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GRATUIDADE DA JUSTIÇA E ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA: GARANTIAS CONSTITUCIONAIS INDISPENSÁVEIS AO ACESSO Á JUSTIÇA DIEGO ENDERSON TAVARES CAMPOS Graduando em Direito endersondtc@gmail.com Universidade Federal de Rondônia – UNIR JESSÉ ALMEIDAMARTINS Graduando em Direito jamzeras@gmail.com Universidade Federal de Rondônia – UNIR PEDRO HENRIQUE UEDLIH RIOS Graduando em Direito rios92364@gmail.com Universidade Federal de Rondônia – UNIR THIAGO MARCOS SALES PEREIRA Graduando em Direito thiagomarcos@tjro.jus.br Universidade Federal de Rondônia – UNIR THAÍS BERNARDES MAGANHINI Doutora pela PUC-SP Professora da Universidade Federal de Rondônia – UNIR Orientadora tbmaga2@yahoo.com.br RESUMO: A pesquisa realiza análise bibliográfica, documental, acerca da assistência jurídica gratuita e gratuidade da justiça, apresentando seus conceitos e diferenças, relacionando-as ao exercício do direito de ação, como forma de efetivação ao acesso à justiça, e do pleno exercício da cidadania, concluindo, com base na melhor doutrina e na jurisprudência, que os mencionados institutos jurídicos, atualmente regidos pela lei 13.105/2015, em especial os artigos 98, 99 e parágrafos, que garantem à pessoa natural as benesses da assistência judiciária gratuita, mediante a mera declaração de insuficiência de recursos, embora dissonantes do texto constitucional, não são normas inconstitucionais porquanto não retiram, restringem ou suprimem essas garantias, mas as amplia, fazendo uma interpretação extensiva da norma, deixando claro que essas normas não são absolutas, mas relativas porque admitem prova em contrário apresentada pela parte adversa, bem como de investigação pelo juiz. Palavras-Chave: Assistência Jurídica. Gratuidade. Acesso à Justiça. Cidadania. 1. INTRODUÇÃO A assistência judiciária gratuita e a gratuidade da justiça são instrumentos de garantia de acesso à justiça, possibilitando que o hipossuficiente tenha seus direitos e garantias tutelados pelo Estado. O novo Código de Processo Civil– NCPC, prevê em seu Artigo 98 que “A pessoa natural ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios têm direito à gratuidade da justiça, na forma da lei.” (BRASIL, b2015) O mesmo “Codex” processual prevê, conforme inteligência do caput do art. 99, c/c § 3º, que a mera declaração de hipossuficiência, quando arguida exclusivamente pela pessoa natural, presume-se verdadeira. Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. § 3o Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. (BRASIL, 2015) Dentre as garantias consagradas na Constituição Federal, temos o Direito de Ação, e o Acesso à justiça, a Gratuidade da Justiça e a Assistência Jurídica gratuita. A busca pelos direitos, no Estado moderno contemporâneo se dá por meio do Poder Judiciário, uma vez que ao particular não mais se permite a autotutela, e se materializa por meio do processo. A pesquisa tem viés bibliográfico, documental, e utiliza o método dedutivo que parte do cenário geral para a análise particular da gratuidade da justiça com a transversalidade da assistência judiciária Brasileira. Possui perfil exploratório que congrega os procedimentos de levantamento, análise e consolidação de dados primários e secundários obtidos em diversas fontes. O objetivo do trabalho é identificar e analisar “qual a relação das garantias constitucionais da gratuidade da justiça e da assistência jurídica gratuita, com o pleno exercício da cidadania?”, fazendo uma filtragem deste, à luz da nossa Constituição Federal vigente. 2. ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA DO SURGIMENTO AO ENRAIZAMENTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO Antes de enfrentar o mérito deste tópico, devemos distinguir assistência jurídica gratuita, e gratuidade da justiça. Embora sejam comumente usados como sinônimos por juristas, e operadores do direito em geral, ambos são institutos jurídicos distintos. Enquanto a gratuidade da justiça, direito subjetivo público, se manifesta na dispensa da antecipação de pagamento de despesas judiciais e extrajudiciais, que seriam obrigatórias para o regular andamento do processo, atuando assim como uma garantia na relação processual, como bem explana ROGER (2014, p. 106), senão vejamos: A gratuidade de justiça constitui instituto de direito processual, quando a dispensa da antecipação do pagamento ocorre em relação jurídico- processual (ex.: dispensa do recolhimento das custas iniciais do processo), ou de direito extraprocessual, quando a dispensa se dá perante as serventias extrajudiciais (ex.: dispensa do pagamento dos emolumentos relativos à expedição de determinada certidão). A assistência jurídica gratuita não se restringe apenas à atuação processual, abrangendo “a prestação não onerosa de serviço de orientação legal e de defesa dos direitos do necessitado econômico, em juízo ou fora dele.” (ROGER. 2014, p. 106) Fica claro que, para a concretização da assistência jurídica gratuita, é necessária a atuação do poder público, no âmbito administrativo, sendo esta a causa da classificação da doutrina como um instituto de direito administrativo. Apresentadas as diferenças entre a Assistência Jurídica e a gratuidade da justiça, passaremos ao enfrentamento da matéria a ser discutida no presente tópico. Atualmente a assistência jurídica gratuita está expressa na Constituição Federal de 1988, sendo esta a norma máxima do ordenamento jurídico pátrio e, portanto, de onde as leis infraconstitucionais retiram seus fundamentos de legitimidade e de validade. Contudo este instituto jurídico não surgiu no ordenamento jurídico brasileiro somente com a promulgação da Carta Magna vigente. No período em que o Brasil era uma colônia de Portugal, vigoravam as leis vigentes no país colonizador. Desta senda, em 1603 entrou em vigor em Portugal, e consequentemente no Brasil, as Ordenações Filipinas que, segundo Filovalter Moreira dos Santos Júnior defende, são a primeira aparição da ideia de assistência jurídica no Brasil, e que vigoraram no Brasil até a vigência do Código Civil de 1916. No Brasil, remontam-se as Ordenações Filipinas a gênese da assistência judiciária, onde prevê no livro III, capítulo LXXXIV, parágrafo X, que trata sobre os agravos das sentenças definitivas, o seguinte: Em sendo o aggravante tão pobre que jure não ter bens móveis, nem de raiz; nem por onde pague o aggravo, e dizendo na audiência huma vez o Pater Nosterpola alma delHey Dom Diniz (3), ser-lha-ha havido como que pagasse os novecentos reis, contanto que tire de tudo certidão dentro no tempo, em que havia de pagar o agravo. (SANTOS JÚNIOR, 2014) O Juiz Federal norte-americano Peter Jo Messitte (MESSITTE, 1967, P. 127- 128) discorre em seu artigo - Assistência Judiciária no Brasil: uma pequena história – que: … Assim, por exemplo, as Ordenações isentavam de pagar os feitos o réu criminal pobre até que êle estivesse em condições de pagar. (O rd ., L iv . i, tít. 24, § 4 3 ).Êste dispositivo só entrou em vigor na lei brasileira em 1841. Por outro lado, foram logo transportados ao Brasil os dispositivos das Ordenações que asseguravam a nomeação de um curador para menores e loucos, duas classes fracas não muito diferentes dos que são economicamente fracos. Messitte, em seu estudo, relata que outro ponto importante das ordenações filipinas foi que os advogados patrocinavam causas quando os pobres solicitavam, mesmo quando este fosse autor, tanto nas causas cíveis, quanto nas criminais. Em que pese a “previsão legal” de dispensa de recolhimento quando da apresentação deagravo contra sentença, como mencionado nas ordenações Filipinas, supracitada, ainda não se pode falar que existia o instituto da assistência jurídica gratuita, porquanto até então, não existiam repartições, órgãos, entes federados, ou quaisquer outros meios de concretização do efetivo acesso à justiça. Messitte discorre acerca deste tema também, indicando que ainda existiam: […] problemas fundamentais. O pobre precisava pagar certas custas do processo e era evidente que até a cobrança de umas poucas custas impedisse muitos pobres de litigar em juízo. Ademais, apesar das reiteradas recomendações aos advogados para patrocinarem litigantes pobres, os advogados nem sempre cumpriam seu dever, pois — como tinha sido antes e iria ser depois — o patrocínio gratuito chocava-se com outros compromissos que o advogado assumia na marcha de sua atividade profissional. (MESSITTE, 1967, p. 134) Somente em 1934, com a promulgação da Constituição Federal datada daquele ano, é que surge como garantia constitucional a assistência jurídica gratuita, com a previsão não apenas de garantia de isenção de emolumentos, custas, e taxas, mas também lançando sobre a União e os Estados, a obrigação de criação de órgãos específicos para o efetivo cumprimento deste dispositivo constitucional. Após esse marco histórico-normativo, a ordem jurídica brasileira sofre um novo rompimento, surgindo a Constituição outorgada de 1937, que reduzia direitos e garantias individuais. Essa garantia constitucional aparece novamente no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente no bojo do texto constitucional, com a promulgação da Constituição Federal de 18 de setembro de 1946. Art 141 - A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes: § 35 - O Poder Público, na forma que a lei estabelecer, concederá assistência judiciária aos necessitados. (BRASIL, 1946) Imperioso se faz observar que trata-se de uma norma constitucional de eficácia limitada, porquanto depende de uma lei infraconstitucional que regulamente o dispositivo supracitado. Para dar plena eficácia a esta garantia constitucional, em 5 de fevereiro de 1950 foi sancionada a Lei nº. 1.060/50 que “Estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados”. (BRASIL, 1950) Pedro Lenza explica que as normas de eficácia limitada: [...] não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional, ou até mesmo de integração por meio de emenda constitucional, como se observou nos termos do art. 4.º da EC n. 47/2005. (LENZA, 2016, p. 282) Para dar plena eficácia a esta garantia constitucional, em 5 de fevereiro de 1950 foi sancionada a Lei nº. 1.060/50 que “Estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados”. (BRASIL, 1950) Esta lei assegurava aos nacionais, e aos estrangeiros aqui domiciliados, que não tivessem condições de suportar as despesas processuais, sem prejuízo do seu próprio sustento ou de sua família, a assistência judiciária gratuita, conforme caput do artigo 2º, c/c parágrafo único da referida lei, “in verbis”: Art. 2º. Gozarão dos benefícios desta Lei os nacionais ou estrangeiros residentes no país, que necessitarem recorrer à Justiça penal, civil, militar ou do trabalho. Parágrafo único. - Considera-se necessitado, para os fins legais, todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família. (BRASIL, 1950) Embora entre a vigente Constituição Federal de 1988, e a Constituição Federal de 1946, tenha ocorrido um outro rompimento com a ordem jurídica, mais precisamente em 1967, com a promulgação da Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967, essa garantia constitucional não foi abalada, porquanto constava também no bojo da constituição, em seu Art. 150, parágrafo 32, também de eficácia limitada. De sorte que a Constituição Federal de 1988 consagrou a assistência jurídica, desta forma, não sendo inconstitucional, foi recepcionada por ambas as constituições a Lei nº. 1.060/50. 3. ACESSO À JUSTIÇA: JURISDIÇÃO, DIREITO DE AÇÃO E ASSISTÊNCIA JURÍDICA 3.2. A Constituição Federal e a Cidadania Cidadania é o pleno exercício dos direitos. Podendo ser conceituada como o exercício dos direitos e deveres inerentes às responsabilidades de um cidadão. Não é por qualquer motivo que a Carta Magna promulgada em 1988 tem a alcunha de “Constituição Cidadã”. Em seu preâmbulo, o Poder Constituinte Originário deixa claro que a constituição vigente se destina a “...assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos...”. Pautados nesses ideais, seguiram-se os Princípios Fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre eles se encontram a cidadania e a dignidade da pessoa humana, nos termos do Art. 1º, incisos II e III, “in verbis” Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; Cidadão é todo aquele que está em pleno gozo de seus direitos civis, políticos e sociais, direitos básicos tutelados pelo Estado, e entrelaçados com o princípio da dignidade da pessoa humana. O exercício da cidadania não se resume ao direito de votar e ser votado. Para que ocorra o pleno exercício da cidadania é necessário que o cidadão, além de exercer seus direitos políticos tenha conhecimento dos demais direitos, e tenha meios de buscá-los. No Brasil, temos um senso comum muito propagado de que “justiça é só para os ricos”. Este senso comum precisa ser combatido de forma enérgica, porquanto a Constituição Federal elenca como princípio fundamental a cidadania e, em tese, apresenta meios de garantia desse princípio fundamental, tais como a gratuidade da justiça e a assistência jurídica gratuita, aos que comprovarem a insuficiência de recursos. 3.3. Jurisdição Jurisdição vem do latim Jurisdictio, juris = direito, e dictio/dicere = dizer. Logo Jurisdição, etimologicamente significa Dizer o Direito. (fonte: https://www.significados.com.br/jurisdicao) Nas sociedades primitivas, as partes buscavam a solução de seus conflitos, conforme a sua vontade, e por seus próprios meios, sem a mediação ou intervenção de um poder hierárquico superior, tanto para a declaração ou não da existência de um direito, quanto para a satisfação da pretensão resistida. Essa forma de solução de um conflito é conhecida como autotutela ou autodefesa. Assim, aquele que tivesse interesse num determinado bem da vida, buscaria por meio da força física. Em resumo, a força era utilizada por um "particular", em desfavor de outro "particular", como forma de sobreposição à eventual resistência, com a finalidade de satisfação de uma pretensão individual, valendo-se em determinados momentos da “lei do mais forte”, ou da forma popularmente conhecida como “justiça com as próprias mãos”, juridicamente conhecida na atualidade como exercício arbitrário das próprias razões, instituto esse, em regra, proibido pelo ordenamento jurídico brasileiro atual, inclusive tipificado no código penal, nos termos do Art. 345 do Decreto Lei 2.848/40. Com o surgimento do Estado Moderno Contemporâneo, o Estado tomou para https://www.significados.com.br/jurisdicao/ si a capacidade de decidiros conflitos sociais, fazendo surgir, nesse momento o poder-dever de jurisdição. A doutrina conceitua jurisdição como uma das formas de composição de conflitos, sendo a jurisdição o poder-dever do Estado, consistente na substituição da vontade das partes. Jurisdição é, portanto, uma das funções do Estado, personificado por agente legalmente investido – Juiz, e buscando a composição do conflito de forma imparcial, substitui a vontade dos titulares do direito, ou dos interesses, apresentados na lide. ALMEIDA (2015, p. 48) defende que: [...] a jurisdição tem como fim último a pacificação social e consiste em um poder-dever do Estado, pois, se por um lado corresponde a uma manifestação do poder soberano do Estado, impondo suas decisões de forma imperativa, por outro corresponde a um dever que o Estado assume de dirimir qualquer conflito que lhe venha a ser apresentado. Diz-se poder porque o Estado, quando provocado para solução de conflitos, tem o poder de decidir conforme o ordenamento jurídico, substituindo a vontade das partes. Essa decisão deverá ser cumprida voluntariamente e de boa fé, e em caso de descumprimento, o Estado poderá por meio da força, obrigar o seu cumprimento. Além disso, se diz dever, porque o Estado, quando provocado, não pode se eximir de solucionar o conflito, mesmo que este eventualmente não esteja contemplado pelo ordenamento jurídico pátrio. Isso decorre do princípio constitucional do direito de ação, e da Inafastabilidade da jurisdição, previsto no artigo 5º, XXXV da Constituição Federal de 1988, dispondo que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. (BRASIL, 1988) Para BULOS (2007, p. 223): Através desse princípio, todos têm acesso à justiça para pleitear tutela jurisdicional preventiva ou reparatória a lesão ou ameaça de lesão a um direito individual, coletivo, difuso, e até individual homogêneo. Constitui, portanto, um direito público subjetivo, decorrente da assunção estatal de administração da justiça, conferido ao homem para invocar a prestação jurisdicional, relativamente ao conflito de interesses qualificado por uma pretensão irresistível. Após a assimilação dessa função jurisdicional, o Estado ficou vinculado à obrigação de decidir em quaisquer contendas que lhe fossem apresentadas, não podendo portanto se eximir da responsabilidade de decidir. BARROSO (2012, p. 95) defende que: Uma vez instituído o monopólio estatal da jurisdição, o poder do Estado fez surgir o dever de solucionar as lides. E todo dever tem como reflexo o surgimento de um direito subjetivo em favor daqueles que podem exigir a sua observância. Esse direito de exigir do Estado a solução dos conflitos de interesses pode ser definido como um direito ao exercício e à obtenção da tutela jurisdicional, que vem a ser justamente a ação. A ação, portanto, é um direito subjetivo da parte prejudicada, de exigir do Estado, a prestação jurisdicional na solução daquele conflito. Não é caracterizada pela exigência de Estado em fazer cumprir a sua vontade, mas sim em exigir do Estado Juiz que este aplique o ordenamento jurídico vigente aquele caso concreto. Em dado momento o Estado tomou para si a função de solucionar conflitos, fazendo surgir o dever de tutelar os bens da vida juridicamente protegidos, e consequentemente faz surgir o direito subjetivo daquele que, em caso de lesão, ou ameaça de lesão, a estes bens jurídicos, provoque o Estado. Ora, qual seria a aplicabilidade dessas normas, que formalmente nasceram de eficácia plena, se o Estado não dispusesse também de uma garantia aos que fossem economicamente hipossuficientes? De que valeria uma norma, frise-se, constitucional, me garantindo o direito de provocar o Estado para solucionar o meu conflito, se não me fosse garantido também um meio de provocá-lo? As indagações acima encontram resposta nas sábias palavras de Ticiano Alves e Silva ao dizer que: Não assistir aqueles que não possuem recursos para ir a juízo, desamparando-os, é o mesmo que lhes negar proteção jurídica. De nada valeria as leis, se, ante uma violação, aos pobres não fosse dado obter tutela jurisdicional estatal e o restabelecimento da ordem jurídica violada. O direito fundamental à igualdade seria agredido na hipótese. (SILVA, 2015, p. 3) Sem a completude dessas condições, o acesso à justiça não estaria resguardado, porquanto este, nas palavras de Alexandre Fernandes Dantas, corresponde ao “[...] sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado.” (DANTAS, 2011) Assim a assistência judiciária gratuita é, portanto, um requisito de validade e de eficácia, do exercício ao direito de ação, e por consequência, para o exercício da própria cidadania. 4. DIREITO COMPARADO ACERCA DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA De acordo com os estudos do Professor Vittorio Denti (DENTI, 1979, p. 1159), pode-se vislumbrar três vertentes no entendimento da assistência jurídica no cenário internacional dos Estados Contemporâneos. Cabe destacar que sua utilização pelo citado professor ocorreu em 1979 e que o conceito de Estado Contemporâneo da época já sofreu modificações. Sendo assim, estas foram adaptadas ao contexto atual. Num primeiro momento a assistência jurídica veio como uma simples ideia de jurisdição gratuita proposta pelo Estado, em virtude da questão da igualdade diante da administração da justiça. Logo, seria um problema simples, de fácil resolução, podendo utilizar fundos públicos ou seguros privados pré-pagos que garantiriam tal assistência. Ou até mesmo uma troca feita entre o Estado e o advogado, onde o primeiro ofereceria vantagens variadas em troca de serviços do outro. Há também a idéia de que a prestação do serviço do advogado, como profissional liberal, seria de interesse público e social. E, por conseguinte, deveria ser regulado por um órgão público, mas sem excluir a possibilidade de prestação de caráter privado. Já a terceira tendência leva em consideração diversos fatores sociais importantes, direcionando para a conhecida Justiça Social. Nesta última, a assistência jurídica faz parte de um serviço social maior, que deve ser desempenhado pelo poder público, inserto num programa social com a finalidade em questão. Compreendendo esses conceitos básicos, cabe analisar alguns casos concretos e legislação de alguns países acerca do assunto, para então, com o uso do direito comparado, ampliar e aprimorar o entendimento acadêmico e jurídico da gratuidade de justiça. 4.2. Inglaterra O primeiro marco para a Terra da Rainha, sobre o tema em questão, veio em 1930 com o Poor Prisoners Defence Act, que seria a assistência jurídica criminal nos tribunais ingleses. Esse ato foi precursor do Legal Aid and Advice Act que fora publicado em 1949. Este último trouxe consigo um acréscimo ao bem-estar social (conhecido como Welfare State), fazendo com que o Estado proporcionasse um advogado para aqueles que não pudessem pagar pelo serviço. Entrava em cena a Law Society, sendo o grupo de advogados que prestavam e administravam o serviço ao País, vinculando assim, interesses privados e públicos. Ao longo dos anos 60 e 70, viu-se a necessidade de mudanças do sistema empregado, pois assim como o Direito, a sociedade modificava e surgiam novas demandas a serem discutidas e postas em prática. Assim, em 1988 foi publicado o Legal Aid Act e surgiu o Legal Aid Board que vigorou até 1999, gerenciando a assistência jurídica com recursos públicos. O Access to Justice Act (1999) aboliu este último sistema e empreendeu o chamado Legal Service Comission (LSC), modelo que teve mudanças consideráveis. O LSC é uma comissão que tem seus membros escolhidos discricionariamente pelo Lord Chancellor,o qual é hierarquicamente superior. Esta comissão vai gerenciar duas grandes divisões: a Community Legal Service (CLS) e a Criminal Defense Service (CDS), respectivamente destinadas às áreas cíveis e criminais. Vale frisar que, em 1999, o citado diploma também criou o Funding Code que regulamente objetivamente os requisitos necessários para se fazer jus ao benefício. É um estudo bem detalhado, onde critérios complexos analisam a capacidade social do indivíduo sob vários aspectos. Assim, o cidadão pode conseguir a gratuidade, ou, caso seja comprovado, que ele seja obrigado a pagar uma determinada contribuição compatível com sua condição financeira. Vale destacar esse método pela individualidade que o Estado consegue atingir ao prestar o serviço aos cidadãos. 4.3. Estados Unidos da América A iniciativa americana veio em 1964 com o Legal Service Program - LSP, atuando num total de 10 anos, sendo vinculado ao Office of Economy Opportunity - O.E.O.. Este último era um órgão que gerenciava programas que objetivavam erradicar a pobreza dos EUA. Para Denti, o modelo americano se enquadra na terceira vertente doutrinária de gratuidade de justiça, onde a assistência legal faz parte de um serviço social amplo. O LSP variava muito de acordo com o cenário político, logo seria interessante que houvesse sua desvinculação do O.E.O. . Assim, em 1974, cria-se o Legal Services Corporation - LSC, sistema privado sem fins lucrativos, custeado com recursos públicos e que vigora até os dias atuais. A LSC distribui sua renda entre programas de assistência jurídica e atua em mais de 900 escritórios, realizando serviços para indivíduos de baixa renda . Entretanto ela atua na esfera familiar, habitacional, defesa do consumidor, sendo de maneira geral na esfera cível, apenas. A receita que o indivíduo deve ter para fazer jus ao serviço da LSC está prevista no parágrafo nº 2996f do Legal Services Corporation Act, sendo viabilizada através de consulta com os Governadores de cada Estado, respectivamente. Já na seara criminal o caso “Betts vs. Brady” foi o divisor de águas do ordenamento jurídico americano. Foi declarado, em juízo, que não era necessário a indicação de um advogado, pois não se caracterizava como um direito fundamental do cidadão. A partir de então, iniciou-se vários debates acerca da necessidade do Estado proporcionar um advogado para as pessoas hipossuficientes. Hoje, a assistência é sempre prestada por um defensor público, caso o cidadão não tenha recursos para arcar com um advogado. Conforme os seguintes termos: “In all criminal prosecutions, the accused shall enjoy the right to a speedy and public trial, by an impartial jury of the state and district wherein the crime shall have been committed, which district shall have been previously ascertained by law, and to be informed of the nature and cause of the accusation; to be confronted with the witnesses against him; to have compulsory process for obtaining witnesses in his favor, and to have the assistance of counsel for his defense.” (Amendment VI) “All persons born or naturalized in the United States, and subject to the jurisdiction thereof, are citizens of the United States and of the state wherein they reside. No state shall make or enforce any law which shall abridge the privileges or immunities of citizens of the United States; nor shall any state deprive any person of life, liberty, or property, without due process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal protection of the laws.” (Amendment XIV – Section) As emendas americanas acima mencionadas, quais sejam, 6ª e 14ª, garantem que em processos criminais, o acusado terá direito a um julgamento rápido e público, será submetido a um juri imparcial, será informado da natureza do seu crime, correrá um processo compulsório para obter testemunhas a seu favor, e terá a assistência de um advogado para sua defesa (grifo nosso), bem como não sofrerá nenhuma privação da vida, liberdade e propriedade, sem o devido processo legal, gozando das proteções da lei. Essas proteções nos permite concluir que a proteção ao acesso à justiça por meio de uma assistência jurídica gratuita permeia a ordem jurídica americana. 5. A ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA E O DIREITO DE AÇÃO SOB O PRISMA JURISPRUDENCIAL E À LUZ DA CONSTITUIÇÃO Com a evolução histórica da monopolização da tutela dos litígios pelo Estado, como fruto de uma luta social ao longo dos anos, surgiu o instituto da assistência jurídica gratuita, com o seu nobre ideal de proporcionar o acesso à justiça pelas pessoas que são hipossuficientes ou que se encontram em situação de hipossuficiência. Atualmente existe uma divergência entre os operadores do direito. Enquanto temos uma corrente que entende que a mera alegação da parte não é suficiente para a concessão da assistência jurídica, sendo necessária a efetiva comprovação da condição de hipossuficiente, nos termos do Art. 5º, LXXIV da Constituição Federal. Para esta corrente, § 3º do Art. 99, do Novo Código de Processo Civil, precisa ser analisado à luz da Constituição, passando por uma filtragem constitucional. Para discorrer sobre esta corrente, iniciaremos citando, em primeiro plano, os textos que passarão pelo “filtro da constituição”, in verbis: Art. 98. A pessoa natural (grifo nosso) ou jurídica, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade da justiça, na forma da lei. Art. 99. O pedido de gratuidade da justiça pode ser formulado na petição inicial, na contestação, na petição para ingresso de terceiro no processo ou em recurso. § 3o Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. (BRASIL, 2015) Da leitura do caput do art. 98 do CPC observa-se que o direito à assistência judiciária gratuita não é exclusividade apenas da pessoa natural, mas estende-se também às pessoas jurídicas, mas vamos limitar o objeto deste estudo apenas ao direito da pessoa natural. O artigo 99 do CPC, dispõe que o pedido pode ser formulado na petição inicial, na contestação, ou na petição em que terceiro interessado manifesta a sua vontade em participar da relação processual, ou ainda na fase de recurso. O parágrafo 3º, que é indispensável para o objeto do presente estudo, sendo ele o pilar central da discussão, garante que a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural presume-se verdadeira. Assim, entende-se que se uma pessoa natural, valendo-se do seu direito de ação, provoca o poder judiciário, com a finalidade de tutelar um bem jurídico protegido seu, e na petição inicial alega não ter condições de suportar as despesas processuais sem prejuízo da sua subsistência ou de sua família, mesmo que não junte aos autos qualquer indício de sua condição financeira, estará o magistrado obrigado a deferir de plano os benefícios da assistência judiciária gratuita, cabendo à parte contrária, e que se sinta prejudicada, arguir e apresentar elementos suficientes para revogação das benesses. Seria este o entendimento lógico, ao menos. Contudo, sabemos que o ordenamento jurídico brasileiro é composto por uma norma jurídica fundamental, denominada de Constituição, de onde as demais normas jurídicas retiram seus fundamentos de validade e legitimidade. Segundo Alexandre de Moraes: [...] Constituição deve ser entendida como a lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos. Além disso, éa Constituição que individualiza os órgãos competentes para a edição de normas jurídicas, legislativas ou administrativas. (MORAES, 2016, P.28) Ainda sobre a supremacia constitucional sobre as demais normas jurídicas, Luciano Dutra explica que: [...] Nesse modelo, segundo o escalonamento normativo proposto por Hans Kelsen, a Constituição ocupa o ápice do ordenamento jurídico, servindo de fundamento de validade para a produção normativa subsequente, ou seja, as normas constitucionais possuem uma força destacada apta a condicionar a validade da legislação infraconstitucional, daí se falar em supremacia formal das normas constitucionais em face dos demais atos normativos. (DUTRA, 2017, p. 57) Desta forma, não se pode aplicar de forma irrestrita o texto de uma lei infraconstitucional, sem que este texto seja confrontado com a norma fundamental. Em verdade, a regra deveria ser justamente o confrontamento da norma infraconstitucional, com o texto da constituição que lhe dá fundamento de validade. A assistência judiciária gratuita, expressa no texto da constituição, está localizada no Art. 5º [15], LXXIV, a saber, o “Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. Ora, essa norma foi expressa no texto original da Constituição Federal, não tendo sido ela incluído por meio de emenda constitucional. Isso implica em dizer que o Poder Constituinte Originário já fixou esta, como sendo uma garantia constitucional, condicionada à comprovação de insuficiência. Se esta norma é fruto do Poder Constituinte Originário, ela surge sem qualquer limitação de norma jurídica anterior a ela, e já surge, no mínimo, como uma norma constitucional de eficácia negativa, impondo que nenhuma outra norma seja contrária a seu texto, sob pena de ser declarada esta nova norma, como inconstitucional. Sobre o Poder Constituinte Originário, DUTRA (2017, p. 52) conceitua como: [...] é aquele que cria a Constituição de um novo Estado, organizando e estabelecendo os poderes destinados a reger os interesses de uma sociedade. Não deriva de nenhum outro poder, não sofre qualquer limitação na órbita jurídica e não se subordina a nenhuma condição, por tudo isso é considerado um poder de fato ou poder político. Assim, em que pese a positivada presunção de veracidade da alegação de insuficiência, quando feita por pessoa natural, esta corrente caminha no sentido de relativizar essa presunção, podendo o magistrado, na existência de dúvida, determinar que a parte requerente do benefício comprove sua condição de hipossuficiência. Neste Sentido Leonardo Santana de Abreu, comentando o Novo Código de Processo Civil anotado da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Rio Grande do Sul - OAB/RS, defende: [...] o NCPC também estabelece a presunção de veracidade da alegação de insuficiência de recursos deduzida exclusivamente por pessoa natural (art. 99, § 3º). Embora se trate de uma presunção iuris tantum, a qual, portanto, poderá ser elidida pela parte contrária, melhor seria se fosse exigido ao menos um indício da necessidade do benefício para a sua concessão, evitando-se abusos ou até um estímulo à litigância - tendo em vista a ausência de custo e risco! Seja como for, conforme mencionado, em caso de dúvida pode o Juiz determinar que a parte comprove a efetiva necessidade do benefício (art. 99, §2º). (OAB-RS, 2015, p. 125) A relatividade da presunção de veracidade da alegação de insuficiência também encontra amparo em decisões de tribunais superiores, senão vejamos: STJ. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. REVOGAÇÃO DE BENEFÍCIO, PARA POSTERIOR COMPROVAÇÃO DE NECESSIDADE DA SITUAÇÃO ECONÔMICO-FINANCEIRA. POSSIBILIDADE. 1. A declaração de pobreza, para fins de obtenção da assistência judiciária gratuita, goza de presunção relativa de veracidade, admitindo-se prova em contrário. 2. Quando da análise do pedido da justiça gratuita, o magistrado poderá investigar sobre a real condição econômico financeira do requerente, solicitando que comprove nos autos que não pode arcar com as despesas processuais e com os honorários de sucumbência. 3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 329.910/AL, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/05/2014, DJe 13/05/2014) CONSTITUCIONAL E PROCESSO CIVIL. JUIZ QUE INDEFERE PEDIDO DE GRATUIDADE DE JUSTIÇA. NECESSIDADE DE COMPROVAR A HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESPROVIMENTO. I - A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 5º,LXXIV) EXIGE DO INTERESSADO EM OBTER O BENEFÍCIO DA GRATUIDADE DE JUSTIÇA QUE COMPROVE A INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS, RESTANDO NÃO RECEPCIONADO, NESTE PONTO ESPECÍFICO, O DISPOSITIVO DO ART. 4º DA LEI Nº 1.060/50 QUE EXIGIA APENAS A MERA DECLARAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA. II - A INICIATIVA DO MAGISTRADO EM VERIFICAR A COMPROVAÇÃO DA SITUAÇÃO ECONÔMICA DO PRETENDENTE À GRATUIDADE DE JUSTIÇA TAMBÉM ESTÁ JUSTIFICADA PELO FATO DE QUE AS CUSTAS JUDICIAIS TÊM NATUREZA JURÍDICA DE TRIBUTO, CONFORME JÁ DECIDIU O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. III - SE OS DOCUMENTOS JUNTADOS AOS AUTOS PELA AGRAVANTE NÃO SE COMPATIBILIZA COM A SITUAÇÃO DE POBREZA DECLARADA, O INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO PLEITEADO É MEDIDA QUE SE IMPÕE, NÃO PREVALECENDO, PORTANTO, A PRESUNÇÃO LEGAL DA SIMPLES DECLARAÇÃO (ART. 4º DA LEI Nº 1.060/50). (TJ-DF- AI: 31743620098070000 DF 0003174-36.2009.807.0000, Relator: NATANAEL CAETANO, Data de Julgamento: 06/05/2009, 1ª Turma Cível, Data de Publicação: 18/05/2009, DJ-e Pág. 49). Imperioso salientar que esta corrente não defende a restrição ao direito de ação, e consequentemente do exercício da cidadania, mas defende limitar a concessão da gratuidade da justiça e da assistência jurídica gratuita, aos que comprovarem verdadeiramente sua condição de insuficiência, bem como evitar os abusos e o fomento à litigância. Noutra senda, tem-se uma corrente que entende que a assistência jurídica gratuita, quando requerida por pessoa natural, mediante alegação de insuficiência de recursos, deve ser deferida, cabendo à parte contrária comprovar a não condição de hipossuficiência. Segundo essa corrente, esta norma não seria inconstitucional por tratar-se de uma interpretação extensiva do direito de ação, e da inafastabilidade da jurisdição, direitos e garantias fundamentais expressas no bojo da constituição. SILVA (2015) explica tratar-se de uma presunção relativa, e que pode ser revogada por prova produzida em contrário, produzida pela parte adversa, ou em decorrência de investigação feita “de ofício” pelo magistrado. O mesmo autor explica ainda que: A presunção de veracidade da alegação de insuficiência de recursos criada por lei não contraria a Constituição, que, de maneira diversa, exige a "comprovação" da insuficiência. É que a lei não restringiu o direito fundamental. A ampliação proporcional do âmbito de proteção do direito, atribuindo-se o ônus da prova do fato contrário à parte que contesta a alegação de hipossuficiência, encontra-se dentro do poder de conformação do legislador. (SILVA, 2015, p. 10) Desta forma, os órgãos do Poder Judiciário Brasileiro cumpririam o seu papel no sentido de reafirmar e dar efetividade a essa ferramenta social de acesso à justiça, não só cumprindo veementemente o que determinam as leis emanadas pelo nosso Poder Legislativo versando sobre esse assunto, mas também rebatendo argumentos jurídicos de partes contrárias que tentam desvirtuar e retirar da outra parte processual o acesso a tal direito. Insta salientar que para se utilizar do instituto da assistência judiciária gratuita a parte processual encontracomo suficiente a mera declaração da hipossuficiência e a afirmação de impossibilidade de custear o processo sem prejuízo do seu sustento. Não raro, podemos encontrar julgados nesse diapasão, em que uma das partes ou até mesmo o próprio juízo do processo (seja juízo singular, seja juízo colegiado) tenta impugnar o acesso de uma das partes processuais a esse direito. A respeito do ora citado, é oportuno transcrever o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça: DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PRESUNÇÃO DE POBREZA. SIMPLES DECLARAÇÃO. CABIMENTO. INVERSÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. O pedido de assistência gratuita pode ser feito em qualquer fase do processo, sendo suficiente para a sua obtenção a simples afirmação do estado de pobreza. Pode o magistrado, contudo, quando houver dúvida acerca da veracidade das alegações do beneficiário, determinar-lhe que comprove seu estado de miserabilidade a fim de avaliar as condições para o deferimento ou não da assistência judiciária. Precedentes do STJ. 2. Hipótese em que o magistrado, invertendo de forma indevida a presunção de pobreza, indeferiu o pedido de concessão do benefício da justiça gratuita, ao entendimento de que, diante do grande número de autores, poderiam eles se cotizarem para pagar as custas do processo. 3. Recurso especial conhecido e provido. (STJ. RESP 967916 Processo: 200701587390 UF: SP Órgão Julgador: Quinta Turma. Data da decisão: 21/08/2008 Documento: STJ000340294 - Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima). Ainda nesse mesmo esteio, esse Órgão Superior do Poder Judiciário Pátrio confirmou outras vezes o entendimento da concessão do direito à assistência judiciária gratuita. É como podemos assimilar dos demais seguintes precedentes: PROCESSUAL CIVIL. SIMPLES AFIRMAÇÃO DA NECESSIDADE DA JUSTIÇA GRATUITA. POSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO DO BENEFÍCIO. ART. 4º, DA LEI 1.060/50. ADMINISTRATIVO. LEI 7.596/87. DECRETO 94.664/87. PORTARIA MINISTERIAL 475/87. 1 - A simples afirmação da necessidade da justiça gratuita é suficiente para o deferimento do benefício, haja vista o art. 4º, da Lei 1.060/50 ter sido recepcionado pela atual Constituição Federal. Precedentes da Corte. 2 - Ainda que assim não fosse, é dever do Estado prestar assistência judiciária integral e gratuita, razão pela qual, nos termos da jurisprudência do STJ, permite-se a sua concessão" ex officio ". 3 - (......) 4 - Recurso especial conhecido e provido. (REsp. 320019/RS, Relator Min. Fernando Gonçalves, Data da Decisao 05/03/02). PROCESSO CIVIL. JUSTIÇA GRATUITA. DECLARAÇÃO DE POBREZA AFIRMADA PELO ADVOGADO. O pedido para ser contemplado com os benefícios da justiça gratuita pode ter fincas em declaração de pobreza firmada pelo advogado (....) e pode ser formulado em qualquer fase do processo, inclusive na apelação. Recurso parcialmente reconhecido e, nessa extensão, provido em parte."(REsp. 543.023/SP, Rel. Min. César Asfor Rocha, DJU 01/12/03). PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. ESTADO DE POBREZA. PROVA. DESNECESSIDADE. A concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita não se condiciona à prova do estado de pobreza do requerente, mas tão-somente à mera afirmação desse estado, sendo irrelevante o fato de o pedido haver sido formulado na petição inicial ou no curso do processo."(REsp. 469.594/RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJU 30/06/03). Neste diapasão temos julgados mais recentes, posteriores ao início da vigência do NCPC, conforme os precedentes abaixo, comprovando que as jurisprudências atuais estão sempre no sentido de interpretação extensiva da lei à luz do mandamento constitucional. AGRAVO DE INSTRUMENTO. JUSTIÇA GRATUITA. REQUISITOS DIVERSOS PARA PESSOA FÍSICA E JURÍDICA. DECLARAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA. PESSOA FÍSICA. PESSOA JURÍDICA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. A jurisprudência do STJ firmou entendimento no sentido de que, nos termos do art. 4º da Lei 1060/50, a simples afirmação de incapacidade financeira basta para viabilizar o acesso ao benefício de assistência judiciária gratuita, em qualquer fase do processo. 2. Assim, a concessão do benefício da gratuidade da justiça depende tão somente da declaração do autor de sua carência de condições para arcar com as despesas processuais sem prejuízo ao atendimento de suas necessidades básicas, levando em conta não apenas o valor dos rendimentos mensais, mas também seu comprometimento com aquelas despesas essenciais. 3. Ademais, cabe à parte adversa impugnar o direito à assistência judiciária, conforme dispõe o artigo 4º, § 2º, da Lei 1060/50, devendo a condição de carência da parte autora ser considerada verdadeira até prova em contrário. 4. No caso dos autos, há demonstração da precariedade da condição econômica da parte agravante a justificar a concessão de assistência judiciária gratuita, considerando que os recorrentes estão com o nome inscrito no cadastro de inadimplentes por diversos débitos e um deles cumpre pena em regime semiaberto (fls. 43/65). 5. Agravo de instrumento a que se dá provimento. (TRF-3 - AI: 00163127020164030000 SP, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL VALDECI DOS SANTOS, Data de Julgamento: 24/01/2017, PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: e-DJF3 Judicial 1 DATA:08/02/2017) http://www.jusbrasil.com/legislacao/1027008/constitui%C3%A7%C3%A3o-da-republica-federativa-do-brasil-1988 http://www.jusbrasil.com/legislacao/109499/lei-de-assist%C3%AAncia-judici%C3%A1ria-lei-1060-50 http://www.jusbrasil.com/topico/11707350/artigo-4-da-lei-n-1060-de-05-de-fevereiro-de-1950 http://www.jusbrasil.com/legislacao/109326/decreto-94664-87 http://www.jusbrasil.com/legislacao/104117/lei-7596-87 http://www.jusbrasil.com/legislacao/109499/lei-de-assist%C3%AAncia-judici%C3%A1ria-lei-1060-50 http://www.jusbrasil.com/topico/11707350/artigo-4-da-lei-n-1060-de-05-de-fevereiro-de-1950 EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - JUSTIÇA GRATUITA - PESSOA FÍSICA - DECLARAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS - REQUISITOS LEGAIS - CRITÉRIO SUBJETIVO PARA INDEFERIMENTO - INADMISSIBILIDADE. 1. A pessoa natural com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatícios tem direito à gratuidade de justiça, presumindo-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. 2. O indeferimento da justiça gratuita pelo juiz somente tem cabimento quando houver fundadas razões de convencimento sobre inexistência da alegada hipossuficiência financeira, não sendo de se admitir critérios subjetivos do julgador. (TJ-MG - AI: 10693170091013001 MG, Relator: José Flávio de Almeida, Data de Julgamento: 11/04/2018, Data de Publicação: 19/04/2018) EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO - JUSTIÇA GRATUITA - PESSOA FÍSICA - OPORTUNIZAÇÃO PARA COMPROVAÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA - CONDIÇÃO NÃO EVIDENCIADA - INDEFERIMENTO DO BENEFÍCIO - RECURSO DESPROVIDO. Após oportunizada à parte a comprovação da alegada hipossuficiência financeira, inexistentes nos autos elementos capazes de evidenciar a carência de recursos, o indeferimento do benefício da gratuidade de justiça é medida que se impõe. Recurso desprovido. (TJ-MG - AI: 10000170920144002 MG, Relator: Amorim Siqueira, Data de Julgamento: 03/04/2018, Data de Publicação: 11/04/2018) EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE COBRANÇA - JUSTIÇA GRATUITA - INDEFERIMENTO - PESSOA FÍSICA - DECLARAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS - REQUISITOS LEGAIS - CRITÉRIO SUBJETIVO PARA INDEFERIMENTO - INADMISSIBILIDADE. - 1. A pessoa natural com insuficiência de recursos para pagar as custas, as despesas processuais e os honorários advocatíciostem direito à gratuidade da justiça. - 2. Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural. - 3. Há violação dos artigos 2º e 4º da Lei n. 1.060/50 (CPC, artigos 98 e 99, § 3º), quando os critérios utilizados pelo magistrado para indeferir o benefício revestem-se de caráter subjetivo, ou seja, criados pelo próprio julgador, e pelos quais não se consegue inferir se o pagamento pelo jurisdicionado das despesas com o processo e dos honorários irá ou não prejudicar o seu sustento e o de sua família. (TJ-MG - AC: 10223150210753001 MG, Relator: José Flávio de Almeida, Data de Julgamento: 04/04/2018, Data de Publicação: 13/04/2018) Assim, tanto a doutrina como a jurisprudência caminham no sentido de aceitar aquilo que dispõe o Novo Código de Processo Civil, no sentido de acolher a presunção de veracidade da alegação de insuficiência de recursos que, embora diferente do “mandamus” constitucional, não seria contra os princípios constitucionais porquanto não limita, restringe ou suprime direitos, e garantias, mas os amplia, dando uma maior eficácia ao Princípio do Acesso à Justiça. 6. CONCLUSÃO Entre as garantias oferecidas pelo Estado constam o direito de ação, e a prestação de assistência jurídica gratuita, tanto no quesito técnico-profissional, dispondo de órgãos específicos para o exercício desse direito, quanto no quesito de dispensa de recolhimento de despesas processuais, e até mesmo de honorários sucumbenciais. A constituição garante aos que comprovarem insuficiência de recursos, a prestação da assistência judiciária gratuita, enquanto o Novo Código de Processo Civil amplia esse direito às pessoas naturais, mediante a simples alegação de hipossuficiência, ficando consignado que este direito possui presunção de veracidade “juris tantum”, admitindo prova em contrário, e até mesmo investigação, em caso de dúvida, do órgão jurisdicional, personificado pelo Juiz. Com as observações, resta claro que o texto da lei infraconstitucional, que garante à pessoa natural as benesses da assistência judiciária gratuita não é inconstitucional, porquanto não limita ou suprime a norma constitucional, mas a amplia. Contudo essa ampliação não é absoluta, mas sim relativa, vez que a doutrina e a jurisprudência convergem para a possibilidade de produção de prova em contrário, pela parte adversa, ou até mesmo a investigação, em caso de dúvida, “de ofício”, pelo magistrado, não necessitando da impugnação à AJG pela parte adversa. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. Teoria Geral do Processo. Fundação Getúlio Vargas - FGV Direito Rio, 2015. BARROSO, Carlos Eduardo Ferraz de Mattos, Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. BRASIL. Constituição, 1946. BRASIL. Constituição, 1988. BRASIL. Lei nº 1.060, de 05 de fevereiro de 1950. BRASIL. Lei nº 13.105, de 16 de Março de 2015. 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Acesso em: 7 dez. 2017. SILVA, Ticiano Alves e. O benefício da justiça gratuita no Novo Código de Processo Civil. Revista Jurídica da Seção Judiciária de Pernambuco, v. 8, p. 299- 320, 2015.
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