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Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - ABRAVAS www.abravas.org.br Informações: secretaria@abravas.org.br / info@abravas.org.br / contato@abravas.org.br Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - ABRAVAS www.abravas.org.br Informações: secretaria@abravas.org.br / info@abravas.org.br / contato@abravas.org.br BOLETIM TÉCNICO ABRAVAS Publicação digital da Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - Ano II - Fev/2018 - nº 19 Profissional convidado: Foto da capa: Lauro Soares Neto Rinoceronte branco (Ceratotherium simum) Todos os direitos são reservados a Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens – ABRAVAS. É proibida a duplicação ou reprodução deste arquivo, no todo ou em parte, em quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição pela Internet ou outros), sem permissão, por escrito, da Associação. André Nicolai E. Silva Médico Veterinário formado pela Universidade de Franca em 2005 Residência em Medicina de Animais Selvagens pela Fundação Parque Zoológico de São Paulo 2007 – 2009 Médico Veterinário Chefe de Setor Técnico, responsável pelo Núcleo de Anestesiologia da Fundação Parque Zoológico de São Paulo 2009 – 2013 Capacitação Profissional em Medicina de Animais Selvagens - Zoológico Temaiken - Argentina 2011 Pós graduado em Anestesiologia Veterinária – PAV Colaborador do Departamento de Medicina Veterinária da Associação Paulista de Zoológicos e Aquários Doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo - FZEA/USP Conselheiro Fiscal - Diretoria ABRAVAS - 2017-2019 Professor Assistente de Clinica Médica de Animais Silvestres no Centro Universitário de Jaguariúna Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - ABRAVAS www.abravas.org.br Informações: secretaria@abravas.org.br / info@abravas.org.br / contato@abravas.org.br CONTENÇÃO QUÍMICA E ANESTESIA DE MEGAVERTEBRADOS Resumo O termo megavertebrados é usualmente utilizado para se referir a um grupo de animais diferenciados pelo tamanho de suas vértebras e seu grande porte. Como resultante a estas características corporais particulares, o manejo destes animais mostra-se desafiador na grande maioria das vezes. Dentre os diferentes pontos que compõem a rotina desses animais em cativeiro, a contenção química e ou anestesia apresentam-se como um desafio relevante. A exemplo do observado em grandes animais domésticos, pontos como decúbito, peso e tempo de anestesia podem influenciar de forma significativa no sucesso do procedimento. Diante desse contexto faz-se importante a completa compressão de cada um desses fatores para execução de tais procedimentos de uma forma mais segura. Frente a este cenário, o presente artigo tem como foco apresentar e discutir alguns dos pontos que compõem essa prática. Palavras-chave: Protocolo anestésico, Hipopótamo, Rinoceronte, Elefante, Girafa Introdução O termo megavertebrados é usualmente utilizado para se referir a um grupo de animais diferenciado pelas suas grandes vértebras, seu grande porte e elevado peso corpóreo. Dentro da rotina de um zoológico, esse grupo é formado basicamente pelos hipopótamos, rinocerontes, elefantes e girafas. No entanto, vale destacar que essa denominação pode ser ampla e um pouco subjetiva fazendo com que alguns profissionais incluam neste grupo animais como camelos, búfalos e até mesmo grandes cetáceos como orcas e baleias. Devido estas características corporais particulares, o manejo destes animais mostra-se desafiador na grande maioria das vezes. Dentre os diferentes pontos que podem compor a rotina de manejo destes animais em instituições cativas, a contenção química e a anestesia, quando necessárias, podem mostrar-se como um desafio. Isso se deve basicamente às estruturas atuais de nossas instituições zoológicas as quais se encontram pouco preparadas para realização de tais procedimentos, a falta de familiaridade por parte dos médicos veterinários com esta prática, a ausência de fármacos que para muitos ainda consiste no ponto de maior dificuldade e a carência de conhecimento quanto às características anatômicas e fisiológicas de cada uma dessas espécies. Diante deste contexto, o presente artigo tem como foco discutir os principais pontos relacionados à contenção química e anestesia em hipopótamos, rinocerontes, elefantes e girafas. Avaliação pré-anestésica, Planejamento e Preparo do paciente O planejamento é parte fundamental e indispensável na anestesia de megavertebrados. Essa execução deve ser detalhada e ao final deste processo deve-se ter em mãos uma lista de materiais necessários, onde e quando serão obtidos, detalhes do ambiente no qual será feito o procedimento, mudanças necessárias no local caso necessite, previsão de horário para início e término do procedimento, possíveis intercorrências, soluções para as mesmas e descrição da equipe de trabalho com nomes e funções a serem desempenhadas durante o procedimento. No que se refere especificamente à avaliação e preparo do ambiente, é indispensável que o anestesista e a equipe envolvida diretamente no procedimento visitem o local no qual se planeja realizar a anestesia. Durante essa inspeção a equipe deve-se atentar para o tamanho da área disponível, presença de quinas, piso ou substrato do local, pontos de fuga para os profissionais em casos de imprevistos, logística para o transporte e acomodação dos Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - ABRAVAS www.abravas.org.br Informações: secretaria@abravas.org.br / info@abravas.org.br / contato@abravas.org.br equipamentos necessários, temperatura e umidade do local, luminosidade, disponibilidade de água e quais as adaptações serão necessárias. Dentre esses pontos, a natureza do substrato disponível no local do procedimento merece atenção especial, pois estes pacientes, por apresentarem um elevado peso corporal (toneladas), possuem um risco potencial de lesões periféricas isquêmicas causadas pelo decúbito prolongado em piso inadequado. Assim como se observa em equinos domésticos, o decúbito prolongado de uma densa massa muscular sobre um piso duro, irregular ou inadequadamente acolchoado pode acarretar na compressão de vasos sanguíneos resultando em uma perfusão ineficiente. A postura do paciente durante o período de decúbito pode acarretar em neuropatias (nervo radial) dificultando o equilíbrio do paciente durante a recuperação anestésica e após a mesma. Preconiza-se que para todo procedimento de anestesia destes animais seja realizado o acolchoamento adequado do local e que durante o período de decúbito lateral o membro torácico que se encontre em contato com o piso seja projetado para frente, para a compressão sobre o nervo radial. Como opção de acolchoamento sugere-se o uso, sob a forma de uma camada mínima de trinta centímetros acima do piso original de areia, distribuída igualmente pelo local. Podem-se usar placas de borracha de alta densidade e ou feno, porém este último quando usado de forma isolada pode ter efeito limitado. Colchões de espuma (de alta densidade), ar ou água também são indicados, no entanto não se encontram disponíveis no Brasil. Associado a este cuidado, o tempo de decúbito controlado e limitado (período máximo de 60 a 90 minutos) também se mostra como uma ferramenta na prevenção desse tipo de lesão. A exemplo dos procedimentos realizados com animais domésticos, a avaliação pré- anestésica também consiste em uma etapa importante do protocolo de anestesia em um megavertebrado, não devendo ser negligenciada, mesmo em animais no qual a aproximação não se faz possível.Diante destas situações faz-se necessário uma adaptação desta etapa, por vezes limitada a uma coleta detalhada de dados sobre a espécie, sobre o paciente, sobre o ambiente no qual o procedimento será realizado e sobre o motivo pelo qual o animal será submetido a contenção química ou anestesia. Assim como em outros pacientes, a coleta de dados que compõem a avaliação pré- anestésica de um megavertebrado deve-se iniciar na observação detalhada do seu histórico, buscando informações que permitam entender o problema atual deste animal e a real necessidade da anestesia, principalmente se houver resultados de exames já realizados, fichas anestésicas anteriores com detalhes para contribuir na confecção do seu protocolo de abordagem atual. Outro ponto importante desta etapa é avaliação do animal em seu recinto. Durante esse procedimento deve-se observar características e parâmetros como escore corporal, frequência e amplitude respiratória, movimentação pelo recinto, aparência das fezes, intensidade de apetite e índole individual. Deve-se ainda, questionar o tratador e ou técnico responsável pelo animal sobre possíveis alterações destes parâmetros. Em casos de fêmeas mantidas em grupos ou casais deve-se checar a possibilidade de prenhez. Tais informações podem parecer pouco significativas a princípio, mas diante à escassez de dados de alguns casos quando bem aproveitadas e corretamente interpretadas, são por vezes determinantes para confecção do protocolo e para o planejamento do procedimento. A pesquisa prévia de dados referentes à anatomia e fisiologia da espécie a ser contida ou anestesiada é fundamental. Atualmente encontram-se disponíveis literaturas qualificadas sobre o tema, inclusive direcionadas à anestesia de cada uma dessas espécies (literatura sugerida após referências). É imprescindível que, antes do procedimento, seja de Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - ABRAVAS www.abravas.org.br Informações: secretaria@abravas.org.br / info@abravas.org.br / contato@abravas.org.br conhecimento do anestesista e dos demais profissionais envolvidos a variação dos principais parâmetros fisiológicos a serem monitorados (Tabela 1). Tabela 1 – Intervalo de referência dos parâmetros fisiológicos básicos de hipopótamo, rinoceronte, elefante e girafa1-4 Parâmetros Fisiológicos – Megavertebrados Parâmetros Fr. cardíaca Fr. Respiratória Temp. retal Saturação O2 Hipopótamo 20 a 60bpm 4 a 20 mpm 35 a 38º C > 90 % Rinoceronte branco 20 a 60 bpm 4 a 15 mpm 36 a 38,5° C > 90 % Elefante asiático 25 a 30 bpm 4 a 6 mpm 36 a 37° C > 90 % Girafa 30 a 60 bpm 10 a 30 mpm 36 37,5° C > 90 % O uso dessas informações na confecção do seu protocolo pode ser observado com a comparação de duas situações hipotéticas: um elefante jovem e hígido e um rinoceronte idoso com diarreia e anorexia. No primeiro caso a escolha do protocolo farmacológico e da fluidoterapia a ser utilizada exigem menor preocupação, diferentemente do segundo animal onde a idade remete a preocupação com doses e metabolismo, a condição clínica sugere desidratação que pode se apresentar no momento da anestesia como uma hipotensão associada a uma hipoperfusão prévia, com possível aumento dos níveis de lactato e resultante acidose metabólica. Essas informações podem fazer com que o anestesista evite ou reduza a dose de fármacos com potencial hipotensor e venha a utilizar uma taxa de infusão de fluidos maior além de estar preparado para reverter uma possível hipotensão transanestésica. O acesso a estes animais pode ser bastante facilitado em instituições que trabalham com técnicas de condicionamento operante, permitindo, por vezes, a realização de exame físico e coleta de amostras biológicas previamente a anestesia. O jejum contribui de forma relevante no controle de uma possível regurgitação e no retardo ou prevenção de um quadro de timpanismo. Diferentemente do que se preconiza para ruminantes e equídeos domésticos, o plano de jejum para estes animais opta pela manutenção de fibra (capim, leguminosas e feno) até momentos antes da anestesia, associado a um jejum de 24 a 48 horas da porção de concentrado, frutas e legumes (quando presentes na dieta). A escolha por este método de jejum baseia-se na afinidade do conteúdo fibroso ao líquido presente no estômago. Essa relação permite que a fibra atue de maneira similar a uma “esponja” impedindo ou reduzindo o risco de refluxo. No que se refere ao jejum hídrico, o autor sugere que mesmo não seja realizado, a exemplo de condutas atuais preconizadas para grandes animais domésticos, pois atualmente é de conhecimento que os benefícios relacionados ao mesmo são inferiores ao desconforto do paciente e ao risco de desidratação subclínica com uma possível hipovolemia oculta. Caso o profissional responsável opte pelo jejum, sugere-se que o mesmo não exceda o intervalo de 4 a 6 horas. Contenção química e Anestesia de Hipopótamos-do-Nilo A contenção química e ou anestesia de hipopótamos (Hippopotamus amphibius) apresenta-se cercada por mitos e medos, devido a grande taxa de insucesso de procedimentos realizados no passado. Para essa alta taxa de insucesso destaca-se a carência de conhecimentos relacionados à anatomia, fisiologia, comportamento e anestesia. A exemplo dos demais representantes do grupo dos megavertebrados, o sucesso na realização de uma simples contenção química ou uma complexa anestesia geral baseia-se em Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - ABRAVAS www.abravas.org.br Informações: secretaria@abravas.org.br / info@abravas.org.br / contato@abravas.org.br conhecimentos que vão muito além da escolha de fármacos, ponto esse por muitas vezes ainda tratado como foco único ou principal. O planejamento ambiental para realização de procedimentos com hipopótamos, deve dispender especial atenção à privação destes animais a área aquática do recinto antes, durante e após o procedimento. A privação ao ambiente aquático tem como alvo evitar que o animal possa entrar na água durante ou imediatamente após o procedimento correndo risco de afogamento, uma vez que o mesmo estará sob os efeitos de sedativos e ou anestésicos. De acordo com a experiência do autor é sugerido que o tanque seja esvaziado ou que o animal seja alojado em um local no qual se possa evitar o acesso a esta área. Vale destacar que ambas as possibilidades apresentam vantagens e desvantagens, a manutenção do animal em seu recinto com esvaziamento do tanque, tem como principal vantagem a reduzida manipulação do animal e consequentemente um menor grau de estresse durante a fase de preparação. Todavia as dificuldades durante o procedimento de contenção ou anestesia podem ser maiores, devido a possível dificuldade de administração dos dardos, a qualidade de substrato do recinto, o controle da incidência de sol e consequente temperatura e a complexidade em realizar-se as adaptações necessárias. Em contrapartida o alojamento prévio do animal em um local restrito, pode inicialmente sugerir um maior grau de estresse durante a etapa de preparação, no entanto isso pode ser contornado com a prática de manejos e treinamentos que façam o animal associar o local e o processo de restrição com algo positivo e recompensador. A escolha do protocolo farmacológico a ser utilizado na contenção de um hipopótamo vai muito além do uso exclusivo de etorfina e outros opioides potentes. Atualmente fármacos como butorfanol, diazepam, midazolam, detomidina, azaperone, cetamina e isofluorano, usados de forma isolada ou em associação, tem composto grande parte dos protocolos elaborados em nosso país (Anexo 1). Na monitoração transanestésica aferem-se parâmetros como frequência cardíaca avaliada com auxílio de doppler vascular posicionadosobre a córnea, oxímetro de pulso ou através do uso estetoscópio eletrônico; frequência respiratória monitorada através da observação dos movimentos de gradil costal e saturação periférica de oxigênio. Outros parâmetros podem ser monitorados aumentando a segurança do procedimento como concentração de dióxido de carbono captado ao final da expiração por uma sonda nasal (30 a 55 mmHg) e os valores de gases sanguíneos1,5(Tabela 2). Atenção especial deve ser direcionada à monitoração da temperatura corpórea, devido ao risco de hipertermia constantemente relatado1. A realização de banhos durante o período de anestesia pode apresentar-se como uma ferramenta importante de manipulação da temperatura corpórea. Tabela 2 – Valores de gases sanguíneos estabelecidos a partir de amostras venosas de hipopótamos-do-Nilo Gases sanguíneos– Hipopótamo-do-Nilo pH 7,4 PO2 71 mmHg PCO2 61,5 mmHg Outra particularidade relevante refere-se à dificuldade de acesso vascular nestes animais. Entre os possíveis acessos, a literatura destaca a artéria caudal ventral, as veias laterais caudais, cefálicas, digitais palmares, safenas, digitais plantares, auriculares e sublinguais. Na experiência do autor, os acessos caudais e auriculares consistem nas opções de maior facilidade para coleta de sangue em animais adultos. Apesar do grande número de acessos citados, a espessura da pele e a dificuldade em localizá-los, dificultam a canulação dos mesmos. Como opção, o autor sugere o uso da via retal como via de infusão de fluidos Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - ABRAVAS www.abravas.org.br Informações: secretaria@abravas.org.br / info@abravas.org.br / contato@abravas.org.br durante o procedimento anestésico. Em casos de emergência no qual o paciente encontra-se sem acesso venoso, indica-se a administração de fármacos na base da língua ou na região de períneo, que, respectivamente apresentam intensa irrigação local e delgada espessura. Nestes animais, a suplementação de oxigênio é feita com auxílio de uma sonda nasal e com um fluxo mínimo de oxigênio (100%) de 10 a 15 litros por minuto (Figura 1). O período de recuperação em um procedimento de contenção química de um hipopótamo consiste em uma fase crítica e desafiadora. Isso se deve basicamente à dificuldade de acesso e monitoração do paciente nessa fase, pois a partir do momento em que o animal mostra sinais de recuperação há um risco relevante para o anestesista. Devido a isso é indicado a utilização de antagonistas (flumazenil, naloxona, ioimbina ou atipamezole) ao final do procedimento, para reduzir o período crítico para a equipe. No entanto, mesmo com a aplicação dos antagonistas, a monitoração do paciente à distância, através da observação do nível de consciência, movimento de gradil costal e da sua movimentação pelo recinto é fundamental e obrigatória. Contenção química e Anestesia de Rinocerontes Atualmente se conhecem cinco espécies de rinocerontes no mundo, três asiáticas e duas africanas. As asiáticas são popularmente conhecidas como rinoceronte indiano (Rhinoceros unicornis), o maior representante dentre as cinco espécies, rinoceronte de Sumatra (Dicerorhinus sumatrensis) e o rinoceronte Java (Rhinoceros sondaicus), e as africanas são o rinoceronte branco e o rinoceronte negro. No Brasil a população de rinocerontes cativos é representada atualmente pela espécie Ceratotherium simum ou rinoceronte branco. Apesar do seu tamanho e aparente rusticidade, o rinoceronte branco apresenta notável sensibilidade aos fármacos sedativos e anestésicos. Alguns profissionais associam essa sensibilidade a uma possível fragilidade de barreira hematencefálica, no entanto, até o presente momento, não há comprovação científica que suporte essa afirmação. Figura 1. Suplementação de oxigênio por auxilio de sonda endotraqueal alojada na narina direita de um exemplar de hipopótamo-do-Nilo (Hippopotamus amphibius). Fundação Parque Zoológico de São Paulo – FPZSP. Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - ABRAVAS www.abravas.org.br Informações: secretaria@abravas.org.br / info@abravas.org.br / contato@abravas.org.br Assim como com os hipopótamos, a escolha do protocolo farmacológico para contenção química e ou anestesia de rinocerontes consiste em apenas um dos pontos que compõem o protocolo de contenção destes animais. Detalhes aparentemente menos importantes podem fazer a diferença para o sucesso do procedimento. Dentre os fármacos utilizados para confecção de protocolos sedativos e ou anestésicos para o manejo de rinocerontes cativos em nosso país destacam-se o butorfanol, a detomidina, o azaperone e a cetamina (Anexo 1). Quanto ao que se refere aos possíveis detalhes, exemplos práticos como a neutralização de quinas no local que será realizado o procedimento (cambiamento) ou técnicas para o deslocamento de animais sedados podem ser citados. A neutralização de quinas pode evitar que o animal venha a decúbito em áreas aonde o acesso a sua região frontal possa ser dificultado. Rinocerontes em processo de sedação apóiam o corno nessas regiões em busca de equilíbrio, correndo o risco de lesão dessa estrutura ou mesmo de obstrução parcial de uma das narinas, uma vez que esta pode acabar pressionada contra parede após o decúbito. Para reduzir esse risco, indica-se a colocação de tabuas que neutralizem o ângulo de 90° formado pelo encontro das duas paredes (Figura 2). Para o deslocamento de animais sedados em estação, a combinação de uma venda sob olhos, com tampões auriculares e uma corda posicionada atrás da região do masseter com movimentos dorsoventrais de cauda e toques suaves na região dos tornozelos, permitem conduzir caminhando um rinoceronte branco sedado ao local necessário. Apesar da ausência de bases científicas a combinação destes procedimentos possui eficácia comprovada quando combinadas com protocolos de sedação adequados (Figura 3). Figura 2. Cambiamento preparado para anestesia de um rinoceronte branco (Ceratotherium simum). Observe a neutralização das “quinas” com tábuas e a colocação de placas de borracha sob o piso. Fundação Parque Zoológico de São Paulo – FPZSP. Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - ABRAVAS www.abravas.org.br Informações: secretaria@abravas.org.br / info@abravas.org.br / contato@abravas.org.br Para monitoração transanestésica destes animais, além das frequências cardíaca e respiratória, saturação periférica de oxigênio e temperatura retal, a movimentação das orelhas apresenta-se como um marcador importante de superficialização, principalmente quando se trabalha com protocolos de sedação ou anestesia dissociativa. Quanto aos acessos venosos, as veias auriculares consistem na principal via de uso na experiência do autor. No que se referem à suplementação de oxigênio e ao uso de antagonistas, os mesmos procedimentos descritos e preconizados para hipopótamos se aplicam a rinocerontes. Contenção química e Anestesia de Elefantes O planejamento para contenção ou anestesia de um elefante deve-se iniciar na diferenciação de sua espécie, pois a natureza comportamental de elefantes asiáticos e africanos varia significativamente, influenciando na escolha de doses e fármacos. Alguns autores inclusive sugerem que a espécie asiática Elephas maximus esteja em processo de domesticação, enquanto as espécies africanas Loxodonta africana e Loxodonta cyclotis, apesar de presentes em zoológicos, não se encontram nesse mesmo processo. Dentre os fármacos disponíveis em nosso país para confecção de protocolos de contenção química em elefantes cativos destacam-se a xilazina, detomidina, butorfanol e azaperone (Anexo 1). O uso de protocolos de anestesia dissociativaou geral são pouco utilizados no Brasil. Utilizam-se opções que permitam trabalhar com estes animais em estação (Figura 4). Figura 3. Deslocamento em estação de um rinoceronte branco (Ceratotherium simum) sedado. Fundação Parque Zoológico de São Paulo – FPZSP. Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - ABRAVAS www.abravas.org.br Informações: secretaria@abravas.org.br / info@abravas.org.br / contato@abravas.org.br Diferentemente dos hipopótamos e rinocerontes, os elefantes apresentam uma maior facilidade na obtenção de acessos venosos. Superfície medial das orelhas são os principais focos para coleta de material e canulação de vasos. No que se refere à monitoração fisiológica transanestésica, além das frequências cardíaca e respiratória, temperatura retal e saturação periférica de oxigênio, parâmetros como pressão arterial média e eletrocardiografia podem ser utilizados e analisados de acordo com referências desenvolvidas para espécie (Elephas maximus). A pressão arterial média mínima, diferente do que se observa em equinos domésticos, gira em torno de 100 mmHg em elefantes3. Já na eletrocardiografia a principal particularidade é marcada pela presença gráfica da repolarização atrial6. Em elefantes anestesiados a suplementação de oxigênio pela tromba merece especial atenção, pois 70% do fluxo de ar inalado provêm desta região. Além da suplementação, o posicionamento da tromba também pode influenciar na manutenção do fluxo de ar. Sendo assim é fortemente indicado que em procedimentos de anestesia a tromba seja mantida em posição reta e com a extremidade aberta. A exemplo de outros representantes do grupo dos megavertebrados, a utilização de antagonistas ao final de procedimentos de contenção química ou anestesia também é indicada. Contenção química e Anestesia de Girafas A contenção química e ou anestesia de girafas é tida por muitos profissionais como a mais difícil entre os megavertebrados. Essa dificuldade se deve principalmente à anatomia e as particularidades fisiológicas desses pacientes. No que se refere ás particularidades anatômica, destacam-se a altura e a conformação cervical, características únicas, que resultam em um grande desafio para o anestesista e a equipe envolvida. Já quanto às particularidades fisiológicas, a ocorrência de um gradiente de pressão arterial é algo que chama atenção, sendo observado uma variação de valores de pressão arterial média de 200 a 400 mmHg, conforme a região na qual se afere. Em aferições Figura 4. Exemplar de elefante asiático (Elephas maximus) sedado em estação, para avalição de unha em membro torácico esquerdo e realização de radiografias. Fundação Parque Zoológico de São Paulo – FPZSP. Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - ABRAVAS www.abravas.org.br Informações: secretaria@abravas.org.br / info@abravas.org.br / contato@abravas.org.br realizadas na altura do coração os valores giram em torno de 200 mmHg. Em regiões distais os mesmos mostram-se próximos a 400 mmHg4,7. Diante deste cenário faz-se ainda mais importante um adequado planejamento para redução de riscos. Um dos pontos que merece atenção nessa etapa do protocolo é a avaliação e preparo do ambiente no qual será realizado o procedimento. Essa preparação deve preconizar medidas que possam minimizar ou evitar lesões oriundas de decúbito e possíveis traumas durante a fase de indução e recuperação. Para isso indica-se estender as possibilidades cabíveis de acolchoamento descritas para o piso, para as grades e muros quando presentes. Uma das possibilidades já vivenciada pelo autor é o uso de colchões de espuma (colchão convencional de uso humano) fixados em grades e paredes. Para o procedimento de contenção química ou anestesia destes animais o ambiente adequado deve ser amplo, sem barreiras e com piso plano, permitindo que o paciente venha a decúbito durante a indução sem a possibilidade de lesões oriundas de traumas. Dentre os fármacos utilizados para contenção química e ou anestesia de girafas cativas no Brasil estão o butorfanol, o azaperone, a xilazina, a detomidina, o étergliceril guaiacol e a cetamina (Anexo 1). Durante os procedimentos de contenção ou anestesia, principalmente em casos nos quais os animais venham a decúbito, os cuidados com o pescoço consistem em uma das principais preocupações transanestésicas. Indica-se desde o início do procedimento a manutenção angulada do mesmo com auxílio de uma tábua, uma escada ou, de preferência, uma prancha acolchoada. Estes cuidados têm como foco evitar lesões por decúbito e possíveis regurgitações (Figura 5). Os parâmetros fisiológicos normalmente monitorados durante a anestesia de girafas são frequências cardíaca e respiratória, saturação periférica de oxigênio, pressão arterial (geralmente na cauda) e temperatura retal. A exemplo dos demais representantes do grupo, variações de temperatura devem ser acompanhadas constantemente, uma vez que quadros de hipotermia ou hipertermia podem se fazer presentes. A suplementação de oxigênio por via nasal deve ser instituída em todos os procedimentos (Figura 6). Figura 5. Filhote de girafa (Giraffa camelopardalis) submetido à contenção química. Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - ABRAVAS www.abravas.org.br Informações: secretaria@abravas.org.br / info@abravas.org.br / contato@abravas.org.br Desafios para Anestesia de Megavertebrados Dentre os muitos desafios que compõem a anestesia de megavertebrados, a dificuldade em se prover assistência ventilatória adequada, a estrutura atual de algumas instituições cativas em nosso país e a carência de conhecimento sobre o tema destacam-se como pontos importantes na opinião do autor. A falha em prover um suporte ventilatório adequado é algo preocupante e limitante frente à depressão respiratória causada por sedativos e anestésicos, associada à ocorrência de shunts pulmonares e consequente atelectasia. Apesar de ainda pouco se conhecer a respeito dessa associação de efeitos em megavertebrados, estudos conduzidos com animais domésticos de grande porte, como equinos, comprovam a ação deletéria que a ausência de um suporte ventilatório durante a anestesia pode trazer. Partindo-se do princípio que fatores como peso, decúbito, depressão respiratória e tempo de anestesia são determinantes no caso dos equinos, pode-se projetar o quanto isso pode ser deletério para os megavertebrados. No que se referem às condições atuais de alguns parques zoológicos, essas se encontram por algumas vezes inadequadas, exigindo um número significativo de mudanças e adaptações que permitam a execução de procedimentos com megafauna de forma segura para o animal e para equipe envolvida. Quanto à carência de conhecimento, esta deve ser trabalhada de modo que a equipe possa desenvolver de maneira segura não só os procedimentos inerentes à anestesia, mas sim ao manejo destes animais por um todo. Para isso, o envolvimento da equipe, a realização de reuniões técnicas, intercâmbios e visitas técnicas, associadas a investimentos por parte dos gestores são fundamentais. Figura 6. Suplementação de oxigênio durante um procedimento de contenção química em um filhote de girafa (Giraffa camelopardalis), com auxílio de uma válvula de demanda. Fundação Parque Zoológico de São Paulo – FPZSP. Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - ABRAVAS www.abravas.org.br Informações: secretaria@abravas.org.br / info@abravas.org.br / contato@abravas.org.br Referências 1. Miller M, Fleming GJ, Citino SB, Hofmeyr M. Hippopotamidae. In: West G, Heard D, Caulkett N. Zoo Animal and Wildlife Immobilization and Anesthesia, 2 ed, Wiley Blackwell: USA,2014, p. 787-796. 2. Radcliffe RW, Morkel P. Rhinoceroses. In: West G, Heard D, Caulkett N. Zoo Animal and Wildlife Immobilization and Anesthesia, 2 ed, Wiley Blackwell: USA, 2014, p. 741-772. 3. Horne WA, Loomis MR. Elephants. In: West G, Heard D, Caulkett N. Zoo Animal and Wildlife Immobilization and Anesthesia, 2 ed, Wiley Blackwell: USA, 2014, p. 703-718. 4. Citino SB, Bush M. Giraffidae. In: West G, Heard D, Caulkett N. Zoo Animal and Wildlife Immobilization and Anesthesia, 2 ed, Wiley Blackwell: USA, 2014, p. 809- 822. 5. Morri PJ, Bicknese B, Janssen D, et al. Chemical restraint of juvenile east African river hippopotamus (Hippopotamus amphibious kiboko) at the San Diego Zoo. In: Zoological Restraint and Anesthesia (Heard D, ed.). Ithaca: International Veterinary Information Service, 2001. http://www.ivis.org 6. Chai N, Pouchelon JL, Bouvard J, et al. Proposed simple method for electrocardiogram recording in free-ranging Asia elephants (Elephas maximus). Journal of Zoo and Wildlife Medicine, v. 47 (1): 6-10, 2016. 7. Goetz RH, Warren JV, Gauer OH, et al. Circulation of the Giraffe. Circulation Research, volume VIII, September 1960. Literatura sugerida 1. Eltringham SK. The Hippos Natural History and Conservation, A&C Black Publishers, London, 2010. 2. Pachaly JR, Monteiro Filho LPC. Artiodactyla – Hippopotamidae (Hipopótamos). In: Cubas ZS, Silva JCR, Catão-Dias JL. Tratado de Animais Selvagens Medicina Veterinária, 2 ed, São Paulo: Roca, 2014. 3. Malta MCC, Luppi MM, Tinoco HP. Perissodactyla – Equidae e Rhinocerotidae (Zebras e Rinocerontes). In: Cubas ZS, Silva JCR, Catão-Dias JL. Tratado de Animais Selvagens Medicina Veterinária, 2 ed, São Paulo: Roca, 2014. 4. Fowler ME, Mikota SK. Biology, Medicine and Surgery of Elephants, Blackwell Publishing Professional, Iowa, USA, 2006. 5. Fowler ME. Elephant chemical restraint. In: Fowler ME. Restraint and handling of wild and domestic animal, 3 ed, p.321-342, Ames: Wiley-Blackwell, 2008. 6. Fowler ME. Proboscidea (Elefantes). In: Cubas ZS, Silva JCR, Catão-Dias JL. Tratado de Animais Selvagens Medicina Veterinária, 2 ed, São Paulo: Roca, 2014. 7. Pachaly JR, Lange RR. Artiodactyla – Giraffidae (Girafas). In: Cubas ZS, Silva JCR, Catão-Dias JL. Tratado de Animais Selvagens Medicina Veterinária, 2 ed, São Paulo: Roca, 2014. 8. West G, Heard D, Caulkett N. Zoo Animal and Wildlife Immobilization and Anesthesia, 2 ed, Wiley Blackwell: USA, 2014. Associação Brasileira de Veterinários de Animais Selvagens - ABRAVAS www.abravas.org.br Informações: secretaria@abravas.org.br / info@abravas.org.br / contato@abravas.org.br Anexo 1. Protocolos de contenção química e anestesia já utilizados na rotina do autor. PROTOCOLOS MEGAVERTEBRADOS – EXPERIÊNCIA DO AUTOR HIPOPÓTAMO Protocolo Dose Observações Butorfanol (IM) + Detomidina (IM) + Azaperone (IM), seguido de Isofluorano (sonda nasal) (B) 100 mg + (D) 50 mg + (A) 80 mg, (Iso) 1 a 2% Protocolo de anestesia geral utilizado para realização de procedimento de endodontia Butorfanol + Detomidina + Azaperone (B) 100 mg + (D) 40 mg + (A) 80 mg Protocolo de sedação utilizado para exame, coleta de material e avaliação radiográfica de membro Detomidina (IM) + Azaperone (IM) seguido de Cetamina (IM profundo) (D) 50 mg + (A) 100 mg, (Ce) 200 mg, dividido 2 aplicações 100 mg cada Protocolo de anestesia dissociativa, utilizado para realização exame físico, radiografias e ultrassom muscular (membro pélvico) Azaperone (IM) 80 a 120 mg Tranquilização RINOCERONTE Butorfanol (IM) + Azaperone (IM), seguido de Butorfanol (IV) e posteriormente Cetamina (IV) (B) 120 mg + (A) 160 mg, seguido (B) 15 mg IV e posteriormente (Ce) 100 mg Protocolo de anestesia dissociativa, utilizado para realização de exame físico e endoscopia de cavidade oral ELEFANTE Azaperone (IM) 80 a 100 mg Protocolo de tranquilização utilizado para aproximação de elefantes asiáticos Xilazina (IM) 0,2 a 0,55 mg/kg Protocolo de sedação para procedimentos em estação (não invasivos) Butorfanol (IM) + Azaperone (IM) (B) 50 mg + (A) 40 mg Protocolo de sedação, utilizado para deslocamento em estação GIRAFA Detomidina (IM) + Azaperone (IM) seguido de Butorfanol (IV) (D) 30 µg/kg + (A) 0,25 mg/kg seguido (B) 10 mg totais Protocolo de sedação associado a infiltração local (lidocaína) para manejo região umbilical (filhote) Azaperone (IM) 0,25 mg/kg Protocolo de tranquilização para avaliação de paciente pediátrico Detomidina (IM) + Azaperone (IM) (D) 30 µg/kg + (A) 0,35 mg/kg Protocolo de sedação para avaliação radiográfica
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