Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
EA D 2 Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo 1. OBJETIVOS • Conhecer a legislação escolar que está em vigor atual- mente, priorizando a Constituição Federal de 1988, a Lei nº 8.069/90, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a LDB nº 9.394/96. • Identificar os aspectos educacionais previstos pela Cons- tituição Federal de 1988, sobretudo em seu capítulo "Da Educação, Da Cultura e Do Desporto". • Enfocar os direitos relativos à educação estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei Federal nº 8.069/90. • Compreender os principais aspectos abarcados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96. © Políticas da Educação Básica74 2. CONTEÚDOS • A educação na Constituição Federal de 1988. • O Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei federal nº 8.069/90. • A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional: Lei fe- deral nº 9.394/96. 3. ORIENTAÇÕES PARA O ESTUDO DA UNIDADE Antes de iniciar o estudo desta unidade, é importante que você leia as orientações a seguir: 1) Para que você tenha uma visão mais clara diante de nos- sas sínteses e análises, leia os artigos referentes à educa- ção da Constituição Federal de 1988 e a lei nº 9.394/96 na íntegra. 2) Como futuro docente, você precisa ter claro os direitos e os deveres que envolvem o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Portanto, consulte o documento na íntegra para que você tenha a competência necessária para atuar em prol de seus alunos. 3) Antes de iniciar os estudos desta unidade, pode ser inte- ressante conhecer um pouco da biografia de um dos presidentes do Brasil. Fernando Henrique Cardoso Foi Presidente da República do Brasil por dois mandatos consecutivos, de 01 de janeiro de 1995 a 01 de janeiro de 2003. É sociólogo, autor de vários livros sobre mudança social e os condicionantes políticos do desenvolvimen- to do Brasil e da América Latina (imagem disponível em: <http://educacao.uol.com.br/biografias/fernando-henri- que-cardoso.jhtm>. Acesso em: 22 abr. 2012). Claretiano - Centro Universitário 75© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo 4. INTRODUÇÃO À UNIDADE Convidamos você a refletir, nesta unidade, sobre a legislação concernente a qualquer aspecto da vida em sociedade e, para tan- to, precisamos considerar uma série de fatores que implicaram na criação dessa legislação. Assim, inicialmente, temos um fator de caráter estrutural -ideológico no qual a legislação vai espelhar, inevitavelmente, os anseios e os interesses das classes sociais, o que nos leva a crer que não existe neutralidade quando se trata de lei. Mesmo em uma sociedade democrática, a lei funciona, na prática, como ins- trumento daqueles que detêm o poder. Em contrapartida, as leis são dinâmicas e, portanto, pos- suem história. São produtos de um contexto histórico, que podem ser adequadas para um determinado regime político e econômico, mas obsoletas para outro momento e situação histórica. Essa di- nâmica explica, no caso brasileiro particularmente, as constantes mudanças no corpo jurídico. Por exemplo, as mudanças de regi- mes políticos, que necessariamente implicam a substituição de leis e normas prevalecentes até então. Temos, ainda, a questão presente em muitos casos da dis- tância entre a letra da lei e a realidade vivida concretamente pelos indivíduos. Mais uma vez, especificando o caso brasileiro, obser- vamos que nem sempre a legislação é vivenciada da forma como está prevista, ou quando não é absolutamente ignorada em sua aplicação prática do cotidiano. Essa realidade é percebida em inú- meras áreas, inclusive na educação, a ponto de Dermeval Saviani afirmar: "não basta ater-se à letra da lei; é preciso captar seu es- pírito. Não é suficiente analisar o texto; é preciso examinar o seu contexto. Não basta ler as linhas, é necessário ler as entrelinhas". (SAVIANI apud LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2006, p. 43). Considerando esses fatores, abordaremos o núcleo principal da legislação educacional em vigor – Constituição Federal de 1988, © Políticas da Educação Básica76 Lei Federal nº 8.069/90, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei Federal nº 9.394/96, que estabeleceu as Dire- trizes e Bases da Educação Nacional –, inserindo esse conjunto de leis no contexto histórico vivido pelo Brasil e pelo mundo a partir das duas últimas décadas do século 20 até o princípio do século 21. A partir dos anos de 1970 e mais aceleradamente nos anos de 1980, percebemos uma transformação radical no processo de produção econômica capitalista. Trata-se de um fenômeno chama- do por muitos de Globalização ou, na linguagem dos economistas, um processo de reestruturação produtiva do sistema capitalista. Transformações na base produtiva capitalista são absoluta- mente comuns ao longo de sua história. No entanto, o que dife- rencia essa reestruturação atual das anteriores é sua velocidade, seus ingredientes e sua escala mundial; por isso, usamos a palavra "Globalização" para caracterizar esse período. Portanto, os fundamentos dessa nova etapa do capitalismo estão associados com o domínio e a expansão da técnica e da ciên- cia, ou seja, a produção de mercadorias foi enormemente alavan- cada pela introdução de métodos e técnicas altamente avançadas. Na prática, podemos afirmar que a acumulação de capital acom- panha o ritmo de novas tecnologias tanto no setor de produção propriamente dito quanto no de gestão do processo produtivo. Por esse motivo, muitos autores referem-se à Globalização como uma revolução de natureza técnico-científica. Conforme Libâneo, Oliveira e Toschi (2006, p. 62), a "terceira revolução científica e tecnológica" pela qual estamos todos viven- do em escala planetária caracteriza-se por vários elementos, entre os quais: a) o desenvolvimento das tecnologias de informação, da microeletrônica, das ciências naturais e físicas, das enge- nharias aplicadas em diversos campos da vida humana; b) o aperfeiçoamento dos meios de transportes e de comu- nicações, facilitando o trânsito de pessoas, mercadorias, Claretiano - Centro Universitário 77© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo ideias, comportamentos e hábitos no mais curto espaço de tempo; c) a introdução de métodos e técnicas, como informatiza- ção, robótica e automação no processo de produção de bens e serviços; d) a reengenharia dos processos de organização e gestão das empresas e do trabalho. A somatória desses fatores provocou mudanças extraordiná- rias em pouco mais de um quarto de século. A mais visível delas foi a utilização do computador e seu braço informacional – a internet – em praticamente todos os setores da vida humana: no trabalho, no lazer, na educação, na saúde, entre outros. Todo esse aparato fundamentado pela técnica e pela ciência acarretou, em contra- partida, consequências negativas, como o desemprego estrutural, a concentração de capital nas mãos de poucos, a disparidade ain- da maior entre as nações e a exclusão social. São os paradoxos da Globalização: ao mesmo tempo em que ela cria mecanismos de aproximação entre povos, derrubando fronteiras geográficas, acaba por impor um estilo de vida excessivamente individualista. É evidente que uma revolução desse porte tenha provocado consequências em todas as demais áreas, como a política, a socie- dade, a educação e a cultura, obrigando as instituições a reestru- turarem seus papéis e funções, incluindo o Estado, a família e, cla- ro, a escola. Somente podemos entender os motivos que levaram a escola a refazer seu papel social nos últimos anos ou décadas quando situamos essas mudanças em um contexto mais amplo, envolvendo aspectoseconômicos, sociais e políticos. Um modelo de produção-acumulação econômica baseado na técnica e na ciência exige uma contrapartida por parte dos tra- balhadores, qual seja, a qualificação de mão de obra. Essa exigên- cia criou, por sua vez, uma forte articulação entre "educar-melhor -para-produzir-mais". Daí todo esse discurso em favor de novos paradigmas educacionais, de novos métodos de ensino, de novas formas de avaliação escolar. Na perspectiva da globalização econô- © Políticas da Educação Básica78 mica, cabe à escola preparar um novo indivíduo capacitado para inserir-se no mercado de trabalho e no mercado consumidor: O modelo de exploração anterior, que exigia um trabalhador frag- mentado, rotativo – para executar tarefas repetitivas – e treinado rapidamente pela empresa, cede lugar a um modelo de exploração que requer um novo trabalhador, com habilidades de comunica- ção, de abstração, de visão de conjunto, de integração e de flexi- bilidade, para acompanhar o próprio avanço científico-tecnológico da empresa, o qual se dá por força dos padrões de competitividade seletivos exigidos no mercado global. Essas novas competências não podem ser desenvolvidas a curto prazo e nem pela empresa. Por isso, a educação básica, ou melhor, a educação fundamental ga- nha centralidade nas políticas educacionais, sobretudo nos países subdesenvolvidos. Ela tem como função primordial desenvolver as novas habilidades cognitivas (inteligência instrumentalizadora) e as competências sociais necessárias à adaptação do indivíduo ao novo paradigma produtivo, além de formar o consumidor competente, exigente, sofisticado (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2006, p. 102). Os novos papéis atribuídos à escola não estão, portanto, des- ligados do movimento da Globalização e esse fenômeno de "valo- rização" da escola ocorre nas últimas décadas em todo o mundo, mesmo o mais subdesenvolvido país, pois se não há barreiras para o capital, como preconizam os agentes da Globalização, as exigências para a acumulação estão presentes em qualquer lugar do planeta. Nesse contexto, a escola tem um papel tão fundamental que o braço institucional da Globalização, ou seja, as agências finan- ciadoras de políticas públicas em todo o mundo condicionam em- préstimos para países menos desenvolvidos, entre eles o Brasil, possibilitando a tomada de decisão dos governos no sentido de promoverem reformas profundas em seus sistemas educacionais. Essas agências, tais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, entre outras, utilizam-se de um discurso aparente- mente democrático e favorável aos direitos fundamentais da pes- soa humana, mas, na realidade, ao "priorizar" a educação escolar, o que esses governos e seus financiadores estão praticando nada mais é do que dar suporte aos desígnios da Globalização. Especificamente no caso do Banco Mundial, podemos des- tacar que: Claretiano - Centro Universitário 79© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo [...] as orientações do Banco Mundial para o ensino básico e su- perior são extremamente representativas desse novo momento. Elas refletem a tendência da nova ordem econômica mundial, o avanço das tecnologias e da globalização, as quais requerem indi- víduos com habilidades intelectuais mais diversificadas e flexíveis, sobretudo quanto à adaptabilidade às funções que surgem cons- tantemente. A solução consiste em desenvolver um ensino mais eficiente, de qualidade e capaz de oferecer uma formação geral mais sofisticada, em lugar de treinamento para o trabalho. No en- tanto, o banco também estimula o aumento da competitividade, a descentralização e a privatização do ensino, eliminando a gratui- dade (sobretudo nas universidades públicas), e a seleção pautada cada vez mais pelo desempenho (seleção natural das capacidades). (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2006, p. 102-103). Diante do exposto, surgem alguns questionamentos: como o Brasil se inseriu nesse contexto de Globalização vivido pela socie- dade contemporânea a partir dos anos de 1980? Quais as questões internas particulares que marcaram as últimas décadas do século 20 e os primeiros anos do século 21? Quais as propostas desse período em termos de reestruturação dos sistemas escolares e do próprio debate sobre pressupostos e finalidades da educação? Em termos práticos, como se realizaram o discurso e as ações gover- namentais na área da educação? Internamente, o Brasil do final do século 20 passou por trans- formações importantes em todos os campos. Inicialmente, em ter- mos políticos, viveu a transição de um regime ditatorial, que du- rou 21 anos, para um regime democrático, que abriu caminho para a instauração de um Estado democrático de direito corroborado pela Constituição de 1988. São legitimados princípios de liberdade de organização partidária e classista, garantindo direitos humanos fundamentais, como os direitos à saúde e à educação, liberdade de expressão e o restabelecimento de eleições livres para todos os cargos representativos. Em segundo lugar, em termos econômicos, o país viveu, nos anos de 1980, a chamada "década perdida", ou seja, um período marcado por sucessivos planos econômicos visando conter o des- controle inflacionário e a instabilidade econômica, além do pro- © Políticas da Educação Básica80 blema da dívida externa, herança do período ditatorial. Na década de 1990, pressionado pela onda neoliberal que tomou conta dos debates internacionais da época, o país finalmente ingressou no mundo da Globalização, sobretudo a partir do primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso (1994-1998). As finalidades e objetivos da Globalização atingiram em cheio o Brasil da metade dos anos 1990 em diante, impondo a necessidade de o Estado brasileiro reestruturar seus sistemas es- colares e colocá-los à disposição das premissas preconizadas pela nova etapa do sistema capitalista, conforme observamos ante- riormente. Com isso, as autoridades legislativas e governamentais apressaram-se em criar um aparato legal em sintonia com as novas necessidades econômicas do mundo. Surge, então, na esteira da Constituição de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente em 1990, que estabeleceu políticas de proteção aos menores e jovens e, em 1996, é sancionada a nova LDB, reorganizando os sistemas escolares e estabelecendo novos parâmetros para a educação es- colar no Brasil. Entretanto, a sociedade civil organizada não ficou indiferente a essas mudanças, pois foram realizados intensos debates no meio acadêmico, na imprensa e nas entidades que congregam educado- res e especialistas em educação, oferecendo inúmeras propostas, além de marcarem posição nesse contexto de reestruturação legal da educação nacional. Dessa forma, podemos perceber que nem sempre há um consenso de ideias sobre as inúmeras questões abarcadas por todo esse aparato legislativo. Alguns setores, sobre- tudo os mais progressistas, embora reconheçam alguns avanços, ficaram frustrados com o resultado final dessa legislação. As prin- cipais críticas estão relacionadas, pois, com as políticas educacio- nais adotadas a partir dessa legislação e que tiveram um caráter marcadamente economicista: O Brasil tem experimentado, desde o início da década de 90, amplo processo de ajuste do sistema educativo. Todavia, esse reconheci- mento e esse empreendimento, especialmente no governo de Fer- nando Henrique Cardoso, deram-se de acordo com uma lógica eco- Claretiano - Centro Universitário 81© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo nomicista, cujo projeto educativo tem por objetivo último adequar a educação escolar às novas demandas e exigências do mercado. Nesse sentido, a educação assume a perspectiva de mercadoria ou serviço que se compra,e não de um direito universal, o que a leva a tornar-se competitiva, fragmentada, dualizada e seletiva social e culturalmente (LIBÂNEO; OLIVEIRA; TOSCHI, 2006, p. 116-117). Analisando as observações realizadas anteriormente, po- demos compreender mais claramente os fundamentos políticos, econômicos e ideológicos que levaram à construção do atual sis- tema legal da educação nacional. Assim, reiteramos o ponto de vista de que a lei, seja qual for sua destinação, não é fruto de um "legislador iluminado", mas sim de um processo que tem conflitos de interesses e que está inserido em um dado contexto histórico. Passemos, agora, à análise mais detalhada de alguns pontos abar- cados pelo núcleo central da legislação escolar brasileira atual. 5. A EDUCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Como estudamos anteriormente, a Constituição Federal de 1988 foi resultado de uma Assembleia Nacional Constituinte con- vocada pelo governo de transição para o regime democrático após o fim do período autoritário e ditatorial dos militares (1964-1985). Portanto, ela teve um caráter democrático, uma vez que todos os setores organizados, por meio de seus representantes, participa- ram de sua elaboração. Dessa forma, é natural que, ao longo de seus trabalhos, tenham ocorrido acalorados debates e no caso es- pecial da educação não foi diferente. Dentre os aspectos mais debatidos na Assembleia Nacional Constituinte em relação à educação, podemos destacar: a escola pública e a escola privada, o financiamento da educação escolar, o ensino religioso obrigatório ou facultativo, e as atribuições legais às instâncias federativas. Contudo, é importante ressaltar que a Constituição Federal de 1988, em comparação com as anteriores, foi a que mais explicitamente abordou a educação. © Políticas da Educação Básica82 Assim, em seu Artigo 6º, Capítulo II, Título II, fica garanti- do que a educação se constitui legalmente em um direito social, ao lado do acesso à saúde, ao trabalho, à moradia, ao lazer, entre outros direitos fundamentais da pessoa humana. Nesse aspecto, a Constituição de 1988 vem ao encontro dos ideais preconizados por diversos documentos oficiais, entre eles, a Declaração dos Di- reitos do Homem e do Cidadão, proclamada pelas Nações Unidas. Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 o Capítulo III, Seção I, Artigos 205 a 214 tratam especificamente do direito à educação. O Artigo 205 determina que A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (BRASIL, 1998). Neste artigo, a educação é entendida como direito de todos os cidadãos, que tem por objetivo a formação integral do indivíduo e sua preparação para o mundo do trabalho e da participação po- lítica, sendo dever da família e do Estado garantir a sua efetivação. A ênfase sobre o dever do Estado quanto à educação fica mais claramente explicitada no Artigo 208, que define: Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado median- te a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (de- zessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; (Re- dação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; III - atendimento educacional especializado aos portadores de defi- ciência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cin- co) anos de idade; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; Claretiano - Centro Universitário 83© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáti- co-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 59, de 2009) Dessa forma, para que o direito à educação não se torne uma "letra morta", a lei determina a quem cabe o dever de garan- tir esse direito. Cabe em regime de corresponsabilidade ao Estado e à família o dever para com a educação escolar, não só na oferta de vagas, mas na permanência das crianças e dos adolescentes na escola. Além disso, o direito à educação é considerado um direito público subjetivo, que se não for garantido de forma efetiva pode gerar por parte da sociedade uma ação jurídica contra o Estado como estabelece os Parágrafos 1º e 2º do Artigo 208: § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º - O não oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Públi- co, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. (BRASIL, 1998). O direito público subjetivo, segundo Duarte (2004): [...] configura-se como um instrumento jurídico de controle da atuação do poder estatal, pois permite ao seu titular constranger judicialmente o Estado a executar o que deve. De fato, a partir do desenvolvimento deste conceito, passou-se a reconhecer situações jurídicas em que o Poder Público tem o dever de dar, fazer ou não fazer algo em benefício de um particular. Como todo direito cujo objeto é uma prestação de outrem, ele supõe um comportamento ativo ou omissivo por parte do devedor. Em contrapartida, Duarte (2004) acrescenta que o direito à educação não está limitado ao ensino fundamental, ou seja, o ins- trumento do "direito público subjetivo" alarga esse conceito de direito, argumentando: [...] vale lembrar que o direito à educação não se reduz ao direito do indivíduo de cursar o ensino fundamental para alcançar melho- res oportunidades de emprego e contribuir para o desenvolvimen- to econômico da nação. Deve ter como escopo o oferecimento de condições para o desenvolvimento pleno de inúmeras capacida- © Políticas da Educação Básica84 des individuais, jamais se limitando às exigências do mercado de trabalho, pois o ser humano é fonte inesgotável de crescimento e expansão no plano intelectual, físico, espiritual, moral, criativo e social. O sistema educacional deve proporcionar oportunidades de desenvolvimento nestas diferentes dimensões, preocupando- -se em fomentar valores como o respeito aos direitos humanos e a tolerância, além da participação social na vida pública, sempre em condições de liberdade e dignidade. Assim, no Estado Social, a proteção do direito individual faz parte do bem comum. Desse modo, percebemos que a garantia do direito à educa- ção deve ser efetivada mediante alguns princípios, que a própria legislação enfatiza: Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princí- pios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensa- mento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistên- cia de instituições públicas e privadas de ensino. (BRASIL, 1998). A educação escolar nessa perspectiva deve ser regida por uma base de princípios que contempla a igualdade não só de aces- so, como também de permanência na escola, a defesa da liberda- de como fundamento da prática educativa e cultural, o respeito à diversidade de concepções pedagógicas e o ensino público gratui- to e de qualidade. Os princípios da liberdade de aprender e da igualdade de condiçõespara o acesso e a permanência na escola se relacionam com a questão da democratização do ensino público e das compe- tências do Estado para garantir estas condições. Sobre essa questão, o Título III, em seus Capítulos II e IV, atribui competência legal para União, Estados, Distrito Federal e Municípios legislarem sobre a educação preferencialmente em re- gime de colaboração. Segundo essa legislação, a União é respon- sável pelo suporte técnico e financeiro aos demais sistemas, além de zelar pelo sistema federal de ensino, e aos Estados e ao Distrito Claretiano - Centro Universitário 85© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo Federal cabe atuar, prioritariamente, nos níveis de ensino funda- mental e médio; e aos Municípios cabe exercer nos níveis da edu- cação infantil e ensino fundamental. A Constituição Federal de 1988 determina também que: • o ensino fundamental é peça-chave no papel do Estado para com a educação, pois é considerado obrigatório e gratuito; e a lei prevê que este nível de ensino terá uma estrutura curricular constituída por conteúdos mínimos que visam à "formação da básica comum". • a percentagem mínima que cada instância deverá aplicar em educação será de 18% para a União e aos Estados, Distrito Federal e Municípios nunca menos que 25%. • o estabelecimento de um Plano Nacional de Educação, plurianual, articulado com as diversas instâncias do po- der público, visa, entre outras ações, erradicar o analfa- betismo, um dos mais graves problemas sociais que ainda persistem no Brasil atual. Além desses aspectos, a Constituição Federal de 1988, em relação à educação, abrange, ainda, a autonomia pedagógica, ad- ministrativa e financeira das universidades; a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais à rede regular de ensi- no; a oferta de ensino religioso no ensino fundamental; o respeito às comunidades indígenas ao permitir a utilização de suas línguas maternas nos processos de ensino-aprendizagem. Essa gama de temas abordados na Carta Magna exige a com- plementação específica de normas posteriormente baixadas pelos órgãos competentes. O fato concreto é que a Constituição de 1988 abriu caminho para o efetivo estabelecimento de uma política de proteção à infância por meio da obrigatoriedade do ensino funda- mental e, em contrapartida, permitiu a criação de uma nova legis- lação própria à educação, consolidada pela LDB de 1996. © Políticas da Educação Básica86 6. O ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA) Você possivelmente conhece, por meio da literatura especí- fica e da mídia, situações difíceis que estão expostas às crianças e à juventude em todo o mundo. Lamentavelmente, tais situações são percebidas em diversos momentos da história do homem, em que crianças e jovens são vitimizados pela pobreza, miséria, fome, exploração sexual, exploração por meio do trabalho e pelo aban- dono completo por parte de familiares. A Inglaterra, por exemplo, na Revolução Industrial do século 18, foi palco de um cruel sistema de exploração do trabalho infantil em fábricas têxteis. Nesse senti- do, o historiador francês Claude Folhen cita, em seu estudo sobre história do trabalho, o relatório médico que retrata as condições de trabalho de crianças em fábricas da cidade de Manchester: O trabalho à noite e as jornadas prolongadas, às quais são subme- tidas as crianças, não somente tendem a diminuir a soma de vida e a atividade dos que estão para nascer, pela alteração da força dessa geração, como favorecem os vícios dos pais que, contrariamente à ordem humana, vivem da exploração dos filhos. [...] As crianças empregadas nas fábricas são geralmente privadas de qualquer oportunidade de se instruírem e de receberem educação moral e religiosa (FOLHEN apud FARIA; MARQUES; BERUTTI, 1989, p. 194-195). Paralelamente à consolidação do modo de produção capita- lista e à predominância do sistema fabril, emergiu uma ideologia da "positividade" do trabalho, conduzindo diversos governos a adotar a legislação de combate à mendicância e à pobreza. Essa legislação re- caiu, particularmente, sobre as classes trabalhadoras e populares, de forma que os membros dessas classes (incluindo-se adultos e crianças no mesmo plano) se tornaram objetos de ações policiais e judiciais, sendo tratados, indiscriminadamente, como indivíduos "perigosos" e, portanto, passíveis de perseguições e de forte repressão. Entretanto, no século 20, algumas iniciativas capitaneadas pelas Nações Unidas passaram a exigir maior atenção por parte Claretiano - Centro Universitário 87© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo de autoridades e governos para com as necessidades de crianças e adolescentes de todo o mundo. Em 1924, é anunciada a Decla- ração de Genebra sobre os direitos das crianças e ratificada pela Sociedade das Nações. Após a Segunda Guerra Mundial (1939- 1945), com a fundação das Nações Unidas e de seu órgão especi- ficamente criado para atender à infância e à juventude – a UNES- CO –, intensificam-se movimentos em diversas partes do mundo no sentido de instituir políticas de proteção e de promoção, bem como de reconhecer que crianças e adolescentes são indivíduos portadores de direitos. Dessas iniciativas em prol dos direitos das crianças, temos como exemplos a adoção pela ONU da Declaração dos Direitos da Criança em 1959, a celebração do Ano Internacional da Criança em 1979 e a Convenção sobre os Direitos da Criança em 1989, cujos princípios foram aceitos por praticamente todos os países-mem- bros. De modo geral, a Convenção de 1989 consagrou o princípio de que crianças são indivíduos que possuem direitos e que cabe aos países que subscreveram a convenção aplicar medidas concre- tas no sentido de garantir e promover a vida das crianças por meio de sua proteção física, moral e social. Analisando o reflexo da história do Brasil, fundada na violên- cia da escravidão e em uma estrutura social absolutamente hierar- quizada, em que uma minoria goza de privilégios e a grande maio- ria da população fica à margem de direitos humanos mínimos, a história das crianças e da juventude, de um modo geral, também foi marcada pelo não reconhecimento de seus direitos e de suas peculiaridades como indivíduos. Contudo, somente em 1979, com a criação do Código de Menores, crianças e adolescentes brasileiros passaram a figurar como pessoas jurídicas. Entretanto, esse código não constituía em um corpo jurídico de proteção, mas sim em um elenco de leis que visavam estabelecer medidas penais para os "menores" que es- tavam em conflito com a lei. Portanto, o Código de Menores de © Políticas da Educação Básica88 1979 tinha, apenas e tão somente, como foco a repressão, como instrumento de combate à delinquência juvenil. Considerando os aspectos anteriores e os movimentos inter- nacionais pelo reconhecimento dos Direitos das Crianças, o gover- no brasileiro sancionou em 13 de julho de 1990 a Lei Federal nº 8.069, instituindo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), cujos fundamentos já estavam previstos pela Constituição Federal de 1988 em seus Artigos 227 e 228. Dessa forma, o ECA, que pos- sui 267 artigos, [...] garante os direitos e deveres de cidadania a crianças e adoles- centes, determinando ainda a responsabilidade dessa garantia aos setores que compõem a sociedade, sejam estes a família, o Estado ou a comunidade (DELY, s/d). Podemos dizer, então, que o Estatuto da Criança e do Adoles- cente (ECA) se constitui em um marco na história do Brasil em ter- mos de políticas públicas voltadas para a juventude e em termos de legislação específica para essa categoria etária, pois reconhece que crianças e adolescentes são sujeitos que possuem direitos e deveres e, porforça de suas particularidades físicas, emocionais e psíquicas, necessitam de proteção. Assim, o núcleo principal da doutrina que fundamenta o ECA está centrado em duas frentes não excludentes: as medidas de proteção e as medidas socioeducativas. Nesse sentido, a doutrina estipula uma distinção em três categorias jurídicas de crianças e adolescentes, ou seja, existe, para o legislador, o menor carente, o menor vítima e o menor infracional. Para cada uma dessas catego- rias, a lei estabelece regras específicas no sentido de garantir e de promover a proteção aos chamados "menores". Observe, a seguir, resumidamente, as medidas de proteção que o ECA dispõe: a) a família tem o dever de criar e educar os filhos, de ma- neira que estes somente serão tirados do ambiente fa- miliar quando suas necessidades fundamentais estive- rem sob risco ou em situação de perigo; Claretiano - Centro Universitário 89© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo b) a autoridade constituída dará encaminhamento adequa- do ao menor que, em razão de abandono, maus tratos, violência ou outros fatores que atentam contra seus di- reitos, foi retirado do convívio familiar; c) a família, em conjunto com a comunidade, obrigatoria- mente, matriculará e manterá menores em idade no en- sino fundamental e, em caso de negligência por parte dos responsáveis, estes serão indiciados; d) o Estado e a sociedade deverão criar condições efetivas para o devido cuidado da saúde do menor, incluindo orientação e tratamento médico, psicológico, psiquiátri- co nos casos de envolvimento dos menores com o con- sumo de álcool e drogas. No campo das medidas socioeducativas, a lei estipula compe- tência ao juizado de menores no sentido de sua aplicação, especifica- mente à categoria dos "menores infratores". Nesse caso, o fundamen- to doutrinário do ECA inspira que é preciso recuperar o menor infrator e, portanto, em lugar de medidas meramente penais (tal como previa o Código de Menores), devem ser adotadas medidas de caráter socio- educativo, justamente visando à recuperação desse indivíduo. Logo, temos as seguintes medidas socioeducativas: a) advertência por escrito por meio de um termo legal que envolve o menor em questão e os seus responsáveis, im- pondo a eles deveres e obrigações; b) reparação de danos, na qual o menor e os responsáveis são obrigados a ressarcir os prejuízos causados; c) prestação de serviços à comunidade, obrigando o menor a cumprir socialmente o erro cometido individualmente; d) internação em estabelecimento educacional é uma me- dida adotada em casos extremos, privando o menor de sua liberdade. No campo educacional, a Lei Federal nº 8.069/90 dispõe, em seus artigos de 53 a 57, obrigações e deveres em consonância com a Constituição Federal de 1988 e com a LDB 9.394/96. Vejamos alguns aspectos: © Políticas da Educação Básica90 • criança e adolescente têm direito à educação, cabendo ao Estado garantir esse direito e aos pais ou responsáveis a obrigação de matricular e acompanhar a frequência no ensino fundamental; • o ensino fundamental é prioritário, impondo sua obriga- toriedade e gratuidade, além de atribuir ao Estado o de- ver de criar condições efetivas de acesso e frequência por meio de programas específicos, como, por exemplo, para suprir as necessidades de material didático, transporte, alimentação, entre outros. Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente aborda medidas relativas à questão do trabalho dos menores e da pre- venção especial no tocante a espetáculos públicos, como show, teatro, cinema etc., à necessidade de classificação dos programas televisivos e à proibição de acesso dos menores a casas de jogos e bebidas alcoólicas, bem como à orientação a editoras, bancas de jornais e locadoras de vídeos na comercialização de mensagens e produtos de material impróprio para a idade. 7. A LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NA- CIONAL (Nº 9.394/96) Você se lembra do Presidente da República Fernando Henri- que Cardoso? Foi ele quem sancionou a Lei Federal nº 9.394/96, a qual estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, e revogou a Lei nº 5.692/71, a chamada LDB da ditadura, sanção que ocorreu após 11 anos do final do Regime Militar e oito anos da pro- mulgação da Constituição Federal. Internamente, o contexto que cercou a sua formulação, desde sua proposição até sua aprovação final pelo Congresso Nacional, foi marcado por intensa mobiliza- ção da sociedade civil por meio de entidades representativas de professores, intelectuais, educadores, universidades, defensores da escola privada e da escola pública, além de movimentar setores relacionados à Igreja. Claretiano - Centro Universitário 91© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo Ivany Pino, estudiosa da questão das políticas públicas em relação à educação, em artigo que reconstitui todo o percurso da LDB desde as primeiras iniciativas em 1988, no contexto da As- sembleia Nacional Constituinte, passando pelos governos Sarney (1985-1990), Collor (1990-1992), Itamar Franco (1992-1994) e Fer- nando Henrique (1994-1998), até sua sanção em 1996, teve sua tramitação no Congresso Nacional marcada por avanços e recuos por força da pressão de interesses conflitantes, encerrando seu ar- tigo com uma conclusão desanimadora acerca da LDB: [...] seria ingenuidade atribuir a esta lei [a LDB] força ou mesmo potencialidade para provocar uma revolução da educação no país. Entretanto, o reordenamento dos sistemas educativos, inscrito em uma LDB, poderá criar contextos de relações estruturais de trans- formação, de reforma e de inovação educacional como parte do processo de ‘regulação social’ (PINO apud BRZEZINSKI, 2007, p. 13). Algumas críticas apontadas pela autora citada anteriormen- te envolvem questões como a ausência de uma organização em ní- vel nacional do sistema educacional, pois, apesar de a LDB falar em "descentralização", o que ocorre, na prática, é a fragmentação em sistemas escolares de competência parcial conforme cada uma das esferas administrativas de poder; a falta de maior clareza quanto aos princípios que nortearão o Plano Nacional de Educação; a ex- cessiva centralização de competências à União por meio de seus órgãos responsáveis, como o MEC e o CNE (Conselho Nacional de Educação), afasta, dessa forma, a participação da sociedade efeti- vamente; e a questão da gestão democrática das instituições pú- blicas de ensino básico, cujo texto final não traz soluções concretas para sua efetivação, permanecendo, portanto, apenas no papel. Em contrapartida, há o risco da não concretização dos princí- pios elencados pelo legislador, tornando o texto da lei um labirin- to intencionalmente ideologizado, ou seja, algo que não passa de uma simples retórica, tal como afirma Antonio Joaquim Severino (2007). Além disso, esse pesquisador lembra que não se pode des- prezar o contexto histórico em que houve os debates em torno da © Políticas da Educação Básica92 "lei maior da educação" até a sua sanção pelo poder Executivo, pois é um indicativo dos aspectos ideológicos que influenciaram o texto definitivo da LDB: A discussão, votação e promulgação da atual LDB se deu num mo- mento específico da história político-econômica do Brasil, marcado por uma tendência apresentada como inovadora e capaz de trazer a modernidade ao país. Assim, no contexto da globalização de to- dos os setores da vida social, as elites responsáveis pela gestão polí- tica-administrativa do país rearticulam suas alianças com parceiros estrangeiros, investindo na inserção do Brasil na ordem mundial desenhada pelo modelo neoliberal (SEVERINO apud BRZEZINSKI, 2007, p. 57-68). Considerando, então, como "pano de fundo" dessemomen- to, o cenário marcado pela Globalização e pelo neoliberalismo, Se- verino (2007) aponta quatro pontos críticos na LDB 9.394/96, os quais observaremos a seguir: 1) destaca os princípios universais de igualdade e liberdade preconizados pelo liberalismo clássico, revestido, atual- mente, de uma pitada neoliberal, sem, no entanto, ga- rantir sua efetiva implementação; 2) embora os princípios gerais da educação sejam afirma- dos e conceituados, a lei não cria mecanismos concretos que obrigam o seu cumprimento por meio dos agentes públicos; 3) não é resolvido o longo conflito entre ensino público e ensino privado, ou melhor, é disfarçada a opção pelo pri- vado, pois o nível de exigência em relação ao público é muito maior; 4) é deixada em aberto a questão da "gestão democrática" do ensino, pois, embora seja feita menção a tal princí- pio, manteve-se, na prática, a centralização do sistema educacional. Há, também, aqueles que, por diversas razões, apostam nas inovações positivas trazidas pela LDB 9.394/96, discordando, portanto, dos dois autores citados anteriormente. É o caso, por exemplo, de Arnaldo Niskier (1996), que considera que a LDB/96 trouxe uma "série de inovações pedagógicas" capazes de produ- Claretiano - Centro Universitário 93© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo zirem mudanças no panorama educacional brasileiro. Entre essas mudanças, segundo seu ponto de vista, ele aponta as seguintes contribuições para a "democratização do espaço escolar": a) a criação de um sistema nacional de "avaliação do ren- dimento escolar"; b) a melhor definição dos recursos destinados à educação; c) a atribuição de competências às três instâncias adminis- trativas, promovendo, assim, um regime de colaboração descentralizado; d) a ênfase no ensino fundamental assegurando não só os recursos específicos para o seu financiamento, mas tam- bém a sua extensão para nove anos; e) a preocupação com a formação dos docentes em todos os níveis, exigindo titulação e aperfeiçoamento perma- nente. Enfim, Niskier (1996) elenca vários aspectos positivos em rela- ção à LDB de 1996, considerando que a lei maior da educação é uma "conquista" e que promoverá uma "revolução na educação brasilei- ra", discordando, dessa forma, dos educadores mais críticos. Observe, portanto, que temos pontos de vistas muito dife- rentes acerca da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, a qual está dividida em nove títulos distribuídos em 92 artigos e que, ao entrar em vigor em 1996, revogou a Lei nº 5.692, que durante 25 anos norteou as bases da educação nacional e foi sancionada no contexto do regime político de exceção, além de outras leis e decretos complementares à LDB de 1971. Vejamos a seguir algumas das principais determinações da LDB nº 9.394, de 1996. Na LDB, a educação é concebida como um processo formati- vo que pode se desenvolver nos mais diferentes ambientes sociais e não apenas na escola. A educação escolar, por sua vez, é enten- dida por esta legislação como prática social realizada por meio do ensino em instituições destinadas a esse fim e que tem como ob- jetivo o desenvolvimento pleno do educando, a qualificação para © Políticas da Educação Básica94 o trabalho e o preparo para a cidadania como estabelece o Artigo 1º, do Título I, intitulado "Da Educação": Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desen- volvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organi- zações da sociedade civil e nas manifestações culturais. § 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, pre- dominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias. § 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social. (BRASIL, 1996). Essa lei estabelece que a educação escolar é composta por dois níveis, a educação básica, formada pela educação infantil, en- sino fundamental e médio e a educação superior. E que o ensino deve estar pautado nos princípios de liberdade, igualdade, solida- riedade e respeito à diversidade como mostram os Artigos 2º e 3º Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; [...] IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância; (BRASIL, 1996). No Artigo 2º também constatamos que a educação é enten- dida como um direito de todos e dever da família e do Estado, con- forme já estava estabelecido na Constituição de 1988, sendo que ao Estado cabe oferecer o número suficiente de vagas e aos pais matricular os filhos e zelar para que não abandonem os estudos. A LDB determina que o Estado tem o dever de oferecer ensi- no fundamental gratuito para todos os cidadãos, inclusive para os que não tiveram acesso a ele na idade apropriada e também para os educandos com necessidades educacionais especiais. Além disso, é dever do Estado que a educação escolar pública seja efetivada Claretiano - Centro Universitário 95© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo mediante a universalização do ensino médio gratuito, o atendimento gratuito em creches e pré-escolas, o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, a oferta de ensino no- turno regular, adequado às condições dos educandos e a garantia de padrões mínimos de qualidade como estabelece o Artigo 4º da LDB/96. Sobre essa questão, Brandão (2004, p.26) afirma que: [...] apesar de ser um dever do Estado oferecer padrões mínimos de qualidade de ensino, há que se ter condições objetivas para que se possa responsabilizar o Estado pelo descumprimento desse dever, quando for verificada essa situação. Quando discutimos a questão da qualidade da Educação brasileira, temos de fazer todo o esforço possível para não reproduzirmos a postura histórica das elites diri- gentes brasileiras, que sempre foi a de defender, inclusive nos tex- tos legais, a existência de padrões mínimos de qualidade de ensino, porém sem que fosse possível definir parâmetros objetivos para a avaliação desses padrões mínimos. Dessa forma, percebemos que a discussão sobre a qualidade de ensino envolve a compreensão do contexto sociopolítico e eco- nômico das políticas educacionais e dos interesses que envolvem sua implantação e a análise da atual organização, estrutura e fun- cionamento do ensino. Para analisar essa questão, é preciso conhecer as determina- ções da Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996 referentes à organização, à estrutura e ao funcionamento do ensino, e as al- terações ocorridas neste texto legal ao longo do tempo. Vejamos algumas destas alterações no Quadro 1: Quadro 1 Alterações ocorridas no texto da LDB. LEIS QUE ALTERARAM A LDB/96 ALTERAÇÃO OCORRIDA Lei nº 9.475 de 1997 - incluiu o ensino religioso como disciplina de matrícula facultativa nas escolas públicas de ensino fundamental. Lei no 10.287 de 2001 - determinou que os estabelecimentos de ensino devem notificar ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz competente da Comarca e ao respectivo representante do Ministério Público a relação dos alunos que apresentem quantidade de faltas acima de cinquenta por cento do percentual permitido em lei. © Políticas da Educação Básica96 LEIS QUE ALTERARAM A LDB/96 ALTERAÇÃO OCORRIDA Lei no 10.709 de 2003 - estabeleceu que cada sistemade ensino assuma o transporte escolar de seus alunos. Lei no 10.639 de 2003 - incluiu no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira. Lei no 10.793 de 2003 - estabeleceu a disciplina de educação física como componente curricular obrigatório. Lei n º 11.114 de 2005 - alterou os artigos 6º, 30, 32 e 97 e tornou obrigatória a matrícula no ensino fundamental a partir dos seis anos de idade. Lei nº 11.274 de 2006 - alterou o texto original da LDB em seus Artigos 29, 30, 32 e 87, e estabeleceu a duração de nove anos para o ensino fundamental. Segundo essa lei, os municípios, estados e o distrito federal terão prazo até 2010 para implementá-la. Lei nº 11.301 de 2006 - definiu as funções de magistério conforme mostra o Parágrafo 2º: "(...) são consideradas funções de magistério as exercidas por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência, as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento pedagógico." Lei nº 11.525 de 2007 - incluiu conteúdos que tratem dos direitos das crianças e dos adolescentes no currículo do ensino fundamental. Lei nº 11.645 de 2008 - tornou obrigatório o estudo da história e cultura afro-brasileira e indígena. Lei nº 11.684 de 2008 - incluiu a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatórias em todas as séries do ensino médio. Lei nº 11.700 de 2008 - assegurou vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar quatro anos de idade. Lei nº 11.741 de 2008 - estabeleceu que a educação de jovens e adultos deverá articular-se, preferencialmente, com a educação profissional. Lei nº 11.769 de 2008 - estabeleceu que a música deverá ser conteúdo obrigatório da disciplina Artes. Lei nº 11.788 de 2008 - regulamentou o estágio. Claretiano - Centro Universitário 97© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo LEIS QUE ALTERARAM A LDB/96 ALTERAÇÃO OCORRIDA Lei nº 12.013 de 2009 - estabeleceu a obrigatoriedade de informar aos pais ou os responsáveis legais, sobre a frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola. Lei nº 12.014, de 2009 - discrimina as categorias dos profissionais da educação. Lei nº 12.061 de 2009 - alterou o Inciso II do Artigo 4º e o Inciso VI do Artigo 10, que passaram a ter a seguinte redação: "II - universalização do ensino médio gratuito; VI - assegurar o ensino fundamental e oferecer, com prioridade, o ensino médio a todos que o demandarem." Lei nº 12.287 de 2010 - estabeleceu o ensino da arte como componente curricular obrigatório nos diversos níveis da educação básica. Lei nº 12.472 de 2011 - incluiu o estudo sobre os símbolos nacionais como tema transversal nos currículos do ensino fundamental Essas alterações mostram o caráter dinâmico das leis, que se modificam em decorrência das transformações da sociedade e das complexas relações que se estabelecem entre os diversos grupos sociais, podendo ter um caráter conservador ou inovador, dependendo dos interesses que envolvem a sua aprovação. Daí a importância de você, futuro educador, compreender e analisar o contexto sociopolítico e econômico da promulgação dessas leis e, principalmente, o impacto delas no cotidiano escolar. 8. TEXTO COMPLEMENTAR Nos excertos a seguir, retirados do trabalho Ensino Funda- mental de nove anos: desafios políticos e pedagógicos em sua implantação, de Marcelo Luis Ronsoni, que foi apresentado no Simpósio Nacional de Educação ocorrido em julho de 2008, você poderá conhecer um pouco das discussões que envolvem a im- plantação do Ensino Fundamental de nove anos e refletir sobre seus desafios e possibilidades. © Políticas da Educação Básica98 Rosini é pedagogo da Universidade Federal da Fronteira Sul, Campus Erechim e mestrando da Universidade Federal de Santa Maria. Ensino fundamental de nove anos –––––––––––––––––––––– No Brasil, historicamente, a idade mínima para o ingresso na escolarização foi de sete anos de idade. Nos últimos tempos, há um interesse crescente em ampliar este ingresso para as crianças de seis anos e aumentar o período de duração do ensino obrigatório de oito para nove anos. Esta intencionalidade pode ser constatada por meio das sucessivas leis que amparam a educação brasileira: a Lei nº. 4.024/1961, que estabelece a obrigatoriedade do ensino para quatro anos; o Acordo de Punta Del Este e Santiago/1970, que estende para seis anos o ensino para todos os brasileiros; a Lei nº. 5.692/1971, que distende a obri- gatoriedade para oito anos; a Lei nº. 9.394/1996, que sinaliza para um Ensino Fundamental obrigatório de nove anos, a iniciar-se aos seis anos de idade; a Lei nº. 11.114/2005, que altera a 9.394/1996 e tornou obrigatório o início do Ensino Fundamental aos seis anos de idade, e, por fim, a Lei nº. 11.274/2006, que insti- tui o Ensino Fundamental de nove anos de duração com a inclusão das crianças de seis anos de idade. O Ensino Fundamental de nove anos é uma política pública afirmativa de equi- dade social implementada pelo Governo Federal. Esta política educacional inclui a criança a partir de seis anos no Ensino Fundamental, altera a sua duração de oito para nove anos de idade e estipula o prazo até 2010 para que todos os estados e municípios brasileiros implantem o novo sistema. Tal implantação exigirá mudanças na proposta pedagógica, no material didático, na formação de professor, bem como nas concepções de espaço-tempo escolar, currículo, avaliação, infância, aluno, professor, metodologias... A ampliação em mais um ano de estudo no Ensino Fundamental pode produzir um salto na qualidade da educação: inclusão de todas as crianças de seis anos, menor vulnerabilidade a situações de risco, permanência na escola, sucesso no aprendizado e aumento da escolaridade dos alunos. Segundo o Plano Nacional da Educação (PNE), implantar progressivamente o Ensino Fundamental de nove anos, pela inclusão das crianças de seis anos de idade, tem duas intenções: "oferecer maiores oportunidades de aprendizagem no período da escolarização obrigatória e assegurar que, ingressando mais cedo no sistema de ensino, as crianças prossigam nos estudos, alcançando maior nível de escolaridade". Em outras palavras, o objetivo desta política pública afir- mativa de equidade social é assegurar a todas as crianças um tempo mais longo de convívio escolar, maiores oportunidades de aprender e, com isso, uma apren- dizagem mais ampla. No que se refere à questão de direito, objetiva a demo- cratização da educação e a eqüidade social no acesso e na continuidade dos estudos. No que tange a questão pedagógica, tem por fim a democratização do conhecimento e do acesso até aos níveis escolares mais elevados, assim como mais tempo para aprender e respeito aos diferentes tempos, ritmos e formas de aprender dos alunos. Os indicadores nacionais apontam que, atualmente, das crianças em idade es- colar, 3,6% ainda não estão matriculadas. Entre aquelas que estão na escola, 21,7% estão repetindo a mesma série e apenas 51% concluirão o Ensino Funda- Claretiano - Centro Universitário 99© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo mental, fazendo-o em 10,2 anos em média. Acrescenta-se, ainda, que em torno de 2,8 milhões de crianças de sete a 14 anos estão trabalhando, cerca de 800 mil dessas crianças estão envolvidas em formas degradantes de trabalho, inclusive a prostituição infantil (MEC, 2004). Esses dados reforçam o propósito de am- pliação do Ensino Fundamentalpara nove anos, uma vez que permite aumentar o número de crianças incluídas no sistema educacional. Os setores populares deverão ser os mais beneficiados, visto que as crianças de seis anos das classes favorecidas já se encontram majoritariamente incorporadas ao sistema de ensino – na pré-escola ou na primeira série do Ensino Fundamental. A opção pela faixa etária dos seis aos 14 e não dos sete aos 15 anos para o Ensino Fundamental de nove anos segue a tendência das famílias e dos sis- temas de ensino de inserir progressivamente as crianças de seis anos na rede escolar. Entretanto, esta inserção não se traduz em transferir para estas crianças os conteúdos e atividades da tradicional primeira série, mas sim conceber uma nova estrutura de organização dos conteúdos, considerando o perfil de seus alu- nos; tampouco não pode constituir-se em medida meramente administrativa. O cuidado na seqüência do processo de desenvolvimento e aprendizagem destas crianças implica o conhecimento e a atenção às suas características etárias, sociais e psicológicas. As orientações pedagógicas, por sua vez, deverão estar atentas a essas características para que as crianças sejam respeitadas como sujeitos do aprendizado. (...) Em maio de 2006, o MEC, por meio de sua Secretaria de Educação Básica, publica o terceiro relatório com orientações para a organização do Ensino Fun- damental de nove anos assim intitulado: "Ampliação do ensino fundamental para nove anos: 3º relatório do programa". (BRASIL, 2006). Do conteúdo desse documento, gostaríamos de destacar alguns aspectos. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer o esforço, por parte do MEC, em levantar experiências que já vinham se dando pelo país a fim de conhecer e divulgar pos- sibilidades para a organização dessa nova organização do Ensino Fundamental; bem como em elaborar orientações específicas visando a dirimir dúvidas e a auxiliar os sistemas a se estruturarem de modo a atenderem a lei sem, contudo, incorrer em erros administrativos e pedagógicos que pudessem redundar em maiores prejuízos à qualidade da educação. Em que pese esse reconhecimento, todavia, é preciso problematizar algumas das orientações oferecidas, não tanto pela sua natureza, embora em alguns aspectos também por isto, mas principal- mente pelas suas reais possibilidades de interferir na realidade de cada sistema, uma vez que, além de outras razões, tais orientações não possuem caráter man- datório. Com relação às implicações pedagógicas, o documento afirma a necessidade de que haja: (...) com base em estudos e debates no âmbito de cada sistema de ensino, a reelaboração da proposta pedagógica das Secretarias de Educação e dos projetos pedagógicos das escolas, de modo que se assegure às crianças de 6 anos de idade seu pleno desen- volvimento em seus aspectos físico, psicológico, intelectual, social e cognitivo. (BRASIL, 2006, p. 9) Observe-se a preocupação em garantir o que estava contido na LDB (Brasil, 1996) em relação à Educação Infantil no que se refere às crianças de seis anos de idade, ou seja, o direito a um desenvolvimento integral. Além disso, observa- © Políticas da Educação Básica100 -se uma preocupação para que tanto os sistemas, por meio de suas Secretarias de Educação, quanto as escolas, re-elaborem seus projetos pedagógicos a fim de atender o objetivo acima mencionado; todavia, alerta-se para a necessidade de que tal re-elaboração ocorra mediante "estudos e debates". O que a experi- ência até aqui observada tem evidenciado, com algumas exceções, é que boa parte das escolas tem elaborado seus projetos pedagógicos apenas para serem enviados às Secretarias onde, por sua vez, são apenas carimbados e burocrati- camente homologados; em ambas as instâncias trata-se, em geral, de um cum- primento meramente formal das exigências legais em vigor. Além disso, o que se tem constatado é que, em função do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), muitos siste- mas já vinham matriculando crianças de seis anos no Ensino Fundamental sem, contudo, realizar qualquer debate, fosse no âmbito do próprio sistema, fosse no da escola. No momento em que escrevemos este artigo, por força da lei, muitos sistemas já elaboraram sua ordenação legal própria para que em 2007 tivesse início o funcionamento do Ensino Fundamental de nove anos e, até onde temos acompanhado, a preocupação centrou-se muito mais em questões formais do novo sistema de atendimento do que em sua organização didático-pedagógica. Assim, embora o MEC tenha se preocupado com a questão, os sistemas pare- cem não ter condições – ou vontade política – para uma preparação de sua es- trutura que preveja um mínimo de qualidade antes que a implantação do Ensino Fundamental de nove anos ocorra. Aliás, deve-se lembrar que esta parece ser uma regra em nosso sistema educacional: primeiro sanciona-se a lei, depois se corre atrás de sua viabilização e, enquanto isso, alunos e professores são, em geral, os que mais sofrem durante os períodos de "transição". Quanto ao item destinado ao currículo, o documento destaca pontos importantes. Primeiro, enfatiza que: O primeiro ano do ensino fundamental de nove anos não se desti- na exclusivamente à alfabetização. (...) É importante que o traba- lho pedagógico implementado possibilite ao aluno o desenvolvi- mento das diversas expressões e o acesso ao conhecimento nas suas diferentes áreas. (BRASIL, 2006, p. 9) Em seguida, afirma-se que: "Faz-se necessário elaborar uma nova proposta curricular coerente com as especificidades não só da criança de 6 anos, mas também das demais crianças de 7, 8, 9 e 10 anos, que constituem os cinco anos iniciais do Ensino Fundamental." (BRASIL, 2006, p. 9) Cumpre observar o mérito do documento ao chamar a atenção para o fato de que mudanças curriculares são necessárias não apenas em função das crianças de seis anos, mas em função do conjunto de crianças que freqüentam o primeiro ciclo – os anos iniciais – do Ensino Fundamental. Entretanto, dada a realidade encontrada na maioria dos sistemas e escolas, não é possível abandonar certo ceticismo, pois se o trabalho do MEC, bem como do governo em suas diferentes esferas, se limitar a orientações, sem um forte e claro investimento formativo – o que implica em recursos financeiros – é de se esperar poucas alterações, ao menos no curto prazo. Como afirma Antônio Nóvoa (1995): "não há ensino de qualidade, nem reforma educativa, nem inovação pedagógica, sem uma adequa- da formação de professores". Ainda em relação ao item destinado ao currículo, o documento do MEC enfatiza: Quanto à avaliação da aprendizagem no 1º ano do ensino funda- mental de nove anos, faz-se necessário assumir como princípio Claretiano - Centro Universitário 101© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo que a escola deva assegurar aprendizagem de qualidade a todos; assumir a avaliação como princípio processual, diagnóstico, par- ticipativo, formativo, com o objetivo de redimensionar a ação pe- dagógica; elaborar instrumentos e procedimentos de observação, de registro e de reflexão constante do processo de ensino-apren- dizagem; romper com a prática tradicional de avaliação limitada a resultados finais traduzidos em notas; e romper, também, com o caráter meramente classificatório. (BRASIL, 2006, p.10) Não seria mais fácil, e mais corajoso, preconizar, de modo claro, a não retenção, ao menos no primeiro ano do Ensino Fundamental de nove anos, para não dizer em todos os anos iniciais dessa etapa? A preocupação parece ser tanta que o texto chega a ser redundante quanto à definição do que seria um princípio "ade- quado" de avaliação: "processual, diagnóstico, participativo, formativo e com o objetivo de redimensionar a ação pedagógica". De fato, a questão da avaliação e do sistema de fluxo entre as sériesiniciais do Ensino Fundamental merece destaque, pois a prevalecer a lógica dominante, teremos uma grande probabi- lidade de que os índices de retenção sejam ampliados, atingindo um grande contingente de crianças antes dos sete anos de idade. (RONSONI. Disponível em: <http://www.uri.com.br/cursos/arq_trabalhos_usuario/512.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2012.) 9. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS Aproveite este momento para realizar a autoavaliação e, as- sim, testar o seu desempenho. Se você encontrar dificuldades em responder a essas questões, procure revisar os conteúdos estu- dados para sanar as suas dúvidas. Esse é o momento ideal para que você faça uma revisão desta unidade. Lembre-se de que, na Educação a Distância, a construção do conhecimento ocorre de forma cooperativa e colaborativa; compartilhe, portanto, as suas descobertas com os seus colegas. Confira, a seguir, as questões propostas para verificar o seu desempenho no estudo desta unidade: 1) O que caracteriza a "terceira revolução científica e tecnológica" do mundo contemporâneo? 2) O que significa Globalização? Quais foram as suas consequências para a so- ciedade contemporânea? 3) Qual o papel da educação na sociedade da informação e do mercado global? 4) Quais foram as principais transformações políticas e econômicas ocorridas no Brasil na década de 1990? © Políticas da Educação Básica102 5) Quais as críticas direcionadas às políticas educacionais iniciadas no ano de 1990 no Brasil? 6) Quais foram as principais polêmicas em relação à educação discutidas na As- sembleia Nacional Constituinte durante a elaboração da Constituição de 1988? 7) O que determina a Constituição de 1988 sobre a educação? 8) Por que os movimentos pelos direitos das crianças e dos adolescentes se in- tensificaram em diversas partes do mundo após a Segunda Guerra Mundial? 9) O que marcou a história das crianças e da juventude no mundo? E no Brasil? 10) O que determinava o Código de Menores de 1979? 11) Quando e por que foi instituído o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no Brasil? 12) Quais as principais determinações do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)? 13) O que diferencia o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), de 1990 do Código de Menores de 1979? 14) De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) o que são me- didas socioeducativas? 15) Em que contexto foi discutida e aprovada a Lei de Diretrizes e Bases da Edu- cação nº 9.394 de 1996? 16) Quais as principais determinações da Lei de Diretrizes e Bases da Educação nº 9.394 de 1996? 17) Qual a concepção de educação expressa na Lei de Diretrizes e Bases da Edu- cação de 1996? 18) Quais as críticas apontadas por alguns estudiosos à Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1996? 19) Em que sentido podemos afirmar que a promulgação da LDB/96 represen- tou avanços para a educação brasileira? 20) Quais foram as implicações da LDB/96 no cotidiano da escola? 10. CONSIDERAÇÕES Nesta unidade, procuramos centrar nossos estudos naque- les que são considerados, do ponto de vista jurídico, os parâme- tros legais do sistema educacional brasileiro: a LDB nº 9.394/96, Claretiano - Centro Universitário 103© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo o capítulo sobre educação da Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente. A importância desses docu- mentos reside no fato de que eles norteiam todos os demais docu- mentos e medidas legais relativas à educação, abrangendo todas as instâncias do poder público – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – além das instituições privadas de ensino. Vejamos uma sucinta análise das diretrizes estabelecidas pela Educação Nacional, conforme estabelecido pela Lei nº 9.394/96, para que possamos ter uma visão de conjunto: a) distingue educação enquanto processo geral de forma- ção, envolvendo os mais diversos agentes sociais da edu- cação escolar, objeto específico da legislação que visa disciplinar seu funcionamento; b) estabelece que as finalidades da educação escolar de- vem contemplar o desenvolvimento do educando, o pre- paro para o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho; c) estipula que o dever do Estado para com a educação é compartilhado com a família e a sociedade, sobretudo na oferta e no atendimento dos educandos em faixa etá- ria do ensino fundamental, obrigatório e gratuito; d) prevê que a educação nacional estará organizada em sistemas escolares, cuja competência de administração, fiscalização e financiamento está a cargo da União, dos Estados e Distrito Federal e dos Municípios; e) constitui a educação escolar em dois níveis: a básica, que envolve a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio; e a superior – além das modalidades de educação profissional, educação especial e educação de jovens e adultos; f) exige titulação em nível superior aos profissionais da educação para seu efetivo exercício em todos os níveis da educação básica, inclusive, na educação infantil e no ciclo I do ensino fundamental. g) estipula percentual mínimo de investimento em educa- ção escolar para cada nível administrativo da federação, cabendo à União 18% e às demais instâncias 25%; © Políticas da Educação Básica104 h) assegura oferta de educação escolar às comunidades in- dígenas, inclusive em sua própria língua materna; i) determina, ainda, aos órgãos competentes em nível fe- deral o dever de formular o Plano Nacional de Educação. 11. E - REFERÊNCIAS Sites pesquisados BRASIL. Lei nº 9.394, de 20/12/96. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Presidência da República. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/ arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf>. Acesso em: 22 abr. 2012. ______. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm>. Acesso em: 22 abr. 2012. ______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília: Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ Constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 22 abr. 2012. DELY, Paula. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA): por que devemos conhecê- lo? [s.d.]. Disponível em: <http://www.aprendebrasil.com.br/falecom/psicologa_ bd.asp?codtexto=590>. Acesso em: 22 abr. 2012. DUARTE, Clarice Seixas. Direito público subjetivo e políticas educacionais. São Paulo em Perspectiva, vol. 18, 2004. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102- 88392004000200012&script=sci_arttext>. Acesso em: 22 abr. 2012. MELO, Sírley Fabiann Cordeiro de Lima. Breve análise sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente. Jus Navigandi. 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/ texto.asp?id=1645>. Acesso em: 26 jul. 2008. 12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRANDÃO, Carlos da Fonseca. Estrutura e funcionamento do ensino. São Paulo: Avercamp, 2004. BRZEZINSKI, Iria (Org.). LDB interpretada: diversos olhares se entrecruzam. 10. ed. São Paulo: Cortez, 2007. BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Brasília: Ministério da Saúde, Secretaria de Políticas de Saúde, 1991. FARIA, Ricardo; MARQUES, Adhemar Martins; BERUTTI, Flávio Costa. História. Belo Horizonte: Lê, 1989. LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João Ferreira; TOSCHI, Mirza Seabra. Educação escolar: políticas, estrutura e organização. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2006. Claretiano - Centro Universitário 105© U2 - Legislação Escolar no Brasil Contemporâneo NISKIER, Arnaldo. LDB: a nova lei da educação. 5. ed. Rio de Janeiro: Consultor, 1997. PILETTI, Nelson. Estruturae funcionamento do ensino fundamental. 26. ed. São Paulo: Ática, 2001. STREHL, Afonso; RÉQUIA, Ivony da Rocha. Estrutura e funcionamento da educação básica. Porto Alegre: Sagra Luzzatto, 2000. Claretiano - Centro Universitário
Compartilhar