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D. Riff 1 Tafonomia e Processos de Preservação A Tafonomia (do grego tafos=sepultamento e nomos=leis) é a subdisciplina da Paleontologia que se preocupa em estudar os fenômenos envolvidos na passagem dos restos orgânicos da biosfera para a listosfera (Efremov, 1940), ou o estudo dos processos de preservação e como eles afetam a informação contida no registro fossilífero (Behrensmeyer & Kidwell, 1985). Compreende duas grandes divisões: Bioestratinomia- estuda a história dos restos, desde a morte até o soterramento, incluindo as causas da morte, a decomposição, seu transporte e soterramento. Alguns autores consideram a categoria Necrólise, abrangendo a morte e a decomposição dos organismos. Fóssildiagênese- abrange os processos físicos e químicos que alteram os restos após o soterramento. Assim, podemos compreender a tafonomia como o estudo da "vida" de um fóssil, ou seja, desde a morte do organismo até a retirada do fóssil da rocha, buscando responder questões do tipo: "Como este resto orgânico veio parar aqui, nesta rocha? Porque há apenas fragmentos? Como ficaram tão bem preservados? A importância da Tafonomia reside no fato que a Paleontologia busca compreender a vida (biocenose) antiga e as concentrações fossilíferas (tafocenoses) normalmente apresentam um "retrato" desta vida distorcido, repleto de tendenciamentos (perda de informação) introduzidos pelos processos tafonômicos (biológicos, químicos e sedimentológicos). A análise tafonômica básica compreende seis etapas fundamentais na "vida" de qualquer fóssil: Morte Necrólise Desarticulação Transporte Soterramento Diagênese Fóssil D. Riff 2 Tipos de Morte Sempre que possível, o estudo tafonômico deve incluir a causa mortis, pois pode haver um vínculo forte entre o tipo de mortandade e o evento de soterramento: • Morte Seletiva (ou natural)- afeta determinadas faixas etárias na população original, sendo causada por envelhecimento, doença ou predação. Afeta geralmente os indivíduos mais novos e mais velhos da população. A tafocenose resultante vai apresentar uma distribuição bimodal, ou seja, maior freqüência nestas duas faixas de idade (jovens e senis). • Morte não-seletiva (catastrófica)- ocorre quando algum evento de grande magnitude (enchentes, tempestades, secas) atinge grande parte da população indistintamente. Neste caso, o estudo estatístico da tafocenose irá refletir aproximadamente a composição da biocenose. D. Riff 3 Necrólise A necrólise, causada por decompositores, pode ser de dois tipos distintos: aeróbica e anaeróbica. No primeiro caso a necrólise será mais acelerada, tanto pela maior eficiência dos decompositores, quanto pela presença de detritívoros (necrófagos), ausentes nos ambientes anaeróbicos. A preservação dos restos em ambientes aeróbicos será dependente de um soterramento rápido e a preservação das partes moles é muito rara. Os ambientes anaeróbicos (fundos estagnados de oceanos e lagos, p. ex.), por sua vez, possuem maior capacidade de preservação, inclusive dos tecidos moles (pele, músculos, órgãos), mesmo quando não ocorre soterramento imediato. O tempo de exposição dos restos é o fator determinante para sua preservação, sendo inversamente proporcional ao grau de articulação da carcaça. Durante a necrólise em ambiente aeróbico, é importante atentar para a acumulação de gases na carcaça, que podem fazê-la flutuar para longe da área- fonte, constituindo tanatocenoces alóctones (transportadas), embora o grau de articulação indique o contrário. Outro fenômeno importante durante a necrólise é o da contração dorsal da carcaça devido à desidratação. Esta ocorre principalmente em meio aéreo, mas também em águas hipersalinas (Ex: fósseis de Archaeopteryx). Desarticulação e Transporte A análise do grau de desarticulação dos elementos de uma tafocenose é importante por fornecer dados sobre o tempo de exposição e sobre a intensidade do transporte sofrido pelos restos esqueléticos. A desarticulação e o transporte podem ser causados por fatores biológicos (como a ação de necrófagos e o pisoteio) e/ou agentes físicos (gelo, vento e água). Em relação aos últimos, deve-se notar que a desarticulação e o transporte diminuem com a energia do meio, de modo que, em ambientes calmos, o grau de articulação dos organismos será maior do que em eventos turbulentos. D. Riff 4 Como regra geral, a desarticulação inicia-se pelas articulações mais móveis, variando o padrão conforme a anatomia básica do organismo em questão Para cada grupo existem particularidades que devem ser consideradas, p. ex.: • Bivalves- valvas unidas-> valvas abertas-> valvas separadas-> valvas fragmentadas; • Trilobitas- separação céfalo/tórax e tórax/pigídio-> separação dos segmentos; • Equinóides- perda dos espinhos e lanterna-de-aristóteles-> separação das placas; • Vertebrados- elementos apendiculares distais (patas)-> mandíbula-> crânio-> elementos apendiculares proximais (membros)-> costelas-> coluna vertebral. Em função da atuação dos fatores bióticos, a desarticulação e a fragmentação não necessariamente implicam em transporte dos restos. Podemos agrupar esses fatores bióticos de desarticulação em duas categorias: • Dano causado por processos patológicos e traumáticos, ainda em vida; • Dano causado após a morte do indivíduo devido à necrofagia, pisoteamento, incrustação de organismos (como cracas) e dissolução. Para uma correta avaliação da situação, devemos sempre analisar o fóssil em conjunto com a rocha na qual ele se encontra. Além disso, os restos esqueletais devem ser tratados da mesma maneira que partículas sedimentares, onde devemos considerar o grau de abrasão dos restos, sua equivalência hidráulica, sua disposição, seleção e as estruturas sedimentares presente nas rochas. Em relação às estruturas sedimentares, as mais freqüentemente reconhecidas são: • Resultantes de fluxos unidirecionais (correntes)- estratificações cruzadas (Fig. 1A). Neste caso, os restos fusiformes (conchas e espinhos, p. ex.) dispõe-se segundo o sentido da corrente (orientação unimodal). • Resultantes de fluxos bidirecionais (ondas)- estratificações wavy e hummocky (Fig. 1B). Os restos fusiformes orientam-se perpendicularmente à direção das ondas (orientação bimodal), com aproximadamente metade dos elementos apontando para sentidos opostos. D. Riff 5 • Sem fluxo significativo- estratificação plano-paralela (Fig. 1C). A pouca energia envolvida na sedimentação não afeta a orientação dos restos. Quando a sedimentação é súbita, os elementos da infauna (organismos que vivem no sedimento, como bivalves) ficam dispostos perpendicular ou ligeiramente inclinados em relação ao plano de acamamento (posição in situ). Figura 1- A) estratificação cruzada planar fluvial; B) estratificação hummocky; C) estratificação plano-paralela. D. Riff 6 Um outro critério importante na determinação da atuação de transporte seletivo em vertebrados é a determinação dos Grupos de Voorhies, que distinguem os elementos ósseos conforme suas respostas a regimes hidráulicos: Grupo I- compreende os elementos mais facilmente transportados por uma corrente: tarsais, carpais, falanges, esternos, centros vertebrais e fragmentos pequenos. Sua concentração indica uma tafocenose alóctone. Grupo II- elementos removidos gradualmente por rolamento e saltação: membros. Indica algum grau de aloctonia. Grupo III- crânio, mandíbula, dentes. Depósitos residuais. Com relação às carcaças flutuantes, que são preservadas articuladas, mas longe da área-fonte, podemos distingui-las das autóctones por serem preservadas de maneira caótica, com entrelaçamento de membros e torção da coluna, o que ocorre quando a carcaça afunda e se acomoda, segundo observações atualistas. Em tafocenoces com fósseis muito fragmentados, devemos distinguir ainda se os restos foram depositados já fragmentados (devidoao transporte ou pisoteio) ou foram retrabalhados. Este termo é aplicado a casos em que os fósseis são remobilizados de suas camadas originais após sua fossilização (p. ex. por ondas ou bioturbação). Os elementos esqueléticos apresentam superfícies de fratura irregulares e pontiagudas quando quebrados pouco após a morte devido à maleabilidade das fibras colágenas, enquanto os ossos fósseis retrabalhados apresentam fraturas lisas e uniformes, por não conterem mais matéria orgânica. O retrabalhamento pode causar uma mistura temporal (time averaging) de tafocenoses de diferentes idades, de modo que seu reconhecimento é importante. Soterramento Quanto maior a velocidade de soterramento, maiores as chances de preservação dos restos. Além disso, quanto mais fino o sedimento, melhor será a preservação. Deve-se ter em mente, porém, que os eventos de brusca deposição são episódicos, relacionados a eventos de grande magnitude, como tempestades e enchentes. Podem formar depósitos ricos que representam a biocenose original, como também destruir, transportar e misturar restos anteriormente depositados. D. Riff 7 Diagênese Este é o processo que transforma um depósito sedimentar em rocha e os restos orgânicos nele contidos em fósseis. A diagênese é dividida em: • Eodiagênese- processa-se na superfície ou em níveis pouco profundos; • Metadiagênese- ocorre em profundidades de quilômetros, sob alta pressão e temperatura; • Telodiagênese- ocorre no retorno da camada à superfície. Com relação à influência dos processos diagenéticos na preservação, temos aqueles que possibilitam a: a) preservação total (incluindo tecidos moles): mumificação, congelamento, aprisionamento em resinas e asfaltos; b) preservação sem alteração dos restos esqueléticos: incrustação (deposição de minerais sobre os restos); permineralização (infiltração de soluções com minerais nos poros e cavidades dos restos esqueléticos, preservando sua anatomia e histologia); substituição fina (substituição de moléculas orgânicas e biominerais por minerais, com manutenção da morfologia e histologia originais); c) preservação com alteração dos restos esqueléticos: dissolução e formação de molde externo, interno e contra-moldes (réplica da carcaça); substituição grosseira (apenas a forma geral é preservada); recristalização (alteração dos biominerais originais, como aragonita e apatita em outros, como siderita e calcita); carbonização (vaporização dos compostos orgânicos voláteis, restando uma película enegrecida de carbono que mantém o contorno do organismo). Invariavelmente ocorrerá mudanças na composição química dos restos, mesmo que a morfologia esteja perfeitamente preservada. Durante a diagênese, o peso das camadas pode formar fósseis comprimidos e distorcidos e a formação de cristais pode destruir as características histológicas ou até alterar a morfologia dos restos. A presença de soluções intersticiais pode levar a dissolução dos restos esqueléticos, de modo que apenas o molde externo (côncavo) ou interno D. Riff 8 (convexo) da carapaça do organismo é preservado. O posterior preenchimento do espaço deixado por essa carapaça por um mineral formará um contra-molde ou réplica do fóssil, que pode recuperar sua forma original, mas nunca sua micro- estrutura.
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