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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS DEPARTAMENTO DE SERVIÇO SOCIAL BRUNNA MESIKA MALHEIRO A ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL JUNTO A ADOLESCENTES EM CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE SEMILIBERDADE E DE INTERNAÇÃO NATAL/RN 2017 BRUNNA MESIKA MALHEIRO A ATUAÇÃO DOS PROFISSIONAIS EM SERVIÇO SOCIAL JUNTO A ADOLESCENTES EM CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE SEMILIBERDADE E DE INTERNAÇÃO Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado ao Departamento de Serviço Social no Curso de Serviço Social da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito obrigatório à obtenção do título de Bacharel em Serviço Social. Orientadora: Profª. Drª. Rosângela Alves de Oliveira NATAL/RN Catalogação da Publicação na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA Malheiro, Brunna Mesika. A atuação dos profissionais em serviço social junto a adolescentes em cumprimento das medidas socioeducativas de semiliberdade e de internação/ Brunna Mesika Malheiro. - Natal, RN, 2017. 78 f. Orientadora: Profa. Dra. Rosângela Alves de Oliveira. Monografia (Graduação em Serviço Social) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Sociais Aplicadas. Departamento de Serviço Social. 1. Serviço Social - Monografia. 2. Medidas socioeducativas - Semiliberdade - Monografia. 3. Internação - Monografia. 4. Garantia de Direitos - Criança e Adolescente - Monografia. I. Oliveira, Rosângela Alves de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Título. RN/BS/CCSA CDU 364-787.2 Dedico a todos aqueles que ainda acreditam na possibilidade de vivermos dias melhores. Dedico também a todas as pessoas que acreditaram na minha capacidade, em especial, aos meus pais, meus irmãos, minha família, meu namorado e meus amigos, que foram meu verdadeiro alicerce perante as dificuldades que enfrentei nesse percurso. AGRADECIMENTOS A finalização desse trabalho é para mim, motivo de imensa satisfação, tendo em vista que sela o término de uma longa e árdua caminhada, embora estimulante e prazerosa, ao longo desses anos percorridos. Agradeço primeiramente a Deus, por possibilitar o meu existir e, principalmente por ter me dado sabedoria para assumir o compromisso de trilhar mais esta etapa em minha vida, me dando força para superar as dificuldades que foram existindo e me possibilitando cada dia, novos aprendizados. De maneira especial agradeço, aos meus pais (Marta Nanci e Messias Severino), que sempre me incentivaram a ir atrás dos meus objetivos e, por serem os principais responsáveis por quem me tornei. Aos meus avôs (Maria Madalena, Francisco das Chagas, Sebastiana Nogueira e Mário Serafim), por terem me ensinado muito dos valores que trago junto a mim e por sempre me dedicarem amor incondicional. Ao meu irmão (Bruno Francisco) por sempre ter me motivado ao olhar atento sobre todas as coisas, e por nunca ter desistido de acreditar em meu potencial. A minha irmã (Brenda Mecyta) por sempre me trazer um pouquinho mais de alegria nos momentos complicados, e por sempre me manter com os pés no chão. A minha família e amigos pelo carinho com que me tratam. Agradeço também ao meu namorado (Alysson Marques), pelo amor que ele me dedica, pelo companheirismo que compartilhamos, por toda a sua atenção e paciência, devotadas a mim durante todos os momentos; agradeço também por todo o apoio moral que ele me ofertou, e que muito me ajudou para o desenvolvimento deste e de todos os outros trabalhos. A todos vocês que fazem parte da minha vida, meu muito obrigado. Agradeço também a todos aqueles que estiveram direta ou indiretamente ligados ao meu desenvolvimento pessoal, profissional e espiritual, em especial a Januza Simplício, Glaubene Pereira e demais profissionais da Maternidade do Divino Amor, que sabiamente partilharam comigo momentos essenciais para a minha caminhada futura enquanto profissional, e também enquanto pessoa. Aos meus colegas de sala que partilharam comigo bons e maus momentos enquanto turma, por terem dividido as suas próprias dúvidas, as alegrias e as angústias, por saberem os momentos certos de ouvir, de calar, de apoiar, de criticar e principalmente mostrarem que estamos todxs em um único barco, enfrentando o mesmo processo, ainda que em caminhos diferentes; agradeço também por com isso, terem amenizado as longas horas que ficamos dentro do ambiente universitário, que por vezes se tornou desmotivante e pesaroso. Agradeço a Thaisa Ribeiro pelo carinho que sempre me demonstra, pelos momentos de conversa e atenção que foram imprescindíveis durante todo o tempo, e principalmente por ter sido a grande motivadora pela escolha desse tema; uma vez que ela me possibilitou a aproximação com o mesmo. A Instituição de Ensino (Universidade Federal do Rio Grande do Norte), seu corpo docente e demais profissionais, que oportunizaram esta conquista. A minha orientadora (Rosângela Alves), por todo suporte no pouco tempo que lhe coube, por toda a atenção, paciência, e confiança em mim; o que foi fundamental para a conclusão desse trabalho. Por fim, embora não menos importante, agradeço aos membros da Banca Examinadora (Rosângela Alves, Anna Luiza Liberato e Antoinette Madureira), que se prontificaram a fazer parte da finalização desse processo. “[...] Um país se faz pela educação Quem planta arma colhe corpo no chão[...] Quero diploma, jovens dignos sem algemas no pulso O moleque fumando pedra na madrugada Pode ser o juiz e a menina futura advogada Ou a professora da escola Que tenta dignificar nossa história Ô pátria amada idolatrada Incentivo, não à escola desqualificada Não quero ter que usar o meu talento Pra cravar meu ódio no peito de outro detento Não quero ver futuro jogador de bola No caixão com coroa de flor em memória[...] Respeite e terá um cidadão Desrespeite e o boy sente meu ódio sem compaixão Quem leva tiro dá tiro sem dó[...] Sem dor, sem pena não faz diferença Quem planta esquecimento colhe violência[...].” (Grupo Facção Central, Álbum Versos Sangrentos, Vidas em branco) RESUMO O presente trabalho tem como objetivo geral analisar se a ação do assistente social na execução das Medidas Socioeducativas de Semiliberdade e de Internamento contribui na defesa da garantia de direitos dos sujeitos a que se destinam. Buscando contribuir também com a discussão acerca do trabalho profissional da categoria nesse âmbito. Considerando as configurações atuais da sociedade e as prerrogativas do ECA e do SINASE, o assistente social encontra-se inserido em diversos campos de atuação, sendo a execução de medidas socioeducativas um de seus novos espaços interventivos. Nesse texto, o objeto analisado será a intervençãodos profissionais de Serviço Social no estado do RN que atuam diretamente com adolescentes em cumprimento das medidas em questão. Dessa forma, o texto vai abordar e discutir algumas informações sobre esta realidade. A busca em compreender como se efetiva o fazer profissional do assistente social na socioeducação, desvinculando-se da visão meramente simplista e fatalista do senso comum, atentando-se para a atuação profissional direcionada para defesa da garantia de direitos, levou a escolha do tema. Evidenciar que a profissão vem contribuindo na viabilização de direitos dos sujeitos atendidos pelas medidas sinaliza-se a relevância desse estudo. Assim conclui-se, dentre outras considerações, que a humanização no atendimento a adolescentes pode colaborar para a diminuição de reincidência dos mesmos à medida, além de contribuir para que eles compreendam que os referenciais institucionais podem garantir a cidadania e o seu desenvolvimento pleno. Os procedimentos metodológicos utilizados nesse trabalho convergem de revisões literárias e documentais acerca da temática abordada. Palavras chaves: Serviço Social. Medidas Socioeducativas de Semiliberdade e de Internamento. Rio Grande do Norte (RN). Garantia de Direitos. Criança e Adolescente. ABSTRACT The present work has as general objective to analyze if the action of the social worker in the execution of the Socio-educational Measures of Semiliberty and Internment contributes in the defense of the guarantee of the rights of the subjects to which they are destined. Seeking to contribute also to the discussion about the professional work of the category in this scope. Considering the present configurations of the society and the prerogatives of ECA and SINASE, the social worker is inserted in several fields of action, being the execution of socio-educational measures one of its new intervening spaces. In this text, the object analyzed will be the intervention of Social Service professionals in the state of the Rio Grande do Norte who work directly with adolescents in compliance with the measures in question. In this way, the text will address and discuss some information about this reality. The search for an understanding of how the professional work of the social worker in the socioeducation is effective, dissociating himself from the merely simplistic and fatalistic view of common sense, taking into account the professional action directed to the defense of the guarantee of rights, led to the choice of the theme. Evidence that the profession has contributed to the viability of the rights of the subjects served by the measures indicates the relevance of this study. Thus, it is concluded, among other considerations, that humanization in the care of adolescents can contribute to reduce recurrence of same to the measure, and contribute to their understanding that institutional references can guarantee citizenship and its full development. The methodological procedures used in this work converge from literary and documentary reviews on the subject. Keywords: Social Work. Socio-educational Measures of Semiliberty and Internment. Rio Grande do Norte (RN). Guarantee of Rights. Child and teenager. LISTA DE TABELAS TABELA 1 - Unidades Socioeducativas de atendimento as Medidas de Semiliberdade e de Internação no estado do RN. (Pag. 41) LISTA DE ABREVIATURAS CEDUC – Centro Educacional CIAD -Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente - acusado de Ato Infracional CNAS – Conselho Nacional de Assistência Social CPPE - Coordenadoria de Programas de Proteção Especial CRESS – Conselho Regional do Serviço Social ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente FUNABEM – Fundação Nacional do Bem Estar do Menor FUNDAC - Fundação Estadual da Criança e do Adolescente IEE – Internação em Estabelecimento Educacional IRS - Inserção em Regime de Semiliberdade PEP – Projeto Ético Político PIA – Plano Individual de Atendimento PNAS – Política Nacional de Assistência Social RN – Rio Grande do Norte SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SSO - Serviço Social SUAS – Sistema Único de Assistência Social UI – Unidade de Internação SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ................................................................................................ 14 2. AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE SEMILIBERDADE E DE INTERNAÇÃO NO CONTEXTO DA GARANTIA DE DIREITOS...........22 2.1. A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE NO CONTEXTO DA DEFESA DE DIREITOS.......................................................29 2.2. A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO NO CONTEXTO DA DEFESA DE DIREITOS EM DIÁLOGO COM A GARANTIA DE DIREITOS...........................................................................................................35 3. O SERVIÇO SOCIAL NA DEFESA DA GARANTIA DE DIREITOS DOS SUJEITOS ATENDIDOS PELAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE SEMILIBERDADE E DE INTERNAÇÃO.....................................................45 3.1. A ATUAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL JUNTO AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE SEMILIBERDADE E DE INTERNAÇÃO............52 3.2. A PRESENÇA DOS ASSISTENTES SOCIAIS NO CAMPO DE ATUAÇÃO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE SEMILIBERDADE E DE INTERNAÇÃO NO ESTADO DO RN........................................................64 3.3. A CONTRIBUIÇÃO DA PROFISSÃO PARA OS ADOLESCENTES EM CUMPRIMENTO DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE SEMILIBERDADE E DE INTERNAÇÃO........................................................65 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 68 5. REFERÊNCIAS ................................................................................................ 72 6. ANEXOS.............................................................................................................75 14 1.INTRODUÇÃO Antes de entrarmos efetivamente na discussão das medidas socioeducativas, é importante esclarecer que a reflexão aqui tomada acerca do adolescente autor de um ato infracional é enfatizada sob a perspectiva de garantia de direitos. Assim, temos que as medidas socioeducativas, concernente com as elucidações presentes no ECA e no SINASE, são ações de caráter fundamentalmente pedagógico, que visam compreender a resposta punitiva1 do Estado aos atos infracionais praticados por crianças e adolescentes, objetivando a promoção de sua reinserção na família e na comunidade, efetivando assim a inclusão social e, superando a condição de responsabilização do sujeito2. Nesta perspectiva, ainda que os adolescentes se encontrem sujeitos a todas as consequências dos seus atos infracionais, não são passíveis de “responsabilização penal”. Cabendo-lhes, nesses casos, as medidas socioeducativas, cujo objetivo é menos a punição e mais a tentativa de reinserção social, de fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários. Nesse âmbito pode-se dizer que o ECA é a Lei que concretizou a luta histórica pelo reconhecimento da criança e do adolescente como cidadãos, e, portanto, pessoas que por se encontrarem em condição particular de desenvolvimento3, necessitam de uma proteção integralizada e universal. Segundo Edson Seda(2000, p. 127): “o ECA se fundamenta em três princípios, sendo o da cidadania, o do bem comum e o da condição peculiar de desenvolvimento”. Além disso, o ECA surgiu objetivando mudanças na Política Nacional do Bem-Estar do “Menor” no Brasil; estabelecendo como diretrizes: a articulação das políticas básicas e das assistências e a execução de programas e serviços de proteção especial. 1 Crítica ao entendimento do Estado sobre o tratamento referenciado a adolescentes que se encontram em cumprimento de medidas socioeducativas. A esse respeito, ressalta-se que o ato infracional cometido pelo adolescente, entre 12 e 18 anos, é entendido como sendo a transgressão das normas estabelecidas, do dever jurídico, que em face das particularidades que os cercam, não pode se caracterizar enquanto crime. 2 Apesar de o objetivo continuar sendo o de responsabilização do sujeito, o foco dessa responsabilização se pauta na dimensão educativa e não mais na sancionatória. 3 Mesmo considerando o adolescente como pessoa na condição peculiar de desenvolvimento (Brasil, 1990), ao adotar medidas socioeducativas enquanto sanções – fruto da transgressão do dever jurídico –, o ECA acaba por fugir às armadilhas das concepções retribucionista e paternalista. No retribucionismo encontra-se a defesa do aumento da repressão na proporção da gravidade das infrações praticadas, na expectativa da prevenção do cometimento delas; o paternalismo, por seu turno, tende a isentar de culpa os adolescentes que as cometerem, naturalizando a prática do ato infracional. 15 Já o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), nas palavras de Oliveira & Sodré (2008, p.31) é composto por uma política pública destinada à inserção do adolescente que encontra-se em situação de conflito com a lei. Ainda sobre isso as autoras dizem que é no SINASE onde se processam as iniciativas dos distintos campos das políticas públicas e sociais; requerendo ações firmadas com a necessária restrição de direitos apurada por lei e aplicada por sentença e satisfação de direitos. Segundo Veronese & Lima (2009), em consonância com o que versa nos termos da Conanda (2006, p.23), o SINASE, portanto, é um instrumento composto por um “[...] conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo, que envolve desde o processo de apuração de ato infracional até a execução de medida socioeducativa”. Devendo ser compreendido como uma política social de inclusão do adolescente autor de ato infracional4. De forma que, mediante a infração cometida por um adolescente, a aplicação da medida socioeducativa é, acima de tudo, uma resposta formal do Estado a um ato infracional pelo qual o adolescente, após ser submetido ao devido processo legal, foi considerado não somente como “vítima” das causas sociais ou familiares, mas também como responsável por suas ações. O reconhecimento de que a obediência a regras mínimas é essencial para o convívio social requer a responsabilização do adolescente, quando ele desenvolve condutas transgressoras desses padrões. Considerá-los pessoas em desenvolvimento expressa tão somente a tutela especial a que têm direito, por lei, assim como a identidade peculiar desses sujeitos, não implicando a supressão da sua sujeição ao ordenamento jurídico. Muito embora não se questione a necessidade da obediência a um certo ordenamento jurídico, também não se perde de vista que tais regras são definidas por e a partir de um grupo social específico, aqui denominado dominante (burguesia), o qual constrói toda um emaranhado de relações sociais e uma subjetividade -ideológica- que, ao mesmo tempo em que é expressão dessa teia de relações, é também sua fonte de retroalimentação. Logo, há um padrão de referência de relação social, que serve para delimitar as fronteiras do que se considera transgressão das regras sociais. 4Ato infracional são comportamentos considerados, na visão social, impróprios e desrespeitos em relação aos contratos sociais estabelecidos e aos direitos de todas as pessoas da sociedade. 16 Consequentemente, segue-se um padrão de referência quando se pensa em ressocialização, ou seja, o padrão que se faz imponente é o padrão determinado pelo grupo social dominante, o padrão daquele grupo social específico. Consoante Volpi (2006), as medidas socioeducativas podem vir a ser qualificadas e aplicadas da seguinte maneira: a) As medidas sócio-educativas são aplicadas e operadas de acordo com as características da infração, por circunstâncias sócio-familiar e disponibilidade de programas e serviços em nível municipal, regional e estadual; b) As medidas sócio-educativas comportam uma espécie de natureza coercitiva, uma vez que são punitivas aos infratores, e aspectos educativos no sentido da proteção integral e oportunização, e do acesso à formação e informação [...].5 c) Os regimes sócio-educativos devem constituir-se em condição que garanta o acesso do adolescente à oportunidade de superação de sua condição de exclusão, bem como de acesso a formação dos valores positivos de participação na vida social; d) A operacionalização deve prever, obrigatoriamente, o envolvimento familiar e comunitário, mesmo no caso de privação de liberdade... e) Os programas sócio-educativos deverão utilizar-se do princípio da incompletude institucional, caracterizado pela utilização do máximo possível de serviço (saúde, educação, defesa jurídica, trabalho, profissionalização etc.) na comunidade, responsabilizando as políticas setoriais no atendimento aos adolescentes; f) Os programas sócio-educativos deverão, obrigatoriamente, prever a formação permanente dos trabalhadores, tanto funcionários quanto voluntários6; g) A denominação das unidades de aplicações da medida, dos adolescentes envolvidos e das demais formas de identificação das atividades a eles relacionadas deve respeitar o princípio da não–discriminação e não-estigmatização, evitando-se os rótulos que marcam os adolescentes e os expõem a situações vexatórias, impedindo-os de superar suas dificuldades na inclusão social. (VOLPI, 2006, p. 20-22). 5 Observa-se aqui que a dimensão/natureza coercitiva/punitiva ainda aparece em primeiro lugar. 6 Aqui está um grande desafio para o trabalho em rede; assim como também é desafio pensar no que é possibilitado ao adolescente que infringiu a lei, para que o mesmo consiga superar sua condição de exclusão. 17 Ainda de acordo com Volpi (2008) as medidas socioeducativas devem se constituir de forma que venham a garantir o acesso dos adolescentes infratores às oportunidades de superação de sua condição de exclusão, bem como de acesso à formação de valores positivos na vida social. Para os jovens com idades entre 12 e 18 anos (até 21 anos em casos excepcionais7), o ECA prevendo a alternativa de aplicação das medidas socioeducativas, visa a educação e ressocialização do jovem que por algum motivo veio a infringir a lei. Dessa maneira, a atitude punitiva é deixada de lado, uma vez que é levado em consideração o princípio de que o adolescente encontra-se ainda em período de formação, sujeita às intempéries sociais do ambiente onde esse adolescente se insere. Dentre as medidas socioeducativas que podem ser aplicadas aos adolescentes – citadas posteriormente - em situação de desacordo com a lei, estão presentes as medidas de semiliberdade e de internação. É importante destacar que é de competência do juiz da Infânciae da Juventude analisar cuidadosamente qual a capacidade do adolescente de cumprir a medida, traçando seu perfil psicológico, entendendo seu contexto social e também a gravidade do delito para proferir a sentença8. Cabendo ainda a cada Estado gerir e organizar os órgãos e instituições responsáveis pela aplicação efetiva das medidas. Assim, as medidas socioeducativas são, portanto, a forma instituída na legislação brasileira de responsabilizar o adolescente pelos atos infracionais por ele praticados, mas concomitantemente, oferecer condições para a reinserção social. O que indica - mesmo depois de 27 anos da promulgação do ECA - a persistência de um modelo de atendimento que, ao mesmo tempo em que remete ás ações desenvolvidas no Contexto dos Códigos de Menores, expressa a atualidade dos desafios a serem transpostos com vistas à efetivação, na prática, dos novos conceitos legais. Assim, de acordo com Bazílio (2003), a prática social com relação à infância e adolescência continua sendo marcada pela violência, negligência e incompetência na esfera pública. 7 Conforme estabelecido no ECA, no SINASE e no Plano Estadual para o Atendimento Socioeducativo, consideram-se casos excepcionais aqueles em que o adolescente cometeu o ato infracional antes de completar 18 anos de idade e o processo ao qual está submetido só foi julgado e determinada a internação depois que o adolescente completou a maioridade. Nesses termos, o jovem (com mais de 18 anos) será responsabilizado como adolescente, levando-se em consideração a idade do mesmo quando verificada a prática do ato infracional. 8 Aqui o juiz é quem concebe a sentença e o assistente social é o profissional que dá as prerrogativas da mesma. 18 Embora este trabalho verse sobre as medidas socioeducativas de semiliberdade e de internamento, é relevante destacar as demais medidas de responsabilização em face à prática de atos infracionais. Segundo determinação do art. 112 do ECA, as medidas socioeducativas em sua totalidade dividem-se em: Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – Advertência (AD); II - Obrigação de Reparar o Dano (ORD); III - Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); IV - Liberdade Assistida (LA); V - Inserção em Regime de Semiliberdade (IRS); VI - Internação em Estabelecimento Educacional (IEE); VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI. Em termos sucintos, e em consonância com os pressupostos do ECA, a medida de advertência implica, o adolescente comparecer ante a autoridade judicial e ser advertido por ela quanto a sua prática infracional; a medida de obrigação de reparar o dano significa que o adolescente deverá devolver, restituir, compensar a vítima; enquanto na prestação de serviços à comunidade, o adolescente vai realizar tarefas gratuitas de interesse da coletividade; na medida de liberdade assistida, o mesmo será orientado sistematicamente por profissionais, objetivando a reinserção familiar e comunitária saudável, acompanhando-se a escolarização e a possibilidade de profissionalização. A medida de semiliberdade visa conter o ato infracional por meio da privação de liberdade, mas ao mesmo tempo garantindo maior acompanhamento e participação da família. Já a medida de internação pode ser considerada a mais restritiva, visto que é a de privação completa de liberdade, ficando o adolescente afastado do convívio diário com sua família e a comunidade. Ainda de acordo com o ECA, a medida de internação só pode ser aplicada em caso de ato infracional grave, descumprimento de medida anterior ou quando o adolescente cometer o mesmo ato infracional diversas vezes. As medidas socioeducativas possuem particularidades diversas e, portanto, as estratégias de intervenção para o profissional de Serviço Social são também diferenciadas. A fim de entrar na reflexão sobre a atuação dos profissionais em Serviço Social junto aos adolescentes em cumprimento das Medidas Socioeducativas de Semiliberdade e de Internamento, é importante situar o trabalho profissional do Serviço Social como profissão historicamente ligada a intervenção na realidade social tendo-se 19 por essa razão, um amplo e diversificado leque de atuação para o Assistente Social, incluindo o campo Sócio Jurídico, que de maneira sutil será aqui abordado. Seguindo essa linha de raciocínio, de que a profissão foi chamada a intervir diretamente na realidade social, fica evidente que as ações profissionais do Serviço Social, devem se concretizar enquanto leitura dessa realidade vivenciada, indo além dela, superando a intervenção meramente simplista, fatalista e factual da realidade, construindo dessa maneira a sua práxis profissional – amparada em uma perspectiva crítica. É relevante salientar ainda, que o espaço de trabalho para o Assistente Social em relação a execução de medidas socioeducativas de semiliberdade e de internação -como propõe o trabalho em questão, se insere no âmbito de atuação estadual ficando as demais medidas socioeducativas comtempladas no âmbito municipal. O trabalho do Assistente Social na aplicação das medidas socioeducativas possui ampla discussão, embora não se encontre produções teóricas significativas acerca da mesma, o que nos leva a uma certa deficiência teórica sobre o tema, principalmente no que concerne a Medida Socioeducativa de Semiliberdade, ou seja, a medida de Inserção em Regime de Semiliberdade -IRS. Pensando nesta questão, o trabalho aqui desenvolvido analisa a temática tratada, contribuindo, ainda que minimamente, para uma possível referência textual sobre o assunto. É importante ponderar que a discussão do trabalho profissional do Assistente Social junto as medidas socioeducativas devem considerar os pressupostos presentes no Projeto Ético Político da profissão, que está orientado por princípios éticos relacionados a projetos societários (transformadores, emancipatórios), uma vez que envolve sujeitos individuais e coletivos, bem como, saberes teóricos e práticos. Por assim ser, não podemos separar o Projeto Ético Político da Profissão (PEP), do contexto social em que ele se insere e se articula com as políticas sociais existentes. É nesse âmbito que o Serviço Social procura estabelecer releituras críticas da própria intervenção – análise crítica da sua ação, voltando seu olhar para a historicidade, ou seja, levando sempre em consideração as raízes da questão social. No Brasil, o Serviço Social esteve desde o seu princípio atrelado diretamente ao sistema capitalista. Esse entendimento se faz necessário para que, considerando a raiz da Questão Social – dada a partir do conflito entre capital e trabalho, possamos enxergar que a problemática do adolescente em conflito com a lei é apenas mais uma das suas múltiplas expressões. Sendo assim, a realidade desses adolescentes é marcada por 20 diversos problemas sociais oriundos das desigualdades sociais e da concentração de renda, fruto do sistema vigente. Seguindo esse pensamento, podemos aferir que as mediações que permeiam a realidade dos adolescentes que cometeram ato infracional e a implementação das medidas socioeducativas são determinadas pelas contradições das relações socioeconômicas, políticas e culturais na sociedade capitalista em que estamos inseridos. Dessa forma, as grandes contradições entre as classes sociais contribuem para os elevados índices de vulnerabilidade e riscos sociais que atingem as famílias, em especial, os adolescentes e jovens, que em sua maioria são negros, pobres, que apresentam dificuldades deacesso à educação e a outras políticas sociais, etc. Nesse sentido, é importante ainda evidenciar que no Brasil, a profissão, em seu início, direcionava seu agir profissional hegemonicamente para ações que buscavam primordialmente apaziguar os efeitos ocasionados pelas relações sociais desiguais, não questionando o sistema capitalista - que produz e reproduz as desigualdades. Dessa maneira, o agir profissional, nos espaços financiados pelo Estado, era orientado pelo pressuposto de ação filantrópica, sendo a assistência social vista não como um direito cidadão, mas como benefício ofertado pelo Estado. Somente após o “Movimento de Reconceituação” é que se busca construir novas bases teórico-metodológicas para orientar o agir profissional do Serviço Social. Esse movimento se constituiu como um enorme desafio, uma vez que se tratava de um projeto de ruptura que questionava a base teórica da profissão e, implicava também na discussão de práticas profissionais características da profissão. É a partir desse momento que começa a aflorar as bases do agir profissional fundamentado em um novo Projeto Ético Político para a sociedade – como já fora mencionado anteriormente, ou seja, um projeto profissional em articulação direta com um novo projeto societário, a saber, um projeto emancipatório, que busca superar o projeto societário anterior, fundado no conservadorismo - que possui diretrizes nas ordenações católicas. Nesse sentido, é somente após esse momento de mudanças, que o Serviço Social passa a orientar sua intervenção voltada ao compromisso com a garantia de direitos e com a efetivação e ampliação desses. Assim, evidencio, mais uma vez, que a discussão proposta no decorrer desse texto será amplamente perpassada pelo compromisso histórico da profissão com a garantia de direito dos cidadãos, na sociedade capitalista. 21 Tendo levantado essas considerações iniciais é importante relembrarmos a temática desse trabalho, a saber: a atuação dos profissionais em Serviço Social junto a adolescentes em cumprimento das medidas socioeducativas de semiliberdade e de internamento. Nesse, o objeto analisado será a intervenção dos profissionais de Serviço Social no estado do Rio Grande do Norte que atuam com adolescentes que se encontram cumprindo as medidas socioeducativas em questão. O objetivo geral, por sua vez será analisar o trabalho do Assistente Social na aplicação das medidas socioeducativas de IRS e de Internação em Estabelecimento Educacional (IEE). Os objetivos específicos estão assim definidos: mapear a presença (quantitativa) dos assistentes sociais no campo de atuação dessas medidas, no estado do RN; demonstrar a atuação desses profissionais junto aos adolescentes que se encontram cumprindo as medidas de semiliberdade e de internamento e; contribuir para a construção do conhecimento sobre a temática. Os procedimentos metodológicos utilizados nesse trabalho convergem de revisões literárias e documental acerca do tema. Este Trabalho Monográfico está organizado da seguinte forma: introdução, capítulo 1, capítulo 2 e considerações finais. Para dar continuidade ao debate posto, traremos no primeiro capítulo, o debate sobre as medidas socioeducativas de semiliberdade e de internação no contexto da garantia de direitos, bem como, a presença/atuação (quantitativa) das unidades executoras dessas medidas no estado do Rio Grande do Norte. Nesse capítulo será abordado as medidas em questão, demostrando que elas devem se constituir de forma que venham a garantir o acesso dos adolescentes “infratores” às oportunidades de superação de sua condição de exclusão, bem como acesso à formação de valores positivos na vida social dos mesmos. No segundo capítulo, será abordado o debate sobre o Serviço Social na defesa da garantia de direitos dos sujeitos destinados pelas medidas em questão, enfatizando que o assistente social deve buscar imprimir no cotidiano de atendimento aos adolescentes em conflito com a lei, o resgate da cidadania, o reforço da autoestima, bem como as perspectivas de valorização, desenvolvendo nesses adolescentes o senso de autonomia e de responsabilidade. Nesse capitulo trataremos também sobre a atuação do Serviço Social junto as medidas de IRS e de IEE, além de demonstramos quantitativamente a presença desses profissionais no estado do RN. Para concluir, algumas considerações finais dento do alcance da pesquisa. 22 2.AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS DE SEMILIBERDADE E DE INTERNAÇÃO NO CONTEXTO DA GARANTIA DE DIREITOS Para fins desse trabalho se faz necessário realizar uma breve contextualização acerca do atendimento direcionado a criança e ao adolescente no Brasil - e de modo especifico, no estado do Rio Grande do Norte. Nesse sentido, será feito um recorte analítico do assunto a partir da década de 1950, adentrando até os dias atuais. Assim, observaremos as mudanças nas legislações, assim como os avanços e limites para a garantia de direitos à criança e adolescentes. A cerca do tratamento direcionado às crianças e adolescentes autores de ato infracional (chamadas de “menores”, “delinquentes”, “meninos socialmente desajustados”), no período de regimento do Código de Menores Mello Mattos, já funcionava no estado do RN, em cooperação de modo regular e permanente o Juizado de Menores, o Departamento Estadual da Criança que dava “assistência” ao público infanto-juvenil9, conforme versa o Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONSECO) do Governo do Estado do Rio Grande do Norte. Esse Departamento era diretamente subordinado à Secretaria de Estado da Saúde e Assistência Social, cabendo-lhe a orientação e coordenação das atividades estaduais voltadas à proteção e assistência à maternidade, à infância e à adolescência. Tinha entre outras competências, a incumbência de reorganizar, superintender, fiscalizar e manter os serviços que já existiam, sendo eles: Abrigo Juiz Melo Matos, Casa de Menores Mário Negócio e Instituto Padre João Maria. Onde os dois primeiros eram destinados ao público masculino e o último, ao público feminino. Ainda de acordo com o CONSECO, outra instituição que atuava na mesma linha de ação, era o Instituto Estevam Machado - fundado em 04 de julho de 1954, pertencente a Pastoral da Ação Social da Arquidiocese de Natal cujo objetivo era assistir “menores” “vadios ou delinquentes” que existiam na Cidade de Natal. Essa instituição tinha capacidade para atender no máximo 20 adolescentes, e nela poucas eram as atividades ocupacionais desenvolvidas. Em 1970, a instituição passou a receber apoio financeiro da FUNABEM (Fundação Nacional do Bem Estar do Menor) e do Estado. Já no ano de 1973, dia 13 de dezembro, o Governo do Estado (RN) criou 9 Criado e regulamentado pelo Decreto nº 2.977, de 15 de fevereiro de 1957. 23 através da Lei nº 4.306 a FUNBERN – Fundação do Bem-Estar Social do Rio Grande do Norte, vinculando-a a Secretaria de Estado de Educação e Cultura. A essa Fundação foram incorporadas competências, atribuições e patrimônio do Departamento de Serviço Social do Estado – DSSE. A FUNBERN, além de suas diretrizes próprias, seguia as normas gerais formuladas pela FUNABEM; dessa forma uma de suas atribuições era promover a internação de “menores”, e como consequência a isso tinha como competência manter as seguintes instituições assistenciais: Instituto Padre João Maria, Instituto Estevam Machado, Instituto Dom Manoel Tavares, Abrigo Juvino Barreto, Casa de Menores “Mário Negócio”, e o Centro de Recepção e Triagem – CRT. Em 1975, esta fundação ganhou um novo estatuto e passoua ser vinculada à Secretaria de Estado do Trabalho e Bem Estar Social. Em 1979 o Governo do Estado do RN, instituiu a Fundação Estadual de Bem Estar do Menor – FEBEM - em substituição a FUNBERN, extinta conforme artigo 3º do decreto nº 7.819 de 29 de janeiro de 1980. A nova FEBEM permaneceu vinculada à Secretaria de Trabalho e Bem Estar Social, seguindo, em regra geral, as normas formuladas pela FUNABEM. Entre outras competências promovia, de acordo com o CONSECO, assistência a “menores” em unidades de Internatos e de guarda. A mesma criou vários programas de atendimento as crianças e adolescentes, inclusive a implantação de creches espalhadas em grande parte dos municípios do estado. O Instituto Estevam Machado foi extinto e, no seu lugar, foi criado o Centro de Reeducação do Menor (CRM), conhecido como Colônia Agrícola, localizado na área rural do município de Parnamirim – Vale do Pitimbú. Ainda neste contexto também foram criadas entre outras unidades o Núcleo Educacional Agrícola – NEA e o Centro de Profissionalização do Menor. Estas instituições refletiam a materialização de um paradigma dominante naquele período, referente ao tratamento destinado à criança e ao adolescente autor de ato infracional difundindo-se a partir de práticas repressivas, punitivas e assistencialistas, pautadas no código de menores, tendo como base a doutrina da situação irregular. Permanecia a utilização da categoria “situação “irregular”, como também das categorias “carentes”, “abandonados”, “inadaptados” e “infratores”. Em âmbito nacional, constata-se na década de 1980 um período de efervescência política, no qual as Organizações Não Governamentais (ONGs) e os movimentos 24 sociais realizaram diversas mobilizações junto à sociedade civil clamando pela defesa da democratização e reivindicando direitos sociais e trabalhistas, assim como os direitos das crianças e adolescentes. Nesse processo de articulação entre entidades governamentais e não governamentais destaca-se a criação do Fórum Nacional Permanente de Entidades Não-Governamentais de defesa dos direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA) em 1988. O mesmo objetivava, consoante SILVA (1997), desenvolver ações de combate a violência às crianças e adolescentes em articulações com outras entidades; e organizar a participação das ONGs nos lobbies da Assembléia Constituinte com a finalidade de influenciar a legislação que seria criada. Além disso, pode-se aferir ainda, conforme a mesma autora, a importância de outros movimentos, como é exemplo o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, que envolveu a participação de crianças, adolescentes e educadores no processo de mobilização, desenvolvendo desse modo, um papel fundamental nas discussões acerca do novo ordenamento legal. Vale mencionar também que a luta pela extinção do código menorista no Brasil recebeu grande influência dos organismos internacionais em prol dos direitos das crianças e adolescentes. Em 1990 é promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90) revogando-se o Código de 1979. Com a Promulgação do ECA, a categoria “menor” passa a ser substituída pelos termos criança e adolescente - na tentativa de extinção de toda a carga pejorativa de preconceito que havia anteriormente. Além disso, é nesse mesmo viés que se adota a concepção de cidadania no tratamento direcionado a crianças e adolescentes, considerados agora, por lei, como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e sujeitos de direito. A partir desse novo paradigma legal, várias mudanças ocorreram; entre as quais a noção de necessidade passou a ser reconhecida como noção de direitos. Para assegurar os direitos aos quais se propõe esta legislação, ela prevê a formulação de políticas sociais a partir da articulação dos organismos governamentais e não governamentais, a descentralização política para esboçar as políticas sociais direcionadas a este segmento, além de atribuir novos papéis ao Ministério Público, a Defensoria Pública e a Justiça da Infância e da Juventude. Nesse contexto também são criados os Conselhos de Direito e os Conselhos Tutelares. (SALES; ALENCAR 1997, s.p). Assim, com o advento da Doutrina de Proteção integral das Nações Unidas, a população Infantojuvenil, passa a ser visualizada como sujeito de direitos e deveres, conforme preconizado no ECA. Neste contexto a Fundação Estadual do Bem-Estar do 25 Menor –FEBEM/RN, teve sua composição alterada pela Lei nº 6.682 de 11 de Agosto de 1994, que criou a FUNDAC/RN, regida por seu estatuto, gozando de autonomia administrativa, financeira e patrimonial. Foi portanto, com o fortalecimento dos movimentos sociais e a também significativa resistência à antiga concepção da “doutrina do menor em situação irregular”, também denominada de Código de Menores10 - promulgado em 1979, que passou-se a se consolidar uma caminhada histórica rumo à doutrina de proteção integral à criança, consagrada no art. 22711 da Constituição Federal de 1988. Era o início de um complexo processo de transição que resultaria na superação do direito do menor pelo direito da criança e do adolescente. Assim, somente após a consagração da doutrina de proteção integral à criança, foi que crianças e adolescentes passaram a deter todos os direitos que até então eram pertencentes exclusivamente aos adultos. Além desses direitos, as crianças e adolescentes passaram também a deter de direitos especiais, decorrentes da condição peculiar de pessoas em desenvolvimento, deixando assim de serem vítimas da sociedade e se tornando protagonistas de direitos. Dessa forma, como já fora anteriormente citado, o Estatuto da Criança e do Adolescente, instituído pela Lei Federal nº 8069/90 de 13 de julho de 1990, revogou o Código de Menores de 197912 – que incorpora a nova concepção assistencialista à população infanto-juvenil - e o FUNABEM13, trazendo consigo todos os direitos da criança e do adolescente, adotando, em seu 1º artigo, a Doutrina de Proteção Integral. Já em 18 de janeiro de 2012, foi sancionada a Lei 12.594/2012, que instituiu o SINASE, cujo principal objetivo é regulamentar a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescentes que pratiquem ato infracional. 10 Segundo Veronese e Custódio (2011, p.26) “[...] caracterizou-se pela imposição de um modelo que submetia a criança à condição de incapaz, que vigorava uma prática não participativa, autoritária e repressiva representada pela centralização das políticas públicas” 11 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010) 12 Vale lembrar que anteriormente ao Código de Menores de 1979, já havia sido promulgado em 1927 um outro Código de menores, conhecido como Código Mello Mattos, que considerava a “Doutrina de Direito do Menor”. O Código de 1927 é considerado o primeiro documento legal para a população com idade inferior a 18 anos. 13 A FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, Lei nº 4.513 de 1º de dezembro de 1964, é o órgão normativo que tem a finalidade de criar e implementar a política nacional do chamado “Bem- Estar” do Menor, através da elaboração de “diretrizes políticas e técnicas”. 26 Dentre as previsões Legais presentesno SINASE encontra-se o PIA – Plano Individual de Atendimento. O PIA é um instrumento que norteia as ações a serem realizadas para viabilizar a proteção integral, a reinserção familiar e comunitária e a autonomia de crianças e adolescentes afastados dos cuidados parentais e sob proteção de serviços de acolhimento. É uma estratégia de planejamento que, a partir do estudo aprofundado de cada caso, compreende a singularidade dos sujeitos e organiza as ações e atividades a serem desenvolvidas com a criança/adolescente e sua família durante o período de acolhimento. Assim, ao contextualizar e considerar a história de vida da criança ou adolescente acolhido, o PIA examina as razões pelas quais a medida de proteção de acolhimento foi indicada para aquele caso e como ela poderá ser efetiva para resgatar os direitos violados, proporcionar superação e desenvolvimento integral e preparar a reinserção familiar e comunitária. A respeito do PIA, o SINASE institui em seu capitulo IV – Do Plano Individual de Atendimento, art. 52 a seguinte proposição: Art. 52. O cumprimento das medidas socioeducativas, em regime de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade ou internação, dependerá de Plano Individual de Atendimento (PIA), instrumento de previsão, registro e gestão das atividades a serem desenvolvidas com o adolescente. “A ação socioeducativa deve respeitar as fases de desenvolvimento integral do adolescente levando em consideração suas potencialidades, sua subjetividade, suas capacidades e suas limitações, garantindo a articularização no seu acompanhamento. Portanto, o Plano Individual de Atendimento (PIA) é um instrumento pedagógico fundamental para garantir a equidade no processo socioeducativo”. (SINASE, 2012) É, portanto, dentro desse contexto, que o ECA coloca as medidas socioeducativas de semiliberdade e de internação como sendo medidas restritivas e privativas de liberdade, reconhecendo assim, a possibilidade de privação provisória de liberdade ao adolescente infrator, lhes oferecendo, de acordo com a gravidade de sua infração, alternativas de responsabilização. Considera-se relevante esclarecer que a elaboração do plano Individual de Atendimento é de responsabilidade da equipe técnica da unidade de atendimento, tomando por base a participação do adolescente e do seu grupo familiar, bem como os relatórios e pareceres das equipes técnicas de todos os órgãos públicos, programas e entidades que lhes presta atendimento e/ou orientação. O seu objetivo é o de garantir a compreensão de cada adolescente enquanto pessoa, revestido de uma singularidade 27 particular, que tem um plano construído com ele e para ele. Todas as esferas envolvidas no atendimento ao adolescente (judicial, administrativa, pedagógica, de saúde, segurança, família e comunidade) devem respeitar sempre a ideia de que cada um desses adolescentes é único, tal como será o desenvolvimento de seu processo socioeducativo. O Plano Individual de Atendimento, além de ser apropriado a cada um, deve ser personalizado. Portanto ele é definido como o plano de trabalho que dá instrumentalidade para o desenvolvimento pessoal e social do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa, respeitando a visão global e plena do ser humano e da educação. Nesse sentido, o PIA pode ser construído como um plano de estratégias e ações a serem desenvolvidas, segundo diretrizes fixadas por eixos de garantia de direitos fundamentais (educação, saúde, convivência familiar e comunitária e outros previstos pelo ECA). Ele parte da avaliação técnica interprofissional criteriosa e busca trabalhar sobre a singularidade no coletivo. O PIA com as metas, a pactuação, o compromisso do adolescente e do(s) responsável(is), e o relatório da equipe interdisciplinar será encaminhado ao Judiciário no prazo de 45 dias a partir da entrada do adolescente na unidade de internação ou semiliberdade. É imprescindível a articulação do PIA do adolescente com seu relatório interdisciplinar, o qual deve apresentar consonância com a avaliação do desempenho escolar e o PIA. Para tanto, o PIA possui duas dimensões complementares: 1. Uma dimensão avaliativa interdisciplinar que apura a realidade e as necessidades específicas da criança, adolescente e sua respectiva família. 2. Uma dimensão de planejamento operativo que reúne estratégias de cuidado, apoio e educação para planejar as ações e atividades de atendimento que deverão ser desenvolvidas durante a rotina coletiva e individual de forma a superar a vulnerabilidade e proporcionar a vida fora do serviço de acolhimento. A responsabilidade que cabe ao sujeito na construção de um projeto de vida é relativizada pela sua peculiar inserção nos grupos e classes sociais. Logo, muito embora seja de fato na e pela ação educativa que se dá a feitura do projeto individual, toda ação educativa revela-se parcial, e, portanto, condicionada. Acredita-se que investigar o caráter educativo das medidas aplicadas ao adolescente infrator das regras sociais requer ter claro que o ato educativo, para quem com ele lida, pressupõe um conceito, uma ideia, uma expectativa em relação ao perfil que assumirá o educando que deseja formar através de um processo qualquer; em 28 relação à sociedade na qual esse processo formativo se dá e esse adolescente irá viver; e à forma como esse adolescente irá se relacionar com os demais nessa sociedade, muito em face de tal processo. Sobre a ação educativa presente nas medidas em questão, Alice Itani (1998) relata: É fato que a educação surge como uma necessidade da civilização para o processo de socialização. Por esse processo, os indivíduos são instituídos com a imposição da lei social à psique, tornando-se humanos. Ou com um conteúdo que podemos considerar de natureza humana. Essa ação educativa socializa, impõe regras de vivência coletiva, é realizada pelas diversas instâncias da sociedade, desde a família até a escola, imprimindo-se o valor da vida como um valor constitutivo do ser humano. Mas por essa ação pode- se também reproduzir a desigualdade e se instalar o rompimento com uma ética da vida. (ITANI, 1998, p. 38). Dada a orgânica relação entre educação e sociedade, que torna o processo educativo parcial e relativo, não há certeza de que tal processo cumpra as expectativas em termos do adolescente que se espera, uma vez que seu resultado é um sujeito fruto de uma dinâmica que, em muito, extrapola esse processo. O mais que se pode esperar é que, dadas certas condições de trabalho, de relações, de vida, enfim, no interior das instituições, o adolescente na posição de educando assuma uma específica postura de respeito frente à sua vida e à vida dos demais. Do ponto de vista do tratamento emprestado pelo ECA à questão do adolescente em conflito com a lei faz-se necessário esclarecer que, enquanto sanção, a medida não se caracteriza como pena, ou seja, muito embora se assemelhe à pena ao considerar o princípio da personalidade na sua aplicação – apenas o autor do crime responde por ele –, ser decorrência de lei e visar à ordem pública, as medidas se diferem em aspectos essenciais. E se diferem porque, primeiro, se a aplicação da pena, do castigo, busca estabelecer uma relação entre o ato cometido e o rigor da punição, a aplicação da medida deve buscar uma maior individualização, no sentido da sua adequação à história de cada adolescente em particular, ao invés de adequar-se apenas à infração cometida. Em segundo lugar, se diferem quanto à finalidade imediata de uma e de outra. Com a pena, busca-se causar sofrimento ao transgressor, puni-lo por meio da privação dedireitos. Com a medida sócio-educativa, por outro lado, é a ação pedagógica sistematizada que é visada, mesmo quando se trata de medida de privação de liberdade. 29 A respeito da relação existente entre ação pedagógica e privação de liberdade, é importante considerar o debate que é incitado a partir da compreensão de que há uma contradição entre essas duas ações. Conforme apontado por Bazílio (2003, p.46) “como é possível pensar em processo educacional em estabelecimentos cujo objetivo é precisamente a tutela, o controle dos tempos e corpos?”. Poderiam ser, esses estabelecimentos socioeducativos, adaptados em sua estrutura física e em relação à capacitação do pessoal técnico-administrativo de forma que, mesmo com a “ restrição ou privação da liberdade”, eles pudessem cumprir o caráter educativo das medidas? Assim, o duplo caráter das medidas – punição/reparo e criação de condições para a não reincidência desses adolescentes aos atos infracionais por eles cometidos – em princípio, teria por finalidade operar um reordenamento dos valores e padrões de conduta do sujeito que por algum motivo veio a “transgredir” a lei. Além de possibilitar uma ressignificação dos seus padrões de socialização, de modo que os “novos modelos” primem pela consideração da integridade da vida e da preservação do patrimônio14. Neste sentido, em última instância, denominar de socioeducativa uma medida que foi aplicada em face da transgressão do ordenamento jurídico significa atribuir-lhe – princípio e condição – a possibilidade de operar, no sujeito, mudanças que necessariamente impliquem na consciência de que a integridade da vida deve ser mantida, assim como preservado o patrimônio. Feito as considerações e críticas iniciais, é importante lembrar que dentre as medidas de privação de liberdade, a mais grave (IEE) impõe o internamento do adolescente, sem atividade externas. Passaremos agora a discorrer com mais detalhes sobre essas duas medidas -Semiliberdade e Internação. 2.1. A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE NO CONTEXTO DA DEFESA DE DIREITOS A respeito do regime de semiliberdade (IRS)15, temos que é a medida socioeducativa imposta, mediante sentença, a adolescentes em conflito com a lei, 14 É importante se fazer evidenciar, que a perspectiva que assume a ação ético-formativa no nosso modelo de sociedade capitalista reflete a contradição inerente a ela, ao apontar na direção do trinômio Estado, família e propriedade privada. 15 O art. 120 prevê a Inserção no Regime de Semiliberdade, ou melhor, dois regimes de semiliberdade: o que é determinado desde o começo, e o que representa a mudança para o meio aberto. No primeiro tipo, semiliberdade propriamente dita, o adolescente passará da instituição para a liberdade. No segundo tipo, 30 pela Vara da Infância e da juventude e acompanhada pela Vara de Execução de Medidas Socioeducativas em respeito à dignidade e condição da pessoa humana em situação peculiar de desenvolvimento. Nesse regime são trabalhados aspectos psicossociais, tanto vocacionais, de inserção dos sujeitos à escolarização, profissionalização e mercado de trabalho, assim como outras políticas públicas, pautadas na busca do exercício da autonomia relativa do sujeito. Por isso, pode-se dizer que possuem o caráter essencialmente “extramuros”, indo além do espaço físico oferecido pelas unidades que atendem a esse tipo especifico de medida. A medida socioeducativa da semiliberdade está prevista no Art. 120 do ECA e estabelece que ela pode ser determinada, desde o início ou constituir uma forma de transição para o regime aberto. Trata-se, na verdade, de um modelo similar ao regime semiaberto destinado aos imputáveis, os quais, normalmente, exercem atividades escolares e profissionalizantes externas sob a supervisão do responsável pela Colônia agrícola, industrial ou similar e retornam para o pernoite, permanecendo, também, nos domingos e feriados no estabelecimento do regime semiaberto. [...] A semiliberdade é uma alternativa ao regime de internamento, que priva, parcialmente, a liberdade do adolescente, colocando-o em contato com a comunidade. O SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – que define os princípios e parâmetros da ação e gestão pedagógicas das Medidas Socioeducativas configura a semiliberdade como uma medida restritiva de liberdade que admite a coexistência do adolescente com o meio externo e institucional, estabelecendo a obrigatoriedade da escolarização e atividades profissionalizantes, numa interação constante entre a entidade responsável pela aplicação da medida de semiliberdade e a comunidade, utilizando-se, preferencialmente, recursos da própria comunidade. Com efeito, a medida da semiliberdade avulta de importância, pois contribui para o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, bem como estimula o desenvolvimento do senso de responsabilidade pessoal do adolescente. A sua principal característica e que a difere do sistema de internamento é que admite a existência de atividades externas e a vigilância é a mínima possível, não havendo aparato físico para evitar a fuga, pois a medida funda-se, precipuamente, no senso de responsabilidade do adolescente e sua aptidão para ser reinserido na comunidade. (BANDEIRA, s.d., p.1) Como é possível perceber na fala de Bandeira, o regime de semiliberdade, por não se constituir em um regime total de privação de liberdade, deve ser executado em unidades onde a “vigilância técnica e humana” devem ser a mínima possível, existindo apenas para manter a “segurança da unidade”, no sentido de preservação da vida de todos os que se encontram ali presentes, tanto dos profissionais como dos educandos. (Portanto, não se trata de proteger os profissionais dos adolescentes que estão que é o semi-internato, o adolescente passa da liberdade para a instituição, onde deve passar o dia trabalhando fora da instituição e regressando ao estabelecimento apenas à noite. O emprego da medida de regime de semiliberdade deve ser acompanhado de escolarização e profissionalização obrigatórias. 31 cumprindo a medida, e vice versa, mas proteger os profissionais e os educandos de um possível conflito entre eles e a comunidade/sociedade). Nessa medida socioeducativa -Semiliberdade, os jovens são diariamente acompanhados pela equipe inter e multidisciplinar de cada unidade para a elaboração de estudos de caso em conjunto com o adolescente e sua família para pensar/refletir sobre a medida. A respeito da convivência dos adolescentes em comunidade, a Secretária de Estado de Políticas para Crianças, adolescentes e Juventude do Governo de Brasília afirma: Conforme prevê a lei, a convivência dos adolescentes em comunidade estimulada pelos profissionais da área da Psicologia, Pedagogia, Serviço Social, Atendentes de Reintegração Social e os Técnicos Administrativos com a participação da sociedade civil organizada, preferencialmente onde o jovem criou vínculos, e familiares, é de fundamental importância tanto de inserção, quanto nos esforços possíveis de fortalecimento dos vínculos familiares e superação das suas vulnerabilidades biopsicosocioculturais. (Secretaria de Estado de Políticas para Crianças, Adolescentes e Juventude, 2017, p.2) A realização de atividades externas, nesse contexto, se configura a própria essência do regime de Semiliberdade, como já fora dito, sendo aescolarização e a profissionalização, atividades centrais que devem ser evidenciadas no discurso do convencimento em sentido a incitar o jovem voltar/passar a frequentar estes espaços, como forma de transformação da sua realidade social16. Desse modo, o apoio e a inclusão no mercado de trabalho mostram-se como uma importante estratégia de intervenção na execução da medida e “desconstrução da ideologia capitalista”. Tendo em vista que o adolescente passa a vislumbrar possibilidades de superação da condição que contribuiu para seu ingresso no sistema socioeducativo, logo o trabalho adquire um caráter pedagógico de transformação na vida do adolescente e, consequentemente, dos seus familiares. 16 É importante evidenciar que ao incitar o adolescente a frequentar esses espaços, a medida adquire não só um caráter educativo (como deveria), mas também um caráter de ajustamento, uma vez que está diretamente associada ao fato do adolescente passar a respeitar as regras socialmente estabelecidas, e aqui está o paradoxo da questão, pois ao convencer o adolescente a frequentar esses espaços não é considerado a real necessidade desse adolescente, mas sim o simples fato de se está cumprindo uma das prerrogativas das medidas. 32 A Medida de Semiliberdade, conforme enfatiza a Secretaria de Estado de políticas para crianças, adolescentes e Juventude do Governo do Distrito Federal17 (2013), tem norte a partir dos seguintes objetivos: • Garantir ao socioeducando convivência em um ambiente educativo, no qual possa expressar-se, vivenciar relações comunitárias e, também, participar de atividades em grupos18; • Colaborar para a integração do adolescente e seus familiares através das redes comunitárias; • Estimular o socioeducando a respeitar às normas sociais e aos outros19; • Proporcionar ao socioeducando condições para o convívio social pleno e oportunizar o acesso à rede de serviços e programas sociais; • Resgatar e fortalecer os vínculos familiares e comunitários dos adolescentes, por meio da participação destes, como atores principais no palco socioeducativo, em atividades do programa, e, do acompanhamento familiar no momento em que os adolescentes passam os finais de semana em suas residências; • Trabalhar, junto ao adolescente, aspectos que o faça refletir quanto a responsabilização pelo ato infracional e a importância de se manterem afastados20 destes lugares que contribuíram de certa forma para a prática de ilicitudes. • Trabalhar o exercício da autonomia e a construção de um projeto de vida afastado da prática de atos infracionais. • [...]. Sob essa conjuntura, as unidades executoras da medida socioeducativa de semiliberdade se organizam em equipes multidisciplinares e interdisciplinares no sentido de garantir que esses objetivos sejam concretizados, levando em consideração, 17Governo do Distrito Federal. Projeto Político Pedagógico das Medidas Socioeducativas no DF Semiliberdade. Brasília; 2013. P.57. 18 Embora seja importante vivenciar as relações comunitárias, a aceitação desses jovens na comunidade, de maneira geral, se constitui em um enorme desafio. Outro grande desafio encontrado no contexto das medidas socioeducativas versa sobre a continuidade desses adolescentes – que por algum motivo infringiu a lei - na unidade de execução da medida. 19 Esse objetivo se revela, ainda, em conformidade com os moldes presentes no Código de Menor de 1979, baseado na Doutrina de Situação Irregular atribuída ao adolescente, retomando por sua vez, a perspectiva de controle social, de integração e adaptação as normas sociais, ou seja, o mesmo visa o ajustamento social dos adolescentes que estão cumprindo as medidas socioeducativas. 20 Esse objetivo, manifesta a reiteração de desigualdades, principalmente social, uma vez que ao afastar os jovens dos locais por eles frequentados, acaba oprimindo-os da mesma forma. 33 as particularidades dos adolescentes e seus familiares, o ambiente sóciocomunitário em que a unidade está inserida, bem como, as potencialidades de desenvolvimento do atendimento e das articulações institucionais. Para tanto, as equipes articulam e executam ações nas áreas de educação, saúde, assistência social, esporte, cultura e lazer, profissionalização e trabalho; conforme preconiza o ECA, velando pelo cumprimento do art. 35 da Lei 12.594, que institui o SINASE, onde prevê os princípios norteadores da execução das medidas socioeducativas. Sobre o PIA, no regime de semiliberdade temos: Nos mesmos moldes da Liberdade Assistida, é também elaborado um Plano Individual de Atendimento do adolescente que, também, será cumprido através das fases já mencionadas, entretanto, na semiliberdade o adolescente acaba ficando mais tempo na instituição, ou seja, [...], ele realiza refeições e dorme na fundação, embora durante o dia, seja colocado em oficinas e atividades escolares, podendo nos finais de semana e feriados permanecer com os seus familiares, o que não ocorre com a liberdade assistida, já que o adolescente só comparece à instituição nos dias determinados para o atendimento. Com efeito, a semiliberdade implica institucionalização, pois é uma medida restritiva de liberdade, tanto que não pode, assim como a internação, ser objeto de remissão, nos termos do Art. 127 do ECA, só podendo ser imposta, mediante o devido processo legal, no qual sejam assegurados ao adolescente o direito à ampla defesa e o princípio do contraditório. (BANDEIRA, s.d., p. 1 – 2) Desse modo fica evidenciado que a medida de semiliberdade, como bem fora colocado na fala de Bandeira, trata-se de uma medida restritiva de liberdade, e não de privação total dela, uma vez que o adolescente mesmo cumprindo a medida, não fica obrigado a se restringir ao espaço físico da unidade executora. A respeito do tempo de duração e o período de cumprimento da medida: A semiliberdade não poderá exceder a três anos, conforme preceitua o disposto no § 2º do Art. 120 c/c o § 3º do Art. 121, todos do ECA. O adolescente, durante o período do cumprimento máximo da medida fixado pelo juiz, deverá se submeter a avaliações periódicas levadas a efeito pela equipe interdisciplinar, realizadas, no máximo, a cada seis meses, podendo, inclusive, sugerir a progressão para o cumprimento em meio aberto, ou seja, liberdade assistida ou prestação de serviços à comunidade, respeitado o limite máximo previsto na lei, ou mesmo, o seu desligamento definitivo do programa de atendimento, por ter cumprido, satisfatoriamente, todas as fases e já se encontrar apto para conviver, pacificamente, na sociedade e exercer plenamente a sua cidadania. (BANDEIRA, s. d., p. 2) A medida socioeducativa de semiliberdade pode ser dada como resposta a qualquer ato de infração cometido pelo adolescente, sobretudo aqueles análogos aos crimes de médio e alto potencial ofensivo, como lesões corporais graves, homicídio, estupro, roubos, entre outros; desde que sejam levadas em conta as circunstâncias, a 34 acuidade e as condições pessoais do adolescente; e desde que seja a medida mais adequada para o caso. Vale lembrar, que por se tratar de uma medida restritiva de liberdade, não se pode deixar de observar as direções constitucionais de brevidade e excepcionalidade da medida, e a necessidade de trabalhar a reintegração do adolescente “infrator” ao seu meio social. Numa visão constitucional21 Martha Toledo Machado diz: Outros dois direitos fundamentais especiais de crianças e adolescentes relacionados com a prática decrime reconhecidos na Constituição Federal são a excepcionalidade e a brevidade na privação da liberdade, como assegurado no inciso V do parágrafo 3º do art. 227. (MACHADO, 2003, p.343) A excepcionalidade e a brevidade da medida de semiliberdade são normas de garantias previstas na Constituição e asseguradoras do princípio reitor da dignidade humana. Sendo assim, diante de atos infracionais graves, deve-se procurar a aplicação de uma medida mais afável, de preferência, que seja cumprida em meio aberto, só então, excepcionalmente, quando as circunstâncias e condições pessoais do adolescente, assim, não indicarem, é que se deverá pensar na aplicação de uma medida restritiva ou privativa de liberdade (semiliberdade ou internação). Dessa forma, a simples gravidade do ato infracional não constitui motivo por si só para aplicação da medida de semiliberdade. A motivação para o cumprimento dessa medida, deve basear-se em outras circunstâncias e no fato do adolescente não possuir as condições mínimas para cumprimento de outra medida em meio aberto. Assim coloca Marcos Antônio, Juiz da Infância e da Juventude da Comarca de Itabuna: Entende-se que é, perfeitamente, cabível a aplicação da semiliberdade provisória pelo prazo máximo de 45 dias, nos moldes do que é, expressamente, prevista para o internamento, no sentido de redirecionar e propiciar as condições para ajustar o adolescente, preferindo-se a privação parcial da liberdade – semiliberdade provisória – do que o internamento provisório, que exige a privação completa da liberdade. (BANDEIRA, s.d., p.4) Em resumo a medida socioeducativa de IRS, Garcia (2017), versa que: 21 Abordagem jurídica que recorre aos pressupostos preconizados na Constituição Federal de 1988. 35 A semiliberdade é considerada uma medida intermediária, porque apesar de não privar inteiramente o adolescente da liberdade, altera sua relação com o meio. Ela consiste em colocar o adolescente em uma casa de internação durante os dias da semana para cumprimento de atividades pedagógicas e formativas. Nessa casa o adolescente também faz suas refeições e dorme. Ele pode voltar para junto de sua família ou para o abrigo onde estiver durante o fim de semana. A medida funda-se principalmente no princípio de responsabilização do adolescente; visando uma ação ético-pedagógica, em que ele pode participar de atividades sem vigilância, regidas apenas por uma agenda predefinida, onde o adolescente desenvolve uma noção de independência e de reinserção na sociedade. [...] Assim como no caso da liberdade assistida, é prevista por lei a criação de um Plano de Atendimento Individual do Adolescente, em que é traçado um perfil para poder propiciar o atendimento ideal caso a caso. (GARCIA, 2017, p.5) Feitas as considerações sobre a medida de Inserção em Regime de Semiliberdade, traremos a seguir o debate sobre a medida de Internamento em Estabelecimento Educacional. 2.2. A MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE INTERNAÇÃO NO CONTEXTO DA DEFESA DE DIREITOS, EM DIÁLOGO COM A GARANTIA DE DIREITOS Na medida socioeducativa de internação (IEE) contidas nos artigos 121 à 125 do ECA, o ponto de partida e aspecto principal é dado a partir da privação de liberdade do adolescente, que por motivos excepcionais infringiu a lei. É importante citar que nessa medida socioeducativa, o prazo mínimo de permanência do adolescente no regime privativo de liberdade é de seis (06) meses, podendo chegar somente ao prazo máximo de três (O3) anos, ou seja, trinta e seis (36) meses, conforme regulamento estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente. Uma vez que a medida é norteada pela lógica do processo socioeducativo, com intuito de ressocialização desse adolescente para o convívio social, e não somente como processo sancionatório/punitivo, a IEE implica antes de qualquer coisa, escolarização obrigatória ao adolescente, bem como profissionalização e assistência integral ao mesmo. Vale destacar ainda que, assim como na medida de semiliberdade, a FUNDAC (posteriormente aprofundada) é o órgão que executa a medida de Internação em 36 Estabelecimento Educacional22, ou seja trata-se de uma fundação organizacional da administração pública, que executa as medidas de caráter socioeducativas em meio fechado, de acordo com a sua aplicação pela Justiça da Infância e Juventude. Além disso, a FUNDAC é responsável pela organização e administração dos recursos (humanos, materiais e financeiros) e pelas instalações físicas para o devido funcionamento do sistema socioeducativo no Estado. A medida de internação subdivide-se em Internação Provisória e Internação por prazo indeterminado. Na primeira, o prazo máximo de privação de liberdade é de quarenta e cinco (45) dias, enquanto o ato infracional é apurado. Conforme Freitas (2010): Essa internação pode ser determinada por diversos fatores, entre eles proteger o adolescente quando se tratar de ato que mobilize a opinião pública e também garantir que o mesmo permaneça à disposição da autoridade judiciária com a determinação da internação por prazo indeterminado, o adolescente é encaminhado para Unidade de Internação (UI) onde permanecerá por no mínimo seis meses e no máximo por três anos. (FREITAS, 2010, p.6) De acordo com o ECA, a medida de IEE, "constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento" (Brasil, 1990, p. 24). Nessa medida são obrigatórias as atividades de caráter pedagógico, devendo a manutenção dela ser revista no prazo máximo de seis (06) meses. Além disso, o ECA coloca que aos adolescentes em cumprimento da medida de internação deve ter garantido direitos como: informação de sua situação processual, recebimento de visitas, ter contato (corresponder-se) com familiares e amigos, ser respeitado e tratado dignamente, ter alojamento que disponham de condições adequadas de higiene e salubridade, dispor de assistência integral, entre outros. É importante lembrar que apesar de a FUNDAC possuir um regimento interno que orienta e direciona todo o trabalho que deve ser desenvolvido nas unidades 22 A Internação em Estabelecimento Educacional é uma medida aplicada em caráter excepcional, e como as outras medidas socioeducativas, está assegurada por Lei, de acordo com o artigo 121 e 122 do ECA que ressalta, ser aplicada a internação por ocorrência de um ato infracional mediante grave ameaça ou violência à pessoa; por reiteração no cometimento de outras infrações graves e por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. Vale ressaltar que, a IEE deve ser cumprida em entidade exclusiva para adolescente. Em hipótese nenhuma o período máximo deverá exceder 3 anos. É considerada na medida de internação que o adolescente deve ser avaliado a cada seis meses pela equipe interprofissional, podendo ter uma progressão para a IRS ou LA conforme a avaliação psicossocial. 37 socioeducativas de atendimento aos adolescentes em situação infracional, cada unidade executora possui sua própria rotina e estrutura arquitetônica, além de distintos e diversificados referenciais teóricos dos projetos pedagógicos. Embora existam diferenças, as unidades de execução dessas medidas, em geral orientam-se pela necessidade de garantir aos adolescentes privados de liberdade que se encontram em cumprimentos de medida socioeducativa, um atendimento integral. Em resumo a medida socioeducativa de IEE, Garcia