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A dimensão constitucional dos direitos fundamentais e os requisitos necessários para se autorizar restriqão a direitos fundamentais - 2 " 2 " .. .. .- . . . A " " . " " " - - L " " .. GEORGES ABBOUD - . . Mestre c Doutorando em Direitos Difums c Colct:vos pcla PUC-SP. Advogado. ARE* DO D IRE~O: Constikuuíonal; Fundatrent3s do Direito RESUMO: O presente artigo tem por escopo dernons:rar a relaqão ~x is tente entre a evo- I ~ ç 2 o do constitucionalismo c a regulaç50 do Pader Piiblico, a fim de evidenciar que os direitos fuvdamentai~ constituem conçuista histdrica, limitando c rcgufando toda a atu- açjo do Estado. A partir desse embasarnento, explicitar-se-$ o cquivcco de se preconizar a supremacia do interesse piibtico sobre os direitvs fundamentais, evidenciando a di- ABSTRACT: The scope of the oresen: article is to demonstrate the re[ation that exists bctwec'f the evalution of const.itutionalism and t h t reguiation of public powçr, in ordcr ?o evince that fundamental riqhls represent an historical achiwerreni, limiting and rcqu- lating the wholc role of the State. As of :his premise, one shall re9der understandable :he rr.iscanc~ption of advocating the supremacy o' pubric inlerest over fundamental *ight% mensão constitucional desses direitos. Por fim, serão elencados os requisitos necessá- rios para as hipóteses que se possam admitir restrições a direitos fundamentais no Estado Constitucional. PALAVRAS-CHAVE: Direitos fundamentais - Constitucionalismo - interesse publico - Controle difuso de constitucionalidade - Resirirão a direitos fundamentais. making evident the constitutional dimension of the latter. Lastly, one shall list the neces- sary requisites for admitting restrictions to fundamental rights within a Constitutional State. KEYWORDS: Fundamental rights - Constitu- tionalism - Public interest - Diffuse constitu- tionaity control - Restriction to fundamental rights. SUMARIO: 1. Introdução - 2. A posição e a normatividade dos direitos fundamentais no Estado Constitucional: 2.1 Conceito de direitos fundamentais; 2.2 Direitos fun- damentais e a limitação e vincula~ão do Poder Público - 3. Os modelos de fun- damentação dos direitos fundamentais e sua relação com o desenvolvimento do constitucionalismo: 3.1 O modelo historicista: 3.1.1 A jurisprudência como elemento fundamental do cornrnon Iow; 3.1.2 A intangibilidade dos direitos fundamentais no constitucionalismo inglês - Revolução Gloriosa e a Petition of Right; 3.2 O modelo individualista: 3.2.1 .Revolu$ão Francesa e a Decaragão de Direitos; 3.2.2 A posição da sociedade civil e do Poder Constituinte no modelo individualista; 3.3 O modelo estatalista: 3.3.1 O modelo estatalista e sua confronta~ão com o modelo individu- alista; 3.3.2 A posição do individuo e da sociedade civil no modelo estatalista; 3.3.3 Conclusão sobre o modelo estatalista e a posição da jurisprudência - 4. A dimensão histórica dos direitos fundamentais: 4.1 Direitos fundamentais e Constituição Fede- ral; 4.2 A importância do elemento historicista para a proteção dos direitos funda- mentais; 4.3 A judiciolreviewcomo direito fundamental: 4.3.1 A origem histórica da judicioi review; 4.3.2 O caso Marbury v% Madison. Aplicação da Constituição como regra juridica; 4.3.3 A importância de se conferir natureza de direito fundamental a judicioireview; 4.4 Os fundamentos dos direitos fundamentais: 4.4.1 O fundamento normativo: a Constituirão Federal; 4.4.2 O fundamento histórico: o processo civiiza- dor - 5. O mito da supremacia do interesse publico sobre os direitos fundamentais: 5.1 A dimensão constitucional e histórica dos direitos fundamentais: a primazia dos direitos fundamentais sobre o interesse público - 6. Rol dos requisitos necessários para se admitir restrição a direito fundamental: 6.1 Requisitos apontados pela dou- trina suiça; 6.2 Requisitos necessários para se admitir restrição a direito fundamental no Estado Constitucional: 6.2.1 Restrição deve estar constitucionalmente autoriza- da; 6.2.2 A restrição a direito fundamental deve ser proporcional [Ubermossverbot e Untermossverbod; 6.2.3 A restrição deve atender ao interesse social, e não pode se fundamentar na preservação do interesse público; 6.2.4 A restrirão deve estar exaustivamente fundamentada; 6.2.5 O ato do Poder Público que restringe direito fundamental pode ser amplamente revisado pelo Poder Judiciário - 7. Conclusões principais - 8. Bibliografia consultada. O presente artigo tem o intuito de explicitar a intrínseca relação existente entre a evolução do constitucionalismo e o recrudescimento da regulação do 'Poder Público mediante a institucionalização dos direitos fundamentais. Para atingir seu desiderato, de inicio, tratar-se-a a posiçáo que atualmente os direitos fundamentais ocupam no Estado Constitucional, ressaltando sua eficácia e normatividade. No momento subsequente, serão expostos os três modelos de fundamen- tação das liberdades, propostos por Maurizio Fioravanti: o individualista, historicista e estatalista. A caracterização desses três modelos será feita juntamente com a evolu- ção histórica do constitucionalismo proposta por Nicola Matteucci, com o intuito de demonstrar como os direitos fundamentais devem ser concebidos omo conquista histórica de nossa sociedade e, por conseguinte, esses direi- tos constituem, hodiernamente, limites para a atuaçào do Estado. A visão dos direitos fundamentais como conquista histórica, evidenciará a defasagem que o paradigma estatalista possui para garantir a preservação des- ses direitos. Desse modo, serão laiiçadas as bases teóricas necessárias para a desconçtrução do mito da supremacia do interesse público sobre tais direitos. por fim, será tratado o problema relativo a restrição dos direitos funda- mentais no Estado Constitucional. Com fundamento na doutrina suíça, ela- borar-se-á rol de requisitos necessários para se admitir qualquer restrição a direitos fundamentais. A POSIÇÃO E A NORMATIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS o ESTADO CONSTITUCIONAL onceito de direitos fundamentais s direitos fundamentais (Grundvechte) constituem na atualidade o con- to que engloba os direitos humanos universais e os direitos nacionais dos dadáos. As duas classes de direitos são, ainda que com intensidade diferen- rte integrante necessária da cultura jurídica de todo o Estado Consti- ter Haberle. El Estado constitucional. Buenos Aires: Ástrea de Alfredo y Ricar- do Depalma, 2007. § 65, p. 304. 2.2 Direitos fundamentais e o l imitação e vinculação d o Poder Público Em u m Estado de Direito, existe forte sentido substancial exercido pe- los direitos fundamentais em relação a atuação do Poder Público. Assim, os Poderes estão limitados e vinculados a Constituição, não somente no que se refere a forma e procedimentos, mas também quanto aos conteúdos. Por outros termos, no Estado Constitucional de Direito, a Constituição além de disciplinar as formas de produção legislativa, também impõe a esta proibições e obrigações de conteúdo correspondentes aos direitos de liber- dade e aos direitos sociais, cuja violação ocasiona antinomias e lacunas que a ciência jurídica precisa identificar para que sejam eliminadas e corrigidas.' Desse rnodo, cabe especificar, como bem ensina Garcia Herrera, que o Estado Democrático de Direito, em uma perspectiva garantista, está caracte- rizado pelo princípio da legalidade formal que subordina os Poderes Públicos as leis gerais e abstratas, bem como pela legalidade substancial que vincula o funcionamento dos três poderes a garantia dos direitos f~ndamenta i s .~ Sendo assim, é facilmente perceptível que os direitos fundamentais cons- tituem, primordialmente, uma reserva de direitos que não pode ser atingida pelo Estado [Poder Público]ou pelos próprios particulares? Na realidade, os direitos fundamentais asseguram ao cidadão u m feixe de direitos e garantias que não poderão ser violados por nenhuma das esferas do Poder Público. Os referidos direitos apresentam dupla função: constituem prerrogativas que asseguram diversas posições jurídicas ao cidadão, ao mes- mo tempo em que constituem limites/restrições a atuação do E ~ t a d o . ~ 2. Luigi Ferrajoli. Pasado y futuro del estado de derecho. In: Miguel Carbonell (org.). Neoconstitucionalismo~sl. 2. ed. Madrid: Trotta, 2005. p. 13 e 18. 3. Miguel Auge1 Garcia Herrera. Poder judicial y Estado social: legalidad y resis- tencia constitucional. In: Perfecto Andrés Ibánez (org.). Cormpción y Estado de Dei,echo - E1 papel de lu jurisdicción. Madrid: Trotta, 1996. p. 71. 4. Sobre a vinculacão dos particulares aos direitos fundamentais ver: Wilson Steinmetz. A vinculacão dos particulares a direitosfundamentais. São Paulo: Ma- lheiros, 2004. 5. Sobre essa questão merece destaque a seguinte passagem da doutrina suíça: "First, the protection from undue intrusion o€ the State in essential spheres of human existence falls within the penumbra of fundamental freedoms orfunda- mental liberties (Freiheitsrechte). Based upon the idea o£ a status ne~atives, the Constitution imposes upon government ând its bodies an obligatio<to tolerate the constitutionallv wrotected s~heres of human existence and to refrain from un- , L due interferente". Thomas Fleiner; Alexandre Misic e Nicole Topperwien. Swiss Constitutional Law. Berne: Kluwer Law International, 2005. n. 466, p. 153. odiernamente, a existência e a preservação dos direitos fundamentais são requisitos fundamentais para se estruturar o Estado Constitucional tanto no âmbito formal quanto material. ssim, demonstraremos qual a relação estabelecida entre o desenvolvi- o do constitucionalismo e a consagração dos direitos fundamentais, em como evidenciaremos o mito consistente na assertiva de que sempre ia supremacia do interesse público sobre o individual. Por fim, elabora- s rol a fim de identificar quais são os requisitos - que necessariamente recisam ser atendidos - para se admitir que ocorra restrição a qualquer di- ito fundamental. S MODELOS DE FUNDAMENTAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA RELAÇAO COM O DESENVOLVIMENTO DO CONSTITUCIONALISMO rizio ~ i o r a v a n t i , ~ em obra dedicada a evolução dos direitos funda- ais, propõe u m esquema em três modelos de fundamentação teórica das dades (direitos fundamentais de primeira dimensão). A partir da clas- cação proposta por ele, lançaremos as premissas teóricas que servirão de ndamento para algumas das conclusões finais. O modelo historicista primeiro modelo é o ~istoricista,' desenvolvido pela tradição anglo- xõnica das liberdades, cuja principal característica é a constatação de que aurizio Fioravanti. Los derechos fundamentales: apuntes de historia de Ias cons- uciones. 5. ed. Madrid: Trotta, 2007. modelo historicista de fundamentação das liberdades proposto por Fioravanti o remete, necessariamente, para o historicismo filosófico alemão. Com efeito, a proposta de análise de Fioravanti simplesmente pretende apontar para o carater de ontinuidade histórica que existe no contexto da formação dos direitos no espaço contrário, por exemplo, do modelo francês, de cunho nitidamen- a-se o exemplo da revolução gloriosa, cujo escopo fundamental tia justamente na restauração da legalidade parlamentar já vigente, enquanto volução Francesa tinha como principal intuito romper totalmente com alega- de vigente a fim de instituir uma nova (revolucionária). Já o historicismo filo- sófico - que se forma no contexto do romantismo alemão desaguando em Dilthey - tem caracteristicas fundamentalistas (no sentido da fundamentação inconcusum, no nível filosófico do pensamento), além de apostar em elementos nacionalistas. Sobre o modelo historicista de fundamentação das liberdades cf. Maurizio Fio- ravanti. Op. cit., Cap. 1, n. 1, p. 26-34. o reconhecimento dos direitos se dá mediante processo histórico que se con- funde com o próprio common law. 3.1.1 A jurisprudência como elemento fundomental docommon law O modelo historicista desenvolve-se juntamente com o common law, cujo maior expoente a ser apontado é a própria Inglaterra. O modelo inglêshisto- ricista é essencialmente distinto dos demais por conter elemento genuíno e dinâmico: a jurisprudência. A jurisprudência é o verdadeiro fator de unidade e coesão da história na- cional constitucional inglesa. Nesse modelo, são os juizes - e náo os Prínci- pes ou os Legisladores - os responsáveis pela construçào do direito comum inglês (common law). Assim, ela é o instrumento principal de elaboração das regras de tutela das liberdades que foram evoluindo desde a Idade Média até a Idade Moderna. Desse modo, formou-se, no modelo inglês, a convicção de que o tema das liberdades, enquanto expressào da jurisprudência e manifestação das regras do common law, é substancialmente indisponível por parte do Poder Público, seja ele Executivo ou Legislativo. Vale dizer que a Inglaterra, ao contrário da França, não admitiu a figura do Legislador Absoluto, mesmo a partir da Glo- rious Revolution. Isso porque a soberania parlamentária surgiu para limitar o Poder Real, não tendo nunca se desvirtuado a fim de se transmudar em poder soberano e ilin~itado.~ Ademais, a posição do Poder Legislativo a partir da Carta Magna inglesa de 1215 também é peculiar em relação aos demais países europeus. Na Ingla- terra, o Parlamento inglês aparece em confronto com o rei como o sujeito da unidade nacional (política) na luta contra os demais estamentos medievais? O papel da jurisprudência como o principal elemento de criação e fun- damentaçáo dos direitos fundamentais confere ao modelo historicista uma limitação ao Legislativo, ainda que o órgão legiferante seja o próprio Poder Para um aprofundamento critico sobre a questão do histoncismo, cf. Ernildo Stein. Racionalidade e existência. 2. ed. Ijui: Unijuí, 2008. Epílogo, p. 127-134. Ver também Hans-Georg Gadamer. Verdade e método. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. n. l .2., p. 334 et seq. 8. Maurizio Fioravanti. Op. cit., Cap. 1, n. 1, p. 32-33. 9. Carl Schmitt. Teoria de Ia Constitucidn. Madrid: Alianza Universidad Textos, 2006. § 6.", n. 1, p. 67. CONSTITUCIONAL 67 Constituinte, órgão este que é desconhecido nos demais paradigmas (estata- ista e individualista). Na realidade, foi mérito de CokeIo e ~e lden" terem conseguido estabele- uma aliança orgânica entre os juristas e os parlamentares. A partir desse 52-1634), jurista e político inglês, cuja firme atuação da pri- mazia do common law e das liberdades fundamentais frente ao ahsolutismo real colocou em lugar de honra na história jurídica da Grã-Bretanha. oke nasceu em Mileham no dia 01.02.1552. Na qualidade de jurista, exerceu diversos cargos jurídicos, merecendo destaque o de attomey general, no qual se opositores da Coroa. subiu ao trono Jacobo I (1603-16251, Coke foi nome Chief Justice da Court of the Common Pleas (tribunal responsável por solucionar as incipais lides de direito privado do País). Foi na qualidade de Chief ofJustice ke teve atuação destacada sempre defendendo o com- usos do Rei e do próprio Parlamento. Nessa passagem que foi decidido o Bonhamt case. Devido a sua independente e forte atuação, Jacobo 1, por sugestão de Bacon, nomeou Coke Chief ofJustice do tribunal do Kingk Bench que, em teoria, seria mo em termos de autoridade judicial. Novamente, devido a sua endente atuação, Coke confrontou-se novamente com a Coroa, tendo, em ,sido acusado de delitos pelo Conselho Privado do Rei. pos a morte de Jacobo I, Carlos I (1625-1649) convocou novo Parlamento. Coke, porsua vez, retornou ao Parlamento em 1628, desempenhando relevante papel na elaboração da chamada Petititon of Right, que consistia em importante declaração de direitos, visto que foi a primeira declaração a restringir os pode- res da Coroa Inglesa desde a ascensão dos Tudor. A obra e o prestígio de Coke contribuíram fortemente para a consolidação do common law e para a independência do Judiciário perante o Poder Político. Sua atuação também lançou diversos fundamentos jurídicos para a tutela dos direitos fundamentais, bem como influenciou fortemente os protagonistas da Cf. Francisco J. Andrés. Edward Coke. In: Rafael iversales: juristas modemos. Madrid: Marcial Pons, se pormenorizada da vida e da obra de Edward Coke, ver: Hum- W. Woolrych. The Life of the Right Honourable Sir Edward Coke. Lord Chief tice of the Kingk Bench. London: J. & W T. Clarke Law Booksellers and II Selden (1584-1654), erudito inglês, político, advogado e bibliófilo nasceu Salvington, no dia 16.12.1584. den se destaca em virtude de sua fervorosa defesa da liberdade, tendo sido a frase "above a11 things Freedom" o lema de sua vida pública. Sua atuação foi 68 REVISTA DOS TRIBUNAIS RT907 . MAIO DE 2011 cenário, a vitória do constitucionalismo na Inglaterra se explica a partir dessa aliança orgânica, conforme será tratado no item s ~ b s e ~ u e n t e . ' ~ 3.1.2 A intangibilidade dos direitos fundamentais no constitucionalismo inglês - Revolução Glorioso e o Petition o f Right O constitucionalismo inglês desconfia de uma concepção radical do Po- der Constituinte.13 Nesse sistema, o citado poder, ainda que originário, não possui legitimidade para iniciar a partir do zero sua agão. A sua atuasão, em última instância, está limitada pelo catálogo de direitos fundamentais que foram historicamente garantidos pela própria jurisprudência. Com efeito, a doutrina de John LockeI4 assegura ao povo o direito de resistência, em caso de tirania e de dissolução do governo. Trata-se de direito concebido como jurídica e principalmente política, uma vez que foi eleito deputado em 1624, 1636 e 1628. Na atuação política, opôs-se a Carlos I da Inglaterra participando ativamente junto com Edward Coke na declaração da famosa Petition of Rights, limitando fortemente os poderes reais no que diz respeito a arrecadação de impostos e na criação dos tribunais de exceção. As duas obras de maior projeção jurídica foram Mare Clausum e seu tratado De inre naturali et gentium iwta disciplinam Hebraeorum. Contudo, a obra com que John Selden alcançou a inaior I-eputação foi editada após sua morte, com o título de Table-Talh, consistente em uma série de pensamentos seldenianos, correspondentes aos seus últimos 20 aiios de vida, que hoje seguem sendo re- conhecidos. Cf. Juan Gómez-Acebo. John Selden. Juristas universales: juristas modernos, vol. 2, cit., p. 345-347. Para maior aprofundamento sobre John Selden ver: Harold Dexter Hazeltine. Selden as legal historian a comment in criticism and appreciation. Festschrqt Heinrich Brunner zum Siebzigsten Geburtstag dargebracht von Schunlern und Ver- ehrern. Weimar: Hermann Bohlaus Nachfolger, 1910. p. 579-630. 12. Sobre a contribuição de Coke e Selden conferir: Nicola Matteucci. Organizaci- ón de1 poder y libei-tad: historia de1 constitucionalismo moderno. Madrid: Trotta, 1998. n. 4, p. 86. 13. Importante destacar que a Carta Magna inglesa de 15.07.1215 pode ser consi- derada como modelo e origem das modernas Constituições liberais. Sobre essa questáo ver: Carl Schmitt. Op. cit., 3 6 . O , n. 1, p. 67. 14. Cf. John Locke. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 1998 Ver também Clarence Morris (org.). Os grandesjilósofos do direito. São Paulo Martins Fontes, 2002. Uohn Locke) n. 6, p. 152-153. instrumento de restauraçáo da legalidade violada e não como instrumento de projeção de uma nova e melhor ordem politica l5 própria essência da revoluçáo gloriosa consistia em solucionar o pro- da limitação do Poder Público pelo próprio direito, de modo que, para dar esse conflito, a obra de John Locke foi essencia1.16 que pese ter sido John Locke o principal teórico a conceber a existência leo intangível de direitos fundamentais que não poderiam ser alcan~a- m pelo próprio Poder Público," foi o desenvolvimento do common law principalmente em virtude da revolução gloriosa e da atuação de Coke a prática, ficou garantida a intangibilidade dos direitos fundamentais. A consolidacão da revolucáo cloriosa constitui acontecimento histórico " amental para a colocação dos direitos fundamentais como elemento ju- estruturante e legitimador do Estado Democrático de Direito (Estado - titucional). Na revolução gloriosa, Thomas Cromwell realizou uma re- overnamental, por meio de racionalização burocrática da adminis- tral para fazê-la mais eficiente e forte." omentando a obra de Locke, ver Jean-Jacques Chevallier. As grandes obras olíticas de Maquiaiiel a nossos dias. 8. ed. São Paulo: Agir, 2001. 2." Parte, Cap. 103-117. Ver ainda: Francois Chãtelet; Olivier Duhamel; Evelyne Pisier- uchner. Histbria das idéias políticas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, i998. Cap. , n. 2, D, p. 57-60. izio Fioravanti. Op. cit., Cap. 1, n. 1, p. 34. Comentando o direito de resis- a de Locke, ver: Ian Shapiro. Osfundamentos morais da política. São Paulo: 'ns Fontes, 2006. n. 5.1, p. 145. análise sobre a evolução e o conceito do direito de resistência, ver: Arthur aufmanu. Filosofia do direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2009. Cap. desobediência civil, conferir: Ronald Dworkin. Uma questao de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2005. n. 4, p. 153-174. a Matteucci. Breve storia de1 costituzionalismo. Brescia: Morcelliana, 2010. Ver Clarence Morris (org.). Op. cit., Uohn Locke), n. 6, p. 144. cke baseia sua investigação política numa concepção dos direitos naturais e não deixa de lembrar Grócio. Cf. François Châtelet; Olivier Duhamel; Eve- e Pisier-Kouchner. Op. cit., Cap. 11, n. 2, D, p. 58. a análise do jusnaturalismo de Locke e sua relação com a preservação dos itos fundamentais ver: Nicola Matteucci. Breve storia de1 costituzionalismo icola Matteucci. Organizacibn de1 podery libertad,cit., n. 4, p. 79-80. A partir da revolução gloriosa, passou-se a admitir determinado limite instransponível para o Poder Público em relação aos direitos fundamentais. Esse limite consistia justamente no próprio common law. Assim, dizer com- mon l a w era dizer também supremacia da lei, reconhecer, portanto, que esta representava algo fundamental, já que garantiria o direito dos ingleses, de que nenhum poder do mundo poderia usurpar.'9 Nesse ponto, principalmente em razão da atuação de Coke e do advento da Petition ofRight de 1628," passa a ocorrer forte restrição ao Poder Público. Ou seja, o poder real em nenhuma hipótese poderia sobrepor-se a legalidade posta para violar ou restringir direitos fundamentais. Sobre esse ponto, Nico- la Matteucci destaca que a política de Coke pode ser sintetizada em uma cé- lebre afirmação. O common l a w tem redimensionado tanto as prerrogativas do rei, que estas não podem usurpar nem prejudicar o patrimõnio de ninguém e o melhor patrimônio que alguém pode ter é a lei de seu reino.21 Assim, pode-se concluir que, no modelo historicista, as liberdades civis (negativas, patrimoniais e civis) ocupam posição extremamente privilegiada, inclusive em relação ás liberdades políticas. Nesse sistema, as liberdades polí- ticas são acessórias em relação as civis. Destarte, a possibilidade de participar da formação da lei está em função de se poder controlar e equilibrar as for- ças, para manter-se incólume a proteção dos direitos já conquistados. Dessa maneira, no constitucionalismo inglês não se consegue precisar o momento constituintepuramente originário, entendido como poder absoluto do povo ou da nação para projetar uma nova ordem constitucional dependente da vontade dos cidadãos. A esta premissa se opõe a dimensão irrenunciável do governo moderado e equilibrado como forma que a história o tem apresenta- do: que o indivíduo não pode perturbar outrem sem que concomitantemente seja perturbada toda a ordem política e Em síntese, pode-se afirmar que o modelo historicista [inglês] confere especial importância as liberdades civis (direitos fundamentais), tendo sido seu principal elemento diferenciador - a jurisprudência - a responsável pela construção e proteção desses direitos. 19. Idem, n. 4, p. 81. 20. Além da Petiton of Right, o constitucionalismo inglês tem como uma de suas principais declarações de direito o Bill of Rights, sobre este ver: Carl Schmitt. Op. cit., 3 6.", n. 1, p. 68. 21. Nicola Matteucci. Organización de1 podery libertad cit., n. 4 , p. 87. 22. Maurizio Fioravanti. Op. cit., Cap. 1, n. 2, p. 35. essa forma, historicamente, a atuação do Poder Executivo e a atividade Legislativo foram limitadas pela manutenção e garantia dessas liberdades nquistadas/asseguradas pela jurisprudência, de modo que o constituciona- mo inglês não admite a figura do Poder Constituinte ilimitado, porquanto esse poder somente pode atuar para resgatar o governo limitado e ado respeitador dos direitos fundamentais. starte, toda atuação, ainda que do Poder Constituinte de maneira contrá- everá ser prontamente rechaçada pelo direito de resistência, a fim de que estaurada a legalidade anterior que era respeitadora das liberdades civis. modelo individualista odelo individualista está presente, de alguma forma, tanto na tradi- ontinental como na tradição anglo-saxônica, como produto próprio dos os de transformaçòes sociais, culturais e do saber que se operaram ernidade e foram, de alguma forma, aquilo que possibilitou o rompi- com o modelo político-jurídico-social predominante no Medievo. O elo individualista também. a seu modo. orienta-se uara tutelar o binômio ade e propriedade 23 3.2.1 Revolução Francesa e a Declaração de D~reitos ontinente, a expressão maior do modelo individualista se manifesta r da experiência revolucionária da França e da Declaraçào de Direitos mem e do Cidadão.*+ Na tradição individualista, o poder é transferido onarca absoluto para o povo, enquanto fruto da inspiração jacobina da ocracia. Assume relevância aqui o conteúdo revolucionário deste modelo ência que as teorias contratualistas exerceram sobre ele.I5 Sobre a relação das teorias contratualistas e a proteção dos direitos individuais, ver: lan Shapiro. Op. cit., n. 5.1, p. 145-147. . Sobre a Declaração de Direito que sucedeu a Revolução Francesa, ver: Yves Gu- chet. Histoire constitutionelle de la France - 1789-1974. 3. ed. Paris: Economica, 1993. n. I, p. 39-52. ia da contribuição das teorias contratualistas para a valorização dos 'reitos fundamentais é explicitada por Shapiro nos seguintes termos: "Além da na ciência, é a centralidade dos direitos individuais que diferencia a filosofia olítica iluminista dos compromissos antigos e medievais com a ordem e a hie- rarquia. Assim, a liberdade individual vai para o centro da discussão política". Ian Shapiro. Op. cit., n. 1.2, p. 17. No modelo individualista o Poder Constituinte pressupóe o povo como uma unidade política existencial. A palavra nação designa um povo capaz de atuar com consciência política. O povo se converte em nação no exato mo- mento em que passa a ter consciência política.26 Com efeito, a forma de garantia dos direitos, a moda do jusnaturalismo racionalista moderno, dá-se pelo reconhecimento, pelo Estado, de direitos preexistentes ao pacto social pós-revolucionário. A doutrina do Poder Cons- tituinte do Povo também merece destaque, pois admite um poder autônomo, reportado ao povo, que precede e determina os poderes estatais constituídos. Neste modelo, a sociedade é composta de indivíduos politicamente ativos, com sua autônoma subjetividade distinta e precedente ao Estado, que impòe respectivamente a presunção geral de liberdade e a presença de um poder constituinte já estr~turado.~' O modelo individualista tem como premissa fundamental a primazia do indivíduo exclusivamente perante o poder estatal. Ponto marcante que o dis- tingue do modelo historicista diz respeito ao lugar ocupado pela revolução em cada um deles. Em resumo, o modelo historicista preconiza primordial- mente a ideia do governo limitado. O individualista, por sua vez, sustenta em primeiro lugar, uma revolução social que elimine os privilégios e a ordem estamental que os fundamenta." No paradigma individualista, a Constituição não é apenas um pacto entre o príncipe e o povo ou qualquer outra organização estamental. Nesse mo- delo, a Constituição consiste na decisão política adotada pela nação, que é uma instituição una, indivisível e capaz de fixar seu próprio destino. Para o modelo individualista, toda a Constituição pressupõe essa unidade.29 O paradigma historicista critica o modelo individualista, porque esse ad- mitiria excessivamente a necessidade de instrumento coletivo, o Estado ou : a vontade geral da nação que poderia eliminar totalmente a ordem jurídico- -social vigente. Já para o modelo individualista, o defeito principal do histori- cista seria o excesso de timidez e moderação ao estender os novos valores do individualismo liberal e burguês contra privilégios já es tabele~idos.~~ 26. Carl Schmitt. Op. cit., S 6.*, n. 4, p. 71. 27. Cf. Maurizio Fioravanti. Op. cit., Cap. 1, n. 2, p. 42-43 28. Idem, Cap. 1, n. 2, p. 37. 29. Carl Schmitt. Op. cit., § 6.', n. 5, p. 72. 30. Maurizio Fioravanti. Op. cit., Cap. 1, n. 2, p. 37. 3.2.2 A posição da sociedade civil e do Poder Constituinte no modelo indiv~dualista odelo individualista é fundamentado no c o n t r a t ~ a l i s m o ~ ~ e reivindica emissa a presunção de liberdade, portanto, defende que o exercício das es não pode ser guiado ou dirigido pela autoridade pública, mas tão delimitado pelo l e ~ i s l a d o r . ~ ~ - ociedade civil ocupa posição de destaque no paradigma individualista, ciando-se do modelo estatalista justamente por defender a preeminên- a sociedade civil em relação ao Estado. istência da sociedade civil anterior ao Estado não implica desnecessi- Estado. A sociedade civil necessita do Estado e de sua legislação para lidar posições e garantir direitos, porém, tanto as posições quanto os existem antes do próprio Estado político, podendo ser encontrados rio estado de natureza, tal como preconizam as doutrinas contratu- s XVII e XVIII.?~ Por consequência, no modelo individua- ado é criado para aperfeiçoar a tutela dos direitos, bem como para r com mais precisão e segurança as esferas de liberdade de cada um e evenir o nascimento de conflito radical. Dessa forma, o Estado nunca ebido para fundar ou criar esses direitos individuais, mas tão somente elhor resguardá-10s.~~ elo individualista sustenta a total primazia e anterioridade dos di- mentais em relação a figura do Estado, que surge como instru- garantir e aperfeiçoar a tutela dos referidos direitos. odelo individualista, o Poder Constituinte também é elemento di- or. Nesse paradigma, o Poder Constituinte é tratado como o funda- tal e originário poder dos indivíduos de decidir sobre a forma e o rumo cerca do contratualismo citado cf. Jean-Jacques Rousseau. O contrato social: ncípios do direito político. Sáo Paulo: Martins Fontes, 2006. Para comentário Rousseau, ver: Jean-Jacques Chevallier. Op. cit., 2." Parte, Cap. 111, p. 163- r ainda: John Locke. Op. cit. bre Locke ver ainda Clarence Morris (org.). Op. cit., n. 6, p. 130 et seq. Para eçáo da obra de Rousseau cf. Clarence Morris(org.). Op. cit., (Jean-Jacques seaul, n. 9, p. 211 et seq. rizio Fioravanti. Op. cit., Cap. 1, n. 2, p. 41. eras notas n. 13, 23 e 29. aurizio Fioravanti. Op. cit., Cap. 1, u. 2, p. 41. 74 REVISTA DOS TRIBUNAIS RT907 . MAIO DE 2011 da estrutura política, ou seja, o Estado. Este Poder Constituinte será o pai do todas as liberdades políticas.35 Nesse ponto, o modelo individualista também se diferencia do estatalista, na medida em que o Poder Constituinte é com ele incompatível. Essa incom- patibilidade ocorre porque, nesse modelo, a sociedade de indivíduos politi- camente ativos nasce somente com o Estado e através do Estado, antes desse momento não existe nenhum sujeito politicamente significativo. O estatalista não reconhece a qualidade de sujeito político ao povo ou a nação antes da existência do próprio Estad0.9~ Assim, somente a partir da visão individualista é que se consegue conce- ber a existência de Poder Constituinte autônomo que precede e determina os poderes estatais constituídos. Com efeito, a perspectiva individualista pre- coniza que antes de se produzir o pactum subiectionis, por meio do qual os indivíduos se submetem a autoridade comum, existe anterior a essa sujeição, um ato precedente e distinto que é o pactum societatis. A partir desse pacto, nasce a sociedade civil dos indivíduos que é também a sociedade dos indiví- duos politicamenteativos, o povo ou nação da Revolução Francesa, que tem total autonomia para exercer o Poder Constituinte para decidir e fundar o tipo de Estado de~ejado.~' Historicamente, os modelos individualista e historicista disputam qual a melhor forma de se tutelar os direitos individuais. A visão individualista, ainda que em menor escala, também possui diferenças em relação a histo- ricista. Em conformidade com o exposto, os individualistas postulam que o melhor modo de garantir as liberdades é confiá-las a autoridade da lei do Estado, dentro dos limites rigidamente fixados pela presunção de liberdade e a condição sine qua non de que o Estado seja posterior a sociedade civil, por consequência, fruto da vontade constituinte dos cidadãos. Já os historicistas preconizam que não existem garantias sérias e estáveis de manutenção das liberdades - uma vez que o poder político já tenha se apoderado da capaci- dade de defini-las. Assim, para o historicista, a melhor forma de se tutelar e garantir essas liberdades é mediante a atuação da jurisprudência em virtude de sua natureza mais pudente e ligada ao transcurso natural do tempo e a evolução da s~ciedade.~' 35. Idem, p. 41-42. 36. Idem, p. 42. 37. Idem, p. 43. 38. Idem, p. 44. ontudo, a figura do Poder Constituinte é elemento diferenciador funda- ental entre o paradigma individualista e o historicista. O segundo defende ue as liberdades (positivas) devem ser gradualmente ampliadas e assegura- s na esfera legislativa. Ocorre que o historicista desconfia da manifestação erna e com forte participação da liberdade politica de decidir das Assem- Constituintes. Por isso, na história constitucional inglesa, não existem embleias Constituintes, presentes na história constitucional francesa. de10 historicista considera perigosa a manifestação ilimitada do Poder tituinte originário, em virtude da total instabilidade que é ínsita a es- rmas de manifestação. Essa instabilidade do Poder Constituinte pode etar sérias distorçóes no momento de determinar a nova forma politica stado. Ou seja, a atuação do Poder Constituinte ilimitado escapa das entes leis da história e do controle da jurisprudência, ficando totalmente ito a vontade flutuante e mutável da maioria eventual dos O modelo estatalista lo estatalista é o que se forma na Europa continental a partir do , no período exatamente posterior a chamada codificação dos ide- aturalistas com os Códigos Civis francês e alemão e que coincide com Ihamento burocrático do Estado de Direito liberal e a formação do 1 O modelo estatalista e sua confrontação com o modelo individualista elhor forma de compreender a doutrina estatalista é confrontá-la com que ela pretende superar: o individualismo revolucionário que a ante- anto ao modelo historicista, o estatalismo não o rechaça completa- elo contrário, acaba se aproximando dele em alguns pontos, embora e em relação ao modo de fundamentação do próprio poder. primeiro lugar, é preciso destacar que também o modelo individua- olucionário reveste-se de certo caráter estatalista na medida em que mentação das liberdades se encontra dada a partir de Declarações es- ue reconhecem os direitos dos cidadãos existentes antes da formação Como afirma Fioravanti, o modelo estatalista se difere do individualista porque neste, ao contrário daquele, presume-se a existência da sociedade civil dos individuos como anterior ao Estado. Mas o elemento estado e o sen- timento de descontinuidade histórica - que também se manifesta no modelo estatalista - afigura-se presente já neste primeiro período pós-revolução. É interessante notar que, historicamente, o modelo estatalista é possibi- litado por aquilo que ele mesmo pretende superar. Com efeito, as principais estruturas estatalistas já estavam presentes na forma de fundamentar as liber- dades do individualismo revolucionário. Há apenas uma "mudança de rota" com a radicalização do papel que o direito posto pelo Estado exerce em rela- ção aos individuos. Neste ponto, Castanheira Neves é extremamente perspi- caz ao demonstrar a íntima relação que o iluminismo racionalista possui com o positivismo juridico que se forma exatamente no ambiente de estruturação do Estado de Direito do século XIX?" Em outros termos, há uma estreita relação entre a consolidação do positi- vismo jurídico e o modelo estatalista de fundamentação das liberdades. Para pontuar essa primeira diferença, podemos dizer que, se no modelo individualista, a fundamentação das liberdades se dava através de uma si- tuação pré-estatal que justificava o reconhecimento pelo Estado de direitos inalienáveis do indivíduo, no modelo estatalista, é o fato da própria positi- vação da lei que fará a função de fundamento. Ou seja, tecnicamente é certo dizer que, no interior do modelo estatalista só há um direito: o de ser tratado conforme as leis postas pelo Estado. De forma elucidativa, o modelo individualista sempre pressupós uma dualidade entre liberdade e poder - como sabemos, antes do Estado existe a sociedade civil dos individuos dotados de direitos naturais e, ao mesmo tempo, a sociedade dos indivíduos politicamente ativos dotados da liberdade fundamental de querer uma ordem política organizada: o Estado." Todo sé- culo XIX, por sua vez, está marcado principalmente pela atuação de juristas, por uma reação frente ao individualismo e ao contratualismo da revolução. Para a doutrina estatalista do Estado Liberal europeu do século XIX, não existe nenhuma liberdade e nenhum direito individual anterior ao Estado, mais precisamente, antes da força imperativa e autorizante das normas do Es- 40. Cf. Antônio Castanheira Neves. Curso de introduçao ao estudo do direito. Coim- bra: Sebenta, 1976. Parte 11. 41. C€. Maurizio Fioravanti. Op. cit., Cap. 1, n. 3, p. 47. tado que são as únicas capazes de organizar a sociedade e de fixar as posições jurídicas subjetivas de cada um.42 .3.2 A posição do individuo e do sociedade civil no modelo onferindo continuidade a exposição do paradigma estatalista, passar-se- exame que esse modelo confere a fundamentação das liberdades. No adigma estatalista, o Estado político organizado nasce da vontade dos in- uos, principalmente em virtude da necessidade e do desejo de seguran- corre que no estatalismo, o Estado político não se estrutura a partir de ato estabelecido entre os cidadãos e o Estado que contenha recíprocas tagens. Nomodelo estatalista, a formaçáo do Estado ocorre mediante um o de subordinação, cujo conteúdo é inegociável, pelo qual os sujeitos se tem, simultaneamente, ao monopólio do imperium. Essa sujeição é re- a para que o soberano possa, com sua capacidade de governar, moderar nflitos sociais e assim, propiciar aos governados condições mais seguras viver em sociedade, e para preservaçáo dos direitos f~ndamentais.'~ oravanti prossegue seu raciocínio asseverando que na lógica estatalista, ades coletivas como povo ou sociedade não são impensáveis antes e fora tado. No modelo estatalista, a sociedade dos indivíduos politicamente izada somente se converte em povo ou náo mediante sua represeutaçáo tária por parte do Estado soberano. Para o estatalismo, pouco importa se ferida representação seja dada por monarca absolutista ou por assembleia s ou menos democraticamente eleita. Com efeito, o que interessa é o fato m ou outro, na cultura estatalista, não é o resultado de uma constru- ratualista desde a base. Desse modo, a partir do Poder Constituinte ribuido a sociedade originária de indivíduos politicamente ativos, condição absolutamente necessária para a existência de um corpo nitário, que de outro modo seria uma mera multidão desagregada e camente incapaz de se expressar.44 os moldes estatalistas, quando o cidadão elege seus representantes, não ansmite os poderes que tem originariamente, mas tão somente exerce nção: a de designar, com fundamento no interesse público e sobre a base exclusiva do direito estatal, os representantes políticos que deveriam expressar a soberania do Estado na forma da lei!5 3.3.3 Conclusão sobre o modelo estatalista e a posição da jurisprudência Em resumo, no paradigma estatalista todas as liberdades se fundam única e exclusivamente sobre as normas impostas pelo próprio Estado. Assim, for- çosamente se deve admitir que nesse modelo, apenas existe um único direito fundamental, qual seja, de ser tratado conforme as leis do Estado. Ou seja, toda a problemática das liberdades se reduz ao problema da a~tio, '~ em virtude das soluções jurídicas que poderá0 ser invocadas quando alguém lesione direito fundamental de outrem fundado e garantido na legislação vigente. No modelo estatalista, faz-se necessário ressaltar o relativo desprestígio que a jurisprudência (Judiciário) sofre quando o paradigma estatalista é com- parado principalmente ao modelo historicista. Em sistema politico erigido sobre princípios de caráter estatalista, é difícil que o juiz [ordinário ou ad- ministrativo] seja completamente livre para tutelar direitos individuais no momento em que se chocarem com razões de autoridade. Nesses momentos críticos, o Estado não pode atuar como terceiro neutro perante conflitos esta- belecidos entre as razões individuais dos particulares e as razões da autorida- de pública da burocracia do E~tado.~ ' 4. A DIMENSAO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 4.1 Direitos fundamentais e Constituição Federal Atualmente, na maior parte dos Estados Democráticos, os direitos fun- damentais estão catalogados e assegurados em textos constitucionais. Por consequência, os direitos fundamentais possuem absoluta normatividade, 45. Idem, p. 51. 46. Idem, Cap. 3, n. 2, p. 120. Para uma crítica aos vínculos estatalistas existentes na vertente teórica da ins- trumentalidade do processo, conferir: Georges Abboud e Rafael Tomaz de Oli- veira. O dito e o náo dito sobre a instrumentalidade do processo: críticas e projeçóes a partir de uma exploração hermenêutica da teoria processual. RePro 166147.59, n. 3.2-3.3. 47. Maurizio Fioravanti. Op. cit., Cap. 3, n. 2, p. 120. evendo ser aplicados imediatamente. Nesse sentido, Friedrich Muller pon- , a partir do momento em que são positivados no texto constitucional, tos fundamentais passam a ser considerados direito vigente, adqui- aráter estatal-normativo, por consequência, sua obediência significa ar o próprio direito positivo." sim, a positivação dos direitos fundamentais nos textos constitucionais ortante para a respectiva concretização desses direitos. Todavia, ainda enham sua normatividade diretamente proveniente do texto constitu- , a existência dos direitos fundamentais é fruto do desenvol~imento torico de cultura de cada sociedade (historicismo). Nesse ponto, passar- examinar a insuficiência do paradigma estatalista para tutelar os direi- conformidade com o que expusemos, Fioravanti demonstra que o individualista e o historicista concordam que o primeiro dever do ionalismo é realizar o controle e a limitação do poder em nome das s e dos direitos fundamentais que o precedem.*' portância do elemento historicista para a proteção dos direitos rnamente, a Constituição Federal, principalmente em seu art. 5.", xtenso rol de direitos fundamentais e também assegura diversos ins- tos processuais para garantir sua efetividade. Entretanto, diante de o de exceção (anormalidade), quais garantias o cidadão possui para tinuem sendo respeitados e assegurados seus direitos fundamentais? nti aponta diversos questionamentos a que o modelo estatalista é in- te para responder. Quais garantias pode oferecer uma lei do Estado da de toda a referência externa? Quem pode garantir que os direitos e ades fixados na lei não sejam no instante seguinte anulados pela mesma e, por meio de seu poder soberano? nder a essas indagações é algo extremamente complexo. Contudo, firmar que o modelo estatalista é totalmente insuficiente para retor- Iler. Teoria e interpretação dos direitos humanos nacionais e in- rnacionais - especialmente na ótica da teoria estruturante do direito. In: C1è- on Merlin Clève, Ingo Wolfgang Sarlet e Alexandre Coutinho Pagliarini S.). Direitos humanos e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2007. n. 1, p. 46. rizio Fioravaiiti. Op. cit., Cap. 1, R. 3, p. 52. 80 REVISTA DOS T R I ~ U N A I ~ . RT907 . MAIO DE 2011 quir essas questões. A solução desses questionamentos deve partir do para- digma individualista e principalmente do historicista, porquanto ambos suh- metem o soberano (seja rei, presidente ou assembleia legislativa) a vínculos superiores, e.g., força dos costumes, direitos radicados na história, ou mesmo Constituição escrita que pretende impor-se como norma fundamental supe- rior até mesmo ao soberano (cláusulas p é t r e a ~ ) . ~ ~ Nessa perspectiva é que se apresenta importante a elaboração de uma te- oria referente às restrições aos direitos fundamentais. Em conformidade com o que expusemos, a evolução do constitucionalismo tem como um de seus escopos principais a regulação [controle] do poder e, consequentemente, a preservação dos direitos f~ndamenta i s .~~ 4.3 Ajudicial review como direito fundamental Para a citada valorização dos direitos fundamentais, o pensamento de Coke foi essencial, uma vez que foi ele quem conferiu, ainda que no common law, status superior à Constituição. Para Coke, a Carta Magna constituiu um colosso de estatura tal que não pode suportar nenhum soberano acima dela. Essa é a premissa sustentada por Coke para defender a supremacia do parla- mento, nào a sua soberania.52 Depois de proceder à limitação do poder do rei e restringir a soberania do parlamento, Coke passa a demonstrar a importância fundamental que a atuação do Judiciário deve desempenhar para a implementação dos direitos fundamentais. Assim, os juizes eram verdadeiros leões que deveriam custo- diar, frente ao rei, os direitos dos cidadãos.53 50. Idem, p. 53. 51. Cf. em especial a introduçáo feita por Bartolomé Clavero para a obra de Nicol Matteucci. Organización de1 podery libertad cit., p. 9-21. Sobre o tema, merece destaque, o artigo elaborado por Rafael Tomaz de Oli- veira. A Constituição e o estamento: contribuições a patogênese do controle difuso de constitucionalidadebrasileiro. ln: Lenio Luiz Streck; Vicente de Paula Barreto e Alfredo Santiago Cnlleton (orgs.). 20 Anos de Constituição: os direitos humanos entre a norma e apolitica. São Leopoldo: Óikos, 2010. n. 2.1, p. 221. 52. Nicola Matteucci. Organización de1 poder y libertad cit., n. 4, p. 88. 53. Idem, n. 4, p. 89. Ressaltando a importância da atuação de Coke para combater o absolutismo inelês ver: Nicola Matteucci. Breve storia de1 costituzionalismo cit.. C ~ D . 3. .3.1 A origem histórica dajudicial review ontrole de constitucionalidade tem sua origem no processo Bonham. e processo, que teve Coke como seu protagonista, muito provavelmente tém uma das mais famosas e discutidas sentenças judiciais, uma vez que titui urecedente da moderna instituicão conhecida como controle de 3.1.1 Bonham'scase. A contribuição de Edward Coke para a estruturação da judicialreview Bonham (Bonham5 case - The College of Physicians vs. DI: Thomas 55 figura entre os casos mais importantes em que atuou Sir. Edward sse caso é considerado o antecedente mais importante para a forma- nsolidação da técnica da judicial review consagrada no caso Marbuvy on. Além da judicial review, o caso Bonham também traria os ante- históricos necessários para a estruturação do preceito judicial da es de se examinar o que foi decidido no caso Bonham, faz-se neces- xaminar seu antecedente histórico que é a doutrina Jenkins (lenkins indo ser esse o precedente da judicial review ver Nicola Matteucci. Orga- ión de1 podery libertad cit., n. 4, p. 91. consultar a decisáo do caso Bonham ver: John Henry Thomas e John Far- har Fraser (orgs.). The Reports ojSir Edward Coke in thirteen parties. London: eph Butterworth and Son, 1826. vol. 4, n. 107d121a, p. 355-383. ristopher Wolfe destaca que o caso Bonham teve maior influência fora da laterra do que em seu país de origem. Christopher Wolfe. The rise ojmodern ' ial review: jrom constitutional interpretatiou to jndge-made law Boston: Lit- eld Adams Quality Paperbacks, 1994. n. 4, p. 90-91. entando o caso Bonham, ver: Fernando Rey Martínez. Una relectura der r. Bonham's Case y de Ia Aportación de Sir Edward Coke a la Creación de Ia icial Review. In: Eduardo Ferrer Mac-Gregor e Arturo Zaldivar Lelo de Lar- (org.). La ciencia de1 derecho procesal constitucional. Estudios en homenaje a tor Fix-Zamudio. Mexico: Marcial Pons, 2008. p. 847-866. ola Matteucci. Organización de1 podery libertad cit., n. 4, p. 91 et seq. r ainda: Nicola Matteucci. Breve storia de1 costituzionalismo cit., Cap. 3, p. 58. - - ara uma exposiçáo da doutrina Jenkins conferir: Fernando Rey Martínez. Op. ., n. 11, p. 852-854. 82 REVISTA DOS TRIBUNAIS- RT907 MAIO DE 2011 Tanto o caso Jenkins quanto o Bonham são oriundos de conflitos judiciais envolvendo o Colégio de Médicos da Inglaterra, instituição criada pelo Lord Canciller Cavd Wolsey em 1518 sob o reinado de Enrique VIII. O Colégio de Médicos era a instituição responsável pela concessão de li- cença para se praticar a medicina. Em 1540 foi promulgada pelo Parlamento Inglês lei (Act of Pavliament) que concedeu amplos poderes para o Colégio. A partir dela, o Colégio de Médicos além de admitir e expulsar sócios, passou a poder apenar com prisão os infratores que praticassem medicina sem licença ou fizessem mal uso dela - mantendo-os presos durante o tempo que consi- derasse oportuno.58 O Colégio de Médicos era uma instituição que não possuía vínculo com nenhuma Universidade e durante o século XVI utilizou de seus generosos poderes, conferidos pelo Act of Parliament de 1540, para perseguir diversos médicos. Um desses médicos foi Roger Jenkins que havia recusado se sub- meter a autoridade do Colégio que imediatamente determinou sua prisão. Em seguida, Jenkins impetrou habeas corpus a fim de obter sua liberdade provisional para o Tribunal (Common Pleas). O mérito do habeas corpus foi julgado pelo Chief justice Popham que decidiu a favor do Colégio de Médi- cos, afirmando que ele teria competência suficiente para decretar a prisão dos infratores, afirmando ainda que os tribunais não podem decidir sobre a liberdade dos infratores, inas tão somente apreciar as formalidades da decisão do Colégio dos Médi~os.~' Desse modo, antes de surgir o caso Bonham, o Tribunal (Common Pleas) já havia corroborado a autoridade regulatória e sancionatória do Colégio de Médicos de Londres. Tal situação mudaria radicalmente com o caso Bonham. No ano de 1605, o médico Thomas Bonham, que havia estudado medicina em Cambridge, submeteu ao Colégio petição solicitando o direito de admi- : nistrar medicamentos. O Colégio de Médicos negou o pedido. Em seguida, Thomas Bonham, quando convocado, apresentou respostas que foram consideradas imperti- nentes pelo Colégio e exerceu a medicina por algum tempo e sem autorização para tanto. A atitude de Bonham lhe rendeu multas impostas pelo Colégio de Mé- dicos. Além das multas, após comparecer perante o Presidente do Colégio 58. Para maiores detalhes ver: Fernando Rey Martínez. Op. cit., n. 11, p. 852. 59. Idem, p. 853. Henry Atkins), Bonham contestou a autoridade do Colégio e afirmou que a iustituição nào teria poder contra os universitários graduados em medi- a. Em seguida, Bonham foi preso por desacato em Newgate. pós a prisão, em menos de uma semana, o advogado de Bonham conseguiu er habeas corpus no Tribunal (Common Pleas), presidido então pelo Chefe de , Edward Coke. Entretanto, a concessão desse habeas corpus contrariava havia sido estabelecido na Jmkins Doctrine. O Colégio de Médicos após ar comitê seleto de juizes e por estar plenamente confiante no precedente , resolveu levar o assunto para os tribunais do common l a ~ . ~ ~ ide travada entre Bonham e o Colégio de Médicos foi instaurada no na1 (Common Pleas) com a presidência de Coke. Nesse processo, Bo- reclamava 100 libras a titulo de danos particulares em razão defalse nment por parte do Colégio de Médicos. Ocorre que o texto da Lei de ra claro em estabelecer possibilidade de o Colégio de Médicos apenar exercesse medicina sem licença (prática ilícita) ou fizesse mau uso dela praxis). A lei também outorgava ao Colégio a possibilidade de realizar or sua vez, Bonham defendia seu ponto de visto com fundamento no es- da lei. Afirmava que a lei tinha a intenção de prevenir práticas medicas rretas que seriam as realizadas por impostores. Todavia, ele era médico do na Universidade de Cambridge e, por possuir título universitário, isento da jurisdição do Colégio de Médicos. alelamente ao julgamento no Tribunal do common law, o caso foi deci- 10 Tribunal do King's Bench no dia 03.02.1609. Bonham foi condenado tica ilícita de medicina e condenado a pagar 60 libras. Por não ter essa , foi decretada sua prisão. os um ano, o caso foi decidido a favor de Thomas Bonham pelo Tribu- ommon Pleas). A votaçào foi por maioria, três votos favoráveis e dois se favorável a Bonham prevaleceu em virtude da sofisticada decisão da por Edward Coke. A decisão de Coke começava com a seguinte pre- a: de que a autoridade dada pelo rei ao Colégio de Médicos concedia dois distintos com fundamento em duas cláusulas distintas. A primeira e a prática ilícita que permitia ao Colégio multar quem exercesse a ra relato mais detalhado do caso ver: Fernando Rey Martínez. Op. cit., n. 111, medicina sem sua licença. A segunda dizia respeito ao exercício da má (errô- nea) prática médica, a qual poderia ser apenada com a prisão.62 Para Coke, não era lícito ao Colégio apenar com prisão quem praticava a medicina sem a licença do colégio, mas, de maneira adequada. Essa conduta somente poderia ser multada. Coke afirmava que existiria grande diferença entre praticar a medicina sem licença e praticá-la de maneira incorreta. Fernando Rey Martinez aointerpretar a decisão de Coke afirma que ela teria realizado uma distinção entre infração administrativa (exercer medici- na sem licença) e infração penal (exercer medicina de forma incorreta). A segunda infração, tendo em vista a gravidade do dano que poderia provocar, seria a única que poderia acarretar pena de prisão.63 Nesse sentido, além da importância para a construção da judicial review, Coke teria antecipado princípios fundamentais do direito sancionador no Es- tado de Direito, e.g., o direito penal figurar como a última ratio para o Estado agir e a obrigatoriedade de se examinar a proporcionalidade (razoahilidade) das penas.64 62. Nas exatas palavras de Coke: "The first reason was, that these two absolute, perfect and distinct clauses, and as parallels and therefore the one did not extend to the other; for the second begins, praeterea voluit et concessilv, & c. and the branch concerning fine and imprisonment is parcel of the secoud clause. 2. The first clause prohihiting the practice of physic, &. Comprefends four certainties: - 1. Certainty of the thing prohibited, sc, practice of physic. 2. Certainty of the time, sc. Practice for one month. 3. Certainty of penalty, sc. 51. 4. Certainty in distribution, sc. One moiety to the King, and the other moiety to the college; and this penalty he who practices physic in London incurs, although be practices and uses physic well, and profitable for the body of man; and on this branch the information was exhibited in the KingS Bench. But the clause to punish delicta in non bene exequado, &c. on which branch the case the case at bar stands, is altogether uncertain, for the hurt which may come thereby may be little or great, lexe vel grave, excessive or small, &c. and therefore the King and the makers of the act could not, for an offence so uncertain, impose a certaint of the fine, or time of imprisonment, but leave it to the censors to punish such offences, secundum quantilatem delicti, which is in included in these words, perfines, amerciamenta, imprisonamenta corporum suorum, et per alias vias rationabiles et congruas." John Henry Thomas eJohn Farquhar Fraser. Op. cit., n. 117b. p. 374-375. Fernando Rey Martínez. Op. cit., n. 111, p. 858. 63. Idem, n. 111, p. 859. 64. Idem, ibidem. 4.3.1.2 A influência do Bonharn's case na formação da jud~cial revie w questão constitucional ínsita ao BonhamS case não constitui o núcleo decisáo, caracterizando-se como obiter dictum. Coke realiza sua argu- tação afirmando que a cláusula que permitia ao Colégio apenar a práti- icina sem licença, consistiria em cláusula contraditória e absurda uma vez que permitiria que o Colégio de Médicos fosse ao tempo juiz e parte no processo.66 se modo, a lei que permitia ao Colégio de Médicos a um só tempo ar o exercício de medicina sem licença por meio de procedimento no e seria ao mesmo tempo parte (acusadora e beneficiária de eventual juiz seria contraditória, absurda (repugnant), porque iria contra o á consolidado no common law de que ninguém pode ser a um só z e parte no mesmo proce~so.~ ' 'm, Coke, ainda que de maneira marginal (dictum), admite a correção itação da legislação vigente com fundamento em preceitos jurídicos rados historicamente pelo common l a ~ . ~ ~ esmo diapasão, Nicola Matteucci destaca que a interpretação exata nham pode ser controvertida, contudo, é inegável que tanto para a quanto para os Estados Unidos, o BonhamS case constitui o início definição de vepugnant, em dicionário consagrado, é a seguinte: "adj. Incon- sistent or irreconcilable with; contraty or contradictory to the court's interpre- tation was repugnant to the express wording of the statute". Bryan A. GARNER (org.). Blach's Law Dictionary 7. ed. St. Paul: West Group, 1999, verbete: repug- , Fernando Rey Martínez. Op. cit., n. IV, p. 860. 7. Coke destaca que a lei seria contrária ao common law, por consequência, deve ser controlada. Vevbis: "And it appears in our books, that in many cases, the common law Will (d) controul acts of parliament, and sometimesadjudge tbem to be utterly void: for when an act of parliament is against common right aud reason, or repugnant, or impossible to he performed, the common law Will controul it, and adjudge such act to be void. John Henry Thomas eJohn Far- quhar Fraser. Op. cit., n. 118a, p. 375. Femando Rey Martinez. Op. cit., n. IV, p. 861. sa é a leitura que fazemos do caso Bonham. Nicola Matteucci também visu- za nesse caso a origem da judicial review que se formou nos Estados Unidos. . Nicola Matteucci. Organizacion de1 podevy libertad cit., n. 4, p. 91 et seq. posiçáo intermediária, ver Fernando Rey Martínez. Op. cit., n. 11; p. 865. do desenvolvimento da máxima que admite a revisão da lei pelo Poder Judi- ciário, qual seja, o próprio controle de constitucionalidade das leis.69 Na referida decisão, Coke destacou que o common law regula e controla os atos do Parlamento, e em ocasiões os julga todos nulos e sem eficácia, uma vez que, quando um ato do Parlamento é contrário ao direito e a razào comum, o common law O controlará e o julgará nulo e sem eficácia. Coke destaca a existência de um direito superior a lei do Parlamento e que estaria contido na própria historicidade; uma lei tem validade formal quando deriva do Parlamento, contudo, somente adquire validade substancial quando é ra- cional, e o controle de seu conteúdo corresponde aos juizes do common l a ~ . ~ ~ O racional referido por Coke pode ser entendido como o estar de acor- do com a historicidade. Assim, ao Judiciário caberia exercer o controle dos demais atos de poder público que fossem violadores dos direitos fundamen- tais historicamente assegurados aos cidadãos, ainda que parte desses atos estivesse em consonância com a iegisiação vigente, mas em confronto com a historicidade (common law). Desse modo, faz-se evidente a partir das assertivas de Coke - e do desen- volvimento posterior dessa tecnologia pelo constitucionalismo estaduniden- se - a importância da judicial review (controle difuso de constitucionalidade) como direito fundamental do cidadào. Da mesma maneira que a atividade do parlamento impõe limites ao poder real, a supremacia do parlamento não pode ser interpretada como absoluta soberania. Assim, o Judiciário, princi- palmente, por meio da judicial review, tem a função primordial de limitar os dois outros poderes a fim de resguardar os direitos fundamentais dos cida- dãos. 4.3.2 O coso Morburyvs. Modison. Aplicação do Constituição como regra jurídica A judicial ~eview,~' propriamente dita como a conhecemos, tem sua ori- gem no célebre caso Marbury vs. Madison. 69. Cf. Nicola Matteucci. Breve storia de1 costituzionalismo cit., Cap. 3, p. 59. 70. Nicola Matteucci. Organización de1 podery libertad cit., n. 4, p. 91. Ver. John Heury Thomas ejohn Farquhar Fraser. Op. cit., n. 118a, p. 375. 71. Sobre origem e desenvolvimento da judicial review ver: Nicola Matteucci. Orga- nizacidn de1 poder y libertad cit., n. 6, p. 204 et seq. Ver ainda: John Marshall. Judicial review e stato federale. Milano: Giuffrè, 1998. revisão das leis através do processo constitui garantia fundamental ento essencial) para a existência, preservação e concretização de uma ituição escritaY2 cujas normas devem ser consideradas sempre supe- s as emanadas pelo Poder Legislativo. A sentença Marbury vs. Madison cretiza mudanças profundas no constitucionalismo. A partir dela, fica itucionalizada a influência direta que a Constituição escrita impõe ao esso demo~rático.~ ' hristopher Wolfe pontua a importância da Constituição escrita para a lidação da judicial review nos Estados Unidos. Isso ocorre porque se o americano optou por ter Constituição escrita, por consequência, essa stituição deverá controlar e rechaçartodos os atos legislativos contrários o contrário, caso se admitisse que os atos legislativos inconstitucionais ssem ter o mesmo valor e igual eficácia em relação aos constitucionais, distinção entre governo limitado e ilimitado estaria desfeita, na medida obert Lowry Clinton. Marbury v. Madison and Judicial Review. Kansas: Univer- 'ty Press of Kansas, 1989. n. 5/8, p. 81 et seq. onferir ainda Christopher Wolfe. Op. cit., n. 2, p. 39 et seq. citado autor destaca como o principal argumento de Marshall a própria sub- são de todos os magistrados ao texto constitucional. Verbis: he hrst and most powerful argument that Marshall gave from the Constitu- n itself was that 'the judicial Power is extender to a11 cases arising under the onstitution'. How can one decide a case arising under the Constitution with- ut looking at the Constitution? But if the judges can look at the Constitution some cases, why are they forbidden to do so in others". Christopher Wolfe. a uma análise evolutiva da judicial review e sua relação com a teoria de Jon ser sobre a Constituição como restrição cf. Rafael Tomaz de Oliveira. A Cons- ição e o estamento: contribuições a patogênese do controle difuso de cons- cionalidade brasileiro cit., n. 2.3, p. 227-229. re o conceito de Constituições como restrições ver: Jon Elster. Ulisses Liber- : estudos sobre racionalidade, pré-compromisso e restrições. São Paulo: Unesp, 009. n. 2, p. 119 et seq. xame da evolucão histórica da judicial review nos Estados Unidos confe- obert Lowry Clinton. Op. cit., n. 1/4, p. 4-72. ola Matteucci. Organización del podery libertad cit., n. 6, p. 169. bre a importância da formação da judicial review e sua influência na funçáo i, Suprema Corte ver: Rafael Tomaz de Oliveira. A Constituição e o estamento: ontribuicões à patogênese do controle difuso de constitucionalidade brasileiro em que qualquer ato legislativo poderia alterar a Constituição Federal, o que impediria que ela usufruísse do status de lei fundamental." Pode-se afirmar, assim, que a partir de 1803 tem-se por construída a ideia da Constituição como regra juridica (de se salientar que os modelos de direi- to próximos a Europa continental, somente conhecerão o conceito de Cons- tituição como regra juridica a partir do segundo pós-guerra). Portanto, o caso Marbury vs. Madison tem como grande inovação selar a Constituição com o caráter da normatividade. A partir do caso Marbury vs. Madison fica expressamente registrado que o judicial review constitui elemento fundamental para garantir a concretização da Constituição Federal. Nesse sentido, asseveramos que a judicial rrview (co~itrole difuso de coiistitucionalidade) possui a natureza de direito funda- mental. Do contrário, ter-se-ia de admitir a existência de situaçoes em que o cida- dão ficaria obrigado a submeter-se a situações e atos formalmente legais, mas em desconformidade com o que está previsto na Constituição Federal. 4.3.3 A importância de se conferir natureza de direito fundamental O. judicial review Assim, se a Constituição Federal consagra rol de direitos e garantias funda- mentais ao cidadão, por consequência, faz-se necessário garantir ao particular todos os meios para fazer valer seus direitos constitucionalmente previstos. Desse modo, diante de restrições aos direitos fundamentais do cidadão por algum ato do Poder Público formalmente legal, somente por meio da ju- dicial review seria possível ao particular corrigir a ilegalidade e preservar seu direito fundamental. Ou seja, sem a existência da judicial review, o direito de ação (acesso a justiça) fica seriamente prejudicado. É mister frisar que a atribuição de status de direito fundamental a judicial review tem por escopo, impedir que essa garantia fundamental do cidadão (controle difuso de constitucionalidade) seja suplantada pelo próprio Judici- ário, principalmente pelo recrudescimento das decisões de efeito vinculante do STF: Ademais, a defesa do controle difuso de constitucionalidade, enquanto garantia fundamental do cidadão, justifica-se, principalmente, porque é a ju- dicial review que permite a observância das particularidades de cada caso 74. Christopher Wolfe. Op. cit., n. 3, p. 82 concreto, ou seja, sem o controle difuso de constitucionalidade o acesso a justiça (art. 5 . O , XXXV, CF11988) não seria concretizado em sua plenitude. esse sentido, Christopher Wolfe destaca que, por meio da judicial re- w o Judiciário não anula simplesmente o ato legislativo, pelo contrário, iciário interpreta e esclarece o teor da legislação, inclusive afastando-a m de não se permitir a violaçxo a direitos fundamentais perante o caso o. O controle difuso de constitucionalidade legitima-se até mesmo a proteção desses direitos é o principal escopo do Poder Públ i~o . '~ ue o controle difuso de constitucionalidade não pode sofrer restri- tivas, ou do próprio Poder Judiciário. Todavia, não se está aqui o nenhuma supremacia ou ativismo do Poder J ~ d i c i á r i o . ~ ~ Pelo a própria valorização do controle difuso de constitucionalidade é ta em dimensão máxima o controle de con~t i tuc ional idade~~ dos r Público e permite que seja evitada a supressão de algum direito amental em decorrência de decisão com efeito vinculante do próprio iciário, e.g., súmula ~ incu lan te . ' ~ ra uma crítica ao ativismo judicial e ao suposto protagonismo judicial, confe- bra de Lenio Luiz Streck. O que é isto - decido conforme minha consciência? Alegre: Livraria do Advogado, 2010. obre esse ponto, merece transcrição a seguinte passagem de Lenio Luiz Streck: ntre outras coisas, devemos levar o texto a sério, circunstância que se coaduna rfeitamente com as Constituicoes na segunda metade do século XX e confere pecial especificidade a interpretacão do direito, em face do vetor de sentido sumido pelo texto constitucional, além de reafirmar a autonomia do direito. mbater a discricionariedade, o ativismo, o positivismo fático etc. -que. como sabe, sáo algumas das vánas faces do subjetivismo - quer dizer c~&~romisso om a Constituicão e com a leeislacao democraticamente construída. no interior da - ~ uma discussão, no plano da esfera pública, das questóes ético-morais da de. Portanto, náo será o juiz, com base na sua particular concepção de , que fará as correcões morais das leis defeituosas (...). Mas atencão: essa crítica ao subjetivismo - que é, fundamentalmente, uma crí- a ao pragmati(ci)smo - náo implica a submissão do Judiciário a qualquer gislaçáo que fira a Constituiçào, entendida no seu todo principiológico. Legis- ivos irresponsáveis - que aprovem leis de conveniência - merecerão a censura jurisdição constitucional. No Estado Democrático de Direito, nenhum ato do der Executivo ou Legislativo está imune a sindicabilidade de cariz constitu- nal!" Lenio Luiz Streck. Op. cit., n. 7, p. 102-103. essa questão, Nelson NeryJunior e Rosa Maria de Andrade Nery admitem pressamente, o controle difuso de constitucionalidade da súmula vinculaute. rbis: Dessarte, o historici~mo'~ acima destacado, permite depreender a importân- cia que a preservacão dos direitos fundamentais e o controle do poder possuem para a construção do constitucionalismo. Assim, os direitos fundamentais são atualmente os elementos fundantes e legitimadores do Estado Democrático de Direito. O Judiciário possui papel fundamental para a defesa dos direitos fundamentais, isso porque, coiifornie ressalta Coke, é função do Judiciário ga- rantir a supremacia dos direitos fundamentais perante a ingerência do Poder Público (real ou parlamentar) e também averiguar e controlar a adequabilidade dos atos do Poder Público ao historicismo. Ou seja, o Judiciário teria a função de examinar se atos do poder público ainda que formalmente válidos não estão emdissonãncia em relação aos da tradicão histórica de determinada sociedade que em sua formação, assegurou histórica e progressivamente direitos funda- mentais, cuja grande parte está, atualmente positivada no texto constitucional. Dessa forma, é evidente a importância que a judicial review (controle difu- so de constitucionalidade) conferiu para a elaboração e a garantia dos direitos fundamentais. Em conformidade com o que foi demonstrado até o presente momento, a limitação do poder e a preservação dos direitos fundamentais constituem o principal mote perseguido pela evolução do constitucionalis- mo. Assim sendo, os direitos fundamentais não podem ser violados pelo Po- der Público, porquanto sua preservação é o ponto fundante da legitimidade do próprio Poder Público (Estado). 4.4 Os fundamentos dos direitos fundamentais 4.4.1 O fundamento normotivo:a Constituição Federol Em última instância, a soberania do Estado não está limitada nem pode ser restringida por outro direito, por norma de ordem constitucional, por conjunto de princípios racionalmente fixados em uma Declaração de direitos ou por controle de constitucionalidade confiado aos juizes. A soberania do "Em razão da natureza legislativa da súmula vinculante, como o juiz pode con- trolar, in concreto, a constitucionalidade de lei, complementar ou ordinária, ou de ato normativo contestado em face da Constituiçáo Federal, a ele é possível, também, fazer o controle da constitucionalidade de verbete da súmula vincu- lante do STF, que tem cardtergeral e normativo". Nelson Nery Junior e Rosa Ma- ria de Andrade Nery. Constituição Federal comentada e legislaçao constitucional. 2. ed. Sao Paulo: Ed. RT, 2009. Coment. 14, art. 103-A da CFl1988, p. 532. 79 Sobre nosso conceito de historicismo, vide nota n 7 o está sim limitada pelos fatos e pela história, pelo lugar que o poder a na sociedade liberal do século X1X.80 e, é cada vez mais difícil reconhecer no legislador o espelho fiel de sua história. Portanto, recrudesce a necessidade de se colocar ivo ao legislador, de vinculá-lo a observância de certos valores nais e também de obrigá-lo a realização daqueles valores em sacie- s de largo domínio da soberania pura estatal, aumenta a impor- nstituição como a máxima garantia contra o arbítrio dos Poderes e também como norma diretiva fundamental a cumprir sobre a base es por ela es tabele~idos .~~ sendo, é possível conceituar a Constituição como ato de funda- ireitos e liberdades - uma verdadeira norma juridica - e não como anifesto ideológico ou político como era das Declarações de direitos iodos revolucionários. Por conseguinte, faz-se necessário suprimir o utismo do dogma da primazia da lei, sendo necessária a existência de ole de constitucionalidade, seja difuso ou concentrado, para permitir a icaçâo de toda lei que for substancialmente contrária aos dispositivos O fundamento histórico: o processo civilizado^ e que a preservação dos direitos fundamentais não deve ocorrer nte porque atualmente gozam de status constitucional, mas sim por- constituem conquista histórica da formação política e juridica dos cuja observância é obrigatória pelo Poder Público e pelos demais rizio Fioravanti. Op. cit., Cap. 3, n. 2, p. 124. aminar os direitos fundamentais como conquista histórica da formação poli- e jurídica do Estado contribui para se avaliar a correção e a legitimidade dos do poder público no que diz respeito a tutela dos direitos fundamentais. gio Agamben demonstra que; em última instância, o estágio mais terato- ico de desrespeito aos direitos fundamentais está presente nos campos de ntração (Auschwitz). No campo de concentração todos os direitos funda- is são suspensos, toda a dignidade do homem é retirada, transformando , o homem em um não homem. Ver: Giorgio Agamben. O que resta de Aus- witz: o arquivo e a testemunha. São Paulo: Boitempo, 2008. n. 2.15, p. 74-75. Assim, essa conquista histórica não representa o carreamento para dentro do texto constitucional da mera vontade do sujeito histórico que é o arquite- to de uma metanarrativa (o sujeito do iluminismo; do comunismo etc.).% Ao Sobre a permanente suspensão dos direitos fundamentais, merece destaque a seguinte passagem: "Quando se é livre - escreveu Améry, pensando em Heideg- ger - é possível pensar na morte sem forçosamente pensar no morrer, sem estar angustiado pelo morrer. No campo, isso é impossível. E não é porque - como parece sugerir Améry - o pensamento sobre os modos de morrer (por injeção de fenol, por gás ou por golpes) tomasse supérfluo o pensamento sobre a morte como tal. Mas sim porque onde o pensamento da morte foi materialmente rea- lizado, onde a morte era trivial, burocrática e cotidiana, tanto a morte como o morrer, tanto o morrer como seus modos, tanto a morte como a fabricação de cadáveres se tornam indiscerníveis". Giorgio Agamben. Op. cit., n. 2.20, p. 82. Ademais, conceber os direitos fundamentais como conquista histórica da for- mação política e jurídica dos Estados permite que se evite o ressurgimento de situações históricas que se caracterizam pela restrição ou suspensão dos direi- tos fundamentais. Quando os direitos fundamentais são colocados como pro- duto histórico oriundo de processo civilizador, qualquer situação de restrição ou eliminação desses direitos poderá ser considerada ilegítima em virtude de evidente retrocesso social. Na realidade, examinar os direitos fundamentais juntamente com o elemento histórico permite que se mantenha o melhor discernimento para avaliar a juri- dicidade e a legitimidade de qualquer ressurgimento ou nova situação históri que pretenda violar direitos fundamentais. Tal alerta é altamente importante, Agamben é enfático em asseverar que Au chwitr ainda mantem seu; efeitos perdurando no tempo Ainda que ~uschwitz, enquanto momento historico, pode ser considerado encerrado do ponto de vis- ta cronológico, seus efeitos perduram e se perpetuam no tempo, pr&cipalmen em virtude do testemunho de seus sobreviventes. Verbis: "Contudo, a impossibilidade de querer o eterno retorno de Auschwitz tem, ele, outra e bem diversa raiz, que implica uma nova, inaudita consistên tológica do acontecido. Nao se pode querer que Auschwitz retome eterna porque, na verdade, nunca deixou de acontecel; jd está se repetindo sempre.' gio Agamben. Op. cit., n: 3.7, p. 106. 84. Em artigo dedicado ao tema o constitucionalista J. J. Gomes Canotilho afir a morte das metanarrativas enquanto grandes receitas omnicompreensivas totalizantes que atribuem à história um significado certo e unívoco. São, fund mentalmente, três as metanarrativas expostas: a judaico-cristã, cuja promessa a ressurreição e a salvação; a iluminista e positivista, que indica o progresso, marxista, que almeja a desalienação e emancipação do homem através da dit dura do proletariado. O que essas filosofias historicistas têm em comum é o fato de acreditarem num sentido irreversível da história. C€. José Joaquim Gomes djectivado e teoria da Constituiçào.Revista da Academia a de Direito Constitucional 3/469. nte com as metanarrativas revolucionárias, o citado constitucionalista morte do sujeito responsável pela concretização delas. Verbis: mpreender-se-á, assim, a relativização do dirigismo quanto em certos es- tos afirmamos que a 'Constituição dirigente morreu'. Entenda-se: morreu a ituição metanarrativa' da transiçào para o socialismo e para uma socieda- classes. O sujeito capaz de contar a récita e empenhar-se nela também 'ste ('aliança entre o movimento das Forças Armadas e os partidos e ações democráticas'). O sentido da 'morte' fica, pois, esclarecido. Só esta orte' estava no alvo da nossa pontaria". José Joaquim Gomes Canotilho. Op. o tema, ver ainda: Jean François Lyotard. A fenomenologia. Sào Paulo: o Européia do Livro,
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