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Insulina, Glucagon e Diabetes Melito O pâncreas, além de suas funções digestivas, secreta dois hormônios importantes, a insulina e o glucagon. O presente capí- tulo tem por objetivo discutir as funções desses hormônios no processo da regulação do metabolismo da glicose, dos lipídios c das proteínas, além de considerar resumidamente duas doenças - o diabetes melito e o hiperinsulinismo - causadas, respectiva- mente, pela hipossecreção e pelo excesso de secreção de insulina. Anatomia fisiológica do pâncreas. Conforme ilustrado na Fig. 78.1, o pâncreas é constituído por dois tipos principais de tecidos: (1) os ácinos, que secretam sucos digestivos no duodeno, e (2) as ilhotas de Langerhans, que não dispõem de qualquer meio para esvaziar suas secre- ções externamente, mas que secretam insulina e glucagon diretamente no sangue. As secreções digestivas do pâncreas foram estudadas no Cap. 64. No ser humano, o pâncreas possui 1 a 2 milhões de ilhotas de Langerhans, cada uma com apenas cerca de U,3 mm de diâmetro e organizada em torno de pequenos capilares nos quais suas células secre- tam hormônios. As ilhotas contêm três tipos principais de células - as células alfa, bela e delta - que podem ser distinguidas umas das outras por suas características morfológicas e tintoriais. As células beta, constituem cerca de 60% de todas as células, situam-se principalmente no meio de cada ilhota e secretam insulina. As células alfa, que corres- pondem a cerca de 25% do total, secretam glucagon. Por fim, as células delta, que formam cerca de 10% do total, secretam somatostatina. Além disso, existe pelo menos outro tipo de célula, a célula PP, encontrada em pequeno número nas ilhotas, que secreta um hormônio de função incerta, denominado polipeptídio pancreático. A estreita inter-relação entre esses diferentes tipos celulares na ilho- tas de Langerhans permite o controle direto da secreção de alguns dos hormônios pelos demais hormônios. Por exemplo, a insulina inibe a secreção de glucagon, enquanto a somatostatina inibe a secreção de insulina e de glucagon. INSULINA E SEUS EFEITOS METABÓLICOS A insulina foi isolada pela primeira vez do pâncreas por Banting e Best, em 1922, e, quase da noite para o dia, o prog- nóstico do paciente gravemente diabético modificou-se, passando de uma evolução de rápida deterioração e morte para um curso quase normal. Historicamente, a insulina tem sido associada ao "açúcar sanguíneo" e, realmente, ela exerce profundos efeitos sobre o metabolismo dos carboidratos. Contudo, além disso, as causas habituais de morte em pacientes diabéticos consistem em anorma- lidades do metabolismo da gordura, responsáveis pelo desenvol- vimento de certas condições, como acidose e arteriosclerose. Alem disso, em pacientes com diabetes prolongado, a incapa- cidade de sintetizar proteínas resulta em conjunção dos tecidos, bem como em numerosos distúrbios funcionais celulares. Por conseguinte, é evidente que a insulina afeta quase tanto o metabo- lismo dos lipídios e das proteínas quanto o dos carboidratos. A insulina é um hormônio associado à abundância de energia Quando considerarmos a insulina nas páginas seguintes, ve- remos que sua secreção encontra- se associada à abundância de energia. Em outras palavras, quando a dieta é constituída de quantidades abundantes de alimentos fornecedores de energia, a insulina é secretada em grandes quantidades. Essa regra se aplica especialmente para carboidratos em excesso, em menor grau para proteínas em excesso e ligeiramente para as gorduras. Por sua vez, a insulina desempenha um importante papel no armazenamento das substâncias energéticas cm excesso. No caso dos carboidratos em quantidades excessivas, ela determina o seu armazenamento sob forma de glicogênio, principalmente no fígado e nos músculos. Induz o armazenamento de gordura no tecido adiposo. Além disso, todos os carboidratos em excesso que não podem ser armazenados sob forma de glicogênio são convertidos, sob o estímulo da insulina, em gorduras, e, também, armazenados no tecido adiposo. No caso das proteínas, a insulina exerce um efeito direto ao promover a captação de aminoácidos pelas células e sua conversão em proteína. Além disso, o hormônio inibe a degradação das proteínas que já se encontram presen- tes nas células. Química da insulina A insulina é uma pequena proteína que, no homem, apre- senta peso molecular de 5.808. E constituída por duas cadeias de aminoácidos, ilustradas na Fig. 78.2, unidas entre si por liga- ções dissulfeto. Quando ocorre clivagem das duas cadeias de aminoácidos, perde-se a atividade funcional da molécula de insu- lina. A insulina é sintetizada nas células beta pelo mecanismo celular habitual da síntese protéica, conforme explicado no Cap. 3, começando pela tradução do ARN da insulina por ribossomas fixados ao retículo endoplasmático para a formação de um pré- pró-hormônio insulínico. Esse pré-pró-hormônio inicial possui peso molecular de cerca de 11.500; a seguir, é clivado no retículo endoplasmático para formar a pró-insulina, com peso molecular com cerca de 9.000. A maior parte da pró-insulina é, então, clivada no aparelho de Golgi, dando origem à insulina, que é a seguir armazenada em grânulos secretores. Todavia, cerca de um sexto do produto final secretado ainda se encontra na forma de pró-insulina. Infelizmente, a pró-insulina não tem qualquer atividade insulínica. Uma vez secretada no sangue, a insulina circula quase total- mente na forma não-ligada. Possui meia- vida plasmática média de apenas cerca de 6 minutos, de modo que é depurada, em sua maior parte, da circulação dentro de 10 a 15 minutos. À exceção da fração da insulina que se combina com os receptores nas células-alvo, o restante é degradado principalmente pela enzi- ma insulinase no fígado e, em menor grau, nos rins. Essa rápida remoção do plasma é importante, visto que, algumas vezes, é tão importante desligar rapidamente quanto ligar as funções de controle da insulina. Ativação dos receptores das células-alvo pela insulina e os efeitos celulares resultantes Para iniciar seus efeitos sobre as células-alvo, a insulina fixa- se inicialmente a uma proteína receptora da membrana com peso molecular de cerca de 300.000, ativando-a. E o receptor ativado, e não a insulina, que ocasiona os efeitos subseqüentes. O receptor de insulina consiste numa combinação de quatro subunidades distintas reunidas entre si por ligações dissulfeto: duas subunidades alfa, situadas totalmente fora da membrana celular, e duas subunidades beta, que penetram através da mem- brana, com protrusão de uma das extremidades de cada subuni- dade no citoplasma celular. A insulina liga-se às subunidades alfa existentes fora da célula; entretanto, devido às ligações com as subunidades beta, as porções dessas subunidades que fazem protrusão no interior da célula tornam-se autofosforiladas. Essa autofosforilação as transforma em enzima ativa, a proteína qui- nase local, que, por sua vez, determina a fosforilação de várias outras enzimas do citosol. O efeito final consiste na ativação de algumas dessas enzimas e na inativação de outras. Por conse- guinte, a insulina indiretamente dirige o mecanismo metabólico intracelular para produzir os efeitos desejados. Infelizmente, a partir dessa etapa, os mecanismos moleculares ainda são quase totalmente desconhecidos. Contudo, os efeitos finais da estimulação da insulina estão bem definidos. Basicamente são os seguintes: 1. Dentro de segundos após a fixação da insulina a seus receptores da membrana, as membranas das células musculares, das células adiposas e de muitos outros tipos de células no orga nismo — constituindo cerca de 80% de todas as células— tornam- se altamente permeáveis à glicose. Essa permeabilidade permite a rápida entrada de glicose para o interior das células, onde ela é imediatamente fosforilada, transformando-se em substrato para todas as funções metabólicas habituais dos carboidratos. Acredita-se que o aumento de transporte da glicose resulte da abertura de comportas numa proteína de transporte da glicose, uma proteína de membrana com peso molecular de cerca de 55.000. 2. Além da permeabilidade aumentada da membrana à gli- cose, a membrana celular também se torna mais permeável a numerosos aminoácidos, a íons potássio, íons magnésio e íons fosfato. 3. Observam-se efeitos mais lentos nos próximos 10 a 15 minutos, modificando os níveis de atividade de muitas outras enzimas metabólicas intracelulares. Esses efeitos resultam princi- palmente da mudança do estado de fosforilação das enzimas. 4. Verifica-se a ocorrência de efeitos ainda muito mais lentos durante horas e até mesmo durante vários dias. Esses efeitos resultam da mudança da velocidade de tradução dos ARN- men- sageiros nos ribossomas para formar novas proteínas, bem como da mudança da velocidade de transcrição do ADN no núcleo celular. Dessa maneira, a insulina remodela grande parte da maquinaria enzimática celular para produzir seus objetivos meta- bólicos. EFEITO DA INSULINA SOBRE O METABOLISMO DOS CARBOIDRATOS Imediatamente após uma refeição rica em carboidratos, a glicose que é absorvida pelo sangue provoca a rápida secreção de insulina, sendo esse processo descrito com maiores detalhes em seção posterior deste capítulo. Por sua vez, a insulina causa a rápida captação, armazenamento e utilização da glicose por quase todos os tecidos do organismo, porém especialmente pelos músculos, pelo tecido adiposo e pelo fígado. Efeito da insulina no sentido no promover o metabolismo da glicose no músculo Durante a maior parte do dia, o tecido muscular não depende de glicose para a sua energia, mas dos ácidos graxos. A principal razão disso é que a membrana do músculo em repouso é apenas ligeiramente permeável à glicose, exceto quando a fibra muscular é estimulada pela insulina. Entre as refeições, a quantidade de insulina secretada é pequena demais para promover a entradade quantidades significativas de glicose nas células musculares. Todavia, em duas condições, os músculos utilizam grandes quantidades de glicose. Uma delas é durante os períodos de exercício moderado a intenso. Essa utilização de glicose não exige grandes quantidades de insulina, visto que as fibras muscu- lares em atividade, por razões desconhecidas, tornam-se alta- mente permeáveis à glicose, até mesmo na ausência de insulina, devido ao próprio processo da contração. A segunda condição em que o músculo utiliza grandes quanti- dades de glicose é observada durante o período de algumas horas após as refeições. Nesse momento, o nível da glicemia apresenta- se elevado; além disso, o pâncreas secreta grandes quantidades de insulina, c essa insulina adicional é que provoca o rápido transporte da glicose para o interior das células musculares. Essa situação faz com que, nesse período de tempo, a célula muscular passe a utilizar preferencialmente os carboidratos em relação aos ácidos graxos, visto que o fluxo de ácidos graxos a partir do tecido adiposo é fortemente inibido pela insulina, conforme discutido mais tarde. Armazenamento de glicogênio no músculo. Quando os músculos não estão em atividade durante o período pós-prandial, e a glicose é transportada em grandes quantidades para as células musculares, a maior parte dessa glicose é armazenada sob a forma de glicogênio muscular, em vez de ser utilizada para a produção de energia, até um limite de concentração de cerca de 2%. Poste- riormente, o glicogênio pode ser utilizado como fonte de energia pelo músculo. Esse glicogênio é especialmente útil para curtos períodos de utilização extrema de energia pelos músculos e até mesmo para os surtos de energia anaeróbica durante alguns minu- tos, pela degradação glicolítica do glicogênio a ácido láctico, que pode ocorrer até mesmo na ausência de oxigênio. Facilitação do transporte da glicose através da membrana da célula muscular sob a ação da insulina. A insulina exerce efeito direto sobre a membrana da célula muscular, facilitando o transporte de glicose. Por conseguinte, é evidente que a insulina tem a capacidade de aumentar a velocidade de transporte da glicose por, pelo menos, 10 a 20 vezes na célula muscular em repouso. Efeito da insulina no sentido de promover a captação, o armazenamento e a utilização da glicose pelo fígado Um dos efeitos de maior importância da insulina consiste em promover o armazenamento quase imediato no fígado da maior parte da glicose absorvida após uma refeição, sob forma de glicogênio. Assim, entre as refeições, quando não há disponibilidade de alimentos e o nível da glicemia começa a declinar, o glicogênio hepático é novamente degradado em glicose, que retorna ao sangue para impedir que a glicemia sofra queda para níveis demasiadamente baixos. O mecanismo pelo qual a insulina induz a captação e o armazenamento de glicose no fígado inclui várias etapas quase simultâneas: 1. A insulina inibe a fosforilase hepática, a enzima respon- sável pela degradação do glicogênio hepático em glicose. Obvia- mente, esse efeito impede a degradação do glicogênio que já se encontra presente nas células hepáticas. 2. A insulina provoca aumento da captação de glicose do sangue pelas células hepáticas. Exerce essa ação ao aumentar a atividade da enzima glicoquinase, que induz a fosforilação inicial da glicose após sua difusão para o interior das células hepáticas. Uma vez fosforilada, a glicose é temporariamente mantida no interior dos hepatócitos, visto que a glicose fosforilada é incapaz de se difundir novamente para fora através da membrana celular. 3. A insulina também aumenta a atividade das enzimas que promovem a síntese de glicogênio, incluindo a fosfofrutoquinase, responsável pelo segundo estágio no processo de fosforilação da molécula de glicose, e a glicogênio sintetase, que atua na polimerização das unidades monossacarídicas utilizadas na forma- ção das moléculas de glicogênio. O efeito final de todas as ações consiste cm aumentar a quantidade de glicogênio no fígado. O glicogênio pode aumentar até um total de cerca de 5 a 6% da massa hepática, o que equivale a quase 100 g de glicogênio armazenado Liberação da glicose pelo fígado entre as refeições. Após uma refeição, quando a glicemia começa a declinar para níveis baixos, ocorrem diversos eventos que induzem a liberação hepá- tica de glicose de volta à circulação sanguínea: 1. O nível decrescente da glicemia faz com que o pâncreas reduza sua secreção de insulina. 2. A seguir, a falta de isulina inverte todos os efeitos mencio- nados acima para o armazenamento de glicogênio, interrom- pendo essencialmente qualquer síntese posterior do glicogênio pelo fígado c impedindo qualquer captação hepática subseqüente de glicose da circulação sanguínea. 3. A falta de insulina (em associação a aumento do glucagon, que será discutido mais tarde) ativa a enzima fosforilase, respon- sável pela clivagem do glicogênio em glicose-fosfato. 4. A enzima glicose fosfatase, que estava inibida pela insu- lina, torna-se ativada pela falta de insulina e determina a clivagem do radical fosfato da glicose, permitindo a difusão da glicose livre para o sangue. Por conseguinte, após as refeições, o fígado remove do san- gue a glicose que se encontra em excesso, devolvendo-a, seneces- sário, ao sangue circulante entre as refeições. Em condições normais, cerca de 60% da glicose presente na refeiçãosão armazenados por esse processo no fígado e, posteriormente, devolvidos ao sangue. Outros efeitos da insulina sobre o metabolismo dos carboidratos no fígado. Quando a quantidade de glicose que penetra nas células hepáticas é maior que a que pode ser armazenada sob forma de glicogênio, a insulina promove a conversão de todo esse excesso de glicose em ácidos graxos. Posteriormente, esses ácidos graxos são armazenados na forma de triglicerídios em lipoproteínas de densidade muito baixa e transportados até o tecido adiposo e depositados na forma de gordura. A insulina também inibe a gliconeogênese. Exerce esse efeito principalmente ao reduzir as quantidades e as atividades das enzimas hepáticas necessárias para a gliconeogênese. Todavia, parte do efeito decorre de uma ação da insulina, que consiste em diminuir a liberação de aminoácidos do músculo e de outros tecidos extra-hepáticos, reduzindo, por sua vez, a disponibilidade dos precursores necessários para a gliconeogênese. Essa ação será discutida adiante, quando considerarmos o efeito da insulina sobre o metabolismo das proteínas. Ausência do efeito da insulina sobre a captação e a utilização de glicose pelo cérebro O cérebro difere acentuadamente da maioria dos outros teci- dos do organismo, porquanto a insulina exerce pouco ou nenhum efeito sobre a captação ou a utilização da glicose. Com efeito, as células do cérebro são permeáveis à glicose sem intervenção da insulina. As células do cérebro também diferem acentuadamente da maioria das outras células do organismo, visto que normalmente só utilizam a glicose para a obtenção de energia. Por conseguinte, é essencial que o nível da glicemia seja sempre mantido acima de um valor crítico, sendo essa uma das funções mais importantes do sistema de controle da glicemia. Quando a glicose no sangue declina para níveis muito baixos, como, por exemplo, na faixa de 20 a 50 mg/dl, verifica-se o desenvolvimento de sintomas de choque hipoglicêmico, caracterizado por irritabilidade nervosa progressiva, resultando em desfalecimento, convulsões e, inclu- sive, coma. Efeito da insulina sobre o metabolismo dos carboidratos em outras células Da mesma forma como afeta o transporte de glicose através da membrana da célula muscular, a insulina também aumenta o transporte e a utilização da glicose pela maioria das outras células do organismo (à exceção das células hepáticas e das células do cérebro, conforme assinalado antes). O transporte da glicose nas células adiposas c essencial para o fornecimento da fração glicerol da molécula de gordura para a deposição de gordura nessas células. EFEITO DA INSULINA SOBRE O METABOLISMO DAS GORDURAS Apesar de seus efeitos não serem tão notáveis quanto os efeitos agudos da insulina sobre o metabolismo dos carboidratos, a insulina também afeta o metabolismo da gordura de diversas maneiras, que, a longo prazo, são igualmente importantes. De especial relevância é o efeito a longo prazo da falta de insulina sobre o desenvolvimento de aterosclerose extrema, resultando quase sempre em ataques cardíacos, insultos cerebrais e outros acidentes vasculares. Todavia, a princípio, analisaremos os efeitos agudos da insulina sobre o metabolismo da gordura. Efeito do excesso de insulina sobre a síntese e o armazenamento de gordura A insulina possui vários efeitos diferentes que levam ao armazenamento de gordura no tecido adiposo. A insulina aumenta a utilização de glicose pela maioria dos tecidos do organismo, o que automaticamente diminui a utilização de gordura, funcionando, assim, como "poupador de gordura". Todavia, a insulina também promove a síntese de ácidos graxos. Quase toda essa síntese ocorre nas células hepáticas, e os ácidos graxos são então transportados nas lipoproteínas até as células adiposas, onde são armazenados. Contudo, uma percentagem muito pequena da sín- tese ocorre nas próprias células adiposas. Os diferentes fatores que levam à síntese aumentada de ácidos graxos no fígado in- cluem: 1. A insulina aumenta o transporte de glicose para as células hepáticas. Quando a concentração de glicogênio no fígado atinge 5 a 6%, esse patamar inibe qualquer síntese adicional de glicogênio. Assim, toda a glicose extra que penetra nas células hepáticas passa a ser disponível para a formação de gordura. A glicose é inicialmente degradada a piruvato na via glicolítica, e, posterior mente, o piruvato é convertido em acetil-coenzima A (acetil- CoA), o substrato a partir do qual são sintetizados os ácidos graxos. 2. Forma-se excesso de íons citrato e isocitrato pelo ciclo do ácido cítrico quando são utilizadas quantidades excessivas de glicose para energia. A seguir, esses íons exercem efeito direto na ativação da acetil-CoA carboxilase, a enzima necessária para carboxilar a acetil-CoA, formando malonil-CoA, a primeira etapa da síntese de ácidos graxos. 3. Os ácidos graxos são, então, sintetizados em sua maior parte no próprio fígado e utilizados para formar triglicerídios, a forma habitual de armazenamento da gordura. Esses triglice- ridios são liberados das células hepáticas para o sangue sob forma de lipoproteínas. A insulina ativa a lipoproteína Hpase nas paredes capilares do tecido adiposo, convertendo novamente os triglice- rídios em ácidos graxos; essa etapa é essencial para que possam ser absorvidos pelas células adiposas, onde são novamente con- vertidos em triglicerídios e armazenados. Armazenamento da gordura nas células adiposas. A insulina também possui dois outros efeitos essenciais que são necessários para o armazenamento de gordura nas células adiposas: 1. A insulina inibe a ação da lipase sensível a hormônio. Trata-se da enzima responsável pela hidrólise dos triglicerídios já armazenados nas células adiposas. Por conseguinte, a liberação dos ácidos graxos na circulação sanguínea é inibida. 2. A insulina promove o transporte de glicose através da membrana celular para as células adiposas exatamente da mesma maneira como favorece o transporte de glicose para as células musculares. Parte dessa glicose é então utilizada para a síntese de pequenas quantidades de ácidos graxos; todavia, um efeito mais importante é que ela também forma grandes quantidades da substância a-glicerofosfato. Essa substância fornece o glicerol que se combina com os ácidos graxos na formação dos triglice- rídios, que constituem a forma de armazenamento da gordura nas células adiposas. Por conseguinte, quando não há disponi- bilidade de insulina, até mesmo o armazenamento de grandes quantidades de ácidos graxos transportados do fígado sob a forma de lipoproteínas fica quase totalmente bloqueado. Aumento da utilização metabólica da gordura causado pela falta de insulina Todos os aspectos da degradação da gordura e sua utilização no suprimento de energia estão acentuadamente aumentados na ausência de insulina. Essa situação é normalmente observada entre as refeições, quando a secreção de insulina é mínima; toda- via, torna-se extrema no diabetes melito, quando a secreção de insulina é quase nula. Os efeitos resultantes são os seguintes: Lipólise da gordura armazenada e liberação de ácidos graxos livres durante a falta de insulina. Na ausência de insulina, todos os efeitos hormonais observados acima que levam ao armazena- mento de gordura são revertidos. O efeito mais importante consiste na acentuada ativação da enzima Hpase sensível a hormônio nas células adiposas. Essa enzima causa hidrólise dos triglicerídios armazenados, com conseqüente liberação de grandes quantidades de ácidos graxos e de glicerol na circulação sanguínea. Por conse- guinte, a concentração plasmática de ácidos graxos livres começa a aumentar cm poucos minutos. A seguir, essesácidos graxos livres passam a constituir o principal substrato energético utili- zado por praticamente todos os tecidos do organismo, à exceção do cérebro. A Fig. 78.4 ilustra o efeito da falta de insulina sobre a concentração plasmática de ácidos graxos livres, glicose e ácido acetoacético. E interessante observar que, imediatamente após a remoção do pâncreas, a concentração plasmática dos ácidos graxos livres começa a aumentar, sendo essa elevação considera- velmente mais rápida do que o aumento da concentração de glicose. Efeitoda falta de insulina sobre asconcentrações plasmáticas de colesterol e fosfolipídios. O excesso deácidos graxos noplasma também promove a conversão hepática de alguns deles em fosfoli- pídios e colesterol, isto é, dois dos principais produtos do metabo- lismo das gorduras. Essas duas substâncias, juntamente com quantidades excessivas de triglicerídios formadas ao mesmo tem- po no fígado, são então liberadas no sangue circulante sob forma de lipoproteínas. Em certas ocasiões, as lipoproteínas plasmáticas aumentam por até três vezes na ausência de insulina, resultando em concentração plasmática total de lipídios de várias unidades por cento, em lugar do valor normal de 0,6%. Essa elevada concentração de lipídios — em particular a concentração aumen- tada de colesterol — determina o rápido desenvolvimento de aterosclerose em indivíduos com diabetes grave. Efeitos cetogêmeos e acidóticos da ausência de insulina. A falta de insulina também induz a formação de quantidades exces- sivas de ácido acetoacético nas células hepáticas. Esse processo resulta do seguinte efeito: Na ausência de insulina, porém na presença de quantidades excessivas de ácidos graxos nas células hepáticas, o mecanismo de transporte da carnitina envolvido no transporte de ácidos graxos para o interior das mitocôndrias fica acentuadamente ativado. Nas mitocôndrias, a beta-oxidação dos ácidos graxos ocorre com extrema rapidez, liberando quantidades extremas de acetil-CoA. Grande parte desse excesso de acetil- CoA é, então, condensada para formar ácido acetoacético, que, por sua vez, é liberado no sangue circulante. A maior parte desse ácido acetoacético penetra nas células periféricas, onde é novamente convertido em acetil-CoA e utilizado do modo habi- tual para a produção de energia. Todavia, a ausência de insulina também deprime a utilização do ácido acetoacéticíl nos tecidos periféricos. Ao mesmo tempo, a liberação hepática desse ácido é tão grande que ele não pode ser totalmente metabolizado pelos tecidos. Por conseguinte, con- forme ilustrado na Fig. 78.4, sua concentração aumenta nos dias que se seguem à cessação da secreção da insulina, atingindo, por vezes, concentrações de até 10 mEq/1 ou mais. Como foi explicado no Cap. 68, parte do ácido acetoacético também é convertida em ácido fi-hidroxibutírico e acetona. Essas duas subs- tâncias, juntamente com o ácido acetoacético, são denominadas corpos cetônicos, e sua presença em grande quantidade nos líqui- dos corporais é conhecida como cetose. Posteriormente, veremos que, no diabetes grave, o ácido acetoacético e o ácido j8-hidroxi- butírico podem causar acidose grave e coma, resultando quase sempre em morte. EFEITO DA INSULINA SOBRE O METABOLISMO DAS PROTEÍNAS E O CRESCIMENTO Efeito da insulina sobre a síntese e o armazenamento de proteí- nas. Durante as primeiras horas que se seguem a uma refeição, quando existem quantidades excessivas de nutrientes no sangue circulante, não apenas os carboidratos e as gorduras, como também as proteínas, são armazenados nos tecidos; para que ocorra esse armazenamento, énecessária a presença deinsulina. O modo pelo qual a insulina induz o armazenamento de proteínas não está tão bem elucidado quanto os mecanismos envolvidos no armazenamento da glicose e da gordura. Alguns dos aspectos conhecidos incluem: 1. A insulina induz o transporte ativo de muitos aminoácidos para as células. Dentre os aminoácidos mais transportados desta cam-se a valina, leucina, isoleucina, tirosina e fenilalanina. Por conseguinte, a insulina partilha com o hormônio do crescimento a propriedade de aumentar a captação de aminoácidos pelas células. Todavia, os aminoácidos afetados não são necessaria- mente os mesmos. 2. A insulina exerce efeito direto sobre os ribossomas, au- mentando a tradução do A RN-mensageiro, com conseqüente sín- tese de novas proteínas. De alguma maneira inexplicada, a insu- lina "liga" o mecanismo ribossômico. Na ausência de insulina, os ribossomas simplesmente, param de atuar, como se o hormô- mo operasse como um mecanismo de "liga-desliga". 3. No decorrer de um período mais prolongado de tempo, a insulina também aumenta a velocidade de transcrição de sequên- cias genéticas selecionadas de ADN nos núcleos das células, com conseqüente formação de quantidades aumentadas de ARN e maior síntese de proteínas — promovendo, em particular, a for- mação de uma grande série de enzimas envolvidas no armazena- mento dos carboidratos, lipídios e proteínas. 4. A insulina também inibe o catabolismo das proteínas, reduzindo, portanto, a velocidade de liberação dos ácidos graxos das células, sobretudo das células musculares. Presumivelmente, esse efeito decorre de alguma capacidade da insulina para dimi- nuir a degradação normal das proteínas pelos lisossomas celu- lares. 5. No fígado, a insulina deprime a velocidade de gliconeo- gênese. Exerce esse efeito ao diminuir a atividade das enzimas que promovem a gliconeogênese. Como os substratos mais utiliza- dos na síntese de glicose pelo processo da gliconeogênese são os aminoácidos plasmáticos, essa supressão da gliconeogênese conserva os aminoácidos nas reservas protéicas do organismo. Em resumo, a insulina favorece a síntese de proteínas e também impede sua degradação. Depleção protéica e aumento dos aminoácidos plasmáticos devida à falta de insulina. Praticamente todo o armazenamento de proteínas cessa por completo quando não há disponibilidadede insulina. O catabolismo das proteínas aumenta, sua síntese cessa, e grandes quantidades de aminoácidos são lançadas no plasma. A concentração plasmática de aminoácidos eleva-se de modo considerável, e a maior parte do excesso de aminoácidos é utilizada diretamente para energia ou como substratos para o processo da gliconeogênese. Essa degradação dos aminoácidos também resulta em aumento da excreção urinária de uréia. A conseqüente depleção protéica constitui um dos mais graves efei- tos do diabetes melito grave. Pode resultar em fraqueza extrema, bem como em comprometimento de múltiplas funções orgânicas. Efeito da insulina sobre o crescimento - seu efeito sinérgico com o hormônio do crescimento. Como a insulina é necessária para a síntese de proteínas, ela é tão importante quanto o hormônio do crescimento para o crescimento do animal. Essa importância encontra-se ilustrada na Fig. 78.5, que mostra que um rato pancreatomizado e hipofisectomizado dificilmente cresce sem qualquer terapia. Além disso, a administração de hormônio do crescimento ou de insulina, um de cada vez, praticamente não exerce qualquer efeito sobre o crescimento. Todavia, a com- binação de ambos os hormônios determina o notável crescimento do animal. Por conseguinte, parece que os dois hormônios atuam de modo sinérgico sobre o crescimento, desempenhando, cada um deles, sua função específica, que é distinta da do outro. Talvez parte da necessidade de ambos os hormônios decorra do fato de que cada um deles promove a captação celular de diferentes aminoácidos, todos os quais são necessários para o processo do crescimento. CONTROLE DA SECREÇÃO DE INSULINA Antigamente, acreditava-se que a secreção de insulina era quase totalmente controladapela concentração de glicose no sangue. Todavia, com a aquisição cada vez maior de conheci- mentos a respeito das funções metabólicas da insulina no metabo- lismo das proteínas e gorduras, percebeu-se que os aminoácidos presentes no sangue circulante e outros fatores também desempe- nham papéis importantes no controle da secreção de insulina. Estimulação da secreção de insulina pela glicemia. Nos níveis normais de glicemia em jejum, que são da ordem de 80 a 90 mg/dl, a velocidade da secreção de insulina é mínima — isto é, de 25 ng/min/kg de peso corporal. Se o nível da glicemia aumentar de repente e atingir um valor de duas a três vezes a concentração normal, mantendo-se nesse nível elevado, a secre- ção de insulina aumenta acentuadamente em dois estágios, con- forme demonstrado pelas alterações da concentração plasmática de insulina apresentadas na Fig. 78.6: 1. A concentração plasmática de insulina aumenta quase 10 vezes dentro de 3 a 5 minutos após a elevação aguda da glicemia; esse aumento resulta da descarga imediata da insulina pré-formada pelas células beta das ilhotas de Langerhans. Toda via, essa alta velocidade de secreção inicial não é mantida; com efeito, a concentração de insulina sofre redução de cerca da metade em 5 a 10 minutos. 2. Dentro de aproximadamente 15 minutos, a secreção de insulina aumenta pela segunda vez, atingindo novo platô em 2 a 3 horas, geralmente com velocidade de secreção ainda maior que a observada na fase inicial. Essa secreção resulta da liberação adicional de insulina pré-formada e da ativação do sistema enzi- mático que sintetiza e libera nova insulina das células. Relação de feedback entre a glicemia e a secreção de insulina. Quando o nível de glicemia aumenta acima de 100 mg/dl de sangue, a velocidade de secreção de insulina sofre rápida eleva- ção, atingindo um pico de 10 a 25 vezes o valor basal que é observado com níveis de glicemia situados entre 400 e 600 mg/dl, conforme ilustrado na Fig. 78.7. Por conseguinte, o aumento da secreção de insulina sob o estímulo da glicose é notável, tanto na sua velocidade quanto no enorme nível de secreção alcançado. Além disso, a parada de secreção de insulina é quase tão rápida. ocorrendo dentro de minutos após retorno do nível de glicemia aos valores de jejum. Essa resposta da secreção da insulina a concentrações eleva- das de glicose no sangue proporciona um mecanismo de feedback extremamente importante no processo de regulação da glicemia. Em outras palavras, qualquer elevação da glicemia aumenta a secreção de insulina, e esta, por sua vez, determina o transporte de glicose para o fígado, o músculo e outras células, diminuindo, assim, o nível da glicemia para o seu valor normal. OUTROS FATORES QUE ESTIMULAM A SECREÇÃO DE INSULINA Aminoácidos. Além da estimulação da secreção de insulina por quan tidades excessivas de glicose, muitos dos aminoácidos exibemefeito seme- lhante. Os mais potentes deles são a arginina e a Usina. Todavia, esse efeito difere da estimulação da secreçãodeinsulina pela glicose noseguinte aspecto: Os aminoácidos administrados na ausência de aumento da glicemia só provocam pequeno aumento da secreção de insulina. Todavia, quando administrados no momento em que o nível de glicemia se apre- senta elevado, a secreção de insulina induzida pela glicose pode atingir até o dobro de seu valor na presença de aminoácidos em excesso. Por conseguinte, os aminoácidos potencializam acentuadamente o estímulo da glicose sobre a secreção de insulina. A estimulação da secreção de insulina pelos aminoácidos parece constituir uma resposta intencional, visto que a insulina, por sua vez, promove o transporte dos aminoácidos para as células, bem como a formação intracelular de proteínas. Em outras palavras, a insulina é importante para a utilização adequada dos aminoácidos em excesso, da mesma forma que ela é importante para a utilização dos carboidratos. Hormônios gastrintestinais. Uma mistura de vários hormônios gas- trintestinais importantes — gastrina, secretina, colecistocinina, e peptídio inibidor gástrico (que parece ser o mais potente de todos eles) — é responsável por aumento moderado na secreção de insulina. Esses hormônios são liberados no tubo gastrintestinal apôs as refeições. A seguir, determinam aumento "antecipado" nos níveis sanguíneos de insulina para preparar a absorção da glicose e dos aminoácidos da refeição. Esses hormônios gastrintestinais quase duplicam a velocidade de secreção de insulina quando o nível de glicemia aumenta. Outros hormônios e o sistema nervoso autonômico. Os outros hormônios que aumentam diretamente a secreção de insulina ou que potencializam o estímulo da glicose sobre a secreção do hormônio incluem o glucagon, o hormônio do crescimento, o cortisol e, em menor grau, a progesterona e os estrogênios. A importância dos efeitos estimulantes desses hormônios reside no fato de que a secreção prolongada de qualquer um deles em grandes quantidades pode, em certas ocasiões, provocar exaustão das células beta das ilhotas de Langerhans, causando diabetes melito. Com efeito, verifica-se o desenvolvimento freqüente de diabetes em pessoas mantidas sob altas doses farmacológicas de alguns desses hormônios- O diabetes é particularmente comum em gigantes ou em indivíduos acromegálicos com tumores secretores de hormônio do crescimento ou em pessoas que apresentam secreção excessiva de glicocor ticóides pelas supra-renais ou por tumores dessas glândulas. Em algumas condições, a estimulação dos nervos parassimpáticos ou simpáticos do pâncreas também pode aumentar a secreção de insulina. Todavia, há dúvida quanto ao fato de esses efeitos terem algum signifi- cado fisiológico no processo de regulação da secreção de insulina. PAPEL DA INSULINA (E DE OUTROS HORMÔNIOS) NO "DESVIO" ENTRE O METABOLISMO DOS CARBOIDRATOS E DOS LIPÍDIOS Com base nas exposições anteriores, é evidente que a insu- lina promove a utilização de carboidratos para produção de ener- gia, enquanto deprime a utilização de gorduras. Por outro lado, a ausência de insulina induz a utilização de gordura principal- mente em detrimento da utilização da glicose, à exceção do tecido cerebral. Além disso, o sinal que controla esse mecanismo de desvio é principalmente a glicemia. Quando a concentração de glicose encontra-se baixa, a secreção de insulina é suprimida, sendo a gordura utilizada quase exclusivamente como fonte de energia em todas as células, à exceção do cérebro. Quando a concentração de glicose está elevada, a secreção de insulina é estimulada, e os carboidratos são utilizados em lugar da gordura até que o excesso de glicose no sangue seja armazenado sob a forma de glicogênio hepático ou muscular. Por conseguinte, um dos papéis funcionais de maior importância da insulina no organismo consiste em controlar qual desses dois alimentos será utilizado pelas células na produção de energia. Pelo menos quatro outros hormônios conhecidos também desempenham papéis importantes nesse mecanismo de desvio: o hormônio do crescimento do lobo anterior da hipófise, o cortisol do córtex supra-renal, a epinefrina da medula supra-renal e o glucagon das células alfa das ilhotas de Langerhans no pâncreas. O glucagon será discutido na próxima seção. Tanto o hormônio do crescimento quanto o cortisol são secretados em resposta à hipoglicemia, e ambos inibem a utilização celular da glicose enquanto promovem a da gordura. Todavia, os efeitos dos dois hormônios desenvolvem-se muito lentamente, sendo, em geral, necessário um período de muitas horas para a obtenção de níveis máximos. A epinefrina é especialmente importante para aumentar a concentração plasmática de glicose durante períodos deestresse, quando o sistema nervoso simpático é estimulado. Todavia, a epinefrina atua diferentemente dos outros hormônios, visto que aumenta ao mesmo tempo a concentração plasmática de ácidos graxos. As razões desses efeitos incluem: (1) a epinefrina exerce efeito muito poderoso sobre a indução da glicogenólise no fígado, com a conseqüente liberação de grandes quantidades de glicose no sangue; e (2) também exerce efeito lipolítico direto sobre as células adiposas, visto que ativa a lipase sensível a hormônio do tecido adiposo, aumentando acentuadamente a concentração sanguínea de ácidos graxos. Em termos quantitativos, o aumento dos ácidos graxos é bem maior que o da glicemia. Por conseguinte, a epinefrina intensifica especialmente a utilização da gordura em certos estados de estresse, como exercício, choque circula- tório, ansiedade etc. GLUCAGON E SUAS FUNÇÕES O glucagon, um hormônio secretado pelas células alfa das ilhotas de Langerhans quando o nível de glicemia diminui, possui múltiplas funções diametralmente opostas às da insulina. A mais importante dessas funções consiste em elevar o nível da glicemia, ou seja, o efeito exatamente oposto ao da insulina. Como a insulina, o glucagon é um grande polipeptídio. Pos- sui peso molecular de 3.485 e é constituído por uma cadeia de 29 aminoácidos. A injeção de glucagon purificado no animal determina um profundoefeito/hiperglicêmico. Apenas 1µg / kg de glucagon por quilograma pode elevar o nível da glicemia por aproximadamente 20 mg/dl de sangue em cerca de 20 minutos. Por essa razão, o glucagon também é denominado hormônio hiperglicêmico. EFEITOS SOBRE O METABOLISMO DA GLICOSE Os dois principais efeitos do glucagon sobre o metabolismo da glicose são: (1) degradação do glicogênio hepático (glicoge- nólise) e (2) aumento da gliconeogênese no fígado. Ambos os efeitos aumentam sobremaneira a disponibilidade de glicose para outros órgãos do corpo. Glicogenólise e aumento do nível de glicemia causados pelo glucagon. O efeito mais notável do glucagon residena sua capaci- dade de provocar glicogenólise hepática, o que, por sua vez, aumenta o nível de glicemia em poucos minutos. O glucagon exerce essa ação através da seguinte cascata complexa de etapas: 1. O glucagon ativa a adenil ciclase na membrana da célula hepática, 2. Causando a formação de AMP cíclico, 3. Que ativa a proteína reguladora da proteína quinase, 4. Que, por sua vez, ativa a proteína quinase, 5. Que ativa a fosforilase b quinase, 6. Que converte a fosforilase b em fosforilase a, 7. Que promove a degradação do glicogênio em glicose- 1-fosfato, 8. Que finalmente é desfosforilada, sendo a glicose liberada das células hepáticas. Essa seqüência de reações é de suma importância por vários motivos. Em primeiro lugar, de todas as funções do monofosfato de adenosina cíclico como segundo mensageiro, é a que foi estu- dada com maiores detalhes. Em segundo lugar, ilustra um sistema em cascata, em que cada produto sucessivo ê produzido em quanti- dades maiores do que o produto anterior. Por conseguinte, repre- senta um poderoso mecanismo de amplificação. Isso explica por que apenas alguns microgramas de glucagon podem duplicar ou mesmo elevar ainda mais onível de glicemia em poucos minutos. A infusão de glucagon durante cerca de 4 horas pode produ- zir glicogenólise hepática tão intensa a ponto de deprimir por completo todas as reservas hepáticas de glicogênio. Gliconeogênese causada pelo glucagon. Mesmo após o esgotamento de todo o glicogênio hepático sob a influência do glucagon, a infusão contínua desse hormônio ainda causa hiperglicemia contínua. Esse estado resulta do efeito do glucagon sobre o au- mento da velocidade da gliconeogênese nas células hepáticas. Esse efeito é obtido pela ativação de múltiplas enzimas neces- sárias para a gliconeogênese, em particular a ativação do sistema enzimático para a conversão do piruvato em fosfoenolpiruvato, uma etapa que limita a velocidade da gliconeogênese. Além disso, o glucagon aumenta a extração de aminoácidos do sangue pelas células hepáticas, com a conseqüente disponibilidade de maiores quantidades para conversão em glicose. OUTROS EFEITOS DO GLUCAGON A maioria dos outros efeitos do glucagon só é observada quando sua concentração se eleva bem acima da faixa normal no sangue. Talvez o efeito mais importante resida no fato de o hormônio ativar a lipase das células adiposas, com conseqüente disponibilidade de quantidades aumentadas de ácidos graxos para os sistemas energéticos do organismo. Além disso, inibe o armazenamento de triglicerídios no fígado, evitando a remoção de ácidos graxos do sangue pelo fígado; esse efeito também ajuda a fornecer quantidades adicionais de ácidos graxos para os outros tecidos do organismo. O glucagon em concentrações muito elevadas também (1) aumenta a força cardíaca, (2) intensifica a secreção biliar e (3) inibe a secreção de ácido gástrico. Todavia, todos esses efeitos não são provavelmente importantes na função normal do organismo. REGULAÇÃODASECREÇÃODEGLUCAGON Efeito inibidor da glicemia. O nível de glicemia é, sem dúvida alguma, o fator mais potente no controle da secreção de glucagon. Todavia, é preciso especificar que o efeito da glicemia sobre a secreção de glucagon é exatamente oposto ao efeito da glicose sobre a secreção de insulina. Esse aspecto é ilustrado na Fig. 78.8, ao mostrar que uma redução do nível de glicemia, de seu valor normal em jejum de cerca de 90 mg/dl para níveis hipoglice- micos, pode aumentar por várias vezes a concentração plasmática de glucagon. Por outro lado, a elevação da glicemia para níveis hiperglicêmicos diminui o glucagon plasmático. Por conseguinte, na presença de hipoglicemia, o glucagon é secretado em grandes quantidades; a seguir, aumenta acentuadamente o débito de glico- se do fígado e, assim, desempenha a função muito importante de corrigir a hipoglicemia. Efeito estimulante dos aminoácidos. A presença de altas con- centrações de aminoácidos, como as que ocorrem no sangue após uma refeição protéica (especialmente os aminoácidos alani- na e arginina), estimula a secreção de glucagon. Trata-se do mesmo efeito que os aminoácidos exercem sobre o estímulo da secreção de insulina. Por conseguinte, neste caso, as respostas do glucagon e da insulina não são opostas. A importância da estimulação da secreção de glucagon pelos aminoácidos reside no fato de que o hormônio promove, então, a rápida conversão dos aminoácidos em glicose, com a conseqüente disponibilidade de maiores quantidades de glicose para os tecidos. Efeito estimulante do exercício. Durante o exercício exaus- tivo, a concentração sanguínea de glucagon aumenta quase sem- pre até quatro a cinco vezes. Todavia, desconhece-se a causa dessa elevação, visto que o nível de glicemia não declina necessa- riamente . Todavia, um dos efeitos benéficos do glucagon consiste na sua capacidade de evitar queda da glicemia. Um dos fatores passíveis de aumentar a secreção de glucagon durante o exercício é a concentração aumentada de aminoácidos circulantes. Contu- do, outros fatores, incluindo a estimulação nervosa das ilhotas de Langerhans, também podem desempenhar algum papel. SOMATOSTATINA - SEU EFEITO SOBRE A INIBIÇÃO DA SECREÇÃO DE GLUCAGON E DE INSULINA As células delta das ilhotas de Langerhans secretam o hormônio somatostatina. Trata-se de um polipeptídio contendo apenas 14 aminoá- cidos, que possui meia-vida extremamente curta na circulação, da ordem de apenas 3 minutos. Quase todos os fatores relacionados ã ingestão de alimentos estimulam a secreção de somatostatina. Incluem: (1) aumen- to da glicemia, (2) aumento da concentração de aminoácidos, (3)concen- tração aumentada de ácidos graxos, e (4) concentrações elevadas de vários hormônios gastrintestinais liberados do tubo gastrintestinal supe- rior em resposta à ingestão de alimentos. Por sua vez, a somatostatina exerce múltiplos efeitos inibidores: 1. A somatostatina atua localmente no interior das próprias ilhotas de Langerhans, deprimindo a secreção de insulina e de glucagon. 2. A somatostatina reduz a motilidade do estômago, do duodeno e da vesícula biliar. 3. A somatostatina diminui tanto a secreção quanto a absorção no tubo gastrintestinal. Considerando-se o conjunto dessas informações, foi sugerido que o principal papel da somatostatina consistiria em ampliar o período de tempo durante o qual os nutrientes são assimilados no sangue. Ao mesmo tempo, o efeito da somatostatina no sentido de deprimir a secreçãode insulina e de glucagon diminui a utilização dos nutrientes absorvidos pelos tecidos, impedindo, assim, a rápida exaustão dos alimentos e tor- nando-os disponíveis por maior período de tempo. Além disso, é preciso lembrar que a somatostatina é a mesma subs- tância química conhecida como hormônio de inibição do hormônio do crescimento, secretado pelo hipoTálamo, que suprime a secreção adeno- hipofisária de hormônio do crescimento. SUMARIO DA REGULAÇÃO DA GLICEMIA No indivíduo normal, a concentração de glicose no sangue é submetida a controle muito rigoroso, geralmente na faixa entre 80 e 90 mg/dl de sangue em jejum, pela manhã. Essa concentração aumenta para 120 a 140 mg/dl durante a primeira hora após uma refeição; entretanto, os sistemas de feedback envolvidos no controle da glicemia determinam o rápido retorno da concen- tração de glicose ao nível de controle, geralmente dentro de 2 horas após a última absorção dos carboidratos. Por outro lado, na inanição, a função de gliconeogênese do fígado fornece a glicose necessária para manter o nível de glicemia em jejum. O presente capítulo apresentou os mecanismos que atuam para conseguir esse elevado grau de controle. Faremos um breve resumo de todos eles: 1. O fígado funciona como um sistema tampão da glicemia muito importante. Em outras palavras, quando a glicemia au- menta para concentrações muito elevadas após uma refeição, e a velocidade de secreção de insulina também aumenta, até dois terços de glicose absorvida pelo intestino são quase imediata- mente armazenados no fígado, sob a forma de glicogênio. A seguir, durante as horas subseqüentes, quando ocorre declínio do nível de glicemia e da velocidade de secreção de insulina, o fígado libera a glicose para o sangue. Dessa maneira, o fígado diminui as flutuações do nível de glicemia em cerca de um terço das variações que de outro modo ocorreriam. Com efeito, nos pacientes com hepatopatia grave, é quase impossível que o orga- nismo mantenha a concentração de glicose no sangue dentro de sua estreita faixa normal. 2. É evidente que tanto a insulina quanto o glucagon atuam como importantes sistemas de controle por feedback para manter a glicemia normal. Quando a concentração de glicose aumenta para níveis muito elevados, ocorre secreção de insulina; esta, por sua vez, causa redução da glicemia até seu valor normal. Por outro lado, a redução do nível de glicemia estimula a secreção de glucagon; este passa, então, a atuar na direção oposta, elevan- do a glicose para seus valores normais. Na maioria das condições normais, o mecanismo de feedback da insulina é muito mais importante que o mecanismo do glucagon; todavia, em situações de ingestão diminuída ou de utilização excessiva de glicose, du- rante o exercício ou em outras situações de estresse, o mecanismo do glucagon também adquire grande valor. 3. Além disso, na presença de hipoglicemia, o efeito direto dos baixos níveis de glicemia sobre o hipotálamo estimula o siste- ma nervoso simpático. Por sua vez, a epinefrina secretada pelas glândulas supra-renais provoca maior liberação de glicose pelo fígado. Esse processo também ajuda a proteger o organismo contra a hipoglicemia grave. 4. Por fim, no decorrer de um período de várias horas a dias, tanto o hormônio do crescimento quanto o cortisol são secretados em resposta à hipoglicemia prolongada; ambos os hormônios reduzem a velocidade de utilização da glicose pela maioria das células do organismo. Isso também ajuda a norma- lizar o nível de glicemia. Importância da regulação da glicemia. Poderíamos formular a seguinte pergunta: por que é tão importante manter uma concentração constante de glicose no sangue, visto que a maioria dos tecidos tem capacidade de efetuar um desvio para a utilização de gorduras e de proteínas como fontes de energia na ausência de glicose? A resposta é que a glicose é o único nutriente que normalmente pode ser utilizado pelo cérebro, pela retina e pelo epitélio germinativo das gônadas em quantidades suficientes para fornecer a energia necessária. Por conseguinte, é importante man- ter a glicemia em nível suficientemente alto para suprir essa nutrição necessária. A maior parte da glicose formada por gliconeogênese du- rante o período interdigestivo é utilizada para o metabolismo do cérebro. Com efeito, é importante não haver qualquer secre- ção pancreática de insulina nesse período, visto que, de outro modo, o escasso suprimento de glicose disponível seria desviado para os músculos e outros tecidos periféricos, deixando o cérebro sem qualquer fonte nutritiva. Por outro lado, também é importante que o nível da glicemia não sofra elevação demasiada, por três motivos: em primeiro lugar, a glicose exerce elevado grau de pressão osmótica no líqui- do extracelular, e, se a concentração de glicose atingir níveis excessivos, essa concentração elevada poderá ocasionar conside- rável desidratação celular. Em segundo lugar, níveis excessiva- mente elevados de glicemia resultam em perda de glicose na urina. Por fim, essa perda provoca diurese osmótica pelos rins, podendo causar depleção dos líquidos e eletrólitos corporais. DIABETES MELITO Na maioria dos casos, o diabetes melito resulta da secreção diminuída de insulina pelas células beta das ilhotas de Langerhans. Em geral, a hereditariedade desempenha importante papel ao determinar qual pessoa irá desenvolver a doença e qual não será afetada. Algumas vezes, ela aumenta a suscetibilidade das células beta a vírus ou favorece o desenvol- vimento de anticorpos auto-imunes contra as células beta, resultando em sua destruição. Em outros casos, parece haver simples tendência hereditária à degeneração das células beta. A obesidade também desempenha algum papel no desenvolvimento do diabetes clínico. Uma razão é que, na obesidade, as células beta das ilhotas de Langerhans tornam-se menos responsivas à estimulação da glicemia aumentada; por conseguinte, os níveis sanguíneos de insulina não aumentam quando necessário. Outra razão é que a obesidade diminui o número de receptores de insulina nas células-alvo em todo o organismo, de modo que a quantidade disponível de insulina torna-se menos eficiente na indução dos efeitos metabólicos habituais. FISIOPATOLOGtA DO DIABETES MELITO Grande parte das características patológicas do diabetes melito pode ser atribuída a um dos três principais efeitos da deficiência de insulina: (1) utilização diminuída de glicose pelas células, com a conseqüente elevação do nível de glicemia, que pode atingir até 300 a 1.200 mg/dl; (2) mobilização acentuadamente aumentada das gorduras das áreas de armazenamento, com conseqüente anormalidade do metabolismo da gor- dura, bem como da deposição de colesterol nas paredesarteriais, causan- do aterosclerose; e (3) depleção das proteínas dos tecidos. Além disso, ocorrem alguns problemas fisiopatológicosespeciais no diabetes melito que não são tão facilmente aparentes. Perda de glicose na urina do diabético. Toda vez que a quantidade de glicose que penetra nos túbulos renais pelo filtrado glomerular aumen- ta acima de certo nível crítico, uma percentagem significativa do excesso não pode ser reabsorvida, sendo, então, perdida na urina. A perda urinária de glicose é normalmente observada quando o nível da glicemia ultrapassa 180 mg/dl, conhecido como "limiar" sanguíneo para o apareci- mento de glicose na urina. Quando a glicemia atinge 300 a 500 mg/dl — ou seja, valores comuns em indivíduos com diabetes grave não-trata- do—, pode-se verificar perda diária de 100 g ou maisde glicose na urina. Efeito desidratante dos níveis elevados de glicemia no diabetes. No diabetes extremo, podem ocorrer, em certas condições, níveis de glicemia de até 1.200 mg/dl, ou seja, um valor de 12 vezes a concentração normal, sendo comum a observação de níveis de 300 a 400 mg/dl. Todavia, o 756 único efeito significativo da concentração elevada de glicose consiste na desidratação das células, visto que a glicose não se difunde facilmente através dos poros da membrana celular, de modo que o aumento da pressão osmótica nos líquidos extracelulares provoca a transferência osmótica de água das células para o meio extracelular. Além do efeito desidratante direto do excesso de glicose sobre as células, a perda de glicose na urina provoca diurese osmótica, visto que o efeito osmótico da glicose nos túbulos diminui acentuadamente a reabsorção tubular de líquido. O efeito global consiste na desidratação do líquido extracelular, com conseqüente desidratação compensadora do líquido intracelular, por razões apresentadas no Cap. 26. Por conseguinte, um dos aspectos importantes do diabetes diz respeito à sua tendência ao desenvolvimento de desidratação extracelular e intracelular, podendo esses dois tipos de desidratação contribuir para o desenvolvimento de choque circulatório. Acidose e coma no diabetes. Já discutimos o desvio do metabolismo dos carboidratos para o das gorduras no diabetes. Quando o organismo depende quase totalmente da gordura para sua energia, o nível dos cetoácidos, ácido acetoacético e ácido /j- hidroxibutírico nos líquidos corporais pode aumentar de 1 mEq/1 para 10 mEq/1. Obviamente, todo esse excesso de ácido tende a provocar acidose. Um segundo efeito, que costuma ser ainda mais importante do que o aumento direto dos cetoácidos no desenvolvimento da acidose, consiste na redução das concentrações de sódio causada pelo seguinte processo: os cetoácidos apresentam baixo limiar de excreção renal, de modo que, quando sua concentração aumenta no diabetes, pode-se verificar excreção diária de até 100 a 200 g de cetoácidos na urina. Como se trata de ácidos fortes, com pK médio de 4,0 ou menos, somente uma pequena quantidade pode ser excretada na forma ácida, de modo que são excretados em associação ao sódio derivado do líquido extracelular. Em conseqüência, a concentração de sódio no líquido extracelular costuma diminuir, e parte do sódio é substituída por maiores quantidades de íons hidrogênio, contribuindo acentuadamente para a acidose. Naturalmente, todas as reações habituais que caracterizam a acidose metabólica ocorrem na acidose diabética. Incluem respiração rápida e profunda, denominada "respiração de Kussmaur, que provoca expiração excessiva de dióxido de carbono, e diminuição pronunciada do teor de bicarbonato dos líquidos extracelulares. Embora esses efeitos extremos só ocorram nos casos muito graves de diabetes não-controlado, eles podem provocar coma acidótico e morte dentro de poucas horas, quando o pH do sangue cai para menos de cerca de 7,0 A Fig. 78.9 ilustra as alterações globais que ocorrem nos eletrólitos corporais em conseqüência da acidose diabética grave. Relação de outros sintomas diabéticos com a fisiopatologia da falta de insulina. Os sintomas mais precoces do diabetes incluem poliúria (eliminação excessiva de urina), polidipsia (ingestão de quantidades excessivas de água), polifugia, perda de peso e astenia (falta de energia). Conforme explicado antes, a poliúria é devida ao efeito diurético osmótico da glicose sobre os túbulos renais. Por sua vez, a polidipsia resulta da desidratação causada pela poliúria. A utilização deficiente de glicose (e de proteínas) pelo organismo determina perda de peso e tendência à polifagia. Aparentemente, a astenia também é causada pela perda de proteínas corporais. FISIOLOGIA DO DIAGNÓSTICO Os métodos habituais para estabelecer o diagnóstico de diabetes baseiam-se em vários testes químicos da urina e do sangue. Açúcar urinário. Podem-se utilizar testes simples no consultório ou testes laboratoriais quantitativos mais complicados para determinar a quantidade de glicose perdida na urina. Em geral, o indivíduo normal perde quantidades indetectáveis de glicose, enquanto o diabético perde glicose em quantidades pequenas a grandes, que são proporcionais à gravidade da doença e à ingestão de carboidratos. Nível da glicemia em jejum. O nível da glicemia em jejum pela manhã é, normalmente, de 80 a 90 mg/dl, sendo o valor de 110 mg/dl geralmente considerado como limite superior da faixa normal. A observação de níveis de glicemia em jejum acima desse valor quase sempre indica a presença de diabetes melito ou, com menor freqüência, diabetes hipofisário ou diabetes supra-renal. Prova de tolerância à glicose. Conforme ilustrado na curva inferior da Fig. 78.10, denominada "curva de tolerância à glicose", quando uma pessoa normal em jejum ingere 1 g de glicose por quilograma de peso corporal, o nível da glicemia se eleva de aproximadamente 90 mg/dl para 120 a 140 mg/dl e, a seguir, cai para níveis inferiores ao normal dentro de cerca de 2 horas. No diabético, o nível de glicemia em jejum é quase sempre superior a 100 mg/dl e, com freqüência, ultrapassa 140 mg/dl. Além disso, a prova de tolerância à glicose quase sempre está anormal. Com a ingestão de glicose, esses indivíduos exibem elevação da glicemia muito maior do que o normal, como ilustra a curva superior da Fig. 78.10; além disso, o nível de glicose só retorna ao valor de controle depois de 4 a 6 horas e não cai para valores abaixo do nível de controle. Essa queda lenta apresentada pela curva e sua incapacidade de cair para níveis abaixo do valor de controle ilustram que o diabético não apresenta a elevação normal da secreção de insulina após a ingestão de glicose. Em geral, pode-se estabelecer um diagnóstico definitivo de diabetes melito com base nesse tipo de curva. Respiração com odor de acetona. Conforme assinalado no Cap. 68, pequenas quantidades de ácido acetoacético, que aumentam acentuadamente no diabetes grave, podem ser convertidas em acetona, que é volátil e eliminada no ar expirado. Por conseguinte, pode-se quase sempre estabelecer o diagnóstico de diabetes melito simplesmente com base no odor de acetona na respiração do paciente. Além disso, pode-se detectar a presença de cetoácidos na urina por métodos químicos, sendo sua quantificação útil para determinar a gravidade do diabetes. TRATAMENTO DO DIABETES Teoricamente, o tratamento do diabetes melito consiste em se administrar insulina em quantidade suficiente para que o paciente tenha, na medida do possível, um metabolismo normal dos carboidratos, das gorduras e das proteínas. Ainsulina é disponível em várias formas diferentes. A insulina "regular" tem duração de ação de 3 a 8 horas, enquanto as outras formas de insulina (precipitadas com zinco ou com vários derivados protéicos) são absorvidas lentamente dos locais de injeção e, portanto, exercem efeitos com duração de até 10 a 48 horas. Habitualmente,administra-se ao paciente gravemente diabético dose diária única de uma das insulinas de ação mais prolongada, com o objetivo de aumentar o metabolismo geral dos carboidratos durante todo o dia. A seguir, administram-se quantidades adicionais de insulina regular nos momentos do dia em que o nível da glicemia tende a aumentar excessivamente, como nas horas das refeições. Por conseguinte, estabelece-se para cada paciente um padrão individualizado de tratamento. Relação do tratamento com a arteriosclerose. Devido principalmente aos elevados níveis de colesterol circulante e de outros lipídios, os pacientes diabéticos desenvolvem aterosclerose, arteriosclerose, coronariopatia grave e múltiplas lesões da microcirculação com mais facilidade do que as pessoas normais. De fato, os que apresentam diabetes relativamente mal controlado durante a meninice têm probabilidade de morrer de cardiopatia na segunda década. Quando se iniciou o tratamento do diabetes, era costume reduzir acentuadamente os carboidratos da dieta, de modo a minimizar as necessidades de insulina. Essa conduta mantinha o nível de glicemia abaixo dos valores normais e evitava a perda urinária de glicose, mas não impedia muitas das anormalidades do metabolismo das gorduras. Conseqüentemente, a tendência atual é proporcionar ao paciente uma dieta de carboidratos quase normal, administrando-lhe simultaneamente grandes quantidades de insulina, suficiente para metabolizar esses carboidratos. Isso deprime o metabolismo das gorduras etambémreduzos níveis sanguíneos elevados de colesterol. Como as complicações do diabetes - aterosclerose, suscetibilidade acentuadamente aumentada à infecção, retinopatia diabética, cataratas, hipertensão e doença renal crônica — estão mais estreitamente associadas ao nível sanguíneo de lipídios do que ao nível da glicemia, o objetivo de algumas clínicas especializadas no tratamento do diabetes é administrar uma quantidade suficiente de glicose e de insulina, de modo que a concentração sanguínea de lipídios possa ser normalizada. HIPERINSULINISMO Apesar de ser muito mais rara do que o diabetes, a produção aumentada de insulina, conhecida como hiperinsulinismo, também ocorre ocasionalmente. Em geral, esse aumento da produção de insulina resulta de adenoma das ilhotas de Langerhans. Cerca de 10 a 15% desses adenomas são malignos, e, em certas ocasiões, ocorrem metástases por todo o corpo a partir das ilhotas de Langerhans, com a conseqüente produção excessiva de insulina pelo câncer primário e suas metástases. Com efeito, para evitar o desenvolvimento de hipoglicemia em alguns desses pacientes, foi necessária a administração de mais de 1.000 g de glicose a cada 24 horas. O diagnóstico de hiperinsulinismo é estabelecido com segurança com base nos níveis plasmáticos muito elevados de insulina por radioimunoensaio — sobretudo quando a insulina permanece constantemente alta no decorrer do dia, sem exibir elevação significativa com a ingestão de quantidades aumentadas de carboidratos. Choque insulínico e hipoglicemia. Como já foi salientado, em condições normais, o sistema nervoso central obtém praticamente toda sua energia do metabolismo da glicose, não sendo necessária a presença de insulina para essa utilização. Todavia, se a insulina determinar queda da glicemia para valores baixos, o metabolismo do sistema nervoso central fica deprimido. Por conseguinte, nos pacientes com hiperinsulinismo ou nos diabéticos que se auto- administram quantidades muito grandes de insulina, pode ocorrer a síndrome denominada choque insulínico, da seguinte maneira: Quando o nível de glicemia cai para a faixa de 50 a 70 mg/dl, o sistema nervoso central torna- se, em geral, muito excitável, visto que esse grau de hipoglicemia facilita a atividade neuronal. Algumas vezes, surgem várias formas de alucinações; todavia, com mais freqüência, o paciente simplesmente entra em estado de nervosismo extremo, todo o seu corpo treme e apresenta sudorese. À medida que a glicemia diminui para 20 a 50 mg/dl, é provável a ocorrência de convulsões crônicas e perda da consciência. Com queda ainda maior do nível de glicose, as convulsões cessam, e o indivíduo entra em coma. De fato, algumas vezes é difícil distinguir o coma diabética decorrente da falta de insulina do coma hipoglicêmico causado pelo excesso de insulina. Todavia, o coma hipoglicêmico não apresenta a respiração com odor de acetona, nem a respiração rápida e profunda do coma diabético. Obviamente, o tratamento adequado do paciente com choque ou coma hipoglicêmico consiste na administração venosa imediata de grandes quantidades de glicose. Em geral, esse tratamento faz com que o paciente possa recuperar-se do choque em 1 minuto ou mais. Além disso, a administração de glucagon (ou, com menor eficiência, de epinefrina) pode provocar glicogenólise hepática, com conseqüente elevação extremamente rápida do nível de glicemia. Se o tratamento não for instituído imediatamente, ocorre quase sempre lesão permanente das células neuronais do sistema nervoso central; essa lesão é especialmente observada no hiperinsulinismo prolongado causado por tumores pancreáticos. Outras Observações: As células B (responsáveis pela produção da Insulina) possuem um canal de K+ aberto no repouco, mantendo a célula hiperpolarizada. Esse canal se fecha na presença de ATP. Toda vez que a glicose entra na célula, ela produz ATP e fecha esse canal, de forma que a célula fica cada vez menos eletronegativa pela não saída do K+. Com isso, canais de Ca2+ se abrem e a entrada desse íon favorece a fusão da vesícula que contém a insulina com a membrana plasmática, liberando então esse hormônio para a corrente sanguínea. Já nas células alfa-pancreáticas, quando o canal de K+ está aberto, os canais de Ca+ também estão, e a entrada da glicose com consequente produção de ATP fecha os dois canais de forma a não secretar o glucagon.
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