo do núcleo do tipo. 1.1.3.1. Teoria do domínio funcional do fato A teoria do domínio funcional do fato, adotada por grande número de doutrinadores, resolve o problema com argumentos das teorias objetivas e subjetivas, acrescentando, ainda, um dado extremamente importante: a chamada divisão de tarefas. “Vem ganhando primazia nos Tribunais a Teoria do Domínio do Fato, idealizada por Claus ROXIN, que considera também coautor o agente que participa de um plano adredemente preparado, com divisão de tarefas. Influindo, decisivamente, com a sua conduta, no resultado final do ilícito” (20020110414487APR, Relator Edson Alfredo Smaniotto, 1ª Turma Criminal, julgado em 30/10/2006, DJ 28/02/2007, p. 120). 1.1.3.2. Teoria do domínio do fato e os crimes culposos O âmbito de aplicação da teoria do domínio do fato, com seu conceito restritivo de autor, limita-se aos delitos dolosos. Somente nestes se pode falar em domínio final do fato típico, pois os delitos culposos caracterizam-se exatamente pela perda desse domínio. 32 Assim, bem postas são as palavras de (CEREZO MIR, JOSÉ CEREZO MIR 2001, p. 210), que aduz que a teoria em estudo “tropeça nos delitos imprudentes porque não se pode falar de domínio do fato, já que o resultado se produz de modo cego, causal, não finalista. Nos delitos imprudentes é autor todo aquele que contribui para a produção do resultado com uma conduta que corresponde ao cuidado objetivamente devido. Nos delitos dolosos é autor o que tem o domínio finalista do fato”. 30 Derecho, cit. p. 145. 31 Tratado, cit. p. 897 e 900. 32 BITENCOURT, Cezar Roberto, Manual, cit., p. 385. 24 DIREITO PENAL – PARTE GERAL Quadro 1. Restritiva Extensiva Teoria do domínio do fato Conceito de autor Autor será aquele que praticar a conduta descrita no núcleo do tipo penal. Todos aqueles que de alguma forma contribuíram para a prática do crime, são considerados autores, ainda que não tenham praticado o verbo núcleo do tipo. O autor é quem realiza uma o crime com vontade de autor (animus actoris), isto é, aquele que deseja o fato criminoso como próprio. Autor é aquele que tem controle da situação de fato ou prática atos de execução, isto é, prática a conduta narrada no verbo núcleo do tipo penal. Conceito de partícipe Partícipes serão todos aqueles que, de alguma forma, auxiliarem o ato delituoso, embora não realizem a conduta narrada pelo verbo do tipo penal. O partícipe é quem pratica o crime com a vontade de partícipe; o partícipe quer o fato como alheio, atuando com animus socii. Partícipe é aquele que não tem controle sobre a situação de fato, mas que com sua conduta auxilia a produção do crime. 25 IV. FORMAS – AUTORIA E PARTICIPAÇÃO Crítica Muitas vezes, o sujeito principal da operação delitiva se encontra longe da mesma, ou não pratica os atos de execução, tão só planeja. Casos como os de autores mediatos e intelectuais ficam sem resposta nesta teoria. Essa teoria, por vezes, implica em condenar como meros partícipes sujeitos que realizam pessoalmente todos os elementos do tipo (v.g., assassino de aluguel) e, como autores, quem não tem intervenção material no fato. Teoria do domínio do fato é a mais bem sucedida elaboração em consideração às teorias até então conhecidas. Ela consegue distinguir com limpidez autor e executor, admitindo com facilidade a figura do autor mediato, além de possibilitar melhor compreensão da coautoria. Ocupa posição intermediária entre as teorias objetivas e subjetivas, sendo considerada uma teoria objetivo-subjetiva. A fragilidade deste pensamento se encontra nos crimes culposos. Diante da adoção da teoria do domínio do fato fica mais evidente quando diversas pessoas, unidas pelo vínculo subjetivo livre, resolvem praticar uma mesma infração penal. Aqui, mais do nunca, será de máxima importância a determinação de quem é partícipe e quem é autor. Na construção textual de (WELZEL, 1970, p. 129), WELZEL “a coautoria é autoria; sua particularidade consiste em que o domínio do fato unitário é comum a várias pessoas. Coautor é quem possuindo as qualidades pessoais de autor é portador da decisão comum a respeito do fato e em virtude disso toma parte na execução do delito”. Destarte, in tribus verbis, a coautoria seria a autoria em conjunto. Assim, a coautoria é a realização conjunta,por mais de uma pessoa, de uma mesma infração penal. Coautoria nada mais é do que a própria autoria, verdade seja dita. Cabe o lembrete que é desnecessário um acordo prévio, como exigia a velha doutrina, bastando que haja consciência comum em cooperar (apesar de tal crivo ser de extremo tormento de análise in concreto). É a atuação consciente de estar contribuindo à realização comum de uma infração penal. Essa consciência constitui o liame psicológico que une a ação de todos, dando caráter de crime único. “Não se exige, para a verificação da coautoria, que todos os agentes efetuem, necessariamente, a ação descrita no tipo, sendo suficientes a adesão que, efetivamente, pratica os atos de execução (TJMG, AC 1.0512.06.031578-9/001, Rel. Des. Walter Pinto da ROCHA, DJ 6/2/2007).” O princípio da divisão de tarefas concede fundamentos à noção de coautoria, vista que nela todos tomam parte, atuando em conjunto na execução da ação típica, de tal maneira que cada um possa ser chamado verdadeiramente autor. 26 DIREITO PENAL – PARTE GERAL 1.2.1.1. Coautoria em crimes próprios e em crimes de mão própria De antemão, cabe a definição do que seria um crime próprio e, também, um crime de mão própria. Primeiramente, pode-se definir um crime próprio como aqueles apontam uma singular condição do sujeito ativo, condição esta que pode ser de origem jurídica (funcionário público); profissional (médico, comerciante etc.). 33 , porém, equiparou os crimes próprios aos especiais, considerando-os ANÍBAL BRUNO como aqueles praticados por pessoa revestida de determinadas qualidades, como de funcionário público, de militar, de advogado, de médico etc. Desta maneira, pode-se apontar alguns crimes na legislação trazem consigo essa elementar: infanticídio (art. 123, CP); peculato (art. 312, CP); prevaricação (art. 319, CP); condescendência criminosa (art. 320, CP), dentre outros. Já os crimes de mão própria são aqueles que só podem ser cometidos pela pessoa. Assim, este tipo de crime é de atuação personalíssima e de execução indelegável. Tal conscientização da descrição típica deixa a entrever que, em razão de certas circunstâncias, somente o próprio sujeito, corporalmente enfocado, é que pode praticar aquela conduta. É mister a não confusão entre os crimes de mão própria e os crimes próprios, vez que os segundos são aqueles que dizem respeito a certas qualidades do sujeito ativo (médico, funcionário público etc.), e, os primeiros a realizam exclusiva pela própria pessoa. . Solucionada essa questão, no que tange a Coautoria e crimes próprios coautoria e crimes próprios, não haverá óbice algum nos delitos próprios, no que diz respeito à possibilidade de existirem, no critério de distribuição de funções, vários autores que, com unidade de objetivo, pratiquem a mesma infração penal, podendo- se, aqui, falar em coautoria. Poderão v.g., dois funcionários públicos, agindo em concurso, subtrair, valendo-se da facilidade que essa qualidade lhes proporcionava, um microcomputador existente na repartição na qual ambos trabalhavam. O crime de peculato (art. 312, CP), com já dito, é próprio, pois somente pode ser praticado por quem possua a qualidade de funcionário público. Todavia, embora próprio, admite autoria mediata, bem como coautoria, aplicando-se, com perfeição, a teoria do domínio funcional do fato. 34 . De igual maneira que, como regra, Coautoria em crimes de mão própria não se admite em infrações penais dessa natureza autoria mediata (v. infra), também deverá ser afastada a possibilidade de coautoria. Isso porque, por se tratar de infrações personalíssimas, não há possibilidade de divisão de tarefas. O delito, portanto, só pode ser realizado pessoalmente pelo agente previsto no tipo penal. Em sentido contrário, já se posicionou o STJ: “Entendimento desta Corte de que é possível, em tese, atribuir a advogado a coautoria pelo crime de falso testemunho (STJ, REsp. 402783/SP Rec. Esp. 2001/0193430-6; 5ª T., Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 13/10/2003, p. 403)”. 33 MARQUES, Frederico, Tratado. 34 GRECO, Rogério, Código, cit., p. 90. 27 IV. FORMAS – AUTORIA E PARTICIPAÇÃO Embora não se possa falar em coautoria em delitos de mão própria, nada impede que haja concurso de partícipes. Os partícipes, mesmo não possuindo o domínio sobre o fato, podem de alguma forma concorrer para a infração penal, induzindo, instigando, ou auxiliando materialmente o autor. 35 Assim entende também os Tribunais pátrios: “O delito de falso testemunho, apesar de ser considerado delito de ‘mão própria’, admite a participação, nas modalidades de induzimento e instigação, ressalvadas raras exceções. Precedentes dessa Corte e do STF (STJ, REsp. 659.512/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 29/11/2004, p. 397)”. Autor pode ser aquele que executa diretamente a conduta descrita pelo núcleo do tipo penal, ocasião em que será reconhecido como autor imediato, direito ou executor; ou poderá ser também aquele que se vale de outra pessoa, que lhe serve, em realidade, como instrumento à prática do crime, sendo, neste prisma, chamado de autor mediato ou indireto. 36 Assim, mostra-se que o autor não necessariamente precisa praticar a conduta descrita no núcleo do tipo penal, podendo atuar também distante da situação, exercendo seu domínio sobre o fato criminoso ao utilizar outrem como instrumento à prática delituosa. aduz que (JESCHECK, 1981, p. 919) JESCHECK “é autor mediato quem realiza o tipo penal servindo-se, para execução da ação típica, de outra pessoa como instrumento”. Desta forma, o autor imediato é o agente que diretamente realiza a conduta prevista pelo verbo reitor do tipo penal, assim, se A, com o auxilio moral de B e C, mata D, A será o autor imediato do crime, B e C serão partícipes do delito. Todavia, existem situações em que o agente não realiza diretamente a conduta prevista no núcleo do tipo penal, valendo-se de outras pessoas, que lhe servem como instrumento à prática da infração penal, sendo considerado, portanto, autor mediato ou indireto. De tal maneira, naquelas situações em que o traficante sobre coage irresistivelmente um trabalhador para cometer um roubo a banco, o traficante, apesar de não praticar a conduta núcleo do tipo, detém o domínio da situação de fato e, por isso, lhe é outorgado o cargo de autor do crime, autor mediato. Nosso diploma penal prevê expressamente quatro casos de autoria mediata, a saber: a) erro determinado por terceiro (art. 20, §2º, CP); b) coação moral irresistível (art. 22, primeira parte, CP); c) obediência hierárquica (art. 22, segunda parte, CP); d) caso de instrumento impunível em virtude de condição ou qualidade pessoal (art. 62, III, segunda parte, CP). Como exemplo de erro determinado por terceiro pode-se citar o caso da enfermeira, já aludido, que aplica em um paciente, a pedido do médico que deseja matá-lo, uma injeção contendo veneno letal, sem saber o seu conteúdo. O médico, 35 Op. cit. 36 GRECO, Rogério, Curso, v.1, p. 425. 28 DIREITO PENAL – PARTE GERAL que havia preparado a injeção e determinado que fosse aplicada no paciente, porque desejava seu perecimento, é autor mediato do crime. A enfermeira que executou a ação não agiu como dolo ou culpa, portanto, tão só o médico (terceiro que determinou o erro) responderia pelo crime. 37 Outrossim, se alguém, em razão de uma coação moral irresistível ou em estrita obediência a ordem não manifestadamente ilegal de superior hierárquico, vier a cometer um delito, apenas será punível o autor da coação ou da ordem. Assim, edificando exemplos: se um pai, sabendo que seu filho está refém de traficantes, que prometem matá-lo se ele não subtrair valores de uma agênciabancária, subtrai esses valores, não responderá pelo crime tendo em vista que ele foi coagido à prática da ação delituosa, os traficantes que coagiram a ação do pai serão os autores mediatos. Em um exemplo de estrita obediência hierárquica, pode-se vislumbrar a situação em que um delegado de polícia determina a um detetive, seu subordinado, que efetue a prisão de alguém, dizendo-lhe já estar de posse do mandado, quando, na verdade, a ordem não tinha sido expedida, e, caso o detetive, cumprindo determinação de seu superior hierárquico, que aparentava ser legal, levar a efeito a prisão, somente o autor da ordem (delegado) é que será responsabilizado criminalmente pela privação da liberdade daquela pessoa, sendo, destarte, seu autor mediato. Existe, ainda, a possibilidade de o agente se valer de inimputáveis (doentes ou menores) para o cometimento de infrações penais. Não raro no Brasil é observar que os Chefes do Tráfico se utilizam por diversas vezes de menores e doentes mentais para a prática do tráfico de drogas e de outros crimes. Assim, ainda que estes estejam praticando diretamente o crime, os traficantes é que são os autores mediatos da orquestra criminosa. Ademais, como exemplos de utilização de instrumento cujo comportamento não pode ser atribuído a título de dolo ou culpa, podemos mencionar os casos em que o agente empurra terceira pessoa, a fim de que esta caia sobre a vítima, produzindo- lhe lesões corporais. Nota-se que aquele que é empurrado não atua dolosa (age finalisticamente para a produção do resultado, o querendo e o antevendo) ou culposamente (não deixa de observar os deveres objetivos de cuidado, não atuando imprudentemente, nem negligentemente e, nem tampouco, de forma imperita), sendo que a responsabilidade será atribuída ao “homem de trás”, ao autor mediato. Tal raciocínio, aponta , também é aplicável nos casos de hipnose, R. GRECO em que o hipnotizado cumpre as ordens que lhe foram determinadas, em decorrência do seu estado de inconsciência. 38 Por fim, cabe a título de curiosidade, a exposição da ideia de sujeito passivo imediato e mediato. O sujeito passivo imediato é aquele que sofre com os abalos do crime praticado de forma direta, por exemplo, no crime de furto (art. 155, CP), o indivíduo furtado é o sujeito passivo imediato daquela prática ilícita. Todavia, com a devida justeza, há que se salientar que não só sofre os abalos do delito aquele indivíduo que teve seu bem violado diretamente, a sociedade também fica abalada, vez que o crime, fenômeno social que é, quebra com a segurança pública, abalando também um sujeito passivo mais distante, dito mediato, que é o Estado. Assim, o 37 Op. cit. p. 426. 38 Op. cit. p. 427. 29 IV. FORMAS – AUTORIA E PARTICIPAÇÃO Estado é sujeito passivo mediato em todos os crimes em que ele não for sujeito passivo imediato. 1.2.2.1. Autoria mediata e autoria intelectual Explica que (GRECO, 2011, p. 430): ROGÉRIO GRECO “Fala-se em autoria intelectual quando queremos nos referir a ‘homem inteligente’ do grupo, aquele que traça o plano criminoso, com todos os seus detalhes”. Contribui também ao entendimento do tema a dissertação de (JESUS, DAMÁSIO 2001, p. 19): “na autoria intelectual o sujeito planeja a ação delituosa, constituindo o crime produto de sua criatividade”. Desta maneira, poder-se-á vislumbrar situações nas quais ao autor intelectual não será atribuída nenhuma função executiva do plano por ele arquitetado, situação que não afasta a sua condição de autor, muito pelo contrário! Pela teoria do domínio do fato, percebe-se, com certa nitidez, a sua importância ao sucesso da infração penal. O art. 62, I, do CP, ainda complementa tal situação crivando-a da qualidade de agravante pena: Art. 62. A pena será ainda agravada em relação ao agente que: I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; Cabe a nota de Diferença entre autoria mediata e autoria intelectual. que a autoria medita não se equivale à autoria intelectual. O autor mediato sempre participa a distância, nunca pratica atos de execução, enquanto, o autor intelectual poderá em vezes planejar e executar o crime, não significando que estará distante ou que utilizará de outras pessoas como instrumentos à prática do ilícito penal. Assim, chega-se a conclusão de que sempre o autor mediato será o autor intelectual; mas o contrário, não se faz verdade. 1.2.2.2.. Autoria mediata em crimes próprios e de mão única No item 2.1 supra, deu-se uma singela explicação sobre o que é um crime próprio e de mão única. Aqui, analisar-se-á a relação destas duas modalidades de crime com a autoria mediata. Entende-se, aqui, ser perfeitamente Autoria mediata e crimes próprios. possível a autoria mediata em crimes próprios, desde que o autor possua as qualidades ou condições especiais exigidas pelo tipo penal. e , ZAFFARONI PIERANGELI elucidando o tema, asseveram (ZAFFARONI e PIERANGELI, 1999, p. 672): “o autor mediato deve reunir todos os caracteres que o tipo exige com relação ao autor, ou o intraneus (funcionário, por exemplo), que se vale do extraneus (não funcionário) para praticar uma corrupção, é autor do crime de corrupção, mas o extraneus que se vale do intraneus não é autor mediato, por não possuir as condições típicas”. 30 DIREITO PENAL – PARTE GERAL Autoria mediata e crimes de mão própria. O posicionamento majoritário acerca da aplicação da noção de autoria mediata aos crimes de mão própria é de não ser cabível. Destarte, não é cabível autoria mediata em crimes de mão própria, uma vez que estes últimos são considerados personalíssimos, isto é, aqueles que necessitam, à sua configuração, da atuação pessoal e intransferível do agente. No entanto, embora a posição majoritária não admita a autoria mediata nos crimes de mão própria, no exemplo do crime de falso testemunho, pode haver a quebra da regra geral. Desta forma, construa-se a hipótese em que a testemunha seja coagida (coato) 39, irresistivelmente, a prestar um depoimento falso para beneficiar o autor da coação (coator) 40. Nesse caso, de acordo com a norma presente no art. 22 do CP, somente será punido o autor da coação, sendo esse, portanto, um caso de autoria mediata. 41 Destarte, in summa, pode-se dizer que em regra não se admite autoria mediata nos crimes de mão própria. No entanto, como exceção que confirma a regra, tem-se o caso suprarrelatado, em que será possível a autoria mediata em um crime de falso testemunho praticado mediante coação irresistível. Fala-se em autoria colateral quando dois agentes, ignorando um a contribuição do outro, convergem suas condutas para a prática de determinado ato criminoso. Destarte, a atuação dos dois agentes não é ligada por um vínculo subjetivo, não há reciprocidade consensual no empreendimento criminoso. Assim, destaca que (BITENCOURT, 2002, p. 397): BITENCOURT “A ausência do vínculo subjetivo entre os intervenientes é o elemento caracterizador da autoria colateral”. Como já se estudou neste caderno, o vínculo psicológico entre os agentes é um dos caracterizadores do concurso de pessoas. Se não atuam atrelados a este liame subjetivo, não se pode falar em concurso de pessoas, em qualquer de suas modalidades, vale dizer, coautoria ou participação. 42 Como forma de iluminar as mentes obscuras, tome-se o seguinte exemplo: supondo que Didi e Zacarias queiram a morte de Muçum. Por questão de conveniência, os dois se colocam em emboscada, aguardando a vítima passar pela local planejado. Quando avistam Muçum ambos atiram, no mesmo instante, sem que um soubesse da presença do outro no local. Em casos como esse, pelo fato de os agentes não atuarem unidos por qualquer vínculo psicológico é que se diz que
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