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1 UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DEPARTAMENTO DE EPIDEMIOLOGIA Av. Dr. Arnaldo, 715 CEP: 01246-904 São Paulo/SP/Brasil Fone: (011) 3061-7764 - Fone/Fax: (011) 3081-2108 E-mail: hep@fsp.usp.br HEP0142 – EPIDEMIOLOGIA CIÊNCIAS BIOLÓGICAS 1O SEMESTRE DE 2017 AULA 1: INTRODUÇÃO À EPIDEMIOLOGIA A ocorrência de tênia de suínos em uma comunidade judaica ortodoxa: caminho para uma hipótese biologicamente plausível. (Traduzido e adaptado de Dworkin MS. 2011. Cases in field epidemiology: A global perspective. Editora Jones & Bartlet) Nos Estados Unidos, os médicos não estavam familiarizados com neurocisticercose, porque não ocorria transmissão endemica do parasito Taenia solium. No entanto, existiam registros de casos esporádicos em comunidades de imigrantes vindos do México e de outros países latino-americanos. O desenvolvimento e a crescente disponibilidade de Tomografia Computadorizada (TC), na década de 1980, propiciou uma tecnologia de diagnóstico para a detecção e caracterização de ampla variedade de condições patológicas do sistema nervoso central e outros órgãos. Com o desenvolvimento de equipamentos de ressonância magnética (RM), os exames do cérebro se tornaram mais precisos e minuciosos. O diagnóstico da neurocisticercose ocorreu com maior frequencia depois que os exames de imagens por TC e RM, juntamente com o teste de imunoblot, se tornaram disponíveis nos serviços de saúde nos Estados Unidos. Como a maioria dos médicos não conhecia a doença, eles tinham de consultar os especialistas do Center for Disease Control (CDC) para assistência no diagnóstico sorológico e para as decisões clínicas e tratamento. Com algumas exceções, a maioria dos pacientes com suspeita de neurocisticercose era formada por imigrantes do México e outros países com transmissão endêmica de T.solium. Em 1990, médicos da cidade de Nova Iorque passaram a buscar informações sobre casos suspeitos de neurocisticercose que foram diagnosticados naquela cidade. Esses casos não incluiam pessoas que se enquadravam na população exposta ao parasito. Ou seja, eram pessoas que nasceram em Nova York e, de fato, nunca haviam viajado para fora dos Estados Unidos. Dessa maneira, a situação passou a ser monitorada por especialistas do CDC juntamente com as autoridades de saúde de Nova Iorque. O número de casos incluia quatro pessoas que foram disgnosticadas com crises recorrentes. Quando as imagens cerebrais (TC e 2 RM) foram avaliadas, as lesões observadas eram consistentes com cisticercos. A população afetada era formada por judeus ortodoxos com idade entre 6-39 anos. Um dos pacientes nasceu no Marrocos e estava morando nos Estados Unidos desde 1976, o segundo paciente viajou para área endêmica onde permaneceu por uma semana. A viagem ocorreu oito anos antes do início dos sintomas. Os judeus ortodoxos não se alimentam de carne de suínos, como prática religiosa. Assim, surgiu a questão: "Como judeus ortodoxos de Nova Iorque poderiam apresentar neurocisticercose causada por T. solium?" Neste ponto, para explicar o fato observado foi necessário estabelecer uma hipótese biologicamente plausível. O ciclo de vida da T. solium desempenhou papel fundamental para o entendimento do fato registrado na comunidade de judeus ortodoxos de Nova Iorque. A transmissão do parasito pode ocorrer tanto pela ingestão de carne de porco contaminada com cistos infectantes de Taenia solium como por contato com ovos do parasita eliminados com as fezes de pessoas infestadas ou com as fases larvares císticas da tênia. Larvas embrionárias (oncosferas) emergem dos ovos do parasito após penetrar nos intestinos, migram através da corrente sanguínea do portador e se dispersam pelo corpo humano. Elas podem encistar no cérebro e produzir sintomas neurológicos, incluindo convulsões ou afasia (dificuldades em usar ou compreender palavras). Podem ocorrer outras alterações neurológicas dependendo da localização dos cistos no cérebro do hospedeiro. Portanto, se os doentes não ingeriram carne de porco, qual foi a fonte de exposição aos ovos de tênia? As investigações do surto foram intensificadas de maneira a abranger os possíveis contactantes da comunidade. 3 Figura. Ciclo de vida do parasito Taenia (T. solium ou T. saginata). Fonte: CDC http://www.cdc.gov/parasites/taeniasis/biology.html Dessa maneira, os pacientes e seus familiares foram entrevistados pelas autoridades de saúde e revelaram uma prática comum entre os membros da comunidade ortodoxa. Ou seja, contratar imigrantes, oriundos do México, como cozinheiros ou como babás. Apesar de os empregados domésticos terem bons hábitos de higiene, aparentemente, estavam provocando a contaminação dos alimentos que preparavam e das crianças que cuidavam. Durante a investigação, os sanitaristas descobriram que havia um serviço clandestino de trabalhadores domésticos que atuava trazendo habitantes da cidade do México para Los Angeles, em seguida, eles eram levados para Nova Iorque. Não foram investigados os detalhes das práticas de trabalho e de assistência à infância para evitar problemas de relacionamento entre imigrantes e a comunidade local. Se isso ocorresse, o processo de investigaçao seria prejudicado, dificultando a identificação das fontes de infecção. Para as mulheres mexicanas, o trabalho clandestino era uma opção para sair da pobreza. Elas eram jovens, solteiras e residiam em fazendas antes de migrarem. Nas áreas rurais mais pobres do México, as normas sanitárias não são adequadas, ocasionando contaminação do ambiente e dos recursos hídricos por fezes de porcos e de humanos infestados por tenia. Este fato mantinha a transmissão em níveis elevados naquele país. O surto foi monitorado através de um inquérito sorológico das famílias envolvidas nos casos e de outros membros da comunidade ortodoxa. Foram realizados testes sorológicos para verificar a presença de infecção subclínica na comunidade afetada pelo surto de neurocistecercose. A resposta da comunidade para a aplicação dos testes sorológicos foi positiva, especialmente pela presença de rede comunicação entre as sinagogas e pelo conhecimento que os religiosos tinham sobre o surto e a gravidade da doença. Dessa maneira, o teste imunoblot foi empregado para examinar 17 membros das famílias afetadas. Foram testadas 11 pessoas das familias de dois pacientes soropositivos. Destes sete não tinham sintomas, mas apresentavam sinais da infecção. Todos os indivíduos soropositivos foram submetidos a exames de TC e RM. Foram identificadas lesões em duas crianças, sendo uma de dois anos e a outra de seis anos. Coincidentemente, um dia antes dos exames de ressonância magnética, a criança de 6 anos de idade foi acometida por convulsão prolongada. Nos últimos cinco anos, cada uma das quatro famílias haviam empregado três governantas de nacionalidade mexicana. Não foi possível identificar os indivíduos que serviram de fonte de infecção, pois a maioria das mulheres não estava disponível para os exames laboratoriais. 4 QUESTÕES 1. Considerando-se o ciclo de vida da T. solium, quais são os fatores que determinam a neurocistecercose? Quais são os fatores estão associados à transmissão efetiva de ovos por um humano infestado pelo parasito? 2. Descreva o que os médicos do Conselho de Saúde de Nova Iorque aprenderam com a investigação do surto. 3. Discuta a conduta dos epidemiologistas que a partir dos resultados da investigação inicial recomendaram que todas as governantas mexicanas, empregadas pela comunidade afetada pela neurocistecercose, fossem submetidas a exames de fezes para verificar a presençade Taenia solium. Você concorda com a recomendação dos epidemiologistas? Justifique? Quais as vantagens dessa recomendação para a comunidade de mexicanos?
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