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1 Miguel Mahfoud (org) Daniel Marinho Drummond Juliana Mendanha Brandão John Keith Wood Raquel Wrona Rosenthal Roberta Oliveira e Silva Vera Engler Cury Walter Cautella Junior 2ª edição revista e ampliada PLANTÃO PSICOLÓGICO: NOVOS HORIZONTES São Paulo 2012 2 Plantão Psicológico: novos horizontes LAPS – Laboratório de Análise de Processos em Subjetividade/UFMG © 1999 by Miguel Mahfoud 1ª edição: outubro de 1999 2ª edição: setembro de 2012 Revisão Miguel Mahfoud Daniel Marinho Drummond Capa e Diagramação Na capa Juliana de Souza Vaz “Silêncio e presença”, foto de Miguel Mahfoud, 2012 Edição do CD-ROM Apoio técnico Daniel Marinho Drummond Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Plantão Psicológico: novos horizontes / Miguel Mahfoud (org.) – 2ª edição, revista e ampliada – São Paulo: Companhia Ilimitada, 2012. 156 p. ISBN 978-85-88607-22-4 Vários autores. Inclui CD. Bibliografia. 1. Aconselhamento. 2. Auto-realização (Psicologia). 3. Consulta psicológica. 4. Psicologia aplicada. 5. Psicologia humanista. 6. Psicólogos - Entrevistas. I. Mahfoud, Miguel. 99-4235 CDD-158.3 Índices para catálogo sistemático:Índices para catálogo sistemático:Índices para catálogo sistemático:Índices para catálogo sistemático:Índices para catálogo sistemático: 1. Plantão psicológico : Aconselhamento : Psicologia aplicada 158.3 Direitos desta edição reservados à C. I. Editora e Livraria Ltda.C. I. Editora e Livraria Ltda.C. I. Editora e Livraria Ltda.C. I. Editora e Livraria Ltda.C. I. Editora e Livraria Ltda. Rua Florinéia, 38 - Água Fria 02334-050 São Paulo (SP) Tel. (11) 2950-4683 / (11) 2574-8539 livrariaciailimitada@gmail.com www.companhiailimitada.com.br SUMÁRIO Autores ............................................................................................... 5 Nota à segunda edição ..................................................................... 7 Prefácio John Keith Wood .................................................................. 9 Introdução Frutos Maduros do Plantão Psicológico Miguel Mahfoud .................................................................. 13 A vivência de um desafio: Plantão Psicológico Miguel Mahfoud .................................................................. 17 Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae: uma proposta de atendimento aberto à comunidade Raquel Wrona Rosenthal ......................................................... 31 Plantão Psicológico na escola: uma experiência Miguel Mahfoud ................................................................. 45 4 Plantão Psicológico: novos horizontes Plantão Psicológico na escola: presença que mobiliza Miguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond, Juliana Mendanha Brandão, Roberta Oliveira e Silva ....... 65 Pesquisar processos para apreender experiências: Plantão Psicológico à prova Miguel Mahfoud, Daniel Marinho Drummond, Juliana Mendanha Brandão, Roberta Oliveira e Silva ....... 97 Plantão Psicológico em Hospital Psiquiátrico: Novas Considerações e desenvolvimento Walter Cautella Junior ...................................................... 113 Plantão Psicológico em Clínica-Escola Vera Engler Cury ............................................................... 131 Psicólogos de plantão... Vera Engler Cury ............................................................... 151 5 AUTORES Daniel Marinho Drummond é psicólogo, Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais, Professor Assistente na Universi- dade Estadual do Sudeste da Bahia. John Keith Wood (1934 – 2004) Ph.D. em Psicologia pelo The Union Institute (E.U.A.), foi professor na California State University em San Diego (E.U.A.) onde também fez plantão psicológico no Hos- pital e no Centro de Aconselhamento, e, no Brasil, foi professor no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Foi amigo íntimo e, por quinze anos, colaborador direto de Carl Rogers. Desenvolveu uma Psicologia de grandes grupos e vários projetos internacionais. Juliana Mendanha Brandão é psicóloga, Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais. 6 Plantão Psicológico: novos horizontes Miguel Mahfoud é psicólogo, Doutor em Psicologia Social pela Universidade de São Paulo, Professor Associado no Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Raquel Wrona Rosenthal (atualmente Raquel Wrona) é psicóloga pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, com Especialização em Aconse- lhamento Psicológico pela Universidade de São Paulo e Curso de Estudos Avançados da Abor- dagem Centrada na Pessoa (Rosenberg/Wood). Psicoterapeuta e facilitadora de grupos. Roberta Oliveira e Silva é psicóloga pela Universidade Federal de Minas Gerais, especialista em Saúde Mental, Família e Comunidade pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, especialista em Psicologia Clínica Existencial pela FEAD, professora na Faculdade Pitágoras Campus Vale do Aço e psicoterapeuta. Vera Engler Cury é psicóloga clínica, Doutora em Saúde Mental pela Universidade Estadual de Campinas, Docente Permanente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Walter Cautella Junior é psicólogo, Doutor em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo, Supervisor de prática psicológica e Assistente de Coordenação de Projetos de Pesquisa no Laboratório de Estudos e Práticas em Psicologia Fenomenológica Existencial do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. 7 Esta segunda edição do livro “Plantão psicológico: novos horizontes” nasce para fazer memória. No melhor sentido do termo: Nasce como ajuda a darmo-nos conta de algo que, iniciado no passado, continua presente. Continuam presentes força e atualidade de seus artigos. Gerados na fonte viva da experiência real, amadurecidos no amor ao desafio, continuam a trazer ao presente sabedoria instigante. Este volume nasce ampliado: a inclusão do texto “A vivência de um desafio: plantão psicológico” ajuda a manter presente entre nós o primeiro artigo a sistematizar a proposta de plantão psicológico. Artigo este que continua a ser citado em diversas publicações e utilizado em diversos cursos de formação universitária, a despeito de seus já muitos anos de presença desafiadora. De fato, neste ano de 2012 fazemos memória viva de 25 anos de publicação daquela proposta original na obra organizada por Rachel Lea Rosenberg 1 . NOTA À SEGUNDA EDIÇÃO 1 ROSENBERG, Rachel Lea (Org.). Aconselhamento Psicológico Centrado do Cliente. São Paulo: EPU, 1987. 8 Plantão Psicológico: novos horizontes Ano em que fazemos memória igualmente viva dos também 25 anos de seu falecimento. Ela permanece mestra de todos os que, com plantão psicológico, querem dar uma contribuição à incansável tarefa de construir e reconstruir uma psicologia da pessoa, do sujeito atuante em seu mundo de modo livre, responsável por seu destino. Para todos estes, sem dúvida, Rachel continua a ser presença geradora. Esta segunda edição nasce, assim, para fazer memória. E a Rachel Lea Rosenberg é dedicada. Miguel Mahfoud 9 PREFÁCIO John Keith Wood Este livro traz boas novas. Primeiramente, apresenta evidências de que o Plantão Psicológico é um serviço viável para atender adolescentes, estudantes universitários e outros membros da comunidade, abastados ou não. O contato com esse serviço ajuda as pessoas a lidarem efetivamente com os predicamentos da vida, não os tratando como problemas que requerem tra- tamento psiquiátrico.Por exemplo, uma pessoa em uma “crise espiritual” não está confrontando um problema. Não está tendo um comportamento normal ou anormal. É um predicamento envolvendo questões filosóficas, buscando significados, identidade. O psicólogo Prof. Dr. Miguel Mahfoud ilustra este ponto de vista em um relato sobre experiências em um colégio. Plantão seria “um espaço onde o aluno pudesse buscar ajuda para rever, repensar e refletir suas questões”. Naturalmente, tal atividade não é apenas uma conversa entre amigos. Em situações onde uma forma 10 Plantão Psicológico: novos horizontes diferente de psicoterapia é mais apropriada, a pessoa recebe a indicação de um(a) profissional competente. Uma outra boa nova é que plantão psicológico pode promover uma experiência de aprendizagem eficaz para estagiários(as). Confrontando a pessoa inteira no contexto completo da sua existência, o estagiário(a) necessariamente deve ampliar sua visão do papel da psicoterapia. O filósofo e matemático inglês Alfred North Whitehead observou que, “O conhecimento de segunda-mão do mundo instruído é o segredo da sua mediocridade”. O tipo de problemas que as pessoas enfrentam são, em geral, de primeira-mão. A ajuda que necessitam é de ordem prática. Esta forma de aprendi- zagem é prática. Assim, ambos os participantes – o plantonista e o indagador(a) – participam e se beneficiam de uma educação intuitiva cujo objetivo é a auto-realização. Em um encontro de pessoa a pessoa como este, onde se procura dirigir a melhor parte de si mesmo à melhor parte do outro com o propósito de curar a mente, o corpo e a natureza, a essência da psicoterapia está, de fato, sendo redefinida. O mesmo observa Walter Cautella Junior, des- crevendo seu trabalho em um hospital psiquiátrico: “A experiência do plantão psicológico leva a instituição a reformar sua visão do indivíduo institucionalizado”. Há promessas de mais boas novas. A palavra “plantão” vem do francês planton, quando era aplicado em linguagem militar para designar a pessoa que ocupa uma posição fixa, alerta dia e noite. Seu uso moderno refere-se ao suporte, fora do horário normal, oferecido por médicos em hospitais ou, como aqui, por um psicó- logo. Além disso, sua relevância está no fato de que a origem da palavra planton vem do latin: plantare, plantar. Um significado dessa palavra refere-se a “planta do pé”. Assim, o plantão psicológico pode ser visto co- mo tendo seus pés no chão. Sendo prático. Respondendo 11 Prefácio às necessidades imediatas dos clientes (que poderão ser psicológicas ou de qualquer outra ordem). O segundo sentido de “plantar,” é “meter um organismo vegetal na terra para enraizar”. Essa é outra característica do Plantão Psicológico descrito neste livro: estar plantado na cultura brasileira com suas deficiências e seus nutrientes. Principalmente, é um organismo vivo e crescendo. Assim, como lembram as palavras de Prof.a. Dr.a Vera E. Cury, “Uma ética das relações in- terpessoais, sutil mas poderosa, feita de pequenos gestos e acenos suaves, simples e ainda assim determinada, parece conduzir os projetos do Plantão Psicológico”. Se for possível ficar imune e não se deixar res- tringir por dogmas e modismos filosóficos poderá continuar a se desenvolver efetivamente de acordo com as necessidades da população desse tempo e lugar. John Keith Wood Jaguariúna, Agosto 1999 12 Plantão Psicológico: novos horizontes 13 INTRODUÇÃO 1 MAHFOUD, Miguel. A vivência de um desafio: plantão psicológico. In: ROSENBERG, Rachel Lea (Org.). Aconse- lhamento psicológico centrado na pessoa. São Paulo: EPU, 1987, p. 75-83. (Série Temas Básicos de Psicologia, Vol. 21). O texto está publi- cado no presente vo- lume. Cf. p. 17-30. Frutos Maduros do Plantão Psicológico Miguel Mahfoud Desde a primeira sistematização – nos idos de 1987 1 – da inicial experiência de Plantão Psicológico no Brasil, que se apresentava como desafio a ser vivenciado, como semente que muda de cor e se alastra no terreno de sempre com brotos frágeis mas injetando a verde esperança que tudo transforma, desde então a proposta de um Aconse- lhamento Psicológico aberto às mudanças de nosso tempo, de nossa cultura e de nossa realidade social foi brotando e formando raízes. Que solo seria o mais propício ao desenvolvimento de algo que prometia vitalidade senão o nosso próprio, nossa terra, nossos desafios sociais, institucionais? Apren- der da experiência a partir de um empenho com a reali- dade assim como ela é para de dentro transformá-la. Assim, em nosso solo brasileiro a experiência de Plantão Psicológico tomou corpo de maneira original. O presente livro quer comunicar a sistematização de um exercício de aprendizagem a partir da experiência 14 Plantão Psicológico: novos horizontes de empenho em diferentes contextos institucionais. Diversas experiências de Plantão Psicológico que dão vida a uma modalidade de Aconselhamento Psicológico que aceitou romper os limites estabelecidos pelo descompromisso teorizado de tantas psicologias, pelo reducionismo sentimental de algumas propostas de psicologia que se querem humanistas. Veremos aqui os desafios serem enfrentados em novos horizontes. Tantos desafios permanecem os mesmos para a psicologia desde muito: desafios sociais como as dificuldades econômicas e de trabalho, desafios educacionais, desafios de uma psicologia humanista atuante dentro das instituições... A novidade vem da vitalidade da experiência mesma de um atendimento que aceita outros parâmetros para orientar seu desenvolvimento. Os novos horizontes são indi- cados pela própria aprendizagem significativa siste- matizada com rigor para acolher a vitalidade que com surpresa emerge. Queremos que o leitor possa entrar em contato com a vitalidade da experiência, e com a força provo- cadora que algo acontecido de fato pode nos comunicar: a força do possível. Mais do que modelos, encontramos aqui provocações. Uma das provocações significativas é a integração de trabalhos de base humanista inserido em instituições. Tantas vezes ouvimos o refrão quase automaticamente repetido de que as instituições têm objetivos diversos daqueles que movem a Psicologia Humanista já que esta quer acentuar a centralidade da pessoa e seus pro- cessos autênticos. As experiências aqui comunicadas indicam uma possibilidade de trabalhos claramente de base humanista que aceitam – com nossos próprios sujeitos – o desafio de continuamente buscar, no con- texto assim como se apresenta, a afirmação dos inte- resses propriamente humanos. Se realmente fosse im- possível para nós, de que maneira poderíamos esperar 15 Introduçâo que fosse possível para nossos clientes? Se não fosse possível para nós, só nos restaria propor o atendimento psicológico como espaço alternativo, e por isso inevitavelmente alienante. Encontramos aqui experiências que podem abrir novos horizontes neste sentido. Em se tratando de uma novidade que estava apenas brotando, por muitos anos a comunidade psi acolheu a proposta de Plantão Psicológico como algo “alternativo”. No sentido que seria algo outro em re- lação ao estabelecido como campo seguro e próprio do saber e da técnica psicológica. Desconfianças, dúvi- das, reticências... cultivadas em compasso de espera, até que os frutos amadurecessem e se pudesse conhecer de fato esse Plantão. O próprio Conselho Federal de Psicologia chegou a se pronunciar em documento ofi- cial, classificando Plantão Psicológico dentre as técnicas alternativas emergentes. Alternativa de maneira distinta daquelas de origem confusa ou esotérica, mas entendida como proposta inovadora, que em certa medida rom- pe parâmetros estabelecidos por técnicas tradicionais e que ainda estava aguardando uma avaliação mais rigo- rosa de sua eficácia pelas instituições de ensino superior e de pesquisa. Pois bem,os frutos amadureceram e são aqui oferecidos. Amadureceram no trabalho sistemático, na observação atenta, na sistematização com rigor metodológico com base em pesquisas de base feno- menológica. São esses frutos que agora, aqui, são ofe- recidos à comunidade para que possamos promover a experiência de Plantão Psicológico com uma concep- ção clara, de maneira tal a possibilitar sua correspon- dente avaliação. Neste sentido este livro dá um passo histórico. Já não podemos falar em Plantão Psicológico como técnica alternativa. O atual e crescente interesse do- cumentado pela presença de mesas redondas e/ou de comunicação de pesquisa sobre Plantão Psicológico 16 Plantão Psicológico: novos horizontes em diversos congressos nacionais e regionais já era um indício dessa mudança. A apresentação dessas experiências sistematizadas e pesquisadas colocam um ponto final. É claro que trata-se de um ponto final só no caráter de alternativo. Sabemos bem que estamos no início. Plantão tem ainda muito em que crescer para exprimir toda sua potencialidade. Os primeiros frutos maduros apresentam o Plantão; e sabemos, agora mais do que nunca, que vale a pena cultivá-lo, que há terreno propício, que há horizonte amplo onde mirar. Bom terreno, boas sementes, bons frutos... : bom proveito! 17 A expressão “plantão” está associada a certo tipo de serviço, exercido por profissionais que se mantêm à disposição de quaisquer pessoas que deles necessitem, em períodos de tempo previamente determinados e ininterruptos. Do ponto de vista da instituição, o atendimento de plantão pede uma sistematicidade do serviço ofere- cido. Do profissional, esse sistema pede uma dispo- nibilidade para se defrontar com o não-planejado e com a possibilidade (nem um pouco remota) de que o encontro com o cliente seja único. E, ainda, da pers- pectiva do cliente significa um ponto de referência, para algum momento de necessidade. Pelo conjunto destas três características, “plantão psicológico” parece um desafio. E é! Com os poucos recursos de saúde mental atual- mente disponíveis à população brasileira, somados à pouca informação a respeito da especificidade e diver- sidade de cada área profissional envolvida, a tendência tem sido a de que os serviços oferecidos se fixem em algumas prioridades definidas pelos casos mais graves. Uma consequência é a especialização em demandas bastante restritas. A vivência de um desafio: Plantão Psicológico Miguel Mahfoud 18 Plantão Psicológico: novos horizontes Como atender à demanda de Paula, que estando apaixonada por um rapaz é pressionada pelo marido a resolver-se com quem fica, num prazo de 15 dias, sob pena de ser expulsa de casa, e não se sente em condições de resolver isso? Ou de Sérgio, preo- cupado com sua esposa por ela estar ouvindo vozes e acordar à noite imaginando que ele tenha morrido, pede atendimento para ela? Que tipo de atendimento seria adequado a Miriam, que, tornando-se viúva aos 30 anos, defronta-se com fortes mudanças em suas relações pessoais com seu filho de três anos, com sua família e a do marido, e com amigos, e pede ajuda no sentido de localizar-se melhor? Ou ainda a Caetano, que quer saber como convencer seu irmão alcoólatra de que ele e seus filhos precisam de ajuda psicológica? Se a “resposta-padrão” do psicólogo é psico- terapia – como tem sido sua especialização no consul- tório e outras instituições de saúde mental – parece não haver como responder à demanda que lhe é feita naquele preciso momento e por aquela pessoa específica. Assim, quem vive uma ansiedade ante a alguma dificuldade circunstancial ou ante a necessidade de se localizar quanto às possibilidades de recursos de saúde mental, normalmente permanecem à margem, sem um espaço adequado onde ser acolhido e ajudado a lidar melhor com seus recursos e limites. O enfoque assumido pelo profissional em Aconselhamento Psicológico Centrado na Pessoa é uma contribuição ao enfrentamento dessa problemá- tica, na medida em que se coloca disponível a acolher a experiência do cliente em determinada situação, ao invés de enfocar o seu problema. Na prática, essa atitude significa disponibilidade para atender uma gama bastante ampla de demandas, já que o foco se define pelo próprio referencial do cliente e não pela especiali- zação do profissional (como seria, por exemplo, para um psiquiatra ou psicanalista ortodoxos, entre outros). 19 Essa característica de enfocar a experiência do cliente por seu próprio referencial está ligada a uma outra, que se refere à possibilidade de responder à pessoa que coloca sua demanda, já no momento presente, no aqui e agora da situação do encontro. O conjunto destas características possibilita, então, realizar um plantão psicológico, onde o trabalho do conselheiro-psicólogo é no sentido de facilitar ao cliente uma visão mais clara de si mesmo e de sua pers- pectiva ante a problemática que vive e gera um pedido de ajuda. Nisso, a forma de enfrentar a problemática se definirá no próprio processo de plantão e com par- ticipação efetiva de ambos, cliente e conselheiro. Em relação aos exemplos de demandas ante- riormente levantados, o plantão psicológico possibilita atender a Sérgio, ele próprio ali presente e preocupado com sua esposa, além de esclarecer os recursos dispo- níveis para o tratamento dela. O mesmo acontece nos casos de Paula ante seu marido, ou Caetano ante seu irmão alcoólatra e sua família. E possibilita a Miriam se localizar ante sua problemática de viúva, clareando ainda mais seu pedido de aconselhamento psicológico ou terapia, tornando aquele encontro muito mais signi- ficativo do que uma inscrição como coleta de dados sobre a cliente ou sobre sua problemática (como é a forma clássica de triagem ou inscrição para atendimento psicoterápico). Trata-se, então, de enfrentar a problemática que é apresentada, via a própria pessoa que está presente. Tomemos aqueles exemplos um a um: 1) Paula procura o plantão psicológico bastante tensa, preocupada, cabeça baixa. Diz que é a primeira vez que procura ajuda psicológica e que nunca con- versou com ninguém sobre seu problema atual. Conta que se sente encurralada: estando casada há dois anos, apaixonou-se por outro rapaz com quem trabalha, e A vivência de um desafio: Plantão Psicológico 20 Plantão Psicológico: novos horizontes depois de declarar-se a ele, e confirmar que seus sen- timentos eram correspondidos, contou ao marido o que estava acontecendo. Este lhe deu um prazo de 15 dias para que se decidisse, sob pena de ser expulsa de casa e perder o filho de um ano. Paula não se sentia em condições de resolver nada, mas a situação era limite (via a possibilidade de ocorrer agressão física). O conselheiro procura ouvir com atenção, estar junto a ela naquele momento marcado por emoções fortes (amor, medo, raiva...) ante sentimentos de fra- casso e abandono e ante interesses incertos. Isso facilita a Paula expor-se, ouvir-se, sentir-se. Sintonizadas, as perguntas do conselheiro ajudam-na a olhar a situação e a si mesma. Durante a sessão dá-se conta da raiva que tem do marido (inicialmente falava de indiferença) e do quanto tem sentido falta de sua atenção. A sessão dura uma hora e marca-se um retorno ao plantão para três dias depois. No retorno conta que naqueles dias pôde explicitar sua raiva pelo marido de forma direta: houve discussões difíceis e mesmo nesse clima ela pôde perceber que ele gostava muito dela e não queria que ela se afastasse. Isso mudou a percepção que vinha tendo do marido e possibilitou que conversassem de forma mais clara, como nunca antes, dizendo um ao outro o que estavam sentindo, o que esperavam um do outro, o que fazia falta... Diz que combinaram uma forma diferente de organizar o tempo para que cui- dassem mais do espaço deles como casal, ao intuírem a possibilidade de um relacionamentomais vivo. Na sessão considera o relacionamento com o marido mais globalmente, desde o tempo de namoro, e examina sua própria história constituída também por esse relacionamento. Relativiza seus sentimentos pelo “outro”, dá-se conta da idealização que tem feito da pessoa do outro, de quem na verdade é distante. 21 Enfim, vê a possibilidade de verificar no próprio relacionamento com o marido a viabilidade de continuarem juntos ou de ligar-se a outra pessoa. Agradece o atendimento e despede-se. O desfecho do problema talvez nunca che- guemos a conhecer. Estivemos com Paula, que agora caminha. 2) Sérgio procura o Serviço de Aconselhamento Psicológico buscando atendimento para sua esposa. Conta com detalhes os comportamentos dela que o preocupam, como, por exemplo: não dar mais conta de atividades rotineiras como cozinhar, estar comple- tamente desatenta às necessidades dos filhos, dormir muito, ouvir vozes e acordar assustada durante a noite imaginando que ele esteja morto. O conselheiro, atento também à ansiedade de Sérgio, comenta que percebe estar sendo difícil para ele ficar nessa situação, assumindo tarefas que seriam dela, preocupando-se com os filhos que passam o dia com ela e assustando-se ao ser apalpado no meio da noite quando ela quer verificar se está vivo ou morto. Sérgio passa a falar mais de si mesmo, na sua situação com a esposa, e a comentar suas dificuldades no traba- lho onde se sente “abusado”, ampliando a percepção de seu momento atual. No final o conselheiro lhe oferece a possibili- dade de encontros regulares como aquele, caso esti- vesse interessado em um processo de aconselhamento para si mesmo que está vivendo um período difícil. “Eu não, moço! Quem precisa de tratamento é minha mulher!” – responde prontamente. Ele pôde aproveitar aquele momento de plantão também para si mesmo, ocupando um espaço que lhe foi possibilitado durante a sessão. Agora ele não vê a necessidade de um espaço mais sistemático neste senti- do. Sabe, porém, que há essa possibilidade. A vivência de um desafio: Plantão Psicológico 22 Plantão Psicológico: novos horizontes O conselheiro lhe ofereceu indicações de ser- viços psiquiátricos em que sua esposa poderia ser atendida, e Sérgio disse que voltaria a procurar o plantão caso houvesse problemas para o encaminhamento de sua esposa. Aquele momento não se desenrolou alheio à pessoa dele. E o conselheiro esteve com Sérgio, no horizonte dele, independentemente de continuidade que pudesse haver. 3) Caetano vai ao Serviço de Aconselhamento pedindo ajuda para convencer seu irmão alcoólatra de que ele precisa de tratamento psicológico. Já aposentado por motivos de saúde, não tem se cuidado, está sempre muito deprimido, e seus filhos de cinco e sete anos vêm apresentando comportamentos agressi- vos e destrutivos. Comenta que fica muito preocupado com a situação, que se agrava cada vez mais, e ao mesmo tempo não pode fazer nada. Conta que já falou com a esposa de seu irmão, mas ela não o ouve. Sugere, então, que o conselheiro, como especialista nesses assuntos, escreva uma carta dizendo que realmente eles precisam de tratamento psicológico. O conselheiro aponta os sentimentos de frus- tação e impotência ante a situação e ante o seu desejo de intervir. Caetano, então, fala de como seria impor- tante fazer alguma coisa, pois não confia na educação que sua cunhada dá aos filhos porque ela trabalha em um bar. Perguntado como é o relacionamento entre ele e sua cunhada, fala de desconfiança da integridade moral e chega a concluir que tem se relacionado com ela em tom de acusação, e isso mantém um distan- ciamento e a não-aceitação de suas opiniões. Assim, Caetano reconhece seus próprios limites em poder aju- dar, já que ele próprio não acredita muito nas 23 condições pessoais de sua cunhada para que ela pudesse dar conta do recado. Comenta nunca ter pensado nisto. O conselheiro explica que embora não possa lhe fornecer a carta sugerida, compreende que essa ideia tenha surgido como possibilidade de intervenção ante o distanciamento e as dificuldades de confiança e comunicação entre eles. Um tanto surpreso, Caetano diz que talvez procure conversar com sua cunhada, mas já não sente a mesma urgência e o mesmo ímpeto que o levou a procurar o plantão. Pergunta sobre os recursos de saúde mental aos quais poderia recorrer. O conselheiro lhe dá as infor- mações e Caetano indaga se poderia voltar para con- versar, caso sinta a necessidade. A resposta é afirmativa, e ele segue sua história. 4) Miriam procura o Serviço de Aconselha- mento pedindo atendimento psicológico porque tem estado intranquila e confusa desde que seu marido faleceu, há seis meses, em acidente automobilístico. Diz-se muito só e abandona, e que suas relações de amizade e parentesco têm se deteriorado. Comenta que todos a veem de modo diferente agora – viúva jovem (30 anos) –, tendo surgido preocupações e inte- resses novos em relação a ela. O conselheiro percebe que Miriam está falando de uma experiência muito forte para ela; pode ter algu- ma noção do que ela está sentindo, e para compreendê-la melhor faz perguntas sobre alguns aspectos aos quais já havia se referido vagamente. Miriam então fala mais sobre sua solidão, sobre o sentimento de abandono e apesar de saber racio- nalmente que seu marido não a abandonou, esse senti- mento a confunde. Comenta em seguida que o con- vívio com a família (a dela e a do marido) não tem sido algo que a ajude porque ambas têm a preocupação A vivência de um desafio: Plantão Psicológico 24 Plantão Psicológico: novos horizontes de que ela “imponha respeito”, tome cuidado com as amizades, não se aproxime de outros homens para respeitar a memória de seu marido, o que a faz sentir- se envolvida por uma atmosfera de controle. Por outro lado, vê-se como jovem, não quer fechar novas possibilidades para si e para seu filho de três anos, na vida que têm pela frente. Por outro lado, tem sido cortejada por homens que há pouco eram apenas seus amigos e vive essa mudança repentina com dificuldades. Não estando mais segura dessas amizades, nem pode avaliar com clareza as intenções das pessoas que se oferecem para apoiá-la. Comenta que o resultado tem sido o recuo, e percebe claramente que isso só tem agravado ainda mais seu mal-estar. Fica um pouco em silêncio, chora discreta- mente... Em seguida fala que é bom poder falar com liberdade sobre tudo isso. O conselheiro comenta que pôde perceber que está sendo importante para ela fazer tais comentários, e que procurar atendimento estava sendo a tentativa de abrir uma nova porta, alternativa à postura de recuo que vem tomando. Pela própria relação que se estabeleceu ali, na- quele momento, e pela forma como ela olha a si e a sua situação, o conselheiro pôde avaliar que os senti- mentos de abandono, deterioração e a percepção de ser o centro dos interesses não estão ligados a um comprometimento psicopatológico a nível psiquiátrico; ela está atenta a sentimentos e movimentos distintos dentro de si mesma. Assim, diz a Miriam da possibi- lidade de ser atendida em processo de aconselhamento psicológico no próprio Serviço de Aconselhamento. Ela demonstra interesse, e o conselheiro explica-lhe as condições de atendimento naquela instituição; então preenchem uma ficha com os dados da cliente (nome, endereço, telefone, horário disponível para ser atendida etc.), efetivando assim a inscrição. 25 Sendo que há uma fila de espera e tendo-se esti- mado o início do atendimento para pouco mais de um mês, o conselheiro informa que durante o período de espera ela poderá procurar o plantão caso sinta uma necessidade mais premente de conversar. O anún- cio da possibilidade é recebido com alívio por Miriam. Despedem-se, ficando a instituição responsável por chamá-la quando o atendimento puder se iniciar.Enfrentar a problemática apresentada a partir da experiência da pessoa ali presente permite acolher a demanda já naquele momento, no momento de sua expressão: e isso é apenas uma primeira característica importante de um atendimento em sistema de plantão psicológico. A consequência é que além de se poder estar disponível a uma gama muito grande de deman- das, as formas de continuidade são também muito diversificadas. Assim, nos exemplos dados, o conselhei- ro pôde atender ao pedido de informação e à ansie- dade de Sérgio ante sua esposa psicótica; ao pedido de Caetano que se propunha a ajudar seu irmão alcóo- latra; pôde atender ao pedido de clarificação de Paula que se sentia encurralada nas dificuldades com o ma- rido; e ao pedido de aconselhamento psicológico de Miriam que se viu numa nova condição social a partir da viuvez. E ao acolher a demanda já no momento presente, o referencial do próprio cliente conduz o processo de atendimento para uma direção ou para outra: Sérgio mantém o foco da problemática sobre sua esposa, mesmo clarificando sua própria experiência na situação-problema; Caetano voltou o foco mais para si mesmo, para suas possibilidades e limites de intervenção; Paula, voltando o foco para si e seus sentimentos, pôde se colocar de forma mais clara com o marido e não viu mais a necessidade do acompanha- mento; Miriam, ao examinar sua experiência, confirma o desejo de um processo de atendimento psicológico. A vivência de um desafio: Plantão Psicológico 26 Plantão Psicológico: novos horizontes Que seja o referencial do próprio cliente a definir a direção do processo não significa ausência ou passi- vidade do conselheiro, ao contrário, é a sua presença clara e atenta que permite ao cliente uma clarificação maior de seu referencial. Ao mesmo tempo que o con- selheiro sabe que está facilitando um processo infi- nitamente mais amplo do que lhe é possível apreender só naquele momento, sabe estar facilitando também o processo de crescimento da pessoa, do qual aquele breve encontro participa (de forma significativa, espera-se!) – assim como aquele encontro permitiu a Paula desenrolar um novo processo com seu marido, que segue em frente independentemente do acompanhamento do conselheiro. Uma outra contribuição que cabe ao psicólogo- conselheiro no momento do plantão é estar atento à forma de relação que se estabelece e à forma como o cliente percebe sua problemática, para bem ajudá-lo também nas diversas possibilidades de continuidade e/ou encaminhamento. Por exemplo, se Miriam colo- casse como globalidade a sua percepção de deterio- ração das relações e de sua identidade, ou com rigidez a sua percepção de que todos passaram a controlá-la ou seduzi-la, a proposta de atendimento em Acon- selhamento Psicológico poderia ser acompanhada de um encaminhamento para um exame e/ou um acom- panhamento psiquiátrico. O sistema de plantão psi- cológico contém um caráter de triagem não-clássica, sendo que esta não é o centro do encontro, não o delimita nem o conduz, mas nem por isso está ausente para o conselheiro quando avalia as possibilidades de continuidade dentro da perspectiva do cliente. A flexibilidade do conselheiro quanto à direção da continuidade do processo é também o que lhe permite continuar disponível à pessoa que lhe pro- curou, mantendo o plantão como referência, como mais um dentre os recursos de saúde mental possíveis 27 de serem utilizados. Dessa forma, Sérgio pode procurar novamente o plantão para novas informações ou para um atendimento pessoal, e Caetano pode pedir um atendimento no prosseguimento de seu processo. Esta disponibilidade do conselheiro pode se manter mesmo que já se tenha definido a forma de encaminhamento, como no caso de Miriam, que seguirá um processo de Aconselhamento Psicológico. A experiência de plantão como momento significativo da pessoa ante sua problemática tende a se tornar referência-existencial: portas abertas que podem significar facilitação para um novo pedido de ajuda ou facilitação para suportar a espera do início de um outro processo. Para que possa se tornar referência estável é importante que a instituição assegure a presença de conselheiros disponíveis em certos horários em lugares fixos, além de manter informações e contatos com outros recursos de saúde e educação. É claro que os exemplos de demandas até aqui apresentados foram escolhidos em função de explicitar o potencial, a amplitude e a viabilidade do sistema de plantão psicológico com a contribuição da Abordagem Centrada na Pessoa. Demandas muito mais simples são também comuns, e mesmo nestes casos o plantão pode ser de grande contribuição. Por exemplo: Lúcia é estudante de arquitetura, trabalha já na sua área, gosta do que faz, mora com a família. Procura o Serviço de Aconselhamento Psicológico e pede aten- dimento dizendo que não ocorreu nada de anormal nos últimos tempos, mas está querendo se conhecer melhor, e quer ter um tempo e um espaço específicos para se dedicar a isso. O conselheiro se interessa por saber o que tem feito, como tem se sentido em sua vida quotidiana, e Lúcia fala de algumas dificuldades de relacionamento com os pais por alguns choques de valores, de como gostaria de ser mais independente A vivência de um desafio: Plantão Psicológico 28 Plantão Psicológico: novos horizontes desses atritos, mais firme, e de como seu namorado tem sido importante para ela neste sentido. Assim, fica melhor delimitado, para a própria Lúcia também, o seu campo de interesse para iniciar um processo de atendimento psicológico. Preenchem a ficha de inscri- ção e o conselheiro lhe explica as condições de atendi- mento naquela instituição. A sessão durou meia hora. O plantão permite um sistema de inscrição, por si, terapêutico – já no momento de pedido de atendi- mento. Isto porque propicia ao cliente configurar com mais clareza seu pedido de ajuda – ainda que isso não mude sua perspectiva. Trata-se de facilitação à clarifi- cação de sua demanda; o que equivale a dizer, clari- ficação de seu eu que está em um certo movimento de busca. Essa forma de inscrição de um Serviço de Aconselhamento Psicológico não dispensa uma certa organização burocrática, mas não se pauta por ela. Se tal sistema de plantão psicológico descortina um horizonte amplo para atendimentos psicológicos, não se pode dizer, porém, que suas possibilidades sejam ilimitadas. Sua viabilidade se insere nos próprios limites da relação de ajuda. Por isso uma pessoa que vai buscar o “conselho” para a resolução de seu problema – sem disponibilidade interna de um contato maior consigo mesma – pode ficar decepcionada e o conselheiro, por sua vez, pode ficar sem poder contribuir, mesmo que queira. Ou uma pessoa que em surto psicótico é levada por amigos, mas não consegue manter contato a ponto de se efetivar um encontro com o conselheiro, pode sair como entrou. Também uma relação de ajuda permanece circunscrita a limites institucionais e pessoais do conselheiro e do próprio cliente. Aceitar manter-se no momento presente, cen- trado na vivência da problemática que emerge com sua ansiedade e força particulares no próprio momento de pedido de ajuda, acompanhando a variação da 29 percepção de si e das circunstâncias pela direção que a clarificação a levar – eis a disponibilidade do psi- cólogo-conselheiro, que possibilita o atendimento em plantão psicológico. Assim, num horizonte novo, reto- mo as palavras do início deste capítulo: “Pelo conjunto destas características, plantão psicológico parece um desafio. E é!”. A vivência de um desafio: Plantão Psicológico 31 O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae: uma proposta de atendimento aberto à comunidade Raquel Wrona Rosenthal No final da década de 70, parte do grupo de profissionais que antes se reunia como “Grupo de Psicologia Humanista”, decide constituirno Instituto Sedes Sapientiae, o Centro de Desenvolvimento da Pessoa, CDP. Estimulado pelo entusiasmo de Rachel Lea Rosenberg, o CDP desenvolvia programas de estudos teóricos, grupos de supervisão e reflexão sobre a prática clínica, promovia workshops abertos ao público, ciclos de encontros de profissionais paulistas e também encontros nacionais, constituindo-se em importante referência para os interessados em discutir e aprofundar o conhecimento da ACP, Abordagem Centrada na Pessoa. Sempre atenta ao potencial transformador da ACP, considerando tanto a dimensão individual quanto a social / comunitária, Dra. Rosenberg propõe a criação de um serviço de Plantão de Psicólogos, inspirado nas experiências das walk-in clinics, surgidas nos Estados 32 Plantão Psicológico: novos horizontes 1 ROGERS, Carl Ramson. As condi- ções necessárias e suficientes para a mudança terapêu- tica da personali- dade. In: WOOD, John Keith et alii (Org.s). Abordagem centrada na pessoa, Vitória: Fundação Ceciliano Abel de Almeida / Universi- dade Federal do Espírito Santo, 1995, p. 157-179. 2 ROGERS, Carl Ramson. Psicotera- pia e consulta psico- lógica. 1ª ed. São Paulo: Martins Fon- tes, 1987 (Coleção Psicologia e Peda- gogia), p. 207-208. Unidos para prestar atendimento imediato à comunidade. Até então o Serviço de Aconselhamento Psicológico, no Instituto de Psicologia da USP, sob sua coordenação, já vinha oferecendo o que chamava “plantão”, e que consistia, naquele caso, em uma disponibilidade mais atenciosa de recepção aos clientes que procuravam inscrição para atendimento regular em aconselhamento psicológico. Daí surgiram as primeiras reflexões sobre as potencialidades de um serviço de “Plantão Psicológico”: o poder transfor- mador da escuta atenciosa, não diretiva, centrada no cliente, confiante na tendência ao desenvolvimento das potencialidades inerentes à pessoa (tendência atualizante), e na possibilidade dessa tendência ser estimulada, mesmo através de um único encontro com o profissional, desde que este último possa oferecer sua presença inteira, através de sua própria congruência, capacidade de empatia e aceitação incondicional do outro, atitudes pilares da ACP. 1 É de Carl Rogers, o criador da Abordagem Centrada na Pessoa, a ponderação: “Se atendermos à complexidade da vida humana com olhar justo, temos que reconhecer que é altamente improvável que possamos reorganizar a estrutura da vida de um indivíduo. Se pudermos reconhecer este limite e nos abstivermos de desempenhar o papel de Deus, poderemos oferecer um tipo muito precioso de ajuda, de esclarecimento, mesmo num curto espaço de tempo. Podemos permitir ao cliente que exprima seus problemas e sentimentos de forma livre, e deixá-lo com o reconhecimento das questões que enfrenta.” 2 Muitas pessoas, em determinada circunstância de suas vidas, poderiam se beneficiar ao encontrar essa interlocução diferenciada, que lhes propiciasse uma oportunidade também de escutar a si mesmos, 33 O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae 3 INSTITUTO SEDES SAPIENTIAE: : : : : Carta de Princípios, s/d (mineo.). identificando e reconhecendo seus próprios sentimentos e possibilidades de auto direção, no momento em que enfrentam a dificuldade, sem que necessariamente tenham que se submeter a atendimento sistemático, prolongado, como tradicionalmente oferecem as psicoterapias. Coube a mim a coordenação e supervisão do Plantão de Psicólogos do CDP, oferecido pela primeira vez em agosto de 1980, como um dos chamados “cursos de expansão”do Instituto Sedes Sapientiae. O curso tinha duração semestral, e prestava, através de seus alunos, atendimento psicológico aberto à população. O Instituto Sedes Sapientiae ou Sedes, como hoje o chamamos, fundado em São Paulo em 1975, é um importante centro de prestação de serviços, ensino e pesquisa ligados às áreas da Psicologia e da Educação, tendo como compromisso “assumir sua parcela de responsabilidade na transformação qualitativa da realidade social, estimulando todos os valores que acelerem o processo histórico no sentido de justiça social, democracia, respeito aos direitos da pessoa humana”.3 Feliz associação de ideais, nosso Plantão tinha lugar certo para acontecer! As atividades iniciaram-se pela seleção dos plantonistas. Os critérios adotados pediam que fossem psicólogos, que conhecessem os fundamentos da ACP, que tivessem experiência mínima de um ano em atendimento clínico e estivessem especialmente sensibilizados pela natureza do serviço proposto. Contávamos com um grupo de doze planto- nistas e uma supervisora e estabelecemos o horário das 20 às 22 horas, às segundas e quintas-feiras 34 Plantão Psicológico: novos horizontes 4 BELLAK, Leopold & SMALL, Leonard. Psicoterapia de Emergência e Psico- terapia Breve. Porto Alegre: Artes Médi- cas, 1980. para os atendimentos e nossas reuniões. Dedicamos aproximadamente um mês e meio ao planejamento e à divulgação do novo serviço, período em que pudemos compartilhar nossas expectativas e fantasias, aplacando nossa ansiedade, acentuada pela ausência de bibliografia específica sobre plantão psicológico. Não havia qualquer menção, nas diversas bibliotecas especializadas que consultamos, às walk-in clinics das quais Rachel Rosenberg nos falara. Sabíamos que a possibilidade de psicoterapias de curta duração vinha sendo considerada por autores que adotavam diferentes abordagens, como por exemplo, os trabalhos de Bellak e Small, 4 de orientação psicanalítica. As Psicoterapias Breves vinham tendo, desde a década de 70, grande implemento e pesquisa, mas nada de sistemático havia sobre outras experiências de curta duração ou mesmo de sessões únicas de atendimento. Dra. Rosenberg, ao refletir sobre variações no tempo de atendimento, apontava o caráter preventivo de uma intervenção no momento oportuno: “A duração prevista para um atendimento possivelmente eficaz em terapia tem sofrido modi- ficações de várias espécies. Comprovações empíricas de resultados satisfatórios justificam o uso de aten- dimentos com um número pré-determinado ou má- ximo de horas. Cria-se uma metodologia específica para este tipo de atendimento em linhas teóricas variadas [...], o atendimento de curta duração se insere como aplicação natural, bem sucedida e cada vez mais utilizada. Mesmo no caso de problemas graves ou difi- culdades antigas, conclui-se que o princípio de tudo- ou-nada – ou seja, terapia profunda e prolongada ou nenhuma assistência psicoterápica – não tem real validade. Especialmente em pontos críticos do 35 O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae 5 ROSENBERG, Rachel Lea. Terapia para Agora. In: ROGERS, Carl Ramson & ROSENBERG, Rachel Lea. A Pessoa como Centro. São Paulo: E.P.U., 1977, p. 52. 6 Madre Cristina, nascida Célia Sodré Dória, cônega de Santo Agostinho, educadora, psicó- loga e fundadora do Instituto Sedes Sapientiae, persona- lidade inesquecível para a Psicologia e para a História bra- sileiras. desenvolvimento ou da vivência, uma intervenção adequada tem, além de efeitos terapêuticos, caráter preventivo de conflitos maiores posteriores”. 5 Alguns alunos supunham que, devido ao caráter imediato do atendimento, certamente receberíamos muitos clientes em crise emocional aguda e insistiam na necessidade de contarmos com um psiquiatra plantonista. Precisamos esclarecer que nossa proposta não era criar um serviço para emergências psiquiátricas e sim oferecer escuta imediata, recebendo a pessoa no momento da dificuldade, sem que necessariamente a intensidade dessa dificuldade tivesse atingido um ponto crítico que representasse ameaça iminente à sua integridade ou à de outros; não era destinado ao suicida em potencial, como sugeria a divulgação recente do CVV, Centro de Valorizaçãoda Vida, cuja equipe de plantonistas era constituída por leigos em psicologia e prestava atendimento inicial por telefone. Por precau- ção, tratamos de pesquisar e organizar uma relação de instituições e serviços particulares de psiquiatria, caso viéssemos a necessitar. A preocupação de Madre Cristina 6 era de que o novo serviço não viesse aumentar as já enormes filas de espera para psicoterapia naquela clínica, tão solicitada devido à tradicional qualidade dos serviços prestados. Insistíamos em esclarecer que a intenção não era fazer triagem, embora pudéssemos, eventualmente, realizar encaminhamentos. O Plantão Psicológico não foi concebido como uma alternativa “tampão” para acabar com filas de espera em serviços de assistência psicoterapêutica, já que não pretende substituir a psico- terapia. Não acreditamos que uma única sessão seja capaz de resolver sérios problemas emocionais ou pro- mover resultados reconstrutivos da personalidade. So- mente mais tarde é que viemos a descobrir as possi- bilidades terapêuticas do plantão. 36 Plantão Psicológico: novos horizontes 7 um destes cartazes encontra-se digita- lizado no CD-ROM anexo ao livro. Fizemos várias reuniões em torno de aspectos éticos das formas de divulgação: tratava-se de uma nova proposta e aberta à comunidade em geral. Como divulgá-la, transmitindo sua originalidade e acessibilidade, sem banalizá-la? Optamos pela impressão de cartazes 7 , que foram afixados em diversas escolas, igrejas, hospitais, bibliotecas públicas e faculdades com o destaque: “Psicólogos de Plantão” e o texto: “Somos um grupo de psicólogos prontos para ouvir, trocar idéias, esclarecer dúvidas. Enfim, estar com você no momento em que sentir que um psicólogo pode ajudar.” Seguia-se o nome da psicóloga responsável e seu número de inscrição no CRP, o endereço e horários do atendimento. Os plantonistas visitaram as salas de aula do Sedes onde se desenvolviam outros cursos, para anunciar o atendimento e esclarecer dúvidas a respeito. Os primeiros a nos procurar foram justamente alguns alunos desses cursos, uns motivados por questões pessoais, outros, pelo interesse profissional em conhecer melhor o Plantão. Houve uma divulgação num programa da TV Cultura, uma reportagem extensa que entrevistou plantonistas e supervisora, e que, infelizmente, só foi ao ar às vésperas da interrupção do serviço devido às férias. Este fator diminuiu o impacto de sua reper- cussão, pois os clientes que nos procuraram em segui- da à edição do programa da TV não puderam ser atendidos. O jornal Folha de São Paulo publicou reportagem do jornalista Paulo Sérgio Scarpa sobre o Plantão Psicológico, destacando sua utilidade pública. Inte- ressante assinalar que a seção onde se inseriu a matéria 37 O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae 8 Estas matérias se encontram digita- lizadas no CD-ROM anexo ao livro. intitulava-se “A Folha e as respostas da sociedade à crise”(07/11/81). Outras menções ao serviço já ha- viam sido feitas por esse mesmo jornal, em edição de 16/01/81 e em seu caderno “Folhetim”, cuja edição, em 20/09/81, era dedicada ao tema “Desemprego e Insegurança” 8 . Hoje, passados 19 anos, podemos reconhecer, com tristeza, a atualidade desses temas. O primeiro grupo de doze plantonistas traba- lhou de agosto a dezembro de 1980, dividido em sub-grupos de seis que se alternavam entre atendimento e supervisão: enquanto metade prestava plantão às segundas-feiras, a outra parte reunia-se para supervisão; às quintas-feiras, invertiam-se as funções. A supervisão também era acessível ao plantonista durante o trans- correr de um atendimento, caso precisasse dela. A du- ração de uma sessão de atendimento poderia variar de uma a duas horas, dependendo de haver ou não outros clientes à espera. Dispúnhamos de sete salas, sendo seis destinadas ao atendimento e uma para as reuniões de supervisão. Madre Cristina, confiante na importância da iniciativa, ofereceu-se para recepcionar os clientes. Assim, quem procurava o Plantão Psicológico, mesmo nas noites mais frias do inverno, encontrava-a logo à entrada do Sedes, sentada atrás de uma pequena mesa, apoiada num travesseiro para respaldar suas costas, que tão vigorosamente suportaram, com coragem e dignidade, as pressões da luta por justiça social em nosso país. Cabia a ela indicar ao cliente o andar e a sala de atendimento, o que fazia com calor e firmeza, já despertando nele uma disposição receptiva ao encontro com o profissional. No primeiro semestre de 1981 foi feita nova seleção de plantonistas e alguns dos ex-alunos, entu- siasmados que estavam, se re-inscreveram. 38 Plantão Psicológico: novos horizontes Novamente, para o terceiro curso, no segundo semestre de 1981, tivemos re-inscrições. Em 1982 não foi renovada a proposta. A su- pervisora, preparando-se para sua terceira gravidez, embevecida que estava pelo novo, decidiu-se pela dedicação mais intensa às suas filhas, enquanto se afas- tava do Sedes, levando muito para refletir a respeito de seus plantões e suas “plantinhas”. Mais tarde, é convidada a oferecer Plantão Psicológico aos fun- cionários do mesmo instituto, atividade que desen- volveu até dezembro de 97. Esse convite atesta o reconhecimento da importância da proposta e a re- percussão que o Plantão Psicológico alcançou dentro daquela instituição. Trataremos aqui de apresentar como foi desenvolvido o Plantão Psicológico aberto à co- munidade. OS CLIENTES Nos três semestres do Plantão de Psicólogos, realizamos 145 atendimentos, sendo 28 retornos. Tínhamos estabelecido três retornos como possibilidade máxima para cada cliente no mesmo semestre. Enten- díamos que, cas o nos procurasse com maior freqüência, isto indicaria a conveniência de encaminhá-lo à psicoterapia. Tínhamos uma relação de instituições que prestavam atendimento gratuito, como era nosso caso, e também uma relação de psicoterapeutas dispostos a trabalhar por honorários simbólicos. Das 117 pessoas que nos procuraram, 52% eram mulheres e 48% homens. Predominaram os solteiros; o nível de escolaridade dos clientes variou de semi- alfabetizados a curso superior completo; 17% eram profissionais liberais (advogado, economista, psicólogo, fisioterapeuta), e o restante composto por outras ocupações (escriturário, comerciário, comerciante, motorista, vendedor, feirante, office-boy, técnicos em 39 O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae serviços diversos). Procurou-nos também uma pessoa que declarou como ocupação, ser “pedinte”. Meses depois, a plantonista que o atendeu o encontraria num dos ônibus urbanos, recolhendo esmolas entre os passageiros. Após cada atendimento, era solicitado ao cliente que depositasse numa urna um comentário escrito, sem necessidade de se identificar. Dos 68 depoimentos recolhidos, destacamos alguns, para ilustrar a reper- cussão imediata ao encontro: “Eu nunca havia participado de uma entrevista com psicólogos. Fiquei até com receio pois não sabia como iria iniciar a conversa. Entretanto, foi mais fácil do que imaginava. O ‘à vontade’ com que a psicóloga conduziu o bate-papo propiciou-me externar praticamente tudo o que vinha me inquietando, chegando mesmo a tirar conclusões ou elucidar dúvidas com o simples desabafo de minhas preocupações. Senti-me pois tão satisfeita como se tivesse recebido um presente de Natal ”. “Não acho que o atendimento recebido tenha resolvido o meu problema, mas tenho plena convicção de que abriu- me algumas portas, deu-me algumas luzes e fez-me refletir. Creio que agora estou mais apto a resolvê-lo e muito otimista por saber que posso”. “Acho que existem muitas pessoas que deveriam fazer esta ‘pré-análise’ antes de se definir pelo terapeuta”. “Não fez minha cabeça”. “Como é bom ter e sentir que podemos sentar e conversar com uma pessoa.Falar de nossos problemas sem pensar que vamos ser censurados”. 40 Plantão Psicológico: novos horizontes “Achei ótima a idéia desse Plantão. Psicólogos ouvindo pessoas em casos de emergência ‘emocional’. Deve continuar e se expandir em vários locais e ser divulgado e ‘ensinado’, dado como curso nas escolas de Psicologia”. “Acho essa iniciativa muito válida e isso, acredito eu, vem a ressaltar ainda mais o papel, ainda que às vezes reprimido do psicólogo na sociedade. Acredito que mesmo sendo um só encontro, estes 50 ou 60 minutos que sejam, nossas 23 horas restantes e dias posteriores serão melhores”. De maneira geral, os comentários aludiam à importância de ser ouvido, faziam referências ao alívio pelo desabafo, sugeriam que o atendimento deveria ser pago, apontavam a necessidade de maior divul- gação do serviço e a ampliação dos horários de aten- dimento e alguns revelaram frustração da expectativa de que pudessem receber atendimento prolongado. OS PLANTONISTAS Os plantonistas se referiam com freqüência à sua experiência como estagiários durante o tempo da faculdade, declarando o quanto “sofreram” ao se des- ligar do cliente por ocasião da conclusão do curso de graduação. Agora, a questão do vínculo, a separação do cliente, a ansiedade em função desse único encontro, a imprevisibilidade quanto a outra oportunidade (sessão seguinte) para eventual “reparação” de sua atuação, tudo era discutido sistematicamente nas supervisões. Suponho que uma das conseqüências dessas dificuldades dos alunos foi o número de enca- minhamentos realizados e a quantidade de interven- ções de natureza diretiva, com tendência a oferecer respostas e sugestões. Outra questão diz respeito à superação do estereótipo de que uma relação de ajuda psicológica 41 O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae deva se estender no tempo, de que profundidade e intensidade sejam diretamente proporcionais à duração do atendimento. A possibilidade de que uma inter- venção de natureza breve pudesse ser suficiente para o cliente não era claramente percebida pelos alunos, limitação que podemos atribuir à formação que re- ceberam nos cursos de Psicologia, onde a habilitação do psicólogo estava mais voltada para a atividade clí- nica da psicoterapia ou do psicodiagnóstico através de testes. Também em relação às intervenções diretivas observamos, muitas vezes, que o sentimento de impo- tência do plantonista diante de clientes de menor poder aquisitivo, levou-os a adotar atitudes paternalistas e, de certa forma, desvalorizantes para o cliente; houve casos em que o aluno procurava encontrar soluções imediatas, dar conselhos e sugestões ou mesmo insistir em encaminhamentos muitas vezes não percebidos como necessários pelo próprio cliente. Liesel Lioret, psicóloga que pouco tempo de- pois iniciaria também como supervisora o atendimento psicológico do tipo plantão em postos de saúde através da Clínica das Faculdades São Marcos, fez a seguinte reflexão sobre sua experiência: “A questão dos valores do psicólogo é importante em qualquer processo psicoterapêutico, mas quando se trata de sua ‘vontade de ajudar’ pessoas com problemas de subsistência, a visão que ele tem da ‘pobreza’ e de seu próprio lugar na sociedade modela seus objetivos explícitos e implícitos e suas atitudes. O psicólogo tem a tendência a se preocupar mais com o ‘como’ de sua atuação do que com o ‘porquê”, ou seja, com as implicações pessoais e ideológicas de suas intervenções. Por exemplo, não terá a mesma postura se acredita que uma tomada de consciência individual possa ser um fator de mudança, ou se acredita que somente uma mudança social e política possa trazer 42 Plantão Psicológico: novos horizontes 9 Extraído de rela- tório pessoal não publicado (1982). Parágrafo aqui re- produzido sob per- missão da autora. soluções para as situações individuais.[...] Ele deve, mais do que nunca, estar atento às incongruências de seus sentimentos com os pressupostos intelectuais: até que ponto ele realmente confia nos recursos da pessoa para enfrentar suas dificuldades e modificar seu mundo?”9 O SERVIÇO E O CURSO Quanto à estruturação do serviço, que acom- panhava o calendário dos cursos do Instituto Sedes Sapientiae, percebemos que a proposta semestral, com constantes interrupções devido às férias, além de trun- car o afluxo de clientes, tornava muito curto o período de preparação do plantonista, preparação que nos parece requerer bastante empenho, especialmente no que diz respeito às bases conceituais da Abordagem Centrada na Pessoa e aos valores pessoais do profis- sional. Isto pôde ser confirmado pelo número de re- inscrições dos alunos para os semestres seguintes, evi- denciando que não só reconheciam a relevância e efetividade do Plantão Psicológico, como também a consciência que tinham da necessidade de aperfei- çoamento. O tempo breve da relação com o cliente talvez torne mais perceptível, tanto para o supervisor como para o próprio aluno, o grau de consistência na adoção da ACP como referencial para sua atuação. A ausência de solidez na “atitude centrada na pessoa” prejudicará a qualidade da relação de ajuda, gerando no plantonista comportamentos incongruentes e condutas diretivas. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PLANTÃO Nossas próprias “descobertas” antecipam o que diria mais tarde o rabino e escritor Nilton Bonder: “A grande descoberta deste século para as Ciências Humanas é a descoberta terapêutica da escuta. Não há melhor entendimento que alguém possa nos prestar do 43 O Plantão de Psicólogos no Instituto Sedes Sapientiae 10 BONDER, Nilton. Elul, O mês da escu- ta. Kol: Boletim In- formativo da Comu- nidade Judaica do Brasil, Rio de Ja- neiro, Ano III, n. 7, agosto 1998, p. 1. que servir-nos de ouvido para as falas baixas e quase imperceptíveis de nossa existência” 10. Ouvir pode sugerir uma atitude passiva, mas não é. Ouvir implica acompanhar, estar atento, estar presente. Presença inteira. Que quer dizer “presença inteira”? Todos sabemos o que significa presença “parcial”. Quantas vezes duvidamos que nosso interlocutor esteja realmente nos ouvindo? Mesmo que alguém, ao ser questionado “Você está ‘mesmo’ me ouvindo?” seja capaz de repetir literalmente aquilo que acaba de ouvir, a repetição soará vazia, oca de sentido, se sua presença estiver cindida. Ser capaz de repetir neste caso não significa ser bom ouvinte. É sutil, mas às vezes podemos até perceber, sem mesmo ter consciência de que percebemos – pela própria “densidade” de olhar do outro, pelo tipo de brilho desse olhar – a denúncia da “parcialidade” da presença. Um olhar nosso ao olhar do interlocutor poderá revelá-la. A repetição, mesmo quando se torne uma reprodução, isto é, quando procure “re-produzir”, sintetizando o conteúdo daquilo que foi ouvido, eventualmente em outras palavras, torna-se oca, é apenas e simplesmente um eco. Eco, a ninfa da mitologia grega, evitava a com- panhia dos homens e dos deuses e não se importava com o Amor. Pã, apaixonado por ela e irritado com sua indiferença, fez que os pastores da região a despeda- çassem, espalhando os despojos pelas campinas. Eco, dispersada por muitos lugares, limita-se a repetir os sons que se produzem por perto. Ouvir realmente, e não apenas “ecoar”, requer concentração do plantonista (terapeuta, ouvinte etc.). Não é possível ouvir estando disperso como Eco. E não estou me referindo a concentração apenas como capacidade de focalizar a atenção (no cliente ou na fala do cliente), mas quero ressaltar a concentração do terapeuta em si mesmo. 44 Plantão Psicológico: novos horizontes Proponho refletirmos sobre “concentração” como “congruência”. Parece estranho? Congruência pode ser entendida como o alinhamento de várias esferas sobre um mesmo eixo. Psicologicamente falan- do, significaria ter as dimensõesdo pensar, sentir e agir, alinhadas em torno do mesmo eixo, ter “todos os centros num mesmo centro”. Congruência é por- tanto concentração, tomar dentro de si como único centro, o mesmo eixo de alinhamento. É alinhamento interno, concentração, presença inteira. A Abordagem Centrada na Pessoa, enfatizando as qualidades da relação (aceitação incondicional, empatia e congruência) como fator mobilizador do crescimento (tendência atualizante) se confirma como perfeito referencial para o “Plantão Psicológico”, modalidade de atendimento que vem abrir também novas perspectivas de contribuição social para o psicólogo. Relembrando a expressão tão rica de sentidos do Prof. Miguel Mahfoud, podemos confirmar o Plantão Psicológico como presença que mobiliza. 45 1 O presente texto foi originalmente apresentado no VIII Encuentro Latino- americano del Enfo- que Centrado en la Persona, promovido pela Universidade Iberoamericana da Cidade do México e pela Universidade Autônoma de Aguas- calientes, em Aguasca- lientes, México, em 1996, com apoio da FAPEMIG. Plantão Psicológico na escola: uma experiência Miguel Mahfoud O desempenho profissional é fruto possível de raízes filosóficas, e é verdade que se conhece a árvore pelos frutos. Mas se o fruto-desempenho profissional não morrer, ficará só; se morrer um pouco, para uma reflexão mais profunda e para se misturar com o que dá vida, produzirá cem por um. Por isso quero agradecer a possibilidade de compartilhar experiências 1 , a oportunidade de pensar um pouco mais no que faço; oportunidade de me enriquecer pela consciência de que também eu fui plantado e que também eu sou árvore com raiz e fruto, e oportunidade de comunicar. O sentido mais profundo do fruto não é semear de novo? A Educação tem pedido técnicas à Psicologia. Mas o risco é o de não se clarear a finalidade geral da educação, respondendo segundo objetivos precisos mas inadequados a essa finalidade. Ou seja, o risco é o de não explicitarmos (nem a nós mesmos) que a 46 Plantão Psicológico: novos horizontes finalidade da educação é a formação da pessoa, e querermos responder a tantas demandas com diversos objetivos definidos (aumento do rendimento escolar, auxílio na expressão verbal e escrita, aplacamento de comportamentos anti-sociais...) que podem nos ocupar muito, podemos até obter resultados, mas poderíamos ainda assim não estar respondendo à verdadeira finalidade da educação. Se a explicitarmos, daremo- nos a oportunidade de que ela ilumine objetivos, métodos e técnicas. E, ainda mais importante, daremos a nós mesmos a oportunidade de sermos educadores, isto é, testemunhas de uma consciência ampla possível, que já começa a ser uma rota de orientação dentro da desorientação cultural em que vivemos, e que as nossas crianças e adolescentes não têm como evitar. É nesse sentido que um pouco ousadamente evitei assumir uma função psico-pedagógica na escola em que trabalhei. É preciso salientar que ali tínhamos uma condição de trabalho incomum, não sendo cha- mados a desempenhar as funções de orientação educa- cional, ou coordenação pedagógica ou disciplinar – funções estas exercidas por outros profissionais. Pude então me preocupar com uma contribuição propria- mente psicológica no âmbito escolar. Devido à minha formação marcada pela Aborda- gem Centrada na Pessoa logo quis que também na escola a psicologia pudesse contribuir primeiramente consti- tuindo um espaço para o aluno como pessoa. Um espaço onde se retomasse a finalidade da educação através da formação da pessoa naquele contexto, assim como é, com todos os seus recursos e limites, já. Em um contexto institucional cristalizado e tantas vezes inevitavelmente partícipe da desorientação cultural que todos vivemos, eu quis ser psicólogo e educador ao testemunhar o valor e a potência inovadora e criadora da pessoa que cresce com consciência de si e da realidade. 47 Plantão Psicológico na escola: uma experiência 2 Cf. MAHFOUD, Miguel. A Vivência de um Desafio: Plantão Psicológico. In: ROSENBERG, R. L. (Org.). Aconse- lhamento Psicoló- gico Centrado na Pessoa, São Paulo: EPU, 1987, p. 75-83. (Série Temas Bási- cos de Psicologia, Vol. 21) Assumindo isso como finalidade, a técnica de atendimento breve que tem sido chamada de “Plantão Psicológico” 2 serviu como método de presença entre os alunos e professores. Sabemos bem que a imagem de um Serviço de psicologia dentro da escola é visto por todos como algo muito diferente disso que propomos, e assim quisemos afirmar essa nova ótica para todos, mas prin- cipalmente – e a partir – dos alunos, a quem aquele Serviço de psicologia queria servir. Preparamos, então, folhetos de divulgação da proposta, que penso possam ajudar a explicar a vocês também um pouco do que vem a ser um Plantão Psicológico na escola. Aos alunos de nível colegial foi entregue um folheto com trechos da música “Quase sem querer” do grupo Legião Urbana, e alguns comentários apre- sentando o Plantão Psicológico. Trazia os seguintes dizeres: “Tenho andado distraído, Impaciente e indeciso E ainda estou confuso. ... Quantas chances desperdicei Quando o que eu mais queria Era provar pra todo mundo Que eu não precisava Provar nada pra ninguém ... Como um anjo caído Fiz questão de esquecer Que mentir pra si mesmo É sempre a pior mentira. Mas não sou mais Tão criança a ponto de saber Tudo. ... 48 Plantão Psicológico: novos horizontes 3 As ilustrações dos panfletos apresen- tados neste capítulo são de Durval Cor- das, a quem agrade- cemos a autorização para publicação. Sei que às vezes uso Palavras repetidas Mas quais são as palavras Que nunca são ditas?” de “Quase Sem Querer” (Dado Villa-Lobos/ Legião Urbana) PLANTÃO PSICOLÓGICO NO COLÉGIO – Uma ajuda para quem não quer viver desperdiçando chances (com os amigos, com a família, no colégio...). – Um espaço para procurar ouvir em si as palavras mais profundas e verdadeiras. – Uma possibilidade para todo aluno que não quer viver “quase sem querer”. Os pedidos de encontro com o psicó- logo podem ser feitos pessoalmente todas as 3as e 6as feiras nos intervalos da manhã na sala 45 (próximo à biblioteca e à informática). Ou por escrito, todos os dias deixando na portaria do Colégio um bilhete destinado ao psicólogo Miguel Mahfoud contendo seu nome, número e classe, data e assinatura. – Querendo, apareça! Já o folheto preparado e entregue aos alunos de nível ginasial foi o seguinte 3 : 49 Plantão Psicológico na escola: uma experiência 50 Plantão Psicológico: novos horizontes 51 Plantão Psicológico na escola: uma experiência 52 Plantão Psicológico: novos horizontes 53 Plantão Psicológico na escola: uma experiência 54 Plantão Psicológico: novos horizontes A resposta dos alunos foi bastante positiva. No início a curiosidade sobre minha pessoa e sobre o tipo de atendimento era o mais marcante, e vagarosamente foi se instalando como um espaço para as pessoas, mais do que para os problemas. Isso fez com que mesmo quando precisávamos chamar alguém para conversar por pedidos da coordenação pedagógica ou disciplinar, ou por pedido de algum professor, a disponibilidade de tratar dos problemas era já diferente, porque o inte- resse era por ele, e não por suas notas ou comporta- mentos. Então até suas notas e comportamentos eram discutidos; suas queixas intermináveis, ouvidas; mas sua pessoa continuava a ser o centro, e a resposta à situação assim como é ainda cabe a ele, que pode agora ter alguém a quem se referir, com quem se avaliar, em quem se apoiar. A consciência ampla do educador ali frente ao aluno se traduz também em disponibilidade e cumplicidade para que o aluno viva com realismo e com cuidado consigo mesmo. De modo geral isso é mobilizado rapidamentee o psicólogo permanece como referência para o aluno na escola, também para outras ocasiões mais tarde, e a experiência permanece como referência dentro do aluno – espero para sempre. A consciência de si e da realidade pede, antes de mais nada, discriminação. Quem é quem na escola? Com quem você pode contar? Quais são os recursos disponíveis na rede de relacionamentos? Mas se provoco os alunos a estarem atentos à realidade e ao cuidado consigo mesmos e à sua presença na escola, é porque procuro fazer o mesmo ali. Também eu preciso discriminar bem, e aprender a reconhecer as diferentes contribuições dos vários professores e coordenadores que convivem muito mais diretamente com os alunos do que eu, e por isso podem ser um contato importante para o meu trabalho e para diferentes formas de ajuda a alunos em dificuldade. Eles podem 55 Plantão Psicológico na escola: uma experiência 4 Este folheto en- contra-se digita- lizado no CD-ROM que acompanha o livro. me dar feed-back de minhas intervenções, podem cooperar quando também eles se abrem a um tipo de compreensão dos acontecimentos que considere o lado dos alunos e as outras dimensões normalmente deixadas à margem da sala de aula. Na verdade a manutenção desse tipo de pro- posta pede um empenho constante, e disponibilidade a manter um diálogo continuamente retomado – com os professores, com os alunos e com o conjunto da instituição – para se esclarecer a linha do trabalho, e para que se tenha atenção com o sentido que o trabalho vai tomando para a instituição: COM OS PROFESSORES Quanto aos professores, é fácil que em um primeiro momento eles sintam que somos “defensores” dos alunos, e quase nos vejam como inimigos. Sentem- se incompreendidos. Chamá-los a colaborar conosco na atenção com os alunos nem sempre é potente para romper aquela impressão. Às vezes é preciso que eles vejam alguns passos que estão sendo dados pelo aluno e que se liguem diretamente a seu trabalho. Dedicar-se a explicitá-los nem sempre é fácil, mas é sempre importante. COM OS ALUNOS Quanto aos próprios alunos, é importante retomar a proposta de que eles próprios podem nos procurar, e estar atentos às tensões que nossa presença suscita entre eles, para poder lidar com elas também enquanto escola no seu conjunto, além do âmbito de atendimento individual ou de pequenos grupos. Como exemplo, apresento a vocês um folheto 4 que lançamos quando uma outra psicóloga foi trabalhar comigo no Colégio, e aproveitamos para lidar também com a tensão existente entre os alunos, ligada ao fato de que alguns deles se encontravam conosco. 56 Plantão Psicológico: novos horizontes 57 Plantão Psicológico na escola: uma experiência 58 Plantão Psicológico: novos horizontes 59 Plantão Psicológico na escola: uma experiência 60 Plantão Psicológico: novos horizontes Assim, brincamos um pouco com a tensão, e o projeto foi re-proposto. COM A INSTITUIÇÃO Quanto à necessidade de recolocar continuamente a proposta, a nível institucional a questão também não é simples. Às vezes nos sentimos um pouco “marcianos”. Mas o trabalho vai sempre no sentido de responder às demandas da instituição retomando sempre o ponto de partida da centralidade da pessoa. De fato, isso é muito desafiador e criativo. Criamos métodos e instru- mentos novos ao procurar responder aos pedidos e necessidades da instituição retomando a finalidade da educação e as contribuições da Psicologia. Gostaria de citar dois exemplos: 1) O primeiro se refere a um pedido que a direção da escola nos fez de nos ocuparmos de Orientação Profissional, sugerindo a aplicação de testes. Na nossa visão, para aqueles alunos, o problema se localizava no tema da escolha. Sendo alunos de classe sócio-econômica “A”, poderiam escolher o que qui- sessem – mas na verdade não podem escolher porque não sabem o que querem, ou porque o caminho pro- fissional já está traçado por herança familiar (a empresa da família, o consultório do pai...). Não queríamos aplicar testes, porque não os ajudaria em nada a enfrentar o problema de não se conhecerem, e o de assumirem conscientemente um caminho para si na vida e na sociedade. Não queríamos substituí-los nessa tarefa de escolha que é tão importante, e assinala uma passagem para o mundo adulto. A atenção a isso nos deu criatividade para utilizar, dentro de nossa abordagem, instrumentos criados a partir de outros parâmetro teóricos. Uti- lizamos textos da cultura brasileira, por exemplo o da música “Caçador de Mim” (Sérgio Magro/Luís 61 5 Cf. MARTINS, C.R. Psicologia do Com- portamento Voca- cional. São Paulo: EPU/EDUSP, 1978. 6 FRANKL, V. E. Psicoterapia e sen- tido da vida: funda- mentos da logote- rapia e análise exis- tencial. São Paulo: Quadrante, 1973. Plantão Psicológico na escola: uma experiência Carlos Sá) como imagem da busca de si que aquele momento de escolha envolve; ou o poema “Que é o Homem?” de Carlos Drummond de Andrade para abrir espaço a uma pergunta sobre si e sobre o mundo num horizonte amplo. Mas desenvolvemos um novo método de Orientação Vocacional adaptando o Método de História de Vida apresentado por Julius Huizinga no IV Fórum Internacional da Abordagem Centrada na Pessoa, no Rio de Janeiro em 1989. Pedimos aos alunos para desenharem o gráfico de sua história de vida, assinalando as experiências mais significativas desde o nascimento até o momento presente, avaliando-as como positivas ou negativas em diferentes graus. Depois pedimos que redijam um texto apresentando um dia comum no futuro, cerca de 15 anos mais a frente. Desse trabalho é possível extrair o critério pessoal com o qual cada um deles olha, avalia e se engaja na própria vida. Então se propõe enfrentar a questão da escolha profissional com aqueles critérios pessoais, tendo em vista as profissões que mais favoreceriam a expressão e o desenvolvimento de suas características; ao invés de perseguir a questão de onde ele deveria se encaixar para poder ser feliz – questão esta que parte de uma posição alienada e alienante. Só depois de explicitados esses critérios e mobilizado esse processo de busca é que utilizamos, eventualmente, testes de personalidade (como o de Pfister) e o Modelo de Holland 5 de grupos profissionais associados a características de personalidade. A proposta é a de enriquecer e ampliar a reflexão sobre si como ser-no-mundo, único e irrepetível, 6 ao invés de esperar daqueles instrumentos uma resposta. 2) Outro exemplo, para nós muito significativo, foi quanto à dificuldade da instituição em trabalhar explicitamente a questão das drogas, que preocupa muito a todos – direção, professores, pais e alunos. 62 Plantão Psicológico: novos horizontes 8 MAHFOUD, Miguel & BRANDÃO, Sílvia Regina. Educação Afetiva. In: I Con- gresso Interno do Instituto de Psico- logia da USP. São Paulo, 1991, p. Z6. 7 Cf. CARLINI, E.A.; CARLINI-COTRIN, B. & SILVA FILHO, A.R. Sugestões pa- ra programas de prevenção ao abuso de drogas no Brasil. São Paulo: CEBRID, 1990. Frente à necessidade de um trabalho de prevenção ao uso de drogas e frente às dificuldades institucionais de tratar do tema, nos pareceu mais adequado procurar utilizar o método que vem sendo chamado de Educação Afetiva 7 , que procura modificar fatores pessoais considerados disponentes à utilização de drogas (como auto-estima, identidade, resistência a pressão de grupo etc.) sem necessariamente enfocar o tema drogas. Assim, Sílvia Regina Brandão e eu elaboramos o primeiro material brasileiro de Educação Afetiva 8 , sempre retomando a questão da centralidade da pessoa, e abordando principalmente o tema da identidade a partir da existência, do ser-no-mundo e o tema da conjugação entre desejo e limite. SITUAÇÃO DESAFIADORA Para terminar, eu não
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