Buscar

ANÁLISE CRÍTICA DO §3º DO ARTIGO 844 DA CLT À LUZ DO ACESSO À JURISDIÇÃO

Prévia do material em texto

ANÁLISE CRÍTICA DO §3º DO ARTIGO 844 DA CLT À LUZ DO ACESSO À JURISDIÇÃO 
 CRITICAL ANALYSIS OF THE 3rd PARAGRAPH OF ARTICLE 844 OF THE CLT
AT THE LIGHT OF ACCESS TO JURISDICTION
Shirlei de Souza Alcantara
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo comprovar que a mudança provocada no artigo 844 da CLT, com a incorporação do §3º pela Reforma Trabalhista, viola o princípio constitucional da inafastabilidade jurisdicional previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal que garante a qualquer indivíduo o acesso à jurisdição. A Lei nº 13467/17 trouxe a exigência de que sejam recolhidas as custas decorrentes do arquivamento do processo como condição para a propositura de nova reclamatória, caso o autor da ação tenha se ausentado na primeira audiência, injustificadamente, mesmo que tenha sido beneficiário da justiça gratuita e parte hipossuficiente da relação de emprego. 
PALAVRAS-CHAVE: acesso à justiça; custas processuais; inconstitucionalidade; princípio da inafastabilidade; reforma trabalhista
ABSTRACT: This article aims to prove that the change brought about by Article 844 of the CLT, with the incorporation of the 3rd Paragraph by the Labor Reform, violates the constitutional principle of judicial inafastability provided for in article 5, XXXV, CF, which guarantees to any individual the access to jurisdiction. In this sense, Law 13467/17 raised a concern in demanding that the costs arising from the filing of the case be collected as a condition for filing a new claim, if the plaintiff was absent at the first hearing, even if the claimant was who is a beneficiary of free legal aid, who is an insufferable party to that employment relationship and, or who is unemployed.
KEYWORDS: access to justice; labor reform; principle of inafastability; procedural costs; unconstitutionality;
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Princípio do Acesso ao Poder Judiciário; 3 A Reforma Trabalhista e a Inclusão do § 3º artigo 844 da CLT; 4 Inconstitucionalidade do § 3º do artigo 844 da CLT; 5 Conclusão; Referências.
1 INTRODUÇÃO
Os direitos trabalhistas têm sua proteção no Brasil com a Consolidação dos Direitos do Trabalho (Decreto – Nº 5452, de 1º de maio de 1943). O artigo 844 e parágrafo único desta Lei aduz que, nas ações trabalhistas, a ausência do reclamante à audiência importa em arquivamento, com a possibilidade de se designar nova audiência sem o pagamento de custas processuais.
Entretanto, em 2017 houve uma grande modificação da norma, com a Lei nº 13.467 de 2017, também denominada Reforma Trabalhista. Os parágrafos 2º e 3º são incorporados ao artigo 844 alterando o disposto.
No âmbito do processo do trabalho, a Reforma Trabalhista atinge, negativamente, a classe trabalhadora, ou seja, a parte hipossuficiente da relação de trabalho ao condicionar o pagamento das custas como pressuposto processual para nova propositura de demanda. 
Como bem apontado por Souto Maior (2017, p 480), “a Lei 13.467/2017, as forças de pilhagem de direitos sociais foram além da supressão de direitos na legislação material, avançando também sobre a garantia constitucional de acesso ao Poder Judiciário, um dos pressupostos e funcionamento e equilíbrio do Estado Democrático de Direito”. 
Desse modo, a Reforma Trabalhista viola o princípio da inafastabilidade jurisdicional previsto no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988 – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” que concede a todos o direito à proteção jurídica do Estado, a partir dos conflitos ocorridos na vida em sociedade.
2 PRINCÍPIO DO ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO
Os princípios constitucionais fundamentais devotam-se à estruturação política do Estado. São eles que limitam o poder estatal diante de fatos decorrentes do cotidiano e regulam as condutas do sujeito perante a sociedade. 
 Diferentemente, os princípios constitucionais gerais ocupam-se de núcleos específicos que contemplam o campo da tutela jurisdicional. Os princípios carregam uma valorização relevante e indicativa de como proceder diante às diversidades.
Os Princípios Constitucionais têm força normativa e influência, diretamente, na vida do cidadão na medida em que, impõe a ele deveres e ao mesmo tempo garante direitos dentro do Ordenamento Jurídico. 
Segundo Norberto Bobbio (2014, p.66), “onde há obrigações, há poder e que, portanto, se há normas constitucionais, deve haver o poder normativo do qual elas são derivadas: esse poder é o Poder Constituinte, poder último, supremo”. Logo, os princípios têm força normativa, imperativa que impõe aos demais o dever de obediência. 
O princípio do acesso ao Poder Judiciário, também conhecido como Princípio da Inafastabilidade Jurisdicional está contido, no artigo 5º, XXXV, da CF/88 “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Trata-se de garantia constitucional, emanada de uma norma fundamental, logo, é uma norma fundamental que pressupõe um poder normativo. O acesso é estendido a todos que entende ter seu direito ofendido, força normativa desse modo, ele não pode ser impedido de ter analisado o caso concreto. 
Acessar o judiciário é ter seu direito apreciado por um terceiro que se intitula capacitado para resolver as controvérsias que surgem a partir dos contratos entre empregadores e empregados. É uma forma de igualar as forças perante o judiciário, já que, a parte que detêm os meios de produção é mais forte nesta relação. 
Desse modo, faz-se necessário observar o princípio do contraditório e da Ampla Defesa positivado no art. 5º, LV, da CF. “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”
De acordo com Schiavi (2018, p.95) “o acesso à justiça não trata somente de ter, o cidadão, o seu direito apreciado pelo sistema judiciário”. Ele atinge todo o escopo derivado desse acesso, na medida em que, quando o cidadão provoca o judiciário é necessário que se tenha a convicção de que, o seu processo será amparado pelo Poder Judiciário e que este processo conterá elementos suficientes capazes de proporcionarem segurança jurídica aos litigantes.
Por conseguinte, a garantia de acesso ao judiciário deve respeitar o princípio do devido processo legal que abrangerá, os princípios da imparcialidade, da isonomia, da ampla defesa e do contraditório, do livre convencimento do Juiz, da cooperação entre as partes.
Neste sentido, Bezerra Leite (2018, p.198) esclarece que “a tutela jurisdicional de direitos, portanto, diz respeito ao direito material deduzido em juízo por meio de um processo que, no Estado Democrático de Direito, deve ser justo, ético, adequado e efetivo.” 
 Para um efetivo do Princípio da Inafastabilidade Jurisdicional, faz-se- necessário, ainda, que este acesso seja viável a todos. Para tanto, a Constituição tratou de garantir a gratuidade da justiça a aqueles que, comprovadamente, não tiverem condições de arcar com as custas e despesas decorrentes do processo sem que prejudique o seu próprio sustento ou de seus dependentes. O art. 5º, LXXIV, CF/88 traz explicitamente que “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. 
Refere-se a já mencionada parte hipossuficiente da relação de emprego. É certo que a Constituição também se refere ao Princípio da Isonomia em seu art. 5º, caput, da CF, ou seja, garante a paridade de armas, logo, evita que o mais forte se sobreponha à parte fraca. Quando não deferido o benefício, a parte que não tem condições de arcar com as custas e despesas decorrentes do processo, tem seu direito posto de lado, sem resolução de mérito. Parte-se do pressuposto de desamparo jurisdicional. 
Como bem apontado na argumentação apresentada pelo Procurador-Geral da República Rodrigo Janot na ADI 5.766: 
“A Constituição de 1988 consagra a garantia de amplo acesso à jurisdição no art. 5º, XXXV e LXXIV, que tratam dos direitos a inafastabilidade da jurisdiçãoe a assistência judiciária integral aos necessitados. Na contramão dos movimentos democráticos que consolidaram essas garantias de amplo e igualitário acesso à justiça, as normas impugnadas inviabilizam ao trabalhador economicamente desfavorecido assumir os riscos naturais de demanda trabalhista e impõe-lhe pagamento de custas e despesas processuais de sucumbência com uso de créditos trabalhistas auferidos no processo, de natureza alimentar, em prejuízo do sustento próprio e do de sua família...(Brasil, Supremo Tribunal Federal. ADI 5766, 2017, p.7)"
Nesse paradigma, podemos dizer que, o acesso à justiça é uma questão de exercício da cidadania, direito fundamental, exclusivo do litigante estando ele no polo passivo ou ativo que, preenchidos os requisitos, tem legitimidade para pleitear, tanto o benefício à gratuidade jurídica quanto ao não se quedar inerte perante a direito ofendido. 
Princípios constitucionais impedem que sejam criadas normas que possam tolher o cidadão de acessar o Poder Judiciário nas hipóteses de ameaça ou lesão aos seus direitos.
3 A REFORMA TRABALHISTA E A INCLUSÃO DO §3º NO ART. 844 DA CLT. 
A nova Lei nº 13467 de 2017 limita o acesso à Justiça do Trabalho. A reforma trabalhista, como conhecida, indefere, de pronto, garantia constitucional e princípios constitucionais. Não se contenta em eliminar apenas a proteção social dos trabalhadores brasileiros. 
Dentre os diversos aspectos da reforma é importante destacar aquele que afasta, inibe a propositura de nova ação, antes demandada pela parte hipossuficiente dessa relação de emprego, sem a obrigatoriedade dos pagamentos de custas.
“Art. 844 - O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.
Parágrafo único - Ocorrendo, entretanto, motivo relevante, poderá o presidente suspender o julgamento, designando nova audiência. (BRASIL, Decreto Lei 5.452 de 1943)
Assim, entende-se que, antes da reforma trabalhista o empregado que não conseguisse ou que não pudesse comparecer, por um motivo justo, à audiência inaugural, além da sua ausência não resultar em revelia haveria a possibilidade de o presidente designar nova audiência. 
Não há, até este momento, nenhuma obrigatoriedade e ou pressuposto de admissibilidade para a propositura de nova demanda. A única pena cominada nesta ocasião, a despeito do reclamante, é a suspensão do julgamento e o arquivamento da reclamação.
Ainda, nesta perspectiva, Francisco Lima (2017, p. 138) entende que, “ motivo legalmente justificado poderá ser qualquer das hipóteses elencadas no artigo 473 da CLT, doença em si ou em dependente, atestada por medico, acompanhamento da esposa em exame de pré-natal, além de outros motivos que o juiz considerar razoáveis à rotina de todo cidadão” .
“Art. 473 - O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário: (Redação dada pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
I - até 2 (dois) dias consecutivos, em caso de falecimento do cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou pessoa que, declarada em sua carteira de trabalho e previdência social, viva sob sua dependência econômica; (Inciso incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
II - até 3 (três) dias consecutivos, em virtude de casamento; (Inciso incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
III - por um dia, em caso de nascimento de filho no decorrer da primeira semana; (Inciso incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
IV - por um dia, em cada 12 (doze) meses de trabalho, em caso de doação voluntária de sangue devidamente comprovada; (Inciso incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
V - até 2 (dois) dias consecutivos ou não, para o fim de se alistar eleitor, nos termos da lei respectiva. (Inciso incluído pelo Decreto-lei nº 229, de 28.2.1967)
VI - no período de tempo em que tiver de cumprir as exigências do Serviço Militar referidas na letra c do art. 65 da Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964 (Lei do Serviço Militar). (Incluído pelo Decreto-lei nº 757, de 12.8.1969)
VII - nos dias em que estiver comprovadamente realizando provas de exame vestibular para ingresso em estabelecimento de ensino superior. (Inciso incluído pela Lei nº 9.471, de 14.7.1997)
VIII - pelo tempo que se fizer necessário, quando tiver que comparecer a juízo. (Incluído pela Lei nº 9.853, de 27.10.1999)
IX - pelo tempo que se fizer necessário, quando, na qualidade de representante de entidade sindical, estiver participando de reunião oficial de organismo internacional do qual o Brasil seja membro. (Incluído pela Lei nº 11.304, de 2006)
X - até 2 (dois) dias para acompanhar consultas médicas e exames complementares durante o período de gravidez de sua esposa ou companheira; (Incluído dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
XI - por 1 (um) dia por ano para acompanhar filho de até 6 (seis) anos em consulta médica. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)”
Entretanto, não se trata de rol taxativo os motivos apresentados no mencionado artigo em observância do princípio do livre convencimento motivado do juiz. É prerrogativa do magistrado apreciar as provas apresentadas pelo reclamante e deliberar sobre o caso concreto.
Na contramão, a reforma trabalhista exclui o paragrafo único e incorpora 5 parágrafos à CLT no qual o parágrafo 3º passa a tratar do recolhimento das custas como pressuposto de admissibilidade para a propositura de nova ação em detrimento do exposto no parágrafo 2º quanto a ausência do reclamante à primeira audiência mesmo que ele seja beneficiário da justiça.
“Art. 844, § 2º Na hipótese de ausência do reclamante, este será condenado ao pagamento das custas calculadas na forma do art. 789 desta Consolidação, ainda que beneficiário da justiça gratuita, salvo se comprovar, no prazo de quinze dias, que a ausência ocorreu por motivo legalmente justificável. 
§ 3º O pagamento das custas a que se refere o § 2º é condição para a propositura de nova demanda.” (BRASIL, Lei 13.467 de 2017) 
Fato é que, se a pessoa encontra-se desempregada e é beneficiário da justiça gratuita, parte-se do pressuposto de que já houve comprovações suficientes de que este cidadão não tem condições de arcar com as custas e despesas processuais sem que isso comprometa, de forma direta, o seu sustento e de seus dependentes, visto que houve o deferimento do pedido pelo judiciário que concedeu o benefício, em obediência ao paragrafo 4º do artigo 790 da CLT. 
“Art. 790. Nas Varas do Trabalho, nos Juízos de Direito, nos Tribunais e no Tribunal Superior do Trabalho, a forma de pagamento das custas e emolumentos obedecerá às instruções que serão expedidas pelo Tribunal Superior do Trabalho. (BRASIL, redação dada pela Lei nº 10.537, de 27.8.2002)
§ 4o O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo”. (BRASIL, incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
O acesso à Justiça tem sido alvo de discussão mesmo antes da Constituição de 1988. Desde de que o Estado assume para si a responsabilidade de resolução dos conflitos referentes a realidade social numa busca mais justa e igualitária.
	Neste sentido, foi criada a Lei do trabalho em 1939 voltada à proteção dos diretos sociais dos trabalhadores proporcionando acesso direto ao judiciário, porém, neste momento, destaca-se a importância da regularização de concessão da assistência judiciária gratuita com o advento da Lei 1060, de 1950, quando ocorreu uma expansão deste acesso às pessoas economicamente hipossuficientes, ou seja, aquelas que não podem contrair despesas processuais sem prejuízo de seu sustento ou de quem dependa delas.
	Com a chegada da nova Constituição da República em 1988, consolidaram-se no Brasil diretos fundamentais, constitucionais que contribuíram com o avanço acerca desse acesso jurisdicional. A Constituição de 1988 trouxe segurança jurídica a esses trabalhadores ao garantir que, sob ameaça ou lesão a seudireito, ele poderá exigir que seja analisado o caso concreto de forma isonômica.
	A Constituição assegurou essa paridade de forças ao dedicar um dos seus capítulos ao chancelar direitos e deveres individuais fundamentais a todos os brasileiros e aos que se encontrarem em território nacional e, por conseguinte, obrigações e limitações concernentes ao Estado, exposto em seu artigo 5º.
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” (BRASIL, Constituição Federal de 1988).
O princípio da justiça gratuita não está presente somente na Constituição da República de 1988, mas, também no artigo 8º da 1ª Convenção Interamericana sobre Direitos Humanos de São José da Costa Rica, o que nos remete a sua relevância ao se tratar de garantia fundamental.
“Art. 8º. Toda pessoa tem direito de ser ouvida, com as garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer natureza.” (BRASIL, Vade Mecum, 2018)
A reforma ataca, também, a segurança jurídica ao ferir direto fundamental constitucional e o princípio da dignidade da pessoa humana na medida em que inviabiliza o acesso à jurisdição quando o Poder Estatal atribui ao cidadão a incumbência dos riscos de ter que arcar com custas mesmo já tendo provado sua hipossuficiência.
A garantia prevista na norma constitucional do acesso à justiça, pressupõe amparo efetivo e justo das decisões em razão do princípio da proteção por se tratar de litigio entre partes de poder econômico distintos um do outro. A vulnerabilidade laboral é explicita diante de quem detêm o monopólio. Ainda neste viés, menciona Bezerra Leite (2018, p. 113) que,
“ a desigualdade econômica, o desequilíbrio para a produção de provas, a ausência de um sistema de proteção contra a despedida imotivada, o desemprego estrutural e o desnível social e cultural entre empregado e empregador, certamente, são realidades trasladas para o processo do trabalho, sendo, portanto, imprescindível a existência de um princípio de proteção ao trabalhador, que é destinatário der direitos humanos sociais e fundamentais. Na verdade, o princípio da proteção visa salvaguardar direitos sociais, cujos titulares são juridicamente fracos e por isso, dependem da intervenção do Estado-Juiz para o restabelecimento dos postulados da liberdade e da igualdade material entre as partes da relação jurídica processual.”
Fato é que, sem o benefício da gratuidade, a parte desprovida de recursos não terá acesso à tutela do Estado. A reforma trabalhista impõe regras que limitam o acesso a jurisdição e investe contra as normas constitucionais. 
Ademais, o parágrafo 3º do artigo 844 da CLT vai de contramão com a própria CLT em seu artigo 790-A, incisos I e II que amplia a isenção de pagamento de custas além dos beneficiários da justiça gratuita ao estabelecer em sua redação que:
“Art. 790-A. São isentos do pagamento de custas, além dos beneficiários de justiça gratuita:
I – a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e respectivas autarquias e fundações públicas federais, estaduais ou municipais que não explorem atividade econômica; 
II – o Ministério Público do Trabalho”. (Incluído pela Lei nº 10.537, de 27.8.2002)
Neste viés, a reforma trabalhista encaminha o trabalhador a um retrocesso social no qual o que detém recursos, ou seja, os meios de produção, aquele que contrata mão de obra se sobrepõe ao menos favorecido, o hipossuficiente desta relação. Amarras postas aos seus empregados pelos os seus empregadores. 
4 INCONSTITUCIONALIDADE DO §3º DO ART. 844 DA CLT.
No Brasil, o controle de constitucionalidade existe desde a primeira Constituição republicana, de 1891, mas só a partir da Constituição de 1988 houve a expansão da jurisdição constitucional, elenco expresso em seu artigo 103, assim desencadeando uma ampliação do direito de propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade.
A Constituição ainda traz, expressamente, em seu artigo 134, a indispensabilidade da gratuidade integral a aquele que se denomina, que comprove sua vulnerabilidade diante de um sacrifício na possiblidade de se despender de valores que acarretariam em prejuízo próprio ou de outrem que dependa deste.
“Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)
O Estado assume o dever de amparar todo aquele que se encontre em situação desfavorável perante o outro. Porém, com a inclusão do parágrafo 3º pela Lei nº 13.467/0217 este acesso foi substancialmente apartado da parte que deveria usufruir deste benefício. O que se presume é que há uma “desobediência” ao texto constitucional. Na visão de Daniel Carneiro Machado (2017, p 24)
“O acesso à Justiça se qualifica (ou deveria se qualificar) no paradigma do Estado Democrático de Direito pela participação efetiva do jurisdicionado no modelo constitucional do processo (...).Por outro lado, a ineficiência do Estado quanto à efetivação dos direitos básicos à educação, saúde, moradia e ao trabalho assegurados pela Constituição da República de 1988 tem acarretado grande insatisfação social. Ou seja, existe uma discrepância alarmante entre as promessas constitucionais e a realidade vivenciada”
Há de se contemplar a hierarquia da norma fundamental, de modo que o texto constitucional seja eficaz ao não afastar da tutela jurisdicional os que tiverem diretos ameaçados ou constritos. Não deve prosperar Lei secundária a norma fundamental.
Para Bobbio (2014, p 68) “a norma fundamental é o critério supremo que permite estabelecer a pertinência de uma norma a um ordenamento, em outras palavras, é o fundamento de validade de todas as normas do sistema”. Desse modo, pressupõe-se que uma Lei só terá validade se assim a norma suprema permitir.
Condicionar o vulnerável ao recolhimento de custas processuais para ajuizamento de nova ação mesmo que este seja beneficiário de justiça gratuita, a luz da redação constitucional, viola norma suprema. E neste sentido vem entendendo o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região: 
EMENTA: JUSTIÇA GRATUITA - LEI Nº 13.467/17 - REFORMA TRABALHISTA. De acordo com o §3º do artigo 790 da CLT, alterado pela lei 13.467/17, "é facultado aos juízes, órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita, inclusive quanto a traslados e instrumentos, àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% (quarenta por cento) do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social", hipótese dos autos. ARQUIVAMENTO DA AÇÃO. CONDENAÇÃO DO RECLAMANTE AO PAGAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS. ISENÇÃO. Os §§ 2º e 3º do art. 844 da CLT, acrescidos pela Lei 13.467/17, estabelecem a obrigação de o reclamante, ainda que beneficiário da justiça gratuita, pagar às custas do arquivamento injustificado da reclamação, encargo previsto como condição para a propositura de nova demanda. Entretanto, considerando: 1) o princípio constitucional da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV da C.F.); 2) a concessão de assistência jurídica gratuitae integral pelo Estado aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, inciso LXXIV da C.F.); 3) que o benefício da justiça gratuita alcança as custas processuais, como previsto nos artigos 790, §§ 3º e 4º e 790-A da própria CLT e art. 98 § 1º, incisos I e IV do CPC; 4) que a CLT já prevê penalidade para dois arquivamentos seguidos, nos termos do seu art. 732, não se podendo cogitar de múltiplas penalidades para o mesmo fato e ainda 5) considerando o princípio de vedação ao retrocesso, defere-se ao Laborista, beneficiário da justiça gratuita, a isenção das custas processuais, em face do arquivamento verificado. (BRASIL, TRT da 3.ª Região; PJe: 0010135-47.2018.5.03.0094 Quarta Turma; Relator: Denise Alves Horta).
No mesmo sentido, aprecia a Sétima Turma do mesmo Tribunal quanto à inconstitucionalidade dos parágrafos 2º e 3º que contrariam, também, o artigo 790-A da CLT e baseada no princípio da justiça gratuita, e, ainda nos artigos 8º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos e no artigo X da Declaração Universal dos Direitos Humanos como no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
“Tema: DESPESA PROCESSUAL - PAGAMENTO – ACESSO À JUSTIÇA
PRINCÍPIOS DA INAFASTABILIDADE DA JURISDIÇÃO E DA IGUALDADE NO ACESSO À JUSTIÇA. A imposição de pagamento das despesas do processo à Reclamante hipossuficiente configura grave violação ao direito de acesso à justiça com igualdade, resguardado por expressa disposição da CF-88 (art. 5º, XXXV) e por normas internacionais, a exemplo da Convenção Americana de Direitos Humanos (artigos 8º e 25), Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigo X), Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (artigo 14), ratificados pelo Brasil e que possuem status supralegal, conforme já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (RE 466.343).
INTEIRO TEOR: a trabalhadora hipossuficiente pelas despesas processuais afronta o direito à própria justiça (princípio da inafastabilidade da jurisdição), o qual constitui ... da decisão em relação à justiça gratuita e litigância de má-fé. Contrarrazões dos Réus ID. eb9c487. Dispensada a manifestação prévia, por escrito, da Procuradoria do Trabalho. É, em síntese, o relatório. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE JUSTIÇA GRATUITA - CUSTAS PROCESSUAIS A Reclamante alega que tem direito aos benefícios da justiça gratuita, sob o fundamento de que "sempre foi trabalhadora braçal e como está com o ombro imobilizado, vide perícia ..., órgãos julgadores e presidentes dos tribunais do trabalho de qualquer instância conceder, a requerimento ou de ofício, o benefício da justiça gratuita”
(BRASIL,TRT da 3.ª Região; PJe: 0010936-50.2017.5.03.0141 (RO); Sétima Turma; Relator: Fernando Antônio Viegas Peixoto)
Desta feita, consubstanciado por norma constitucional e em razão do princípio da inafastabilidade e do princípio da justiça gratuita e, ainda, em face do número de demandas acerca dos princípios, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, entendeu e editou a Súmula nº 72 que ratifica a inconstitucionalidade da expressão “ ainda que beneficiário da justiça gratuita” expressa no parágrafo 2º e a integra do par cuja 3º do artigo 844 incluídos pelada Lei 13.467 de 2017:
“Súmula 72 - Arguição Incidental de Inconstitucionalidade. Pagamento de custas. Beneficiário de justiça gratuita. §§ 2º e 3º do art. 844 da CLT (Lei 13.467/2017) - São inconstitucionais a expressão "ainda que beneficiário da justiça gratuita", constante do § 2º, e a íntegra do § 3º, ambos dispositivos do art. 844 da CLT, na redação dada pela Lei 13.467/2017, por violação direta e frontal aos princípios constitucionais da isonomia (art. 5º, caput, da CR), da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CR) e da concessão de justiça gratuita àqueles que dela necessitarem (art. 5º, LXXIV, da CR). (RA 145/2018, disponibilização: DEJT/TRT3/Cad. Jud. 19, 20 e 21/09/2018).” (BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Resolução Administrativa n. 145, de 13 de setembro de 2018. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, n. 2564, 19 set. 2018. Caderno Judiciário do TRT da 3ª Região, p. 354-355).
Desse modo, o Tribunal Regional da 3ª região viabiliza o acesso à jurisdição em virtude do desprovido de recursos financeiros para dar efetividade à tutela do Estado diante a fragilidade do empregado perante o empregador.
5 CONCLUSÃO
Princípios fundamentais são a origem para qualquer ordenamento jurídico. O Poder Constituinte é único e soberano diante de normas infraconstitucionais.
A Reforma Trabalhista atingiu um contingente de trabalhadores que não suportam às custas de um processo e, por isso, se viram diante de uma muralha como condição da ação para a propositura de uma nova demanda, caso ausentassem na primeira audiência.
Condições estas que tornaram os parágrafos 2º e 3º incluídos no artigo 844 da CLT pela Lei 13.467/2017 inconstitucionais por afrontar os direitos fundamentais de acesso à Justiça e gratuidade judiciária estabelecidos na Constituição Federal (art. 5o Incisos XXXV e LXXIV), embasados nos princípios da inafastabilidade jurisdicional e da gratuidade judicial.
Ainda, contrariam o artigo 790-A da CLT incluído pela Lei nº 10.537/2002, os artigos 8º e 25 da Convenção Americana de Direitos Humanos, artigo X da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o artigo 14 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos ratificados pelo Brasil e que possuem status supralegal, conforme já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal (RE 466.343).
Por fim, verifica-se o entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região que consolida a inconstitucionalidade, mediante sua Súmula nº 72, da expressão, "ainda que beneficiário da justiça gratuita", constante do § 2º, e a íntegra do § 3º, ambos dispositivos do art. 844 da CLT, na redação dada pela Lei 13.467/2017, por violação direta e frontal aos princípios constitucionais.
REFERÊNCIAS 
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 2ª ed. São Paulo: Edipro, 2014.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal. In Vade Mecum. 27ª ed. São Paulo: Rideel, 2018.
BRASIL. Decreto Lei N. 5.452 de 1 de maio de 1943, Brasília: Senado Federal. In: Vade Mecum. 3ª ed. São Paulo: Rideel, 2014.
BRASIL. Lei Nº 13.467, de 13 de julho de 2017, Brasília: Senado Federal. In: Vade Mecum. 27ª ed. São Paulo: Rideel, 2018. 
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Súmula n. 72. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Brasília, DF, n. 2564, 19 set. 2018. Caderno Judiciário do TRT da 3ª Região, p. 355. Disponível em < http://as1.trt3.jus.br/bd-trt3/handle/11103/40922> consultado em 12/11/2018.
BRASIL, Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região. Recurso Ordinário PJe: 0010135-47.2018.5.03.0094. Recorrente: Thales Luiz Maurício Franco Gonçalves Recorridos: 1) Vital Engenharia Ambiental S.A 2) Macaúbas Meio Ambiente S.A Relatora: Desembargadora Denise Alves Horta, Belo Horizonte, Disponível em <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=2447> consultado em 03/12/2018.
BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 3.ª Região. Recurso Ordinário nº 0010936-50.2017.5.03.0141-RO. Disponibilização: 28/09/2018. Recorrente: Maria Rosa Araujo de Souza; Recorridos: (1) Sirlane Torres Souza e Mendes; (2) Sandro Marcos Mendes Rocha. Relator: Fernando Antônio Viégas Peixoto. DEJT/TRT3/Cad.Jud, p. 1299; Órgão Julgador: Sétima Turma; Relator: Fernando Antônio Viegas Peixoto. Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=2623> consultado em 03/12/2018.
CENTRO UNIVERSITARIO NEWTON PAIVA. Manual para Elaboração e Apresentação dos Trabalhos Acadêmicos: padrão Newton Paiva. Elaborado pelo Núcleo de Bibliotecas. Coordenadora Elma Aparecida de Oliveira Centro Universitário Newton Paiva, Belo Horizonte, 2011. Disponível em:<http://www.newtonpaiva.br/Conteudo/Default.aspx?cid=231>. Acesso em 25/11/2011. 
CESIT/IE/UNICAMP. Contribuição Crítica a Reforma Trabalhista. Elaborado pela Equipe deSistematização do Dossiê. GT Reforma Trabalhista CESIT/IE/UNICAMP, Campinas 2017. Disponível em: <https://www.ael.ifch.unicamp.br/pf-ael/public-files/noticias/arquivos/dossie_cesit_-_contribuicao_critica_a_reforma_trabalhista.2017.pdf > Consultado em 24/10/2018. 
MACHADO, Daniel Carneiro. A (in)Compatibilidade do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas com o Modelo Constitucional de Processo. 1 ed. Rio de Janeiro. Lumem Juris, 2017.
KOURY, Luiz Ronan Neves. ASSUNÇÃO, Carolina Silva Silvino. A Gratuidade da Justiça no Processo do Trabalho: Reflexões à Luz do CPC e da Lei N. 13.467/17. Disponível em <https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/127089/2017_koury_luiz_gratuidade_justica.pdf?sequence=1&isAllowed=y> em 25/09/2018>.
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 16 ed. São Paulo: Saraiva, 2018.
ROCHA, Claudio Jannotti da; MUNIZ, Bifano Mirella Karem de Carvalho. As Mudanças do Mundo Pós-Moderno e a Figura do Teletrabalho. In: Revista Eletrônica de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. Disponivel em:<http://npa.newtonpaiva.br/direito/>. Acesso em 25/10/2018
SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 14 ed. De acordo com o novo CPC, Reforma Trabalhista – Lei Nº 13.467/2017 e a IN N.41/2018 do TST. São Paulo: Ltr, 2018.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADI 5766. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 13.467/2017, dita “Reforma Trabalhista”. Assistência judiciária gratuita. Alterações dos arts. 790-B, caput e § 4 o, 791-A, § 4 o, e 844, § 2 o, da Consolidação das Leis do Trabalho. Violação do acesso à justiça (art. 5 o, caput, XXXV e LXXIV, da Constituição da República). Disponível em: <https://www.conjur.com.br/dl/acao-pgr-artigo-clt.pdf>. Consultado em 25/09/2018.

Continue navegando