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Teoria e Prática da Narrativa Jurídica Compreender a relação entre os fatos narrados e a produção dos argumentos; Aprimorar a função argumentativa das narrações, de acordo com o ponto de vista que se pretende defender; Estabelecer a diferença entre fato e valoração. A narrativa tem, como característica principal, ser o relato de fatos que envolvem pessoas, num determinado local e tempo. E, embora o texto dissertativo seja aquele que melhor se presta a CONVENCER, a PERSUADIR, também os textos narrativos podem produzir um efeito persuasivo. É o que se observa, por exemplo, na narrativa da Petição Inicial, em que a seleção dos fatos, das vozes que irão confirmar a versão apresentada destinam-se a induzir o juiz a admitir essa narrativa como reflexo da realidade. A narrativa comporta, portanto, uma função argumentativa, porque é dela que se extraem os fatos e as provas que servem de base para que se possa inferir uma determinada valoração e, em seguida, justificá-la, por meio de um ou mais argumentos. Por isso, a seleção do que é narrado deve ser criteriosa, a fim de fornecer base sólida aos argumentos que visam à defesa de uma tese. A importância da narrativa é muito grande. Tanto que o próprio CPC, em seu art. 535,II, estabelece que é possível embargar uma decisão de mérito quando a fundamentação omitir um ponto sobre o qual o juiz ou o tribunal deva se pronunciar. Daí se concluir que tudo o que se registra no relatório cumpre uma função argumentativa e que essa seleção deve ser muito criteriosa, tendo em vista a tese que se pretende defender. A seguir, transcreve-se um relatório que servirá de base para que se analise essa função argumentativa: Trata-se da apuração de responsabilidade pela morte de Josefina Martins, 18 anos, professora, em face da Clínica Particular Cristo Redentor, situada no Rio de Janeiro. O óbito ocorreu no dia 13 de março de 2007. De acordo com os autos, no dia 10 de março, Josefina chegou ao hospital reclamando de fortes dores na nuca. A médica Maria da Dores Silva, clínica geral, atendeu-a, preencheu uma ficha, na qual registrou que a paciente era alérgica à dipirona e derivados. Colheu, ainda, outras informações referentes a doenças anteriores e demais registros necessários ao seu atendimento. Após examiná-la, diagnosticou um problema na coluna cervical e indicou a aplicação do analgésico XXX. A paciente foi encaminhada para o quarto e, depois de meia hora, começou a reclamar de inchaço na garganta, calor na face e dificuldade para respirar. Segundo Rosane Guimarães Martins, mãe de Josefina, ela alertou a médica sobre as reclamações da filha. Afirmou que a doutora não foi ao quarto ver a paciente e lhe disse que os sintomas eram normais e que era necessário aguardar o efeito do remédio. Ao voltar ao quarto da filha, ela havia piorado, estava ficando sufocada. Informou o fato á enfermeira Francine Duarte, a quem pediu que chamasse a doutora. Foi informada de que o plantão da médica havia terminado e que a paciente seria atendida por outro clínico geral, o dr. Genivaldo Fernandes. Conforme os autos, Genivaldo reconheceu que havia ocorrido um choque anafilático e que a paciente precisaria ser transferida para o centro de tratamento intensivo. Josefina foi então medicada com anti-histamínico por via intravenosa. Em seguida foi posta no soro. Apesar da intervenção, não resistiu e morreu. O laudo médico indicou que a morte foi causada pelo contado com o alérgeno (medicamento a que tinha sensibilidade alérgica). Seu corpo respondeu a essa substância, liberando a histamina, que causou o edema ( inchação) e a vermelhidão da pele. Assim diminuiu o fluxo sanguíneo, foi enviado menos oxigênio para o cérebro e para outros órgãos vitais. Consequentemente, entrou em estado de choque e morreu. Ainda de acordo com o laudo, a demora no combate à reação alérgica complicou o quadro da paciente. Consta nos autos que a médica alegou que agiu conforme o quadro clínico exigia e que sempre prescreveu o medicamento XXX com analgésico. Afirmou ainda que a paciente já chegou ao hospital debilitada, em decorrência das fortes dores na coluna cervical e com congestionamento nasal. A família da paciente pretende receber indenização por danos morais. É o relatório. Com base no relato anterior, tem-se a possibilidade de formular as seguintes teses: TESE 1: A clínica deve indenizar a família de Josefina porque houve negligência e imperícia médicas; TESE 2: A clínica não deve indenizar a família de Josefina, porque agiu corretamente. Assim, seguindo o esquema: FATO – VALORAÇÃO – JUSTIFICATIVA- podemos ter: FATO: a médica indicou o uso do medicamento XXX. VALORAÇÃO: agiu, portanto, com imperícia. JUSTIFICATIVA: porque sabia que a paciente era alérgica ao medicamento. Ao redigir um parágrafo argumentativo, podemos ter: A médica Maria das Dores Silva, que atendeu à paciente Josefina Martins, ao indicar-lhe o medicamento XXX, agiu com imperícia, pois lhe fora informado que a moça tinha alergia àquele medicamento. Mesmo assim, ele foi ministrado em dose suficiente para lhe causar um choque anafilático, que a levou a óbito. Tomando por base a outra tese: FATO: a médica indicou o uso do medicamento XXX; VALORAÇÃO: a médica agiu corretamente; JUSTIFICATIVA: o medicamento XXX é o mais indicado e o melhor para o problema apresentado pela paciente. Ao redigir um parágrafo argumentativo, podemos ter: A médica Maria das Dores Silva, que atendeu à paciente Josefina Martins, ao indicar-lhe o medicamento XXX, agiu corretamente, pois o remédio em questão é o mais indicado e considerado pelos especialistas como o melhor para o problema apresentado pela paciente. Além disso, a proporção de dipirona, um dos componentes do medicamento receitado, é muito pequena e suas possíveis reações alérgicas costumam ser facilmente contornadas, tanto que, assim que a manifestação alérgica surgiu, lhe foi aplicado um antihistamínico, que, infelizmente, não produziu o efeito esperado. ◦ Com base no caso concreto a seguir, escolha um fato a favor do bacharel e outro contra ele e valore-os, de acordo com a tese escolhida: O Ministério Público de Santa Catarina impediu que o bacharel em direito Carlos Augusto Pereira prestasse concurso público para promotor de Justiça do órgão por ele ser cego, alegando que a função é indelegável. Segundo o MP, Pereira teria de ‘obrigatoriamente se socorrer de pessoas estranhas ao quadro funcional que nãoprestaram juramento público.’ O bacharel já é funcionário concursado da Justiça Eleitoral, Na ocasião do concurso, para auxiliá-lo nos exames, foram designados dois advogados: um leu para ele a prova e os livros usados para consulta, e o outro escreveu as respostas. Ele considera ter sido vítima de preconceito e entrará com uma ação contra o órgão catarinense, exigindo indenização por danos morais. Ainda segundo o corregedor geral do MP de Santa Catarina, ‘um cego precisaria,em algumas circunstâncias, do auxílio de outra pessoa. A tecnologia oferece facilidades, mas o reconhecimento de provas ou o exame de uma perícia ficam prejudicados. ‘
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