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Saude Mental em Debate_n58

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PUBLICAÇÃO QUADRIMESTRAL EDITADA PELO
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES)
Diretoria Nacional
Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)
Avenida Brasil, 4036 – sala 802 – Manguinhos
21040-361 – Rio de Janeiro – RJ – Brasil
Tel.: (21) 3882-9140, 3882-9141
Cel.: (21) 9695-7663 – Fax.: (21) 2270-1793
E-mail: cebes@ensp.fiocruz.br
Home page: http://www.ensp.fiocruz.br/parcerias/cebes/cebes.html
DIREÇÃO NACIONAL (GESTÃO 2000-2002)
Presidente
Sarah Escorel (RJ)
1O Vice-Presidente
Armando de Negri Filho (RS)
2O Vice-Presidente
Eduardo Freese de Carvalho (PE)
3O Vice-Presidente
Carlos Botazzo (SP)
4O Vice-Presidente
Alcides Silva de Miranda (CE)
1O Suplente
Rogério Renato Silva (SP)
2O Suplente
Maria José Scochi (PR)
CONSELHO FISCAL
Anamaria Testa Tambellini (RJ), Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ) &
Ary Carvalho de Miranda (RJ)
CONSELHO CONSULTIVO
Antônio Ivo de Carvalho (RJ), Antônio Sérgio da Silva Arouca (RJ),
Emerson Elias Merhy (SP), Lia Giraldo da Silva Augusto (PE),
Luiz Augusto Facchini (RS), Gastão Wagner de Souza Campos (SP),
Gilson de Cássia M. de Carvalho (SP), Jorge Antônio Zepeda Bermudez (RJ),
José Ruben de Alcântara Bonfim (SP), Roberto Passos Nogueira (DF),
José Gomes Temporão (RJ), Luíz Carlos de Oliveira Cecilio (SP) &
Paulo Sérgio Marangoni (ES)
CONSELHO EDITORIAL
Coordenador
Paulo Duarte de Carvalho Amarante (RJ)
Ana Maria Malik (SP), Célia Maria de Almeida (RJ), Francisco de Castro Lacaz (SP),
Guilherme Loureiro Werneck (RJ), Jairnilson da Silva Paim (BA),
José da Rocha Carvalheiro (SP), Lígia Giovanella (RJ), Luis Cordoni Jr. (PR),
Maria Cecília de Souza Minayo (RJ), Naomar de Almeida Filho (BA),
Nilson do Rosário Costa (RJ), Renato Peixoto Veras (RJ),
Ronaldo Bordin (RS) & Sebastião Loureiro (BA)
SECRETARIA EXECUTIVA
Ana Cláudia Gomes Guedes
Renata Machado da Silveira
RESPONSÁVEL PELA EDIÇÃO
Ana Cláudia Gomes Guedes
REVISÃO DE TEXTO
Carlos Frederico Manes Guerreiro – português
Juliana Monteiro Samel – inglês
FOTOS DA CAPA
Alvaro Funcia Lemme
CAPA, DIAGRAMAÇÃO E EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Adriana Carvalho & Carlos Fernando Reis da Costa
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
Armazém das Letras Gráfica e Editora
TIRAGEM
3.000 exemplares
Apoio:
Indexação:
Literatura Latino-Americana e do Caribe
em Ciências da Saúde (LILACS)
A Revista Saúde em Debate é associada à
Associação Brasileira de Editores Científicos
Rio de Janeiro v.25 n.58 maio/ago. 2001
ÓRGÃO OFICIAL DO CEBES
Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
ISSN 0103-1104
CONCEITUALMENTE A CAPA EXPRESSA A RICA PRODUÇÃO POLÍTICA,
ARTÍSTICA E CULTURAL DO MOVIMENTO DE REFORMA PSIQUIÁTRICA
FONTE – LABORATÓRIO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM SAÚDE MENTAL (LAPS/FIOCRUZ)
2 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. XX-YY, set./dez. 1999
SUMÁRIO
EDITORIAL ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 3
ARTIGOS ORIGINAIS
Desinstitucionalização em Saúde Mental: considerações sobre o paradigma emergente
Deinstitutionalization in Mental Health: considerations on the emergent paradigm
Jacileide Guimarães, Soraya Maria de Medeiros, Toyoko Saeki &
Maria Cecília Puntel de Almeida ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 5
As Conferências Nacionais de Saúde Mental e as premissas do Modo Psicossocial
The National Conferences of Mental Health and the premises of the psychosocial way
Abílio da Costa-Rosa,Cristina Amélia Luzio & Silvio Yasui ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 12
A constituição de novas práticas no campo da Atenção Psicossocial: análise de dois
projetos pioneiros na Reforma Psiquiátrica no Brasil
The forming of new practices in the Psychiatric-social care: review of two pioneer projects in the
Psychiatric Reform in Brazil
Paulo Duarte de Carvalho Amarante & Eduardo Henrique Guimarães Torre ○ ○ ○ ○ ○ ○ 26
Da avaliação em saúde à avaliação em Saúde Mental: gênese, aproximações
teóricas e questões atuais
From health assesment to mental Health Assesment: birth, theoretical approaches and
current issues
Patty Fidelis de Almeida & Sarah Escorel 
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
 35
Ambiente construído e comportamento espacial na instituição psiquiátrica: questões
éticas em Observação Participante
Built environment and spatial behaviour in psychiatric institution: ethical issues in
Participative Observation
Mirian de Carvalho 
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
 48
Lares Abrigados: dispositivo clínico-político no impasse da relação com a cidade
Sheltered Homes: a political-clinical apparatus in the locked relationship with the city
Regina Benevides de Barros & Silvia Josephson 
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
 57
O usuário de psicofármacos num Programa Saúde da Família
The psycopharmic user in a Family Health Program
Maria Célia F. Danese & Antonia Regina F. Furegato 
○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○
 70
A construção da diferença na assistência em Saúde Mental no município: a
experiência de São Lourenço do Sul – RS
The construction of difference in Mental Health assistance in municipalities: the experience of
São Lourenço do Sul – RS
Christine Wetzel & Maria Cecília Puntel de Almeida ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 77
Qualidade de vida de pessoas egressas de instituições psiquiátricas:
o caso de Ilhéus – BA
Quality of life in patients discharged from psychiatric institutions: the Ilhéus – BA, case
Rozemere Cardoso de Souza & Maria Cecília Morais Scatena ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 88
Clínica: a palavra negada – sobre as práticas clínicas nos serviços substutivos de
Saúde Mental
Clinical ptractice: denied words – on clinical practices in Mental Health substitutive services
Rosana Onocko Campos ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ 98
 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. XX-YY, set./dez. 1999 3
EDITORIAL
 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 3, maio./ago. 2001 3
Este número da Saúde em Debate é dedicado à SaúdeMental e será lançado por ocasião da III Conferên-
cia Nacional de Saúde Mental, em Brasília, no período
entre 11 e 15 de dezembro de 2001.
Desde os primórdios da Reforma Sanitária, no iní-
cio do CEBES que completa 25 anos, o campo da Saúde
Mental têm sido vanguarda e integrante do movimento
sanitário, resguardando suas especificidades que in-
tegram o Movimento da Reforma Psiquiátrica no Bra-
sil e, ao mesmo tempo, inserindo objetos, teorias,
temas, atores e arenas no movimento mais geral que
luta pela transformação das condições de saúde da
população brasileira.
Desnecessário enfatizar a importância da III Confe-
rência Nacional de Saúde Mental, desejada há mais de
uma década e que se realiza num contexto nacional e
internacional auspicioso. Há cerca de dez anos vêm
sendo implantados serviços substitutivos e novas prá-
ticas assistenciais e este é um bom momento para ava-
liar avanços e impasses. Depois de muitos anos tra-
mitando no congresso, e de muita luta do movimento
social por uma sociedade sem manicômios, foi apro-
vada a Lei da Reforma Psiquiátrica abrindo possibili-
dades de inovação e de regulação. A OMS declarou 2001
o ano da Saúde Mental com a proposta “cuidar sim,
excluir não”. Mas, estas boas novas inserem-se no velho
e conhecido cenário de pobreza e extremas desigual-
dades sociais. Portanto, há que se pensar nas necessi-
dades específicas de proteção social dos portadores de
sofrimento psíquico no interior do contexto de recons-
trução de um efetivo sistema de proteção social.
Este número é a contribuição do CEBES aos importan-
tes debates da III Conferência Nacional de Saúde Men-
tal. Desinstitucionalização, novas práticas, práticas clí-
nicas nos serviços substitutivos, avaliação, relações dos
lares abrigados com a cidade, uso de psicofármacos no
PSF, experiências municipais de assistência em saúde
mental e qualidade de vida dos egressos de instituiçõespsiquiátricas são os temas abordados além do artigo
que recupera as conferências anteriores na área de Saú-
de Mental que nos lembra e relembra que a Reforma
Sanitária em geral, e a Reforma Psiquiátrica em parti-
cular, são processos, nem contínuos nem lineares e que
dependem da participação de todos os segmentos para
alcançar efetivamente os objetivos desejados: inclusão,
solidariedade e cidadania emancipada.
A Diretoria Nacional
4 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 23, n. 53, p. XX-YY, set./dez. 1999
QUEM SOMOS
Desde a sua criação, em 1976, o CEBES tem como centro de seu projeto a
luta pela democratização da saúde e da sociedade. Nesses 25 anos, como
centro de estudos que aglutina profissionais e estudantes, seu espaço esteve
assegurado como produtor de conhecimentos com uma prática política concreta,
seja em nível dos movimentos sociais, das instituições ou do parlamento.
Durante todo esse tempo, e a cada dia mais, o CEBES continua empenhado
em fortalecer seu modelo democrático e pluralista de organização; em orientar
sua ação para o plano dos movimentos sociais, sem descuidar de intervir nas
políticas e práticas parlamentares e institucionais; em aprofundar a crítica e
a formulação teórica sobre as questões de saúde; e em contribuir para a
consolidação das liberdades políticas e para a constituição de uma sociedade
mais justa.
A produção editorial do CEBES tem sido fruto de um trabalho coletivo. Estamos
certos que continuará assim, graças a seu apoio e participação.
Desinstitucionalização em Saúde Mental: considerações sobre o paradigma emergente
 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 5-11, maio/ago. 2001 5
ARTIGOS ORIGINAIS
Desinstitucionalização em Saúde Mental: considerações sobre o
paradigma emergente1
Deinstitutionalization in Mental Health: considerations on the emergent paradigm
Jacileide Guimarães2
Soraya Maria de Medeiros3
Toyoko Saeki4
Maria Cecília Puntel de Almeida5
1 Trabalho elaborado a partir da disciplina
Seminários de Saúde Mental do Mestrado
de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde
Mental da Escola de Enfermagem de
Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo – EERP/ USP, 1999.
2 Mestranda em Enfermagem Psiquiátrica
e Saúde Mental na Escola de Enfermagem
de Ribeirão Preto da Universidade de São
Paulo – EERP/USP.
3 Professora Doutora do Departamento de
Enfermagem da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte.
e-mail: sorayamaria@uol.com.br
4 Professora Doutora do Departamento de
Enfermagem Psiquiátrica e Ciências
Humanas da EERP/USP.
e-mail: maryto@eerp.usp.br
5 Professora Doutora do Departamento
de Materno Infantil e Saúde Pública da
EERP/USP.
e-mail: cecilia@glete.eerp.usp.br
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo analisar a pós-modernidade
epistemológica, social e política do saber/fazer psiquiátrico no Brasil. Para
tanto partimos dos pressupostos do Paradigma Emergente no âmbito
epistemológico e dos Novos Movimentos Sociais (NMS) no âmbito social e
político ambos segundo Santos (1997a, 1998), acrescido das experiências
práticas da assistência em saúde mental no Brasil nas duas últimas décadas
(1979-1999). Verificamos a congruência existente entre os movimentos de
mudança da atenção psiquiátrica e as prerrogativas do paradigma
emergente, podendo-se destacar a complexidade e complementariedade
exigida por esse paradigma e defendida pelas experiências brasileiras de
desinstitucionalização de orientação basagliana.
PALAVRAS-CHAVE: desinstitucionalização; saúde mental; paradigma emergente.
ABSTRACT
This essay aims to analyze the epistemological, social and political post-
modernity of psychiatric knowledge/performance in Brazil. With that objective,
we started from the presuppositions of the Emergent Paradigm in the
epistemological level and of the New Social Movements in the social level,
both according to Santos (1997a, 1998), in addition to practical experience
on mental health care in Brazil in the past two decades (1979-1999). We
observed the congruence that exists between both movements related to
psychiatric health care change and the prerogatives of the emergent
paradigm. The complexity and complementarity required by such paradigm,
which is defended by the Brazilian deinstitutionalization experiences based
on the theories of Basaglia, can be highlighted.
KEY WORDS: deinstitutionalization; mental health; emergent paradigm.
GUIMARÃES, J. et al.
6 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 5-11, maio/ago. 2001
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como ob-
jetivo analisar a pós-modernida-
de epistemológica, social e políti-
ca do saber/fazer psiquiátrico no
Brasil nas duas últimas décadas
(1979 - 1999).
Santos (1998: 37) define as
transformações epistemológicas no
modo de se fazer/ver ciência ou o
Paradigma Emergente como um
“paradigma de um conhecimento
prudente para uma vida decente”
assim atestando a novidade de que
a ciência comporta, simultaneamen-
te ao aspecto estritamente investi-
gativo, o aspecto social da vida das
pessoas. Com base neste pensamen-
to tecido como um discurso sobre
as ciências e introdução a uma ci-
ência pós-moderna, este autor de-
fende um conjunto de teses que têm
em comum a superação do paradig-
ma dominante1, sobre o que nos in-
teressa citar sucintamente:
1. Todo o conhecimento científico-
natural é científico-social;
2. Todo o conhecimento é local
e total;
3. Todo o conhecimento é autoco-
nhecimento;
4. Todo o conhecimento cientí-
fico visa constituir-se em sen-
so comum.
A primeira tese – Todo o conhe-
cimento científico-natural é cientí-
fico-social – fudamenta-se na su-
peração das dicotomias na não-du-
alidade do conhecimento, abolin-
do-se assim o sentido que continha
interpretações estanques como, por
exemplo, natureza/cultura, natural/
artificial, observador/observado,
saúde/doença, razão/desatino. A
segunda tese – Todo o conhecimen-
to é local e total – visa a um co-
nhecimento interdisciplinar que
una ao que estudamos” (SANTOS,
1998: 53). A quarta tese – Todo o
conhecimento científico visa cons-
tituir-se em senso comum –, por
fim, visa ao diálogo entre o conhe-
cimento científico e o senso comum
enquanto possibilidade qualitativa
de ampliação do fenômeno obser-
vado e em detrimento do autorita-
rismo e dominação de um sobre o
outro, ou seja, do primeiro sobre
o segundo.
Ressalta-se a importância deci-
siva do desvelamento pelo paradig-
ma emergente, da chamada neutra-
lidade científica – preconizada pelo
paradigma dominante – na qual o
observador separado, cindido do
observado atuava sobre este sem
no entanto responsabilizar-se so-
cialmente, enquanto que o obser-
vado por sua vez, possuía um lu-
gar passivo e coisificado no proces-
so de investigação.
No âmbito social e político, San-
tos (1997a) atesta um estado pós-
moderno dos acontecimentos atra-
vés dos denominados Novos Mo-
vimentos Sociais (NMSs), presen-
tes em todo o mundo, principal-
mente nas décadas de 70 e 80, de
forma mais ou menos intensa con-
forme o estágio de desenvolvimen-
to econômico local.
Os NMSs são os movimentos ti-
picamente pós-industriais que de-
1 Dentre vasta bibliografia sobre o paradigma científico dominante, pode-se consultar o próprio Santos (1989, 1998).
perceba a totalidade dos aconteci-
mentos específicos, complexifican-
do-os e assim enriquecendo-os. A
terceira tese - Todo o conhecimen-
to é auto-conhecimento - refere-se
a integração e intencionalidade en-
tre sujeitos e não entre ‘um sujeito
e um objeto’, assim trata-se de “um
conhecimento compreensivo e ín-
timo que não nos separee antes nos
NO ÂMBITO SOCIAL E POLÍTICO,
SANTOS (1997A) ATESTA UM ESTADO
PÓS-MODERNO DOS ACONTECIMENTOS
ATRAVÉS DOS DENOMINADOS NOVOS
MOVIMENTOS SOCIAIS (NMSS)
Desinstitucionalização em Saúde Mental: considerações sobre o paradigma emergente
 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 5-11, maio/ago. 2001 7
nunciam as formas de opressão
cotidianas contidas na violência,
na poluição, no sexismo, no racis-
mo e no produtivismo, dentre ou-
tras formas de exclusão. Para San-
tos (1997a: 258), os NMSs trazem
como “novidade maior tanto uma
crítica da regulação social capita-
lista como uma crítica da emanci-
pação social socialista tal como
foi defendida pelo marxismo”.
Assim denunciando ‘com uma ra-
dicalidade sem precedentes os ex-
cessos de regulação da moderni-
dade’ e contribuindo para a cons-
trução, no dizer deste autor, de
uma equação que comungue si-
multaneamente ‘subjetividade, ci-
dadania e emancipação’.
Segundo Santos (1997a: 257), a
América Latina destaca-se dos de-
mais países periféricos e semiperi-
féricos com relação a atuação dos
NMSs, sendo que aqui estes movi-
mentos são peculiarmente ‘nutridos
por inúmeras energias’ que compi-
lam desde reivindicações pós-ma-
terialistas a lutas por condições bá-
sicas de sobrevivência, diferente-
mente do que se passa nos países
centrais onde os movimentos são
‘puros’ ou bem definidos.
Com relação ao Brasil particu-
larmente, tem-se na ‘década de se-
tenta e de oitenta um notável flo-
rescimento de NMSs’ (Santos,
1997a), atente-se para o momento
político de luta pela transição de-
mocrática pós-ditadura que se de-
lineava. Vale situar esse momento
crucial para a transformação da
sociedade brasileira, denominado
por Sader (1990) como ‘entre o ve-
lho e o novo’. Segundo Sader (1990:
48), o ponto de partida da transi-
ção é claro: uma ditadura militar
permeada por uma ideologia de se-
gurança nacional favorável ao
grande capital monopolista e finan-
ceiro nacional e internacional. Já o
ponto de chegada é menos claro:
um regime híbrido, em que deixaram
de existir as leis de exceção, em que
pacote de medidas que revogava dis-
posições que limitavam os direitos
políticos estabelecidos pela ditadu-
ra militar (Sader, 1990: 48).
Mas, à revelia da menor clareza
do ponto de chegada da transição,
não se pode negar o surgimento de
algo novo que se podia dizer germe
da redemocratização do país:
A chamada Nova República foi
sendo instaurada assim como uma
mistura híbrida entre o velho e o
novo. Inegavelmente se trata de um
novo regime. A forma de domina-
ção política foi modificada, subs-
tituindo as instâncias militares
por formas parlamentares: a nova
Constituição fortaleceu o papel do
Congresso, as liberdades individu-
ais foram ampliadas, o direito de
organização política foi explicita-
do, introduziram-se direitos da ci-
dadania que antes não constavam
de nosso sistema jurídico, tem vi-
gência, ao menos teoricamente, um
Estado de direito, baseado em leis
votadas por um Parlamento eleito
pelo voto universal e direto (Sader,
1990: 54).
Assim finalizamos a década de
70 e adentramos a década de 80 com
um Brasil efervescente, manifesta-
das as contradições e reduzido o
poder ditatorial das elites dirigen-
tes. A sociedade civil despertava de
um pesadelo que durara vinte e um
anos e havia muito o que ser ques-
tionado. Emergem denúncias e in-
dignação acerca da questão psiqui-
átrica no âmbito da saúde.
os partidos políticos, as associações
civis e a grande imprensa não en-
contram limitações do ponto de vis-
ta legal. Os próprios militares se re-
tiraram do centro da cena política
para um lugar mais discreto. Dei-
xou de haver presos políticos, os ór-
gãos de segurança tiveram seu pa-
pel diminuído, foram restabelecidos
os mecanismos eleitorais na sua ple-
nitude. Antes mesmo da nova Cons-
tituição, o Congresso já havia remo-
vido o que considerou como ‘entu-
lhos autoritários’, aprovando um
PARA SANTOS (1997A: 258),
OS NMSS TRAZEM COMO “NOVIDADE
MAIOR TANTO UMA CRÍTICA DA REGULAÇÃO
SOCIAL CAPITALISTA COMO UMA CRÍTICA DA
EMANCIPAÇÃO SOCIAL SOCIALISTA TAL
COMO FOI DEFENDIDA PELO MARXISMO”
GUIMARÃES, J. et al.
8 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 5-11, maio/ago. 2001
O PROCESSO SAÚDE/DOENÇA MENTAL:
A DESINSTITUCIONALIZAÇÃO SOB O SIGNO
DO PARADIGMA EMERGENTE
Feita esta breve localização teó-
rico-metodológica à luz do Paradig-
ma Emergente e dos Novos Movi-
mentos Sociais conforme Santos
(1997a, 1998), retomamos o recor-
te das duas últimas décadas no Bra-
sil no âmbito das políticas e práti-
cas em saúde mental.
A saúde mental brasileira nas
duas últimas décadas, mais precisa-
mente de 1979 a 1999, passou por
transformações através de avanços
que constituíram e constituem o pro-
cesso contemporâneo desta prática.
Em 1979, o Brasil recebe a visi-
ta do psiquiatra italiano Franco Ba-
saglia, cujo discurso sobre a desins-
titucionalização do aparato psiqui-
átrico repercute no meio social e
político que passa por contestações
e desejos de mudança em uma soci-
edade que vivencia um processo de
abertura após anos de regime mili-
tar ditatorial. Surge o Movimento
dos Trabalhadores em Saúde Men-
tal – então um NMS – que fortaleci-
do pela sociedade civil organizada
e pelas primeiras experiências de
desinstitucionalização, destacada-
mente a experiência santista, cul-
mina em 1989 com o movimento de
Reforma Psiquiátrica, a criação do
Projeto de Lei 3657 de autoria do
deputado federal Paulo Delgado (PT-
MG) – que dispõe sobre a supera-
ção do manicômio e a construção
de assistência substitutiva – e com
a Luta Antimanicomial. Em janeiro
de 1999, o referido projeto foi apro-
vado no Senado, devendo, para tor-
nar-se lei, ser aprovado em nova
votação na Câmara. Em abril deste
ano (2001) foi aprovado e sancio-
nado pelo Presidente da República,
tornando-se lei. Temos passado
pouco mais de duas décadas (1979
– 1999), marcadas por indignação,
contestação, lutas e conquistas sig-
nificativas de um processo que se
Amarante (1999: 48) destaca a
dualidade do processo epistêmico
científico dominante onde
a natureza de um conceito ou teoria
científica significa uma determinada
forma pela qual o homem se relacio-
na com a natureza. A ciência moder-
na, de base predominantemente po-
sitivista, vem exercitando um proces-
so de objetivação da natureza, em que
a relação que se estabelece é entre
sujeitos epistêmicos, de um lado, e
de coisas e objetos de outro.
 Esse autor ressalta o pensamen-
to de Franco Basaglia, que diz que é
preciso pôr a doença, e não o homem,
entre parênteses, assim invertendo
a tradição psiquiátrica e cientifica-
mente moderna de objetivação do
sujeito. Com tal inversão, se estabe-
lece uma ruptura operada pela Luta
Antimanicomial e pela Reforma Psi-
quiátrica brasileira, de orientação
basagliana, com o método da ciên-
cia moderna. No dizer de Amarante
(1999: 48), podemos conferir:
Neste sentido, o que vimos deno-
minando como Luta Antimanicomial,
ou como Reforma Psiquiátrica, tem
como princípio básico uma ruptura
com essa tradição científica [a ciên-
cia moderna ou paradigma dominan-
te]. Em primeiro lugar, por romper com
o processo de objetivação da loucura
e do louco (inscrevendo a questão ho-
mem-natureza ou a questão do nor-
mal-patológico em termos éticos, isto
é, de relação e não de objetivação). Em
segundo lugar, por romper com o pro-
cesso de patologização dos comporta-
inspira em um conhecimento quepressupõe o diálogo como instru-
mento da contratualidade estabe-
lecida nos inter-relacionamentos,
sendo assim, um processo delibe-
radamente contra a opressão, onde
é seguro afirmar a presença decisi-
va dos pressupostos deste estudo
– ou seja, do Paradigma Emergen-
te e da atuação dos Novos Movi-
mentos Sociais segundo Santos
(1997a, 1998) – no âmbito da saú-
de mental brasileira.
A SAÚDE MENTAL BRASILEIRA NAS DUAS
ÚLTIMAS DÉCADAS, MAIS PRECISAMENTE
DE 1979 A 1999, PASSOU POR
TRANSFORMAÇÕES ATRAVÉS DE AVANÇOS
QUE CONSTITUÍRAM E CONSTITUEM O
PROCESSO CONTEMPORÂNEO DESTA PRÁTICA
Desinstitucionalização em Saúde Mental: considerações sobre o paradigma emergente
 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 5-11, maio/ago. 2001 9
mentos humanos, com base em um
pressusposto teleológico ou ontológi-
co de normalidade. Daí advém o prin-
cípio de colocar a doença mental en-
tre parênteses, como forma de inver-
ter a tradição psiquiátrica, que é a de
colocar o homem entre parênteses para
se ocupar da doença, como ressaltou
Basaglia (Amarante, 1999: 48).
E relembrando as quatro teses de
Santos (1998), vejamos o que ain-
da nos diz Amarante (1999: 49) so-
bre a démarche de colocarmos a
doença entre parênteses:
Colocar um ‘fenômeno’ entre pa-
rênteses representa uma importante
demarcação epistemológica no âmbi-
to da tradição do pensamento filosó-
fico existencial: consiste na idéia de
que o ‘fenômeno’ não existe em si,
mas é construído pelo observador, é
um constructo da ciência, e só existe
enquanto inter-relação com o obser-
vador. E, portanto, se o observador,
sujeito do conhecimento, constrói o
‘fenômeno’, este é parte do primeiro,
é parte de sua cultura e de sua sub-
jetividade (Amarante, 1999: 49).
Daí a complexidade e a comple-
mentariedade da mudança em saú-
de mental acentuada por Amaran-
te (1999: 50), em pelo menos qua-
tro campos: a) o teórico-conceitu-
al; b) o técnico-assistencial; c) o
jurídico-político e d) o sócio-cultu-
ral. Ou seja, trata-se de uma inter-
relação de reconstrução de concei-
tos; de espaços substitutivos de
sociabilidade de possibilidades plu-
rais e singulares concretas para
sujeitos concretos; de direito ao tra-
balho, à família, aos amigos, ao
cotidiano da vida social e coletiva;
de solidariedade e inclusão de su-
jeitos em desvantagem social.
Assim o processo de desinstitu-
cionalização da psiquiatria brasilei-
ra, enquanto conhecimento e práti-
ca centrados no paradigma emer-
gente, inscreve-se na contra-mão do
(1997b: 117), as “imagens desesta-
bilizadoras” são os veículos, no tem-
po presente, portadores das “inter-
rogações poderosas” – “tomadas de
posições apaixonadas, capazes de
sentidos inesgotáveis”. As imagens,
potencializam as interrogações ao
flagrarem o fato de que “tudo de-
pende de nós e tudo podia ser dife-
rente e melhor”.
PARA UM CONCEITO EMERGENTE
DE SAÚDE MENTAL
Para um conceito de saúde men-
tal assentado no paradigma emer-
gente é seguro indicar a necessida-
de fundamental de se conhecer a
historicidade da chamada psiquia-
tria moderna, resguardando as suas
conquistas e superando os limites
por ela determinados, atendo-se no
dizer de Santos ao “paradigma de
um conhecimento prudente para
uma vida decente”. Aqui faz-se
oportuno reiterarmos a necessida-
de de uma vigilância constante con-
tra o atavismo manicomial real ou
travestido na psiquiatrização do
cotidiano ou no institucionalismo
sutil, sobre o qual Amarante (1999:
49) ressalta a importância de estar-
mos atentos e munidos com estra-
tégias de enfrentamento capazes de
identificar e propugnar “um certo
olhar que classifica desclassifican-
2 Sobre esta questão confira por exemplo: FERNANDES, M. I. A.; SCARCELLI, I. R. & COSTA, E. S. (Orgs.), 1999. Fim de século: ainda
manicômios? São Paulo: IPUSP.
projeto científico, político e econô-
mico dominante: o neoliberalismo2.
Uma novidade fruto da concepção
epistemológica que “se assenta na
idéia de que não há só uma forma
de conhecimento, mas várias, e de
que é preciso optar pela que favore-
ce a criação de imagens desestabi-
lizadoras e a atitude de inconformis-
mo perante elas”. Para Santos
“...NÃO HÁ SÓ UMA FORMA DE
CONHECIMENTO, MAS VÁRIAS,
E DE QUE É PRECISO OPTAR PELA QUE
FAVORECE A CRIAÇÃO DE IMAGENS
DESESTABILIZADORAS E A ATITUDE DE
INCONFORMISMO PERANTE ELAS”
GUIMARÃES, J. et al.
10 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 5-11, maio/ago. 2001
do, que inclui excluindo, que nomeia
desmerecendo, que vê sem olhar”.
Não seria fácil a luta e manu-
tenção de um tal paradigma emer-
gente. No entanto, a saúde mental
brasileira, nas duas últimas déca-
das, tem demonstrado que é possí-
vel. Hoje, embora o projeto neolibe-
ral seja dominante e pululem trans-
tornos/sofrimentos mentais e o gas-
to público com internações psiquiá-
tricas – que conforme dados do Mi-
nistério da Saúde em apenas seis
anos aumentou de 224 milhões de
dólares em 1991 para aproximada-
mente 370 milhões de dólares em
1996 (Ministério da Saúde apud
Daúd Júnior, 1999: 65-6) – vemos a
redução palpável do hospitalocen-
trismo psiquiátrico e a implemen-
tação de serviços substitutivos em
26 dos 27 Estados do Brasil (Alves,
1999). Serviços substitutivos, ou
seja, serviços que, mais do que al-
ternativas, preconizam a substitui-
ção do modelo manicomial, notoria-
mente iatrogênico. Serviços substi-
tutivos pautados numa nova cidada-
nia e numa nova ética, que superem
a cidadania social e a ética política
da responsabilidade liberal voltada
apenas para a reciprocidade entre
direitos e deveres, buscando uma ci-
dadania que, somada à subjetivida-
de emancipatória, seja nova e esteja
atenta às novas formas de exclusão
social (Santos, 1997a).
Apontamos como possibilidade
de ampliação das estratégias de
enfrentamento em prol desta nova
cidadania, as ‘imagens desestabili-
zadoras’ e as ‘interrogações pode-
rosas’ de que fala Santos (1997b:
117-8), que, além de comprometi-
das com a transformação do real,
lançam um desafio que potencializa
a indignação, o inconformismo e a
ação qualitativamente emancipató-
ria. As ‘interrogações poderosas’
são as que nos fazem refletir sobre
realidade que poderia ser melhor.
Imagens desestabilizadoras não nos
falta no âmbito da saúde mental
brasileira e as interrogações pode-
rosas, felizmente, estão em nosso
meio, pelo menos, há duas décadas.
De tais imagens e interrogações nas-
ce o vértice do tripé: a realização de
uma nova prática.
Retomando as teses de Santos
(1998: 37-58) sobre o paradigma
emergente, podemos inferir que:
• todo o conhecimento científico
transmitido nos órgãos forma-
dores, reproduzido e (re)criado
nas instituições e entidades que
atuam com o processo saúde/
doença mental, é essencialmen-
te um conhecimento científico-
social e como tal, não é neutro,
resulta de escolhas cotidianas
e prática política;
• sendo o conhecimento local e to-
tal, quando apreendemos e so-
cializamos através das experi-
ências e vivências de trabalhos
em saúde mental, estamos
(re)criando esse conhecimento,
e contribuindo para a mudança
ou a reprodução do “discurso
competente”3 sobre a saúde, a
doença e o doente mental;
• que todo o conhecimento técni-
co-científico e ético-político so-
bre saúde mental, com o qual
atuamos, na cotidianidade de
3 Confira CHAUÍ, M. de S., 1989. Cultura e Democracia: o discurso competente e outras falas. 4 ed. São Paulo: Cortez.
o motivo, a causa dos acontecimen-
tos e trazem em si o traço de seremmais relevantes do que as próprias
respostas – “como interrogar de
modo que a interrogação seja mais
partilhada do que as respostas que
lhe forem dadas?” – As ‘imagens
desestabilizadoras’ são as que su-
primem do presente a característica
de inculpável, trazendo à tona uma
SERVIÇOS SUBSTITUTIVOS PAUTADOS NUMA
NOVA CIDADANIA E NUMA NOVA ÉTICA, QUE
SUPEREM A CIDADANIA SOCIAL E A ÉTICA
POLÍTICA DA RESPONSABILIDADE LIBERAL
VOLTADA APENAS PARA A RECIPROCIDADE
ENTRE DIREITOS E DEVERES
Desinstitucionalização em Saúde Mental: considerações sobre o paradigma emergente
 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 5-11, maio/ago. 2001 11
nossa prática no âmbito das ins-
tituições de ensino, nos servi-
ços de saúde e movimentos so-
ciais, constituem-se como par-
te do autoconhecimento de nos-
sas subjetividades e das respec-
tivas interlocuções entre socie-
dade e indivíduo; entre a vida no
âmbito público e no privado; en-
tre os sujeitos sociais e estrutu-
ras de micro e macro poder polí-
tico. Dessa forma, podemos in-
tervir nesse processo, na pers-
pectiva de melhorá-lo, a partir de
nossas contribuições cotidianas
individuais e coletivas;
• considerando que todo o conhe-
cimento científico visa consti-
tuir-se em senso comum, a pers-
pectiva de mudança do paradig-
ma emergente na saúde mental,
caminha no sentido da pro-
posta de uma visão do ser
doente mental como sujeito,
como cidadão, respeitado em
sua alteridade, abandonando a
visão do doente como ‘um ser
perigoso’, anormal, excluído. En-
fim, contribuindo para a gera-
ção de um imaginário coletivo
onde o ‘trem dos doidos de Bar-
bacena’, o ‘beribéri do São João
de Deus’, a ‘imensidão lotada do
Juquery’, e tantos outros emble-
mas/realidades similares cruas
ou maquiadas que conhecemos
na assistência ao sofrimento psí-
quico, não sejam mais toleradas
na sociedade brasileira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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ver o futuro. Cadernos IPUB / Ins-
tituto de Psiquiatria da UFRJ,
NO 14: p.21-30.
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milênio. In: FERNANDES, M. I. A.;
SCARCELLI, I. R. & COSTA, E. S. (Orgs.)
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CHAUÍ, M. de S., 1989. Cultura e
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DAÚD JÚNIOR, N., 1999. Neoliberalismo,
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I. A.; SCARCELLI, I. R. & COSTA, E. S.
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de Psicologia da Universidade de
São Paulo, p. 57-73.
FERNANDES, M. I. A.; SCARCELLI, I. R. &
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sidade de São Paulo, 208p.
SADER, E., 1990. A transição no Brasil:
da ditadura à democracia? 6 ed.
São Paulo: Atual, 92p. (Série
história viva).
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uma ciência pós-moderna. Rio de
Janeiro: Graal, 176p.
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Alice: o social e o político na pós-
modernidade. 3 ed. São Paulo:
Cortez, 348p.
SANTOS, B. de S., 1997b. A queda do
Angelus Novus: para além da
equação moderna entre raízes e
opções. NOVOS ESTUDOS –
CEBRAP. No 47: p.103–124. Pu-
blicacão quadrimestral do Centro
Brasileiro de Análises e Planeja-
mento (CEBRAP).
SANTOS, B. de S., 1998. Um discurso
sobre as ciências. 10 ed. Porto:
Afrontamento, 58p.
COSTA-ROSA, A. da, LUZIO, C. A. & YASUI, S.
12 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 12-25, maio/ago. 2001
ARTIGOS ORIGINAIS
As Conferências Nacionais de Saúde Mental e as premissas do
Modo Psicossocial
The National Conferences of Mental Health and the premises of the psychosocial way
Abílio da Costa-Rosa1
Cristina Amélia Luzio2
Silvio Yasui3
1 Professor assistente-doutor do
Departamento de Psicologia Clínica da
Universidade Estadual Paulista, campus
Assis, doutor em Psicologia Clínica pela
Universidade de São Paulo; psicanalista e
analista institucional.
e-mail: abiliocr@assis.unesp.br
2 Professora assistente do Departamento de
Psicologia Clínica da Universidade
Estadual Paulista, campus Assis,
doutoranda em Saúde Coletiva na
Universidade de Campinas.
e-mail: caluzio@assis.unesp.br
3 Professor assistente do Departamento de
Psicologia Evolutiva, Social e Escolar da
Universidade Paulista, campus Assis,
doutorando em Psicologia Social na
Universidade de São Paulo.
e-mail: syasui@assis.unesp.br
RESUMO
O presente artigo pretende analisar as proposições básicas e os marcos
conceituais das duas conferências nacionais de saúde mental ocorridas até
o momento, à luz dos parâmetros do Modo Psicossocial construídos por
Costa-Rosa. Pretende-se, também, indicar a sua exeqüibilidade nos
dispositivos construídos pelas práticas de Atenção Psicossocial, que têm
proposto superar a lógica manicomial, observar os avanços e retrocessos do
processo de estratégia de hegemonia na saúde mental. Finaliza apresentando
alguns pontos para uma proposta de agenda de discussão.
PALAVRAS-CHAVE: atenção psicossocial; políticas públicas; conferências nacionais
de saúde mental.
ABSTRACT
The present article intends to analyze the basic propositions and the
conceptual marks of the two Mental Health National Conferences that have
occurred up until now, under the light of the Psychosocial Way parameters
built by Costa-Rosa. It is intended, also, to indicate its feasibility in devices
built by Psychosocial Attention's practices, that intend to overcome the
manicomial logic, to observe the progresses and setbacks of the hegemony
strategy process in mental health. It concludes presenting a few points for a
proposed discussion.
KEY WORDS: psychosocial attention; public politics; national conferences of
mental health.
As Conferências Nacionais de Saúde Mental e as Premissas do Modo Psicossocial
 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 12-25, maio/ago. 2001 13
INTRODUÇÃO
Neste artigo retomamos os ‘mar-
cos conceituais’ e as proposições
básicas das duas conferências na-
cionais de saúde mental ocorridas
até o momento, a fim de efetuar-
mos uma análise à luz dos parâ-
metros do Modo Psicossocial (Cos-
ta-Rosa, 2000:141-168). Pretende-
mos, ao mesmo tempo, indicar a
sua exeqüibilidade nos dispositivos
construídos pelas práticas de Aten-
ção Psicossocial que têm proposto
superar a lógica manicomial.
PRIMEIRA CONFERÊNCIA NACIONAL
DE SAÚDE MENTAL (CNSM)
Proposições gerais: concepção
de saúde, participação popular, ci-
dadania e interesses dos usuários.
Em junho de 1987, como des-
dobramento da histórica 8a Confe-
rência Nacional de Saúde de 1986,
ocorreu, na cidade do Rio de Janei-
ro, a I Conferência Nacional de Saú-
de Mental (CNSM).
A Conferência foi realizada em um
clima de intensas discussões e o seu
relatório final ficou para a história
do movimento da reforma psiquiátri-
ca, que fez prevalecer suas teses em
praticamente todos os temas.
No tema I – Economia, Socieda-
de e Estado: impactos sobre a saú-
de e doença mental, o relatório ana-
lisa o modelo econômico altamen-
te concentrador brasileiro, apontan-
do para a necessidade de se ampli-
ar o conceito de saúde, consideran-
do em seus determinantes as con-
dições materiais de vida. Destaca-
mos o seguinte trecho:
Situando a saúde mental no
bojo da luta de classes, podemos
afirmar que seu papel tem consis-
tido na classificação e exclusão dos
‘incapacitados’ para a produção(...) É urgente pois o reconhecimen-
to da função de dominação dos tra-
balhadores de saúde mental e a sua
Único de Saúde, com garantia da
participação popular. No plano as-
sistencial, aponta para os mesmos
princípios já consagrados, tais
como reversão da tendência hospi-
talocêntrica, com prioridade para o
sistema extra-hospitalar.
Por fim, no tema III – Cidada-
nia e Doença mental: direitos, de-
veres e legislação, o relatório rea-
firma, também, teses do Movimen-
to Sanitário, sugerindo inclusões
no texto constitucional no que se
refere ao direito à saúde e propon-
do reformulações da legislação or-
dinária que trata especificamente
da saúde mental, ou seja: Código
Civil; Código Penal e legislação sa-
nitária; propõe, ainda, modifica-
ções na legislação trabalhista,
considerando a interface trabalho/
saúde mental.
O texto do relatório demonstra
uma estreita vinculação entre o
Movimento Sanitário e o Movi-
mento da Reforma Psiquiátrica.
Ambos tratam a saúde como uma
questão revolucionária, no eixo da
luta pela transformação da socie-
dade. Aponta, especificamente,
aos trabalhadores de saúde men-
tal, a necessária revisão de seu
papel de agentes de exclusão e de
dominação, para reorientá-lo na
direção de uma identidade com os
interesses da classe trabalhadora.
Estão presentes nesse documento
oficial, não apenas propostas téc-
nicas, mas argumentos e proposi-
ções que engajam o processo de
revisão crítica, redefinindo seu pa-
pel, reorientando a sua prática e
configurando a sua identidade ao
lado das classes trabalhadoras.
(BRASIL/MS, 1992:15)
No tema II – Reforma Sanitária
e reorganização da assistência à
saúde mental, o relatório reafirma
as teses do Movimento Sanitário,
introduzindo a especificidade da
saúde mental no contexto de suas
diretrizes e princípios, apontando
para a constituição de um Sistema
EM JUNHO DE 1987, COMO
DESDOBRAMENTO DA HISTÓRICA
8A CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE
DE 1986, OCORREU, NA CIDADE DO
RIO DE JANEIRO, A I CONFERÊNCIA
NACIONAL DE SAÚDE MENTAL (CNSM)
COSTA-ROSA, A. da, LUZIO, C. A. & YASUI, S.
14 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 12-25, maio/ago. 2001
transformação de um setor espe-
cifico da saúde, a saúde mental,
em uma luta que transcende essa
especificidade, vinculando-a à
luta pela transformação da socie-
dade. Mas foi apenas mais um do-
cumento oficial, talvez o primeiro
que colocou a questão da saúde
mental nessa perspectiva da luta
entre os interesses de classes.
O Modo Psicossocial e a I Conferência
Nacional de Saúde Mental
Costa-Rosa (2000:151-164),
conceitua o Modo Psicossocial de
acordo com quatro parâmetros fun-
damentais, que podemos definir, su-
cintamente, nos seguintes termos:
• em relação à concepção do ‘ob-
jeto’ e dos meios de trabalho
preconiza a implicação subje-
tiva do usuário, o que pressu-
põe a superação do modo de
relação sujeito-objeto caracte-
rístico do modelo médico e das
disciplinas especializadas que
ainda se pautam pelas ciênci-
as positivas. Preconiza-se, ao
mesmo tempo, a horizontali-
zação das relações interprofis-
sionais como condição básica
para a horizontalização das
relações com os usuários e a
população da área;
• no que diz respeito às formas
de organização das relações in-
trainstitucionais preconiza-se a
sua horizontalização, com a
distinção obrigatória entre as
esferas do poder decisório, de
origem política e as esferas do
poder de coordenação, de natu-
reza mais operativa. Esta reo-
rientação das relações intrains-
titucionais vai na mesma dire-
ção das relações especificamen-
te interprofissionais e faz parte
dos requisitos necessários para
o exercício da subjetivação sin-
gularizada que é meta cara ao
Modo Psicossocial;
• quanto à forma como a insti-
tuição se situa no espaço geo-
gráfico, no imaginário e no
simbólico o Modo Psicossocial
preconiza antes de tudo a in-
tegralidade das ações no terri-
tório. Além disso ao preconizar
o posicionamento da institui-
ção como espaço de interlocu-
ção, como instância de ‘supos-
to saber’ e, ao fazer dela um
espaço de absoluta e intensa
porosidade em relação ao ter-
ritório, praticamente subverte
a própria natureza da institui-
ção como dispositivo. A natu-
reza da instituição como orga-
nização fica modificada e o lo-
cal de execução de suas práti-
cas desloca-se do antigo inte-
rior da instituição para tomar
o próprio território como refe-
rência. A instituição, enquan-
to equipamento, posiciona-se
num foco em que se entrecru-
zam as diferentes linhas de
ação no território e para onde
podem remeter-se as primeiras
pulsações da Demanda;
• destacando a ética dos efeitos
das práticas em saúde mental,
o Modo Psicossocial preconiza a
superação da ética da adapta-
ção, que tem seu suporte nas
ações de tratamento como rever-
sibilidade dos problemas e na
adequação do indivíduo ao meio
e do ego à realidade. Ao propor
suas ações na perspectiva de
uma ética de duplo eixo, que
considera por um lado a relação
sujeito-desejo e por outro a di-
mensão carecimento-Ideais1,
deixa firmada a meta da produ-
1 Carecimento, por oposição ao conceito de carência ou de necessidade, abarca uma dimensão do homem que inclui o desejo (como propõe a
psicanálise) e toda a abertura do homem para os Ideais, possíveis ou não de imediato. Mas inclui também a abertura para a produção e usufruto
de todos os bens da produção social, muito além do preenchimento de necessidades, e que, muito mais que estas, correspondem à especificida-
de humana. Pode-se considerar que aqui estão incluídas também as criações da Filosofia, da Arte, da Ciência, e até da Religião, mas não sem
passar pela aspiração pertinente ao usufruto das comodidades socialmente produzidas no mais alto grau da sua evolução histórica, tal como
encontrado em Marx nos Manuscritos de 1844. Quanto aos Ideais, na mesma perspectiva do conceito de desejo, é preciso sublinhar seu caráter
além da dimenção teleológica. (Costa-Rosa, 2000:162)
As Conferências Nacionais de Saúde Mental e as Premissas do Modo Psicossocial
 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 12-25, maio/ago. 2001 15
ção de subjetividade singulari-
zada, tanto nas relações imedi-
atas com o usuário propriamen-
te dito, quanto nas relações com
toda a população do território.
Retornando às proposições da I
CNSM, em primeiro lugar merece
destaque a proposta de ampliação
do conceito de saúde, incluindo em
seus determinantes as condições
gerais de vida. Além de sua sintonia
com os princípios gerais da Refor-
ma Sanitária, podemos indicar, ain-
da, o alinhamento dessa preocupa-
ção com as do campo da Atenção
Psicossocial, que insistem, de mo-
dos diversos, na reformulação da
concepção do ‘objeto’ das práticas em
saúde mental. Essa ampliação da
definição é sem dúvida um bom pon-
to de partida para tal reformulação.
Outra proposição que deve ser
sublinhada diz respeito à exigência
da ‘participação popular’ na saúde
mental. Além de uma proposta co-
erente com a ética da participação
geral do cidadão na vida social, é
fundamental percebermos sua coe-
rência com a ética da Atenção Psi-
cossocial. Uma série de evidências
apontam as relações diretas exis-
tentes entre as formas da organi-
zação intrainstitucional e as formas
como essa instituição (através de
seus agentes) se dirige e se relacio-
na com a clientela e a população de
sua área de ação. Se nas práticas
da Atenção Psicossocial a exigên-
cia da superação do paradigma su-
jeito-objeto é um objetivo funda-
mental,parece mais do que justifi-
cado que a participação popular nas
instituições seja elevada à catego-
ria de dispositivo necessário, não
apenas contingente. Por outro lado,
o Modo Psicossocial propõe que a
ética da implicação subjetiva e so-
ciocultural dos usuários das insti-
tuições de saúde mental nos con-
flitos e contradições que os atraves-
sam, fazendo-os procurarem ajuda,
seja um componente essencial da
Atenção. Essa implicação do sujei-
exclusão e dominação, ao mesmo
tempo propondo sua reorientação
na direção dos interesses da classe
trabalhadora. Esta é mais uma pro-
posição que ultrapassa os interes-
ses ético-políticos globais. Sua tra-
dução nos pressupostos do Modo
Psicossocial exige um percurso um
pouco mais complexo. Antes de
tudo é preciso firmarmos uma con-
ceituação de Sociedade como arti-
culação de interesses contraditóri-
os, num processo político-social que
Gramsci denominou Processo de
Estratégia de Hegemonia (PEH). A
seguir temos de recorrer a uma das
proposições importantes do Modo
Psicossocial, que conceitua as prá-
ticas em saúde mental neste mo-
mento histórico, como conjunto ar-
ticulado (nos mesmos termos do
PEH), podendo aí designar-se dois
pólos bem configurados e com ló-
gicas contraditórias: o Modo Asilar
e o Modo Psicossocial. (Costa-Rosa,
2000:141-168).
Uma vez colocados na situação
de trabalhadores de saúde mental
não há como escapar ao alinhamen-
to com uma dessas lógicas. É fácil
demonstrar que a lógica asilar é
perfeitamente congruente com a do
Modo Capitalista de Produção, na
qual os interesses dos usuários são
inequivocamente subordinados aos
interesses do Hospital. A proposi-
ção de se alinhar com os interesses
dos usuários é, portanto, uma exi-
gência inadiável dos que pretendem
fazer das práticas em saúde men-
to na sua situação específica nun-
ca poderia ser realizada se, no con-
texto mais amplo da sua existên-
cia, o exercício dessa implicação lhe
fosse negado. No Modo Psicossoci-
al o engajamento subjetivo e socio-
cultural são indissociáveis da defi-
nição de saúde mental.
Um terceiro aspecto, que é opor-
tuno sublinhar, refere-se à concla-
mação dos trabalhadores da área a
reverem os riscos, ou mesmo, a efe-
tivação do seu papel de agentes de
RETORNANDO ÀS PROPOSIÇÕES
DA I CNSM, EM PRIMEIRO LUGAR
MERECE DESTAQUE A PROPOSTA DE
AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE SAÚDE,
INCLUINDO EM SEUS DETERMINANTES
AS CONDIÇÕES GERAIS DE VIDA
COSTA-ROSA, A. da, LUZIO, C. A. & YASUI, S.
16 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 12-25, maio/ago. 2001
tal dispositivos alternativos ao
Modo Asilar; ou seja, práticas ca-
pazes da produção de subjetivida-
de singularizada, em que os lucros
principais das ações de produção de
saúde sejam apropriados pelos usu-
ários das instituições, como pólo
socialmente subordinado.
Observamos, de modo geral, como
parece justo esperar por tratar-se da
I CNSM, uma ênfase em proposições
na esfera político-ideológica e no
âmbito jurídico. Pode-se notar clara-
mente, agora, como ali se tratava de
produzir bases para as propostas e
experiências práticas que viriam, na
seqüência, exercitar outras lógicas
contrárias à asilar. Deve-se registrar,
ainda, que a proposição antimanico-
mial, que vai atravessar os passos de
boa parte das práticas da Reforma
Psiquiátrica, até os dias de hoje, já
se apresenta aí bem clara e plena-
mente afirmada.
A SEGUNDA CONFERÊNCIA NACIONAL
DE SAÚDE MENTAL
Proposições gerais: Atenção Integral
Territorializada, direitos e terapêutica cidadã
Quatro anos depois, em dezem-
bro de 1992, foi realizada a II Con-
ferência Nacional de Saúde Mental
(II CNSM) com uma organização di-
ferente da anterior. Precedida de
etapas municipais, regionais e es-
taduais, que contaram com o envol-
vimento direto de cerca de vinte mil
pessoas, a etapa nacional contou
com a participação de quinhentos
delegados eleitos nas conferências
estaduais, com composição paritá-
ria dos dois segmentos: usuários e
sociedade civil, governo e prestado-
res de serviços.
Diversos pontos do relatório,
aprovados na plenária final, tive-
ram a defesa emocionada e firme
dos usuários.
Foram discutidos três grandes
temas: crise, democracia e reforma
visão integrada das várias dimensões
humanas da vida do indivíduo, em
diferentes e múltiplos âmbitos de in-
tervenção (educativo, assistencial e de
reabilitação). (Brasil-MS,1994:13)
Reafirma os princípios da uni-
versalidade, integralidade, eqüida-
de, descentralização, participação
popular e municipalização, propon-
do a substituição do modelo hospi-
talocêntrico por uma rede de servi-
ços, diversificada e qualificada, e a
intensificação da desospitalização
através dos programas públicos de
lares e pensões protegidas. Propõe,
também, a articulação com os recur-
sos existentes na comunidade e a
necessária transformação das rela-
ções cotidianas entre trabalhadores
de saúde mental, usuários, famílias,
comunidade e serviços, em busca da
desinstitucionalização, bem como da
humanização das relações no campo
da saúde mental. (Idem:16)
Chama a atenção para uma ne-
cessária construção coletiva de prá-
ticas e saberes cotidianos que con-
sidere: o trabalho em equipe, ou-
tros campos de conhecimento e os
saberes populares. Por fim, desta-
ca a relação entre cidadania, Esta-
do e Sociedade, propondo estimu-
lar a organização dos cidadãos em
associações comunitárias, altera-
ções na legislação e ações no cam-
po da informação e educação.
Em sua segunda parte, o relató-
rio apresenta inúmeras propostas
relativas à atenção em saúde men-
psiquiátrica; modelos de atenção
em saúde mental; direitos e cida-
dania. O relatório final subdivide-
se em três partes: marcos conceitu-
ais; atenção à saúde mental e mu-
nicipalização; direitos e legislação.
Em sua primeira parte, o relató-
rio aponta a atenção integral e cida-
dania como conceitos direcionado-
res das deliberações da Conferência.
A atenção integral deverá propor
um conjunto de dispositivos sanitári-
os e socioculturais que partam de uma
EM DEZEMBRO DE 1992,
FOI REALIZADA A II CONFERÊNCIA
NACIONAL DE SAÚDE MENTAL
(II CNSM) COM UMA ORGANIZAÇÃO
DIFERENTE DA ANTERIOR
As Conferências Nacionais de Saúde Mental e as Premissas do Modo Psicossocial
 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 12-25, maio/ago. 2001 17
tal e municipalização. No capítulo
sobre as recomendações gerais, além
de reafirmar o princípio da munici-
palização, acrescentou a proposta de
utilização dos conceitos de território
e responsabilidade como dispositivos
para uma ruptura com o modelo hos-
pitalocêntrico. Finaliza essa segun-
da parte com propostas para a capa-
citação dos trabalhadores de saúde,
sobre as relações no trabalho em ter-
mos de organização e conquista de
direitos, e sobre a promoção de pes-
quisas voltadas para a investigação
epidemiológica e sócio-antropológi-
cas e para a avaliação da rede de
atenção em saúde mental.
A terceira parte do relatório apre-
senta propostas referentes ao tema
Direitos e Legislação. São cinco ca-
pítulos abrangendo os seguintes te-
mas: questões gerais sobre uma ne-
cessária revisão legal; direitos civis
e cidadania; direitos trabalhistas;
drogas e legislação; direitos dos usu-
ários. Talvez tenha sido a parte do
relatório na qual os usuários parti-
ciparam de forma mais ativa, espe-
cialmente na plenária final.
Realizada em circunstâncias
históricas distintas da I CNSM, cujo
relatório apresentava diversas pro-
posições de caráterpolítico, o texto
da II CNSM não foi tão contunden-
te na crítica ao modelo econômico
nem ao momento político que se
estava vivendo. Embora aquelas
questões estivessem como pano de
fundo, o relatório era muito mais
extenso e específico nas questões
da saúde mental.
A II CNSM foi realizada em um
momento em que diversas experi-
ências já estavam consolidadas e
espalhando-se pelo país;2 já exis-
tia uma lei, aprovada na Câmara
dos Deputados e tramitando no Se-
nado, e leis estaduais aprovadas ou
em tramitação; já existiam dispo-
sitivos institucionais (portarias mi-
O Modo Psicossocial e a II Conferência
Nacional de Saúde Mental.
Podemos considerar como de
significativa relevância o fato de
que os ‘marcos conceituais’ do RE-
LATÓRIO DA SEGUNDA CONFE-
RÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE
MENTAL, realizada em 1992, este-
jam perfeitamente em sintonia com
as premissas gerais do Modo Psi-
cossocial para os tratamentos psí-
quicos na Saúde Coletiva.
Ainda que se possa considerar
que tais marcos conceituais este-
jam muito mais na perspectiva de
transformações na esfera político-
ideológica, eles podem ser tradu-
zidos em dispositivos teórico-prá-
ticos, capazes de fazerem de pre-
ceitos gerais, verdadeiros instru-
mentos de transformação das prá-
ticas cotidianas nas instituições
de saúde mental, sobretudo das
relações destas com os usuários e
com a população das suas áreas
de referência.
Senão vejamos:
1. “I. ATENÇÃO INTEGRAL E CI-
DADANIA são conceitos direciona-
dores das deliberações da II Confe-
rência Nacional de Saúde Mental”.
(Brasil/MS,1994:11)
Definir a integralidade da con-
cepção e do exercício dos programas
e ações implica operar uma série de
2 Como exemplo, o Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) Luiz Cerqueira já era uma realidade consolidada, o Programa de Saúde Mental de
Santos já era reconhecido internacionalmente como experiência modelar, inclusive pela Organização Pan-americana de Saúde (OPAS).
nisteriais) que possibilitavam a im-
plantação de novos serviços e au-
mentavam a fiscalização dos hos-
pitais; já existiam diversas associ-
ações de usuários atuando ativa-
mente pelo país. Ou seja, estava em
curso um processo de transforma-
ção da saúde mental no campo teó-
rico, no campo assistencial, no cam-
po jurídico e no campo cultural.
ESTAVA EM CURSO UM PROCESSO
DE TRANSFORMAÇÃO DA SAÚDE MENTAL
NO CAMPO TEÓRICO, NO CAMPO
ASSISTENCIAL, NO CAMPO JURÍDICO
E NO CAMPO CULTURAL
COSTA-ROSA, A. da, LUZIO, C. A. & YASUI, S.
18 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 12-25, maio/ago. 2001
transformações no modo de traba-
lho. Estas transformações é que são
condição para o exercício de ações
integrais, e ao mesmo tempo cons-
tituem a base para a efetivação de
um princípio de cidadania nas prá-
ticas dos trabalhadores de saúde
mental que seja coerente com a
meta da singularização.
Na perspectiva do Modo Psicos-
social é de fundamental importân-
cia que se tenha proposto a aten-
ção integral e a cidadania como
conceitos direcionadores, mas não
se pode perder de vista, por outro
lado, o conjunto dos passos concre-
tos que ainda precisam ser dados
para estar no exercício efetivo de
ações integrais em Saúde e de cida-
dania singularizada. Também não
podemos esquecer que a integrali-
dade, supondo o conceito de Terri-
tório, deve ocorrer simultaneamen-
te em extensão e profundidade, su-
perando as mazelas da Atenção es-
tratificada por níveis (primário, se-
cundário e terciário).
2. “II. A democratização do Es-
tado com o controle da sociedade ci-
vil é fundamento do direito à cida-
dania e da transformação da legis-
lação de saúde mental”. (idem:11)
Esta diretriz, colocada em âm-
bito de análise política da Forma-
ção Social global é muito pertinen-
te, porém é necessário aproximá-
la das nossas esferas cotidianas
de ação. Desse modo, ao preconi-
zar a democratização das institui-
ções e de suas relações com os
usuários e com a população, e a
partir da condição de trabalhado-
res da Saúde, cuida-se da aplica-
ção daquela diretriz. Uma das
maneiras mais eficazes de cumprir,
nesta esfera de atuação, a diretriz
de controle social, pela sociedade
civil, é pondo em prática disposi-
tivos como os conselhos ‘gestores
de unidades de saúde’ e como os
‘conselhos comunitários de saú-
3. “III. O processo saúde/doença
mental deverá ser entendido a par-
tir de uma perspectiva contextuali-
zada, onde qualidade e modo de vida
são determinantes para a compre-
ensão do sujeito, sendo de impor-
tância fundamental vincular o con-
ceito de saúde ao exercício de cida-
dania, respeitando-se as diferenças
e as diversidades”. (idem, idem)
3.1. Contextualizar o processo
saúde/doença exige várias opera-
ções articuladas:
Primeira: o Modo Psicossocial
preconiza uma definição de saúde
numa perspectiva que a contextua-
lize em relação a uma concepção de
sociedade, entendida como conjun-
to de interesses contraditórios arti-
culados, possíveis de serem descri-
tos e compreendidos através do con-
ceito de Processo de Estratégia de
Hegemonia (PEH). Essa contextua-
lização, nos termos do PEH, obriga
a considerar a própria luta por saú-
de, tanto entendida como estado
das condições de vida, quanto en-
tendida como reivindicação de cui-
dados de saúde, como componente
da própria definição de saúde.
Segunda: no Modo Psicossocial
define-se a especificidade da saúde
mental, de tal modo que se visualiza
a participação da dimensão sociocul-
tural como intrínseca ao próprio pro-
cesso de subjetivação. Desse modo a
própria forma de atravessamento da
dimensão sócio-simbólica pode ser
parte constitutiva dos problemas que
de’, aliás, instrumentos já garan-
tidos na constituição do país. Além
disso devemos lembrar que as
metas de livre trânsito dos usuá-
rios pelas instituições e de sua
participação direta na instituição,
preconizadas pelo Modo Psicosso-
cial, podem ser implementadas cri-
ando condições para que os con-
selhos e comissões de usuários e
população participem em esferas
da instituição relacionadas com o
poder decisório.
NA PERSPECTIVA DO MODO
PSICOSSOCIAL É DE FUNDAMENTAL
IMPORTÂNCIA QUE SE TENHA
PROPOSTO A ATENÇÃO INTEGRAL
E A CIDADANIA COMO CONCEITOS
DIRECIONADORES
As Conferências Nacionais de Saúde Mental e as Premissas do Modo Psicossocial
 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 12-25, maio/ago. 2001 19
tendem a apresentar-se como típicos
ou preponderantes numa determina-
da conjuntura histórico-social.
Terceira, o Modo Psicossocial
inclui em sua caracterização a
consideração da especificidade da
saúde mental com a inclusão da
própria noção de ‘crise’ como seu
componente estrutural. Ou seja,
dada a concepção de saúde que
inclui em sua definição a partici-
pação ativa do homem na busca
de melhores condições de vida e
de melhor atendimento à saúde, e
dada a circunstância histórica de
que a sociedade liberal - ainda
mais gravemente nos contextos
chamados de capitalismos depen-
dentes - é conjunção de interes-
ses contraditórios, portanto um
processo que envolve luta e confli-
to entre esses interesses, então só
é possível conceber a saúde men-
tal como um certo modo do posici-
onamento subjetivo e sociocultu-
ral dos indivíduos na conjuntura
conflitiva particular que os atra-
vessa e pela qual são atravessados.
3.2. Vincular o conceito de saúde
ao exercício de cidadania, no âmbito
das práticas em Saúde, é possível
apenas em decorrência da própria
contextualização da definição de saú-de nos termos acima propostos. Nes-
te sentido também é importante não
perder de vista algumas nuances in-
cluídas na questão, que podem ser
capciosas se tomadas em sentido
muito estrito ou muito genérico.
Dizer que o exercício de cidada-
nia é resolutivo e preventivo de
problemas psíquicos e mentais
pode ser muito pertinente, porém
isto está longe de significar que
prevenção em saúde mental e tra-
tamento psíquico em Saúde Cole-
tiva possam ser reduzidos ao exer-
cício de ações de cidadania, qual-
quer que seja a definição em que
se tome esta última.
Disso resulta que o mais impor-
tante é especificar quais são as con-
prisma, não ignoramos as dramá-
ticas condições de vida dos usuári-
os do hospital psiquiátrico, cuja re-
vogação há muito tarda.
4. “IV. A vida exige uma aborda-
gem abrangente no campo da saú-
de mental, capaz de romper com a
usual e ainda hegemônica concep-
ção compartimentalizada do sujei-
to, com as dissociações mente/cor-
po e trabalho/prazer ...”. Refletida
em: a) “Mudança no modo de pen-
sar a pessoa com transtornos men-
tais em sua existência-sofrimento,
e não apenas a partir do seu diag-
nóstico”; b) “Diversificação das re-
ferências conceituais e operacionais,
indo além das fronteiras delimita-
das pelas profissões clássicas em
saúde mental”; c) “uma ética da
autonomia e singularização que
rompa com o conjunto de mecanis-
mos institucionais e técnicos em
Saúde, que têm produzido, nos últi-
mos séculos, subjetividades proscri-
tas e prescritas.” (idem:11-12)
Este talvez seja, entre todos os
outros, o marco conceitual mais
complexo. Isto se deve ao fato de aí
se mesclarem, como veremos, as-
pectos teórico-técnicos e éticos:
4.1. Para mudarmos nossa ati-
tude asilar, reformista e tecnicista
diante da pessoa com transtornos
psíquicos ou mentais, e considerá-
la a partir de sua existência-sofri-
mento, faz-se necessário especificar
dições das próprias práticas em
saúde mental, capazes de criar os
meios de exercício de cidadania nas
relações das instituições e dos tra-
balhadores com os usuários e a po-
pulação, e, ao mesmo tempo, mos-
trar como essas condições podem
estar em sintonia com a ética da ci-
dadania singularizada e da produ-
ção de subjetividade singularizada,
explicitadas no Modo Psicossocial.
É importante sublinhar, ainda, que,
ao tomarmos a questão por esse
É IMPORTANTE SUBLINHAR, AINDA,
QUE, AO TOMARMOS A QUESTÃO
POR ESSE PRISMA, NÃO IGNORAMOS
AS DRAMÁTICAS CONDIÇÕES DE VIDA
DOS USUÁRIOS DO HOSPITAL PSIQUIÁTRICO,
CUJA REVOGAÇÃO HÁ MUITO TARDA
COSTA-ROSA, A. da, LUZIO, C. A. & YASUI, S.
20 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 12-25, maio/ago. 2001
uma concepção de subjetividade e
de saúde psíquica que deixem cla-
ro qual é o lugar e o estatuto das
crises e dos diferentes desencadea-
mentos problemáticos.
É necessário dar às crises um
lugar estrutural (depois de extirpa-
das de sua porção indesejável e evi-
tável). As crises só terão uma aco-
lhida como efeitos estruturais e,
portanto, também estruturantes, se
elas forem concebidas como inte-
grantes do modo de o sujeito se po-
sicionar em relação às conjunturas
conflitivas (subjetivas e sociocultu-
rais) que os atravessam. Apenas
numa concepção de saúde psíquica
assim formulada será possível con-
siderar seriamente os indivíduos
como ‘existência-sofrimento’.
Também já sabemos que esta
diretriz da II Conferência Nacional
de Saúde Mental sai explicitamen-
te do modelo italiano. Sobre isso,
Rotelli et al. (1990:28), afirmam
que para considerar, de fato, o in-
divíduo como existência-sofrimen-
to é ‘preciso começar a desmontar
a relação problema-solução, renun-
ciando a perseguir aquela solução
racional (tendencialmente ótima)
que no caso é a normalidade ple-
namente restabelecida’.
O modelo italiano, do qual tam-
bém é tributário o Modo Psicosso-
cial, proclama que
 o mal da Psiquiatria está em haver
separado um objeto fictício, a ‘doen-
ça’, da existência global complexa e
concreta dos pacientes e do corpo so-
cial. Sobre essa separação artificial
se construiu o conjunto de aparatos
científicos, legislativos, administra-
tivos (precisamente a ‘instituição’),
todos referidos à ‘doença’. É este con-
junto que se pretende desmontar (de-
sinstitucionalizar) para retomar o
contato com aquela existência dos
pacientes, enquanto existência-sofri-
mento. (idem, idem).
O problema não é cura (a vida
produtiva) mas a produção de vida
sentir o sofrimento do ‘paciente’ e
que, ao mesmo tempo, se transforme
sua vida concreta e cotidiana, que ali-
menta esse sofrimento (...) Por isso a
festa, a comunidade difusa, a recon-
versão contínua dos recursos insti-
tucionais, e por isso solidariedade e
afetividade se tornarão momentos e
objetivos centrais... ( idem:30).
 Esta diretriz está perfeitamen-
te em sintonia com o que, no Modo
Psicossocial, se define em termos de
implicação subjetiva e sociocultu-
ral dos indivíduos que recorrem às
instituições de saúde mental.
4.2. Para superarmos as referên-
cias conceituais e operacionais,
para além das profissões clássicas,
serão necessárias pelo menos duas
operações articuladas.
Primeira, será preciso rever e
modificar a concepção de saúde e
doença e dos meios de tratamento
decorrentes dos postulados psiqui-
átricos, como detentores exclusivos
ou preponderantes do saber sobre
o psíquico e o humano neste con-
texto. Isso só poderá ser feito rela-
tivizando a importância das con-
tribuições desse campo de saber,
agregando-lhe de modo bastante
radical (não apenas como acessó-
rios) uma série de conceitos e téc-
nicas geradas no campo da Psica-
nálise e do Materialismo Históri-
co, além de contribuições da Filo-
sofia (filosofia da Diferença), da
Arte e da Estética.
e de sentido, de sociabilidade, a uti-
lização das formas (dos espaços co-
letivos) de convivência dispersa
(idem:30).
Assim, o modelo italiano assen-
ta-se em uma redefenição do tra-
balho terapêutico voltado para a re-
constituição de pessoas enquanto
pessoas que sofrem, como sujeitos
(idem:33). Fala-se menos em cura
do que em cuidado.
Cuidar significa ...fazer com que
se transformem os modos de viver e
O MAL DA PSIQUIATRIA ESTÁ
EM HAVER SEPARADO UM OBJETO
FICTÍCIO, A ‘DOENÇA’, DA EXISTÊNCIA
GLOBAL COMPLEXA E CONCRETA DOS
PACIENTES E DO CORPO SOCIAL
As Conferências Nacionais de Saúde Mental e as Premissas do Modo Psicossocial
 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 12-25, maio/ago. 2001 21
A segunda operação deverá con-
sistir numa crítica à divisão do tra-
balho tal qual ela está em ação des-
de o primeiro momento em que se
congregaram diferentes disciplinas
no campo do saber e das práticas
em saúde mental. Essa crítica terá
que passar pela demonstração
(como via para a superação) de que
o modo da divisão do trabalho aí
atuante é o mesmo que vige no con-
texto da produção em geral e que
tem sido chamado de modo taylo-
rizado ou ‘linha de montagem’,
(Costa-Rosa, 1987:222-252).
Nesta linha de raciocínio é pos-
sível demonstrar que essa frag-
mentação do cliente e da própria
subjetividade são os meios através
dos quais se reproduzem as rela-
ções sociais dominantes no contex-
to social (as relações sociais de
produção e de poder). Ao mesmo
tempo será possível demonstrar
que essas relações sociais domi-
nantes (já conhecidas nossas com
as seguintes fisionomias: como
trabalho intelectual e decisório
versus trabalho de execução, e sob
a forma da própria cisão fragmen-tadora do processo de trabalho, por
exemplo, em termos da separação
entre momento diagnóstico e mo-
mento terapêutico, mas não apenas)
são alguns dos modos de expropria-
ção, tanto de trabalhadores quanto
de usuários, do excedente precioso,
que é o equivalente da “mais-valia”
no contexto das práticas em saúde
mental. Ou seja, onde há muita re-
produção há pouca produção; onde
há subjetividade serializada falta
subjetividade singularizada.
Em suma, esta segunda opera-
ção inclui a superação teórico-téc-
nica e ideológica do modelo taylo-
rista no processo de trabalho na
saúde mental, e sua substituição
por outro modo capaz de permitir
que o saldo mais precioso do pro-
cesso de trabalho ( a implicação
subjetiva e a singularização) seja
apropriado pelos trabalhadores e
ciais em sintonia com o agencia-
mento dos interesses sociais subor-
dinados (intersubjetividade hori-
zontal singularizada).
4.3. Para sustentar na prática
uma ética da autonomia e da sin-
gularização também será necessá-
rio realizar no mínimo outras duas
operações conjugadas.
A primeira diz respeito à auto-
nomia. A autonomia dos usuários
só pode estar associada à autono-
mia dos trabalhadores. A autono-
mia dos trabalhadores e dos usuá-
rios por sua vez associa-se à supe-
ração dos modos de existência e
funcionamento das instituições que
são características do Modo Asilar.
A organização da instituição de
saúde mental como dispositivo se-
gundo a mesma lógica das institui-
ções típicas do Modo Capitalista de
Produção (MCP) produz uma série
de efeitos refletidos na sua ‘produ-
ção’, que são desastrosos e às ve-
zes letais. Há muito que teorizar e
transformar a fim de driblar esse
intermediário necessário (já que
não dá para escapar neste momen-
to histórico da intermediação da
instituição nas práticas de Atenção)
da relação dos trabalhadores de
saúde mental e dos usuários. Mas
o melhor começo será, sem dúvida,
reconhecer essa intermediação e
desvendar-lhe a anatomia para des-
cobrir as operações que são neces-
sárias para fazer esse intermediá-
rio trabalhar a favor da ética que
pelos usuários e posto a seu servi-
ço – ao contrário do que acontece
no Modo Asilar, em que é o inter-
mediário, dono dos meios de pro-
dução e das decisões do quê e como
produzir, quem dele se apropria.
Convém não perdermos de vista que
a natureza desse excedente muda
conforme o seu destinatário. Num
caso dá-se como reprodução das
relações sociais dominantes (sub-
jetividade capitalista), no outro dá-
se como recriação de relações so-
A ORGANIZAÇÃO DA INSTITUIÇÃO DE SAÚDE
MENTAL COMO DISPOSITIVO SEGUNDO A
MESMA LÓGICA DAS INSTITUIÇÕES TÍPICAS
DO MODO CAPITALISTA DE PRODUÇÃO
(MCP) PRODUZ UMA SÉRIE DE EFEITOS
REFLETIDOS NA SUA ‘PRODUÇÃO’, QUE SÃO
DESASTROSOS E ÀS VEZES LETAIS
COSTA-ROSA, A. da, LUZIO, C. A. & YASUI, S.
22 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 12-25, maio/ago. 2001
preconizamos para nossas práticas
de Atenção. Quanto a este aspecto
também propomos retomar as di-
retrizes de Modo Psicossocial em
relação à instituição como disposi-
tivo, e quanto ao modo de ela se
situar em relação à clientela e ao
território que lhe correspondem.
A segunda operação a respeito
da singularização inclui justamen-
te a nossa capacidade de criar uma
mínima sintonia (ainda que com
concessões táticas inevitáveis) en-
tre a forma de conceber e atuar as
definições de saúde e doença e dos
meios de tratamento; a forma das
relações intrainstitucionais; a for-
ma da relação da Instituição como
equipamento com seus usuários e
com o território; e, finalmente,
como se concebe o estatuto de nos-
sas ações em termos de performan-
ce e de ética.
A meta da singularização, no
Modo só poderá ser almejada por
uma concepção do ‘objeto’ e dos
meios, e da relação dos dois, que
seja capaz de atender à especifici-
dade da subjetividade humana, e
que inclua a própria ação e autode-
terminação como constitutivas do
homem. Ninguém trabalhará na
subjetividade à revelia do sujeito,
a não ser para a produção de efei-
tos de destituição subjetiva.
Para ser almejada e alcançada, a
singularização dependerá de que a
forma das relações sociais e huma-
nas na instituição parta da horizon-
talização como meta e, em alguma
medida, seja vivida como exercício.
Sem isto não há a menor plausibili-
dade em propor a implicação subje-
tiva e sociocultural do usuário e do
trabalhador; sem estas parece-nos
que não pode haver terapêutica na
perspectiva da singularização.
Apenas poderá ser meta realis-
ta, na medida em que a instituição
seja capaz de desfazer seu imagi-
nário repressivo e segregador (pa-
trimônio que neste momento histó-
rico não é exclusividade do Hospi-
so aos usuários e da população do
território a todos os espaços insti-
tucionais; criar modelos de recep-
ção e de escuta das primeiras de-
mandas, que sejam capazes de der-
rogar os atuais balcões e filas de
espera, construindo uma relação di-
reta que permita à instituição situ-
ar-se no imaginário e no simbólico
como ‘sujeito-suposto-saber’, ou
seja, que lhe permita funcionar como
primeiro interlocutor e até como te-
rapeuta, se for o caso, ali onde a ins-
tituição está acostumada a pensar e
agir apenas como ‘natureza morta’
ou, na melhor das hipóteses, como
suporte das relações sociais da sua
produção ali atualizadas.
Finalmente, a singularização só
poderá ser almejada como meta éti-
ca realista se formos capazes de
superar o modo da ética vigente
nas práticas atuais do Modo Asi-
lar. A atitude ética de uma prática
em saúde mental pode ser decifra-
da a partir de uma análise de seus
efeitos de tratamento e cura e tam-
bém através das finalidades socio-
culturais para que concorrem es-
ses efeitos. A ética da singulariza-
ção terá que superar os modelos
funcionalistas das práticas que tra-
balham nos eixos da adequação do
indivíduo ao meio e do ego à reali-
dade, e no eixo da relação entre
carências e suprimentos da mais
variada natureza.
Essa superação só poderá ser
alcançada na perspectiva de uma
prática que seja capaz de propor,
tal Psiquiátrico). Isto, por sua vez,
só será possível se os seus agentes
forem capazes de fazer prevalecer
ações que tendam a transformá-la
em espaço privilegiado de interlo-
cução para questões subjetivas e
socioculturais. Para isso será neces-
sário que tais agentes sejam capa-
zes de rever, de forma drástica, sua
representação da sintaxe e da se-
mântica em termos lingüísticos e
em termos dos conjuntos do arqui-
tetônico e do mobiliário; abrir aces-
A ATITUDE ÉTICA DE UMA PRÁTICA EM
SAÚDE MENTAL PODE SER DECIFRADA A
PARTIR DE UMA ANÁLISE DE SEUS EFEITOS
DE TRATAMENTO E CURA E TAMBÉM
ATRAVÉS DAS FINALIDADES SOCIOCULTURAIS
PARA QUE CONCORREM ESSES EFEITOS
As Conferências Nacionais de Saúde Mental e as Premissas do Modo Psicossocial
 Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 25, n. 58, p. 12-25, maio/ago. 2001 23
como efeito principal das suas
ações de tratamento, a implicação
subjetiva como meta radical, na re-
lação do sujeito com o desejo (por
oposição ao ego-realidade) e na re-
lação carecimento-Ideais (por opo-
sição à carência-suprimento); dese-
jo e carecimento considerados como
o que mais essencialmente define
a especificidade do homem.
O PROCESSO DE ESTRATÉGIA
DE HEGEMONIA NA SAÚDE MENTAL:
AVANÇOS E RETROCESSOS
Muitas das propostas apresen-
tadas nas duas Conferências se con-
cretizaram, como, por exemplo, a
criação de lei federal, leis estadu-
ais e municipais,

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