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CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO Olá pessoal! Como vão os estudos? Apertem os cintos porque há muita coisa a ser estudada e muitas questões a serem resolvidas. Vamos lá! 2. EVOLUÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL (APÓS 1930) E REFORMAS ADMINISTRATIVAS 2.1 - INTRODUÇÃO A história administrativa do Brasil caracteriza-se por uma alternância pendular de decisões sobre a organização da burocracia. Até 1930, a forma de administrar o estado era totalmente patrimonialista, não havendo o mínimo interesse por parte dos governantes de se instituir um modelo diferente, baseado em carreiras e que buscasse o profissionalização do servidores públicos. Todavia, de lá para cá, houve momentos em que os elementos necessários à constituição de uma burocracia que garantisse a qualidade e a continuidade das ações governamentais estavam presentes. Tais requisitos consistiam, principalmente, no estabelecimento de critérios institucionais e objetivos de aferição do mérito e de igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, no que se refere às formas de admissão ao serviço público. Vamos analisar como se processou essa questão. 2.2 - A TENTATIVA DASPIANA E A REDEMOCRATIZAÇÃO As primeiras tentativas de instituição de uma burocracia no Brasil seguem-se à Revolução de 1930, num período em que o Governo, devido ao esgotamento do modelo de Estado existente até então, percebe a necessidade de sua constituição, para o exercício do poder público de forma eficiente. Isso também ocorreu porque o Governo passou a atuar em diversas outras áreas, onde anteriormente não havia ainda atuado. Nessa época foram instituídos os Ministérios da Educação e Saúde Pública e do Trabalho, Indústria e Comércio. Portanto, a necessidade da instituição de uma burocracia advém, principalmente, do próprio crescimento da complexidade da ação estatal. A atividade de elaboração e implementação de políticas públicas começa a exigir maior especialização e profissionalismo. Por isso, a Constituição de 1934 é a primeira a trazer um título específico para os funcionários públicos. A era Vargas, portanto, é considerada o primeiro movimento reformista com vistas à modernização da administração pública. Tal modernização foi inspirada pelos princípios de administração de Taylor e Fayol, cuja finalidade era tornar mais eficiente os setores da administração de pessoal, materiais, orçamentária e conseguir uma maior racionalização administrativa. Desta forma, verifica-se que a concepção adotada tinha como entendimento que a organização era um sistema fechado, não considerando o ambiente externo/contextual. Em 1936, o governo Vargas pretendeu introduzir no país, com vigor, o sistema do mérito, confiando ao diplomata Maurício Nabuco, em 1936, o texto da proposta ao Congresso de uma Lei de Reajustamento, inspirada no modelo meritocrático das carreiras do Civil Service britânico e do serviço público francês, bem como na legislação norte-americana pertinente à Civil Service Commission. Das refregas parlamentares sob pressão do antigo patrimonialismo político, "political patronage" e do clientelismo/nepotismo, resultou a Lei nº 284, primeira lei clara a favor da www.pontodosconcursos.com.br 1 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO profissionalização e da organização do pessoal civil da União, a qual iniciou a sistematização do Serviço Público Federal, com a criação do CONSELHO FEDERAL DO SERVIÇO PÚBLICO CIVIL, primeiro órgão voltado especialmente para a gestão da função administrativa no Brasil. Entretanto, a liderança do governo no Congresso tinha tido que negociar emendas parlamentares e aceitar a solução "política",não prevista na proposição original, da adoção - desde então historicamente consagrada na cultura do serviço público em nosso país - dos quadros de cargos comissionados, de livre nomeação e demissão "ad nutum" por nossos governantes federais, estaduais e municipais. Portanto, nessa ocasião, deu-se início ao processo de classificação de cargos (separando os efetivos dos em comissão) e estabeleceu-se a grade de remuneração dos cargos públicos, procurado disciplinar a administração de pessoal. Com o advento do regime ditatorial em 1937 e à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 579, de 30/07/1938, o Conselho Federal do Serviço Público Civil deu origem ao DEPARTAMENTO ADMINISTRATIVO DO SERVIÇO PÚBLICO – DASP – que avançou no campo da sistematização das normas sobre pessoal civil: instituiu-se o concurso público (combate ao nepotismo), a estabilidade do servidor no cargo, a promoção por mérito ou tempo de serviço, incentivo ao profissionalismo dos funcionários e adoção de normas e regras rígidas. O art. 1º do referido decreto-lei estabelecia que “Fica criado, junto à Presidência da República, o Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) diretamente subordinado ao Presidente da República.‖ No art. 2º estavam as competências do DASP, dentre as quais destaco: ―d) selecionar os candidatos aos cargos públicos federais, excetuados os das Secretarias da Câmara dos Deputados e do Conselho Federal e os de magistério e da magistratura; e) promover a readaptação e o aperfeiçoamento dos funcionários civis da União;‖ OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, Bresser afirma, no item 3.1, 2º parágrafo, que “Com o objetivo de realizar a modernização administrativa, foi criado o Departamento Administrativo do Serviço Público - DASP, em 1936.” Percebemos que isso não corresponde exatamente à realidade, pois o DASP foi criado em 1938, com o DL579. Em 1936, foi criado o Conselho Federal do Serviço Público Civil. Adicionalmente, foram criadas estruturas de comissões e conselhos com o objetivo de organizar setorialmente a gestão burocrática interna e auxiliar nas estruturas dos ministérios recém-criados. Esta primeira tentativa de modernização que tem como marco criatório a criação do DASP contribuiu para estabelecer na administração pública brasileira critérios weberianos de administração e profissionalização da burocracia público-estatal. O DASP simbolizava, portanto, o espírito do período ditatorial: preocupação máxima com a eficiência e mínima com os fins últimos perseguidos. Tutelada por essa instituição, a máquina burocrática fora levada a extremos de racionalização, dentro dos critérios da chamada organização científica do trabalho Podemos resumir a reforma dos anos 30 no seguinte quadro: Contexto econômico eBrasil rural – sociedade oligárquica – Estado social fragmentado Idéias Reforma orçamentária e do serviço público Problemas a enfrentar Erosão das bases oligárquicas do poder www.pontodosconcursos.com.br 2 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO Interesses Classes médias – setores industriais - militares Empreendedores Maurício Nabuco e Luís Simões Lopes O processo de redemocratização, empreendido a partir da queda do Estado Novo (1945), levou a um desvirtuamento dos trabalhos até então desenvolvidos pelo DASP. Atendendo a pressões do funcionalismo, a Constituição de 1946, no art. 23 do seu ADCT, efetivou os funcionários interinos e extranumerários, admitidos sem concurso público. Era o primeiro ―trem da alegria‖ ocorrido após a criação do DASP: a primeira grande tentativa de se profissionalizar a administraçãopública brasileira não conseguira afastar toda uma tradição de se usar o serviço público como moeda de troca no jogo político-partidário. O patrimonialismo continua presente. A reação da burocracia se materializou em 1952, com a promulgação da Lei nº 1711, que trazia o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União. Tal estatuto passou a reger o trabalho no setor público e o concurso público, mais uma vez, tornou-se a regra geral de admissão. Percebam que, mais uma vez, que quem estava na Presidência da República era Getúlio Vargas. Este procurou realizar algumas iniciativas de modernização administrativa, tais como descentralização, fortalecimento administrativo, planejamento, coordenação, criação de assessorias para a presidência da república e reestruturação de ministérios. Todavia, tais medidas não causaram os impactos esperados. Nessa época, o governo carecia de autonomia político- administrativa devido aos interesses das elites capitalistas e empresariais, os quais influenciavam fortemente o aparelho do Estado. Qualquer encaminhamento reformista dependia de acordos e negociações políticas no Congresso Nacional. As dificuldades do presidente em negociar e relacionar-se com os diversos grupos de interesse culminaram com a crise político-institucional provocada pelo suicídio de Getúlio Vargas. Em seguida, Juscelino Kubitschek, ao assumir o poder, identificou logo que a máquina administrativa não era capaz de implementar as políticas públicas estabelecidas em seu ―Plano de Metas‖. Percebeu, também, que não conseguiria alterar, por exigência de sua base político- parlamentar, o perfil do serviço público, profissionalizando-o e retirando dele a influência político- partidária. Para dar efetividade às suas políticas, institui, então, uma estrutura administrativa paralela, os chamados Grupos Executivos. Desta forma, conseguiu imprimir um ritmo razoável na implementação de seus planos, inaugurando a nova capital federal ainda dentro de seu mandato. Todavia, no que se refere a reformas da administração, esse governo limitou-se a criar comissões para estudos administrativos e ministérios e a tentar revitalizar o DASP, que havia deixado de ter o papel central na administração pública desde 1945. Tais ações visavam a dar suporte necessário ao processo de industrialização do país e tornar o aparelho do Estado mais eficiente, mas não conseguiram superar os obstáculos organizacionais e políticos existentes. Em 1962, é promulgada a lei nº 4069/62, a chamada ―Lei de Favor‖, que determinou o enquadramento, como servidores públicos, de todos os que contassem, na data de sua publicação, com cinco anos de serviço público, independentemente da forma de admissão ou contratação. Nessa ocasião, boa parte dos contratados para trabalhar na estrutura paralela que havia sido montada para a construção de Brasília ganhou estabilidade como servidor público. O instituto do concurso público era, então, mais uma vez, burlado. Era o segundo grande ―trem da alegria‖ ocorrido desde a criação do DASP, em 1938, o que levou ao inchamento da máquina pública e à constatação de que esta estava incapaz de realizar, de forma eficiente e eficaz, as suas obrigações. www.pontodosconcursos.com.br 3 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO 2.3 A REFORMA GERENCIAL DO GOVERNO MILITAR A partir dos governos militares, surgidos como conseqüência do Movimento de 1964, inicia-se uma nova tentativa de modernização da Administração Pública brasileira. As exigências do desenvolvimento econômico apoiado numa intensa ação do Estado colocaram na pauta a necessidade de uma Administração Pública capaz de formular e implementar políticas públicas altamente complexas, para as quais a estrutura existente não estava preparada. Esta necessitava de mais agilidade, a fim de que ficasse mais próxima dos critérios existentes para a iniciativa privada, o que possibilitaria aumentar sua eficiência e eficácia. Todavia, muitos acreditavam que a pouca flexibilidade permitida pelo Estatuto da Lei 1711/52 era um dos principais fatores que dificultavam qualquer evolução. A reforma administrativa de 1967 foi precursora de muitas das idéias no Brasil, de muitas das idéias que, quase vinte anos depois, viriam a ser apresentadas como parte de uma revolução gerencial. Embora muitos seus principais conceitos tenham sido obscurecidos pela evolução do regime rumo a um maior endurecimento e fechamento, várias das principais novidades que seriam trazidas pela reforma de 1995 já eram mencionadas naquela época. O ponto de partida da reforma foram os estudos da chamada COMISSÃO AMARAL PEIXOTO – então um ministério extraordinário que teve o próprio à frente no decorrer do turbulento ano de 1963. Liderada por Benedito Silva, homem de confiança de Simões Lopes que presidia a Fundação Getúlio Vargas, a proposta encaminhada ao Congresso continha, na verdade, um detalhado diagnóstico da administração pública brasileira, mas pouco avançava em termos de proposições, apesar do consenso em torno da exaustão, cujas bases haviam sido lançadas na década de 30 a partir do governo democrático de Vargas. Os principais problemas apontados pelos estudos eram a falta de coordenação das ações do governo combinados com a excessiva centralização da administração federal na presidência da República, permanentemente congestionada pela necessidade da assinatura presidencial em atos dos mais simples aos mais complexos. O fato de as sucessivas tentativas de reforma dos anos 50 terem fracassado já sinalizava, no entanto, que não se trataria de assunto de aprovação tranqüila, seja no interior do governo, seja no próprio Congresso. O fato do próprio presidente Castelo Branco ter participado da coordenação dos estudos da Comissão Amaral Peixoto, no âmbito das Forças Armadas, fez que ele tivesse uma aguda percepção da urgência do problema e o remeteu ao topo de sua agenda, mas logo ficou claro para o novo governo que a proposta do Congresso era extremamente tímida, tendo em vista dois fatores: as ambições transformadoras do novo regime e as condições políticas propiciadas pelo recém-empossado governo revolucionário. Com a anuência dos relatores da proposta no Congresso – Gustavo Capanema e o próprio Amaral Peixoto, o governo retirou a proposta do Congresso e optou por dar tratamento de altíssimo nível ao assunto através da criação de uma comissão – COMISSÃO DE ESTUDOS TÉCNICOS PARA A REFORMA ADMINISTRATIVA (COMESTRA) – encarregada de propor novo desenho para a administração pública brasileira. Roberto Campos foi designado para secretariar – função transferida para seu auxiliar José Nazareth Teixeira Dias – a comissão presidida, que seria por Hélio Beltrão, e que contaria ainda com membros como Simões Lopes, Carlos Veloso, Jorge Flores e outros grandes nomes da época, além de quatro representantes das Forças Armadas. Foram reunidos à disposição do projeto o que havia de melhor na inteligência nacional a respeito do assunto, embora cada membro fosse portador de uma visão distinta sobre o tema. O embate de idéias e projetos na COMESTRA foi surpreendentemente duro. A primeira baixa foi Simões Lopes, cuja visão, mais próxima do projeto definido como obsoleto no Congresso, defendia o fortalecimento do Departamento de Administração e Serviço Público (Dasp), bem como sua transformação no órgão líder do processo de reforma. O confronto maior, no entanto, deu-se entre duas visões de corte gerencial entre Hélio Beltrão e Teixeira Dias. Ao www.pontodosconcursos.com.br 4 CURSOS ON-LINE - GESTÃOPÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO final de quase um ano de trabalhos, a comissão se dissolveu em meio a um impasse constrangedor dado o peso político de Hélio Beltrão e as vinculações de Teixeira Dias com Roberto Campos. Beltrão defendia, já desde aquela época, os princípios de descentralização, delegação e desburocratização que o tornariam famoso, quase quinze anos mais tarde quando assumiu o Ministério Extraordinário da Desburocratização no governo Figueiredo. Enfatizava os princípios do movimento conhecido no âmbito internacional atualmente como ―liberation management‖, que pressupõe alta delegação de responsabilidades para os gerentes que deveriam ser dispensados de uma série de controles burocráticos ex-ante e cobrados a partir de resultados. Combinava esta visão com sua crítica aos formalismos típicos da burocracia brasileira que deveriam ser objeto de permanentes esforços de simplificação radical, idéias estas que viriam pôr em prática mais tarde, quando ministro da Desburocratização. Teixeira Dias era um quadro com visão da complexidade da máquina pública, só comparável com a seu superior hierárquico Roberto Campos. Conhecia a fundo o serviço público norte-americano, inglês e francês. Mais importante, no entanto, tinha visão da articulação entre os processos de planejamento e administração pública bastante avançada para a época4, porque defendia articulação maior entre os processos de programação orçamentária e financeira com formas diferenciadas de organização das instituições públicas e, naturalmente, do serviço público. Teixeira Dias estava, até então, na Light, onde se familiarizara com as técnicas de Planning, Programming, and Budgeting Systems (PPBS), em voga tanto no governo norte- americano quanto nas empresas multinacionais. Neste sentido era capaz de traduzir, para a Administração Federal, muitas das idéias que Roberto Campos tinha para a institucionalização do planejamento no Brasil. O impasse entre ambos não é de fácil compreensão, tendo em vista a aparente complementaridade de idéias existentes e o fato de terem juntos trabalhado no desenho e na implementação da Petrobras. Ambos eram inovadores, esposavam idéias com forte componentes gerenciais, e rejeitavam a visão centralista esposada por Simões Lopes. Porém, havia dois elementos que os situavam em campos opostos: política e personalidade No plano político, Beltrão – um comunicador nato liberal com perfil de político apaixonado pelo debate público – foi progressivamente se posicionando como oponente a Roberto Campos – caracterizado como o tecnocrata frio e autoritário, propenso a abusar dos excepcionais atributos de legislativos do primeiro governo revolucionário. Teixeira Dias era quase uma extensão de Roberto Campos para assuntos relacionados com a reforma administrativa. No plano pessoal, Teixeira Dias era um detalhista, preocupado com a instrumentalização do Estado e com a institucionalização de uma legislação que traduzisse sua visão e a de Roberto Campos da administração pública. Beltrão defendia legislações simples contendo basicamente princípios e orientações gerais e opunha-se radicalmente a detalhamentos típicos da tradição jurídica brasileira detalhista. No final de 1965 e após o desfecho da crise político-institucional que produziu o AI-2, Castelo Branco e Roberto Campos voltam sua atenção para o assunto e delegam a Teixeira Dias o detalhamento final da proposta que resultaria nos Decretos-lei 199 e 200/67, na véspera da passagem do poder para Costa e Silva. Teixeira Dias incorporou todas as idéias de Beltrão – em especial os princípios de descentralização e delegação – no início do texto legal, porém detalhou no seu corpo todas as idéias que defendia, visando assegurar a modernização da administração pública brasileira. Entre estas idéias destacam-se entre outras: a) a articulação entre a planejamento, orçamento e execução financeira; b) a criação de mecanismos de controle interno ao Executivo e a transformação do controle externo em ex-post ao invés de ex-ante; www.pontodosconcursos.com.br 5 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO c) a tipificação das formas organizacionais da administração pública direta e indireta; d) o fortalecimento do serviço público civil através de sua profissionalização via sistema de carreiras, e e) a criação de um órgão – de status ministerial ou não – destinado a implementar a reforma administrativa. Ironicamente, Helio Beltrão é convidado para assumir o Ministério do Planejamento por Costa e Silva em 1967 e torna-se o representante dos liberais em um governo ainda mais ―duro‖ que o anterior. O acúmulo das funções de planejamento e administração não o intimida, tendo em vista sua trajetória pessoal e sua imensa capacidade de mobilização e articulação. A evolução política da conjuntura leva à radicalização política do regime e à asfixia de suas possibilidades de intervenção. Em conseqüência, a área de administração é eclipsada imediatamente após seu afastamento do governo no final de 1969, em que pese ter sido convidado a permanecer no governo Médici. Paralelamente, a área de planejamento é definitivamente consolidada com a ascensão de seu adjunto Reis Veloso à frente do Ministério, onde permanece por quase uma década. Além do exposto acima, podemos citar, como características da Reforma Administrativa de 1967/69, cujo produto final foi o DECRETO-LEI nº 200/67, os seguintes itens: - A partir de 1967, facultou-se à Administração Federal admitir servidores pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, ao lado dos estatutários; - Consolidação da presença, na máquina pública, das fundações criadas e mantidas pelo Poder Público (as quais já tinham sido empregadas em grande escala por Juscelino Kubitschek na construção de Brasília), definidas como entidades de direito privado e, como tal, não sujeitas às normas da administração direta e autárquica relativas à admissão de pessoal. - Grande expansão do executivo federal a partir da criação de um grande número de autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista. - Estratégia de desenvolvimento baseada no planejamento, na descentralização, na coordenação e no controle da estrutura burocrática do país. Infelizmente é digno de nota que a Constituição de 1967, apesar de enfatizar a necessidade de concurso público para a primeira investidura em cargo público, deu estabilidade a todos os servidores da União, Estados e Municípios, da administração centralizada ou autárquica, que contassem com pelo menos cinco anos de efetivo serviço. Era o terceiro ―trem da alegria‖ desde a criação do DASP. Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 1/69 e a Lei 6185/74 determinou a contratação, pela CLT, de todos os servidores públicos, exceto os da áreas de Segurança Pública, Diplomacia, Tributação, Arrecadação e Fiscalização de Tributos Federais e Contribuições Previdenciárias, além do Ministério Público. Porém, tais servidores foram admitidos sem concurso público e sem direito à estabilidade, não estando presente o princípio da impessoalidade, nem qualquer mecanismo institucional de avaliação de mérito. Muitas vezes, os servidores eram contratados por fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista apenas para serem cedidos à Administração Direta, sendo muitas daquelas utilizadas como apenas como fornecedoras de mão-de-obra para esta. Em 1970, foi promulgada a Lei 5645, que estabeleceudiretrizes para a classificação de cargos do Serviço Civil da União e das autarquias federais, o que representou a mais completa sistematização e classificação de cargos até então realizada. Todavia, tal lei estabeleceu mais uma forma de burla ao instituto do concurso público: a ASCENSÃO FUNCIONAL, a qual permitia ao servidor ter acesso a cargo diverso do que exercia, mediante processo seletivo interno. www.pontodosconcursos.com.br 6 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO Mediante tal mecanismo, a escolha dos ocupantes dos cargos mais elevados passou a ser, em grande medida, feita entre os próprios servidores, anulando, na prática, o direito de livre acesso aos cargos públicos. O fato é que a máquina administrativa, apesar da tentativa de reforma gerencial estabelecida no DL 200/67, sai do período militar absolutamente desestruturada. Havia crescido o número de servidores, grande parte deles contratados sem qualquer forma de controle. Não se constituiu uma burocracia orgânica, mas sim a chamada TECNOCRACIA, tendo em vista que as funções de alta direção passaram a ser ocupadas por técnicos não ligados à administração direta, não vinculados à burocracia tradicional, organizada em carreiras. Esse processo de recrutamento de técnicos oriundos do meio acadêmico, do setor privado, das empresas estatais e de órgãos do próprio governo, deu origem às chamadas ILHAS DE EXCELÊNCIA, as quais vieram a se tornar provedores de pessoal qualificado para a alta hierarquia ministerial e para o exercício das atividades de formulação de políticas e regulação econômica. Tais ilhas formavam um setor público eficiente, bem remunerado, com carreiras sólidas, tendo à frente as grandes empresas estatais economicamente viáveis, que contrastava com o restante do serviço público, mal remunerado e ineficiente. Em 1970, há uma tentativa modernizadora da administração pública, com a criação da SECRETARIA DE MODERNIZAÇÃO – SEMOR, que funcionava paralelamente ao DASP, totalmente enfraquecido. Reuniu-se em torno dela um grupo de jovens administradores públicos, muitos deles com pós-graduação no exterior, que buscou implantar novas técnicas de gestão. Todavia, não conseguiu avançar muito em seus objetivos devido às dificuldades políticas existentes, visto que a ascensão funcional e a tecnocracia contribuíram para o desmantelamento da burocracia existente e para a desmoralização do instituto do concurso público e dos sistemas de mérito para admissão e progressão na Administração Pública. Apesar da tentativa de descentralização, a falta de mecanismos de controle dos entes descentralizados e a inexistência de uma burocracia orgânica fizeram com que a autonomia alcançada pelas entidades da administração indireta atingisse níveis insuportáveis para as finanças públicas no período de grave crise econômica que marcou a década de 1980. No início dos anos 80, uma nova tentativa de reformar a burocracia e orientá-la na direção da administração pública gerencial foi implementada, com a CRIAÇÃO DO MINISTÉRIO DA DESBUROCRATIZAÇÃO e do PROGRAMA NACIONAL DE DESBUROCRATIZAÇÃO – PrND, tendo Hélio Beltrão à frente como Ministro Extraordinário. O Programa Nacional de Desburocratização, além de dezenas de medidas simplificadoras das relações do cidadão com a máquina administrativa, trouxe importantes inovações, como o Estatuto da Microempresa e os Juizados de Pequenas Causas (mais tarde transformados nos atuais Juizados Especiais). Nunca chegou a ser formalmente extinto, mas perdeu ênfase no final da década de 80. No início dos anos 90, novas medidas de maior impacto chegaram a ser adotadas, no âmbito de um novo programa, o Programa Federal de Desregulamentação. Entre elas, a simplificação dos procedimentos de embarque e desembarque nos aeroportos, o aperfeiçoamento da emissão de passaportes e a revogação de mais de cem mil decretos superados e desnecessários. 2.4 – A NOVA REPÚBLICA E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 A partir do processo de redemocratização, com o governo Sarney, ensaiou-se uma nova tentativa de modernização da Administração Pública. Começou-se a discutir a necessidade da unificação dos regimes jurídicos dos servidores públicos, de se fortalecer a administração direta e de se restabelecer o instituto da estabilidade. No ano de 1986 ocorre a extinção formal do DASP, com sua substituição pela SEDAP - Secretaria de Administração Pública da Presidência da www.pontodosconcursos.com.br 7 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO República, à qual competia a coordenação, a orientação e o controle das atividade relativas à administração de pessoal civil e de serviços gerais, à modernização e organização administrativa, e à desburocratização. Com a finalidade de se reforçar a burocracia, são criadas as carreiras de Finanças e Controle (1987), de Orçamento (1987) e de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental (1989). Porém, permitiu-se a qualquer servidor, que estivesse em exercício em órgãos de sistema de controle interno e orçamento, independentemente de cargo ou função que estivesse desempenhando, o ingresso nas duas primeiras. Somente a partir do governo FHC é que começaram a ser realizados concursos regulares para tais carreiras. Todavia, uma das características lamentáveis desse período foi o loteamento de cargos públicos da administração indireta e das delegacias dos ministérios nos Estados para os políticos dos partidos vitoriosos, surgindo um novo populismo patrimonialista no país. Além disso, a alta burocracia passava a ser acusada, principalmente pelas forças conservadoras, de ser a culpada da crise do Estado, na medida em que favorecera seu crescimento excessivo. A Constituição de 1988 caminhou no sentido da aprovação da unificação dos regimes jurídicos dos servidores públicos, do fortalecimento dos controles sobre a administração pública e do estabelecimento do concurso público como única forma de acesso ao cargo e ao emprego público, visto que, até então, sempre houve mecanismos que permitiam a sua burla. O Supremo Tribunal Federal, em diversas ações, vem sempre interpretando de forma estrita a questão da exigência de concurso público, tendo banido a ascensão funcional. Hoje não mais se contesta nem mesmo a exigência de concurso público para admissão de empregados pelas empresas estatais. Com a Constituição de 1988, a Administração Pública brasileira passa por mudanças que afetam toda a sociedade, rumando à cidadania plena, que envolvia ganhos sociais consideráveis, tais como maior participação popular na formação de políticas públicas, criação de conselhos populares, movimentos sociais e municipalistas, etc, os quais foram fundamentais para a consolidação do processo de descentralização da administração pública. Tal processo foi a tônica da reforma de 1988, tendo em vista que o executivo federal descentralizou as atribuições da União, repassando-as para as esferas estaduais e, principalmente, para os municípios. Desta forma, podemos concluir que a descentralização das políticas públicas e sociais passou a ser o carro-chefe desta reforma administrativa. Todavia, a Constituição Cidadã, como ficou conhecida a CF88, provocou uma série de distorções e disfunções na administração pública, como por exemplo: - contribuiu para o engessamento do aparelho estatal, ao estender para os serviços do Estado e para as próprias empresas estatais praticamente as mesmas regras burocráticas rígidas adotadas no núcleoestratégico do Estado. - determinou a perda da autonomia do Poder Executivo para tratar da estruturação dos órgãos públicos, - instituiu a obrigatoriedade de regime jurídico único para os servidores civis da União, dos Estados membros e dos Municípios, - retirou da administração indireta a sua flexibilidade operacional, ao atribuir às fundações e autarquias públicas normas de funcionamento idênticas às que regem a administração direta. - determinou a concessão da estabilidade funcional para um grande número de empregados contratados, assim como a aposentadoria integral sem nenhuma relação com o www.pontodosconcursos.com.br 8 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO tempo de serviço prestado diretamente ao Estado. Este retrocesso burocrático foi em parte uma reação ao clientelismo que dominou o país naqueles anos. Foi também uma conseqüência de uma atitude defensiva da alta burocracia que, sentindo-se injustamente acusada, decidiu defender-se de forma irracional. O retrocesso burocrático não pode ser atribuído a um suposto fracasso da descentralização e da flexibilização da administração pública que o Decreto-Lei 200 teria promovido. Embora alguns abusos tenham sido cometidos em seu nome, seja em termos de excessiva autonomia para as empresas estatais, seja em termos do uso patrimonialista das autarquias e fundações (onde não havia a exigência de processo seletivo público para a admissão de pessoal), não é correto afirmar que tais distorções possam ser imputadas como causas do mesmo. Na medida em que a transição democrática ocorreu no Brasil em meio à crise do Estado, essa última foi equivocadamente identificada pelas forças democráticas como resultado, entre outros, do processo de descentralização que o regime militar procurara implantar. Por outro lado, a transição democrática foi acompanhada por uma ampla campanha contra a estatização, que levou os constituintes a aumentar os controles burocráticos sobre as empresas estatais e a estabelecer normas rígidas para a criação de novas empresas públicas e de subsidiárias das já existentes. Afinal, geraram-se dois resultados: de um lado, o abandono do caminho rumo a uma administração pública gerencial e a reafirmação dos ideais da administração pública burocrática clássica; de outro lado, dada a ingerência patrimonialista no processo, a instituição de uma série de privilégios, que não se coadunam com a própria administração pública burocrática. Como exemplos temos a estabilidade rígida para todos os servidores civis, diretamente relacionada à generalização do regime estatutário na administração direta e nas fundações e autarquias, a aposentadoria com proventos integrais sem correlação com o tempo de serviço ou com a contribuição do servidor. Concluindo a análise do governo Sarney, em 1989 a SEDAP perde força e é extinta, sendo suas atribuições passadas à Secretaria de Planejamento e Coordenação – SEPLAN, também vinculada diretamente à Presidência da República. 2.5 A REFORMA DE COLLOR E O GOVERNO ITAMAR As distorções provocadas pela nova Constituição logo se fizeram sentir. No governo Collor, entretanto, a resposta a elas foi equivocada e apenas agravou os problemas existentes, na medida em que se preocupava em destruir ao invés de construir. Neste governo, a política de modernização administrativa tinha como principal pressuposto a desconstrução do setor público por meio de uma política de desmoralização e de ―ataques‖ à administração pública e ao funcionalismo. No que tange ao órgão responsável por conduzir políticas de modernização para a administração pública, a Lei 8.028/90 alterou a estrutura da Presidência da República, criando a Secretaria de Administração Federal – SAF, no lugar da SEPLAN. Tal desconstrução se efetivou a partir de ações político-administrativas como o enxugamento da máquina pública, demissão de funcionários públicos, extinção de cargos, funções e órgãos públicos, o que acarretou a perda da capacidade gerencial e de formulação de políticas. Os ataques à administração pública eram realizados diretamente pelo presidente da república, que enfatizava que o endividamento público e a ineficiência dos serviços públicos eram resultado da incompetência e da irresponsabilidade dos funcionários públicos. Desta forma, apontava na direção de que a desregulamentação econômica e a privatização de serviços públicos seriam uma saída para superar a ineficiência e a ineficácia dos serviços públicos. www.pontodosconcursos.com.br 9 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO Portanto, esta reforma desconstruiu o aparelho de Estado brasileiro, contribuindo para o enfraquecimento da capacidade gerencial do Estado. O governo Itamar Franco buscou essencialmente recompor os salários dos servidores, que haviam sido violentamente reduzidos no governo anterior. O discurso de reforma administrativa assume uma nova dimensão a partir de 1994, quando a campanha presidencial introduz a perspectiva da mudança organizacional e cultural da administração pública no sentido de uma administração gerencial. 2.6 A REFORMA GERENCIAL DE BRESSER PEREIRA As idéias de Fernando Henrique Cardoso sobre a reforma do Estado quando assumiu a Presidência da República datavam de sua atuação na Constituinte e na fracassada Revisão Constitucional. Cardoso não considerava que fossem necessárias grandes reformas transformadoras da administração pública, mas sim ajustes que dessem condições para a liberação das forças produtivas do mercado. As reformas deveriam ser localizadas e cirúrgicas – como, por exemplo, o fim do monopólio público – de modo a melhorar o funcionamento do mercado. Na esfera do Executivo, não acreditava que mudanças pudessem vir a fazer grandes diferenças, tendendo a preferir mecanismos como os adotados no período JK e desenvolvimentista do regime autoritário que favoreciam mecanismos de administração paralela via ação direcionadas de grupos ad hoc e/ou empresas estatais. O convite a Bresser Pereira, velho companheiro de Cardoso de idéias e militância política – além do coordenador financeiro da campanha presidencial –, para integrar o Ministério que viria a tomar posse em janeiro de 1995, abriu novas possibilidades na agenda nacional para a problemática das políticas de gestão pública. Bresser Pereira, Clovis Carvalho e Cardoso concordaram em elevar o status da então secretaria da presidência – Secretaria de Administração Federal – para Ministério da Administração e da Reforma do Estado (MARE). Nessa mudança, Bresser trocou o acesso institucional e físico ao presidente – que tinha em função de suas relações pessoais – por uma plataforma institucional de maior robustez, que trazia no nome um mandato: a reestruturação da administração pública federal. Em poucas semanas, Bresser já tinha uma estratégia distinta da que norteou o encaminhamento de outras reformas em discussão no período: propor uma emenda constitucional para tratar de forma propositiva do tema da administração pública, ao contrário, por exemplo, da reforma previdenciária que buscavam ―desconstitucionalizar‖ uma série de pontos remetendo-os ao plano infraconstitucional – o que viria a enfrentar grandes resistências no Congresso relutante em fornecer um ―cheque em branco‖ ao Executivo6 (Melo, 2002). Ao dar um tratamento de reforma constitucional ao assunto de sua pasta, Bresser Pereira assegurou que o tema da reformado Estado, isto é, da reforma do aparato do Estado como viria a detalhar pouco tempo depois, ocuparia uma posição de destaque na agenda do Executivo. Após quatro meses de governo, Bresser Pereira e sua equipe – em grande medida constituída por colegas e ex-alunos(as) da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo sobre os quais o ministro possuía notável ascendência – já tinha não apenas estruturado o novo ministério como também um primeiro desenho da proposta de reformulação da estrutura do Estado brasileiro para apresentar ao Presidente. A Câmara da Reforma do Estado, criada para funcionar como instância de discussão das propostas de apresentadas pelo MARE, passou então a se constituir na arena de aprimoramento das idéias defendidas por Bresser Pereira e sua equipe. Delinearam-se, então, três tipos de oposição a Bresser Pereira: duas explícitas e uma silenciosa. A primeira era comandada pelo secretário-geral da Presidência – Eduardo Jorge, doutor em Administração Pública e assessor de Cardoso desde os tempos da Assembléia www.pontodosconcursos.com.br 10 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO Nacional Constituinte – que demonstrava grande ceticismo em relação às possibilidades de sucesso de reformas compreensivas da administração pública brasileira. Eduardo Jorge tendia a considerar que o governo dispunha dos meios de operar as mudanças que desejava sem necessariamente recorrer a alterações no texto constitucional. A segunda fonte de oposição partia do ministro-chefe da Casa Civil que não demonstrava bastante ceticismo em relação a mudanças que privilegiavam estruturas organizacionais e legislações de pessoal. Oriundo do setor privado e já tendo trabalhado com Bresser Pereira anteriormente no Governo Montoro, Carvalho desconfiava do voluntarismo ativista de seu colega de Ministério que, em função das funções que desempenhava, disputava geralmente com sucesso alguns espaços em que as competências de ambos ministros se sobrepunham. A terceira fonte de oposição era invisível e partia da área econômica. Tratava-se de uma desconfiança em relação ao papel do ex-ministro da Fazenda Bresser Pereira na crítica à política macroeconômica conduzida pelo Ministro da Fazenda e pelo Banco Central. Pela proximidade do Presidente e por ter, sob sua jurisdição, assuntos com impactos sobre as finanças públicas, Bresser não teve o apoio efetivo necessário em muitas das inovações que propunha, em que pese ter procurado alinhar a ação de seu ministério e o conteúdo de suas propostas às prioridades da área macroeconômica. Apesar das oposições que enfrentou no seio do governo, Bresser Pereira foi capaz de convencer o Presidente a encaminhar a proposta de Emenda Constitucional ao Congresso ainda no segundo semestre do primeiro ano do mandato de Cardoso, ao mesmo tempo em que sua equipe saía pelo País discutindo o livro branco Plano Diretor da Reforma do Aparato do Estado Brasileiro. O trabalho político realizado junto aos governadores – imobilizados pelos gastos excessivos com pessoal acima da Lei Camata – foi decisivo para a aquiescência de Cardoso que, no entanto, chamou a atenção de Bresser para a necessidade de convencer o próprio Executivo dos méritos de sua proposta (guardando, assim, distância da proposta de seu próprio ministro). O conteúdo da proposta de reforma apresentada era predominantemente gerencialista, embora reservasse um lugar de destaque para a formação do chamado núcleo estratégico do Estado, locus designado para a implementação e consolidação das chamadas reformas meritocráticas perseguidas desde a década de 30. Se o desenho da proposta buscava uma articulação entre novos e velhos desafios da administração pública brasileira – Bresser Pereira descartava abordagens seqüenciais do problema das reformas –, a retórica e as ênfases no debate público eram quase que exclusivamente gerenciais. A imagem-objetivo buscada por Bresser Pereira era a da flexibilização da administração pública, no caso de suas estruturas organizacionais e dos regimes de contratação de pessoal. A flexibilização era apresentada como requisito para múltiplos objetivos como a busca da eficiência, a viabilização de processos de delegação e descentralização, a implementação do orçamento global em organizações públicas autônomas via contratos de gestão, a valorização de mecanismos diferenciados de reconhecimento do mérito, a contratualização de resultados e outros. Três vetores simultâneos conviveram no decorrer do período 1995-1998: os princípios típicos da progressive public administration expressos principalmente na política de concursos seletivos para as carreiras que viriam a integrar mais tarde as carreiras do ciclo de gestão e as duas vertentes contraditórias integrantes da Nova Gestão Pública, o gerencialismo e a escola da escolha pública. O gerencialismo – representado principalmente pelo Ministro e pela Secretaria da Reforma do Estado – valorizava a autonomia das novas formas de organização pública, www.pontodosconcursos.com.br 11 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO mecanismos de delegação e descentralização e a capacidade inovadoras e empreendedoras dos dirigentes governamentais. Da escolha da escola pública emanavam os vetores de desconfiança em relação ao corporativismo burocrático e de necessidade de intensificar os controles sobre a burocracia, presentes em especial no âmbito da Secretaria Executiva do MARE e da Presidência da ENAP - Escola Nacional de Administração Pública. Quase três anos após seu envio para o Congresso, a Emenda Constitucional, bastante diluída e suavizada, foi finalmente aprovada em pleno ano eleitoral. Mesmo assim algumas decisões importantes como a quebra do Regime Jurídico Único foram aprovadas. Ao longo deste período muitos dos conteúdos da proposta foram implementados na medida em que se percebia que não necessitavam da aprovação constitucional para tal – caso da criação das Organizações Sociais e Agências Executivas. Paralelamente, foi feito um esforço massivo de disseminação das idéias da Nova Gestão Pública, notadamente pela ENAP, junto ao governo federal. As propostas do MARE, no entanto, não conseguiram o apoio de ministros estratégicos da presidência – como o ministro da Casa Civil e o secretário-geral da Presidência –, da área econômica – como os da Fazenda e Planejamento – e de outros ministérios-chave – como os da Educação e da Saúde (este, exceto, em breve intervalo) – para o sucesso dos esforços reformistas. Muitos avanços ocorreram, mas no âmbito do próprio MARE, como o controle da folha de pagamento e a retomada de concursos para carreiras estratégicas de analistas de planejamento e orçamento, analistas de finanças e controle e gestores governamentais. Ao final do primeiro mandato de Cardoso, Bresser Pereira passou a apoiar a idéia da unificação do MARE e do Ministério de Planejamento, de modo a manter sob comando único os instrumentos e recursos necessários para a implementação da reforma. A transição do primeiro para o segundo mandato coincidiu com a reestruturação do governo em meio às turbulências causadas pela crise financeira internacional e por denúncias de corrupção que atingiram auxiliares de Cardoso que se afastaram, então, do governo. Não podemos nos esquecer de citar que, nesse mesmo período, eram criadas as primeiras Agências Reguladoras. 2.7 OPLANO DIRETOR PARA A REFORMA DO APARELHO DO ESTADO DE 1995 O Plano Diretor foi elaborado em 1995, pela Câmara da Reforma do Estado, estabelecida para definir os objetivos e diretrizes para a reforma da administração pública brasileira, a fim de criar condições para sua reconstrução em bases modernas e racionais. Buscava dar um salto adiante, no sentido da administração pública gerencial, que é baseada em conceitos modernos de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralizada para poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade democrática, é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna ―cliente privilegiado‖ dos serviços prestados pelo Estado. Também pretendia reorganizar as estruturas da administração com ênfase na qualidade e na produtividade do serviço público; na verdadeira profissionalização do servidor, que passaria a perceber salários mais justos para todas as funções. A administração pública gerencial envolve uma mudança na estratégia de gerência, mas esta estratégia tem de ser posta em ação em uma estrutura administrativa reformada. A idéia geral é a descentralização, a delegação de autoridade. É preciso definir claramente os setores que o Estado opera, as competências e as modalidades de administração mais adequadas a cada setor. www.pontodosconcursos.com.br 12 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO Os Estados modernos contam com quatro setores e essa é a base do Plano Diretor e das reformas propostas: o núcleo estratégico, as atividades exclusivas, os serviços não- exclusivos, e a produção de bens e serviços para o mercado. O núcleo estratégico é o centro no qual se definem a lei, as políticas e o modo de, em última instância, as fazer cumprir. É formado pelo Parlamento, pelos Tribunais, pelo Presidente ou Primeiro-ministro, por seus ministros e pela cúpula dos servidores civis. Autoridades locais importantes também podem ser consideradas parte do núcleo estratégico. No caso do sistema ser federal, também integram esse núcleo os governadores e seus secretários e a alta administração pública estadual. Atividades exclusivas são aquelas que envolvem o poder de Estado. São as atividades que garantem diretamente que as leis e as políticas públicas sejam cumpridas e financiadas. Integram este setor as forças armadas, a polícia, a agência arrecadadora de impostos - as tradicionais funções do Estado - e também as agências reguladoras, as agências de financiamento, fomento e controle dos serviços sociais e da seguridade social. As atividades exclusivas, portanto, não devem ser identificadas com o Estado liberal clássico, para o qual bastam a polícia e as forças armadas. Serviços não-exclusivos são todos aqueles que o Estado provê, mas que, como não envolvem o exercício do poder extroverso do Estado, podem ser também oferecidos pelo setor privado e pelo setor público não-estatal (―não-governamental‖). Este setor compreende os serviços de educação, de saúde, culturais e de pesquisa científica. Por fim, o setor de produção de bens e serviços é formado pelas empresas estatais. Considerados estes quatro setores, devem ser respondidas três perguntas: que tipo de administração; que tipo de propriedade e que tipo de instituição devem prevalecer em cada setor, no novo Estado que está nascendo nos anos 90. A resposta à primeira pergunta pode ser direta: deve-se adotar a administração pública gerencial. Uma advertência, contudo, é indispensável: no núcleo estratégico, no qual a eficácia é quase sempre mais relevante que a eficiência, ainda há lugar para algumas características burocráticas devidamente atualizadas. Uma estratégia essencial ao se reformar o aparelho do Estado é reforçar o núcleo estratégico e o fazer ocupar por servidores públicos altamente competentes, bem treinados e bem pagos. Com servidores que entendam o ethos do serviço público como o dever de servir ao cidadão. Nesta área, a carreira e a estabilidade devem ser asseguradas por lei, embora os termos ‗carreira‘ e ‗estabilidade‘ devam ser entendidos de modo mais flexível, se comparados com os correspondentes que existiam na tradicional administração burocrática. Nas atividades exclusivas, a administração deve ser descentralizada; nos serviços não-exclusivos, a administração deve ser mais que descentralizada - deve ser autônoma: a sociedade civil dividirá, com o governo, as tarefas de controle. A questão da propriedade é essencial. No núcleo estratégico e nas atividades exclusivas do Estado, a propriedade será, por definição, estatal. Ao contrário, na produção de bens e serviços há hoje consenso cada vez maior de que a propriedade deva ser privada, particularmente nos casos em que o mercado possa controlar as empresas comerciais. Para os casos de monopólio natural, a situação ainda não é clara, mas, mesmo nestes casos, com uma www.pontodosconcursos.com.br 13 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO agência reguladora eficaz e independente, a propriedade privada parece ser mais adequada. No domínio dos serviços não-exclusivos, a definição do regime de propriedade é mais complexa. Se assumirmos que devem ser financiadas ou fomentadas pelo Estado, seja porque envolvem direitos humanos básicos (educação, saúde) seja porque implicam externalidades aferíveis (educação, saúde, cultura pesquisa científica), não há razão para que sejam privadas. Por outro lado, uma vez que não implicam no exercício do poder de Estado, não há razão para que sejam controladas pelo Estado. Se não têm, necessariamente, de ser propriedade do Estado nem de ser propriedade privada, a alternativa é adotar-se o regime da propriedade pública não- estatal ou - usando a terminologia anglo-saxônica - da propriedade pública não-governamental. ―Pública‖, no sentido de que se deve dedicar ao interesse público, de que não visa ao lucro. ―Não estatal‖ porque não é parte do aparelho do Estado. Nos Estados Unidos, todas as universidades são organizações públicas não estatais. Podem ser consideradas ―privadas‖ ou ―controladas pelo Estado‖ mas, a rigor, por um lado, não visam ao lucro e, por outro, não empregam servidores públicos. São parcialmente financiadas ou subsidiadas pelo Estado - sua face ―privada‖ é menor que a face ―controlada pelo Estado‖ -, mas são entidades independentes, controladas por juntas que representam a sociedade civil e - em posição minoritária - pelo Estado. No Reino Unido, as universidades e os hospitais sempre estiveram sob o controle do Estado: agora já não é assim; são hoje ―organizações quase-não- governamentais‖ (―quangos‖). Não foram privatizadas: passaram do controle do Estado para o controle público. Há três possibilidades em relação aos serviços não-exclusivos: podem ficar sob o controle do Estado; podem ser privatizados; e podem ser financiados ou subsidiados pelo Estado, mas controlados pela sociedade, isto é, ser transformados em organizações públicas não-estatais. O burocratismo e estaticismo defendem a primeira alternativa; os neoliberais radicais preferem a segunda via; os social-democratas (ou democratas liberais, na acepção norte-americana) defendem a terceira alternativa. Há inconsistência entre a primeira alternativa e a administração pública gerencial; a administração pública gerencial tem dificuldades em conviver com a segunda alternativa, e é perfeitamente coerente com a terceira. Aqui, o Estado não é visto como produtor - comoprega o burocratismo -, nem como simples regulador que garanta os contratos e os direitos de propriedade -, como reza o ―credo‖ neoliberal -, mas, além disto, como ―financiador‖ (ou ―subsidiador‖) dos serviços não-exclusivos‖. O subsídio pode ser dado diretamente à organização pública não-estatal, mediante dotação orçamentária - no Brasil temos chamado este tipo de instituição de ―organizações sociais‖ - ou, por uma mudança mais radical, pode ser dado diretamente ao cidadão sob a forma de vouchers. E poderão continuar a ser financiados pelo Estado, se a sociedade entender que estas atividades não devam ficar submetidas apenas à coordenação pelo mercado. São duas as principais instituições usadas para implementar esta reforma: no domínio das atividades exclusivas, a idéia é criarem-se ―agências autônomas‖; e as atividades não-exclusivas deverão se transformar em ―organizações sociais‖. As agências autônomas serão plenamente integradas ao Estado e as organizações sociais incluir-se-ão no setor público não-estatal. Constituirão organizações não- governamentais autorizadas pelo Parlamento a receber dotação no orçamento do Estado. O instrumento que o núcleo estratégico usará para controlar as atividades exclusivas e as não- exclusivas será o contrato de gestão. As agências autônomas, nas atividades exclusivas, e as organizações sociais, nos serviços não-exclusivos, serão descentralizadas. Nas agências, o ministro nomeará o gerente-executivo e assinará com ele o contrato de gestão; nas organizações www.pontodosconcursos.com.br 14 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO sociais, o gerente-executivo será escolhido pelo conselho: ao ministro caberá assinar os contratos de gestão e controlar os resultados. Os contratos de gestão deverão prover os recursos de pessoal, materiais e financeiros com os quais poderão contar as agências ou as organizações sociais, e definirão claramente - quantitativa e qualitativamente - os indicadores de desempenho: os resultados a serem alcançados, acordados pelas partes. Essa era a alma do Plano Diretor, os quatro setores, suas definições e as propostas de reforma para cada um deles, envolvendo o tipo de administração pública a ser adotada, o tipo de propriedade a ser adotada e o modelo de instituição ideal para cada um deles. 2.8 – AS INOVAÇÕES GERENCIAIS DO BRASIL EM AÇÃO E DO AVANÇA BRASIL No decorrer da implementação do plano plurianual 1996-1999, foi ficando evidente para os dirigentes na frente do processo, a necessidade de insular um conjunto de projetos estratégicos para o governo que deveriam ser objeto de tratamento diferenciado por parte do governo. A idéia era agrupar um conjunto de iniciativas e identificá-las, sendo de interesse direto do presidente. Estes projetos passaram a fazer parte de um pacote de investimentos estratégicos chamado Brasil em Ação, orientados para a superação de gargalos de infra-estrutura e redução do chamado custo Brasil. Estes investimentos passaram a receber tratamento de projetos, gerenciados enquanto tal e com gerente especificamente designado como responsável por sua execução. A ênfase na responsabilização individualizada pelos resultados em projetos de grande porte foi importante novidade da experiência. Para operar substantiva modificação no processo de elaboração de planos plurianuais e, em especial, realocação substantiva de recursos, era necessário romper com o incrementalismo inercial do processo orçamentário. Tratava-se, então, de recuperar a centralidade da categoria programa no processo de elaboração orçamentária, obscurecida por práticas classificatórias que se tornaram rígidas com o passar do tempo. Silveira, como Bresser, ressaltava a necessidade de uma revolução gerencial, mas contrariamente a Bresser não se ocupava com formas de organização das instituições públicas, nem tampouco com os problemas do regime de pessoal destas organizações. O foco de suas preocupações eram os processos de trabalho, processos estes que se beneficiaram enormemente dos desenvolvimentos tecnológicos de sistemas de trabalho que traduziam, de forma estruturada, os princípios de contratualização de resultados que se buscava institucionalizar. A transição de 1998 para 1999 teve outra dinâmica para os setores comprometidos com as reformas gerenciais que seriam introduzidas no processo de elaboração do PPA 2000- 2003, mais tarde batizado como Avança Brasil. O eclipse de Bresser Pereira – cujos esforços correram em paralelo, mas não de forma convergente com os do Ministério de Planejamento – e a iminência da crise cambial produziram uma janela de oportunidade rapidamente aproveitada por Kandir, Silveira e sua equipe, em que pese a mudança de dirigentes em curso no período. Em meados de 1998, foram contratadas análises com a finalidade de subsidiar a estruturação de uma programação de investimento que balizasse inversões públicas e privadas, a partir de sinalizações referenciadas no espaço georeferenciado nacional. O chamado Estudos dos Eixos serviria para subsidiar todo o esforço de revitalização e reprogramação do processo de planejamento nacional com especial atenção para projetos e programas de infra-estrutura física, posteriormente acrescidos de iniciativas na área social e ambiental. Em dezembro de 1998, foi aprovada uma modificação na legislação orçamentária que permitiria que, na elaboração do PPA 2000-2003, fossem redefinidas prioridades orçamentárias www.pontodosconcursos.com.br 15 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO históricas, mas que já não faziam, guardavam relação com as novas ações programáticas que se buscava estabelecer. Assim foram gerados graus de liberdade importantes, para que no segundo mandato de Cardoso fosse possível acomodar novas prioridades. Os meses de dezembro, janeiro e fevereiro foram totalmente absorvidos pela administração da crise cambial – responsável pela substituição de dois Presidentes do Banco Central em um período de quinze dias. Em março, com o segundo mandato duramente comprometido pela desvalorização cambial de que Cardoso dispunha para iniciar seu segundo período na Presidência. Da expectativa de elaboração de um plano plurianual vertebrado e ambicioso centrado agora em programas (e não mais em projetos), dotado de um significativo conjunto de novidades e de um discurso articulado, capaz de transmitir à população a mensagem de que o governo tinha um projeto, apesar dos danos produzidos pelas mudanças na política cambial e fiscal. O Brasil em Ação não chegara a ser objeto de uma avaliação sistemática. Mas foi considerado suficientemente exitoso para justificar sua generalização para todo o plano plurianual seguinte. Passou de 42 projetos no âmbito do Brasil em Ação para 345 programas no Avança Brasil. A figura dos gerentes foi reproduzida na escala massiva com o novo PPA, agora acoplado, também, a um sistema de indicadores de desempenho que traduzia a retórica de contratualização de resultados em um desafio concreto para o Executivo federal. Paralelamente a este esforço, a carreira de analistas de planejamento e orçamento foi periodicamente sendo alimentada pelos quadros dos concursos públicos realizados no decorrer do processo. Tanto a Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI) quanto a Secretaria de Orçamento e Finanças (SOF) tiveram condições de operar de forma sistêmica, no Ministério de Planejamento (depois Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão) e nas Secretarias de Planejamento, Orçamento e Administração(SPOAs) dos Ministérios Finalísticos. No âmbito da capacitação de recursos humanos, a Escola Nacional de Administração Pública passou a investir maciçamente no processo de capacitação de dirigentes, gerentes e chefias intermediárias na disseminação dos conteúdos relacionados com o novo PPA. Além deste programa intenso de educação continuada centrada no Avança Brasil, a ENAP cuidava, também, da formação das carreiras de gestores governamentais e analistas de planejamento e orçamento, sempre destacando os principais fundamentos da Nova Gestão Pública. A implementação do Avança Brasil possibilitou ao governo atravessar o segundo mandato tendo como referência uma programação que, embora sujeita a cortes orçamentários recorrentes devido ao esforço de ajuste fiscal, proporcionava uma imagem objetivo de racionalidade acoplada a uma retórica gerencial aparentemente coerente. A posição de nodal da SPI e o caráter compulsório da adesão ao processo imposto pelos novos sistemas de informação adotados, consolidados no Sigplan, conferiram ao governo um centro de gravitação frágil em função da conjuntura econômica, porém suficientemente estruturado para ser objeto de atenção internacional, dado a surpreendente revitalização da prática de planejamento no Brasil, duas décadas após seu quase abandono pelo governo federal. Muitos dos elementos do Brasil em Ação e, em especial, do Avança Brasil não possuíam o caráter inovador que advogavam. Já na década de 60, muitas das idéias e técnicas de planejamento e programação orçamentária agrupadas sob a sigla PPBS foram aplicadas – e posteriormente abandonadas – no Brasil, a ponto de servirem de referência para a reforma administrativa de 1967. Mas acopladas à retórica da Nova Gestão Pública, ganharam um novo impulso. Pela primeira vez, desde o governo Castelo Branco, planejamento e gestão voltavam a www.pontodosconcursos.com.br 16 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO interagir, de forma potencialmente sinérgica, ainda que muito problemática. A deliberada opção por ignorar aspectos organizacionais e relacionados a pessoal gerou, no entanto, uma série de dificuldades para o processo de implementação e gestão do PPA. A análise do Banco Mundial (2002) sobre os avanços e as limitações do Avança Brasil aponta, com muita propriedade, os progressos e estrangulamentos ocorridos até a época. A saturação da retórica governamental em relação ao programa não tinha como encobrir as fragilidades e vulnerabilidades do modelo. A estrutura de incentivos do Avança Brasil não se mostrou nem sustentável nem consistente por não integrar os conteúdos programáticos, informacionais, orçamentários, organizacionais e de recursos humanos. O desenvolvimento de capacidades foi assimétrico, atribuindo-se aos sistemas de informação expectativas que não tinham como atender sem correspondentes modificações em outras políticas-chave de gestão pública. Resumindo e acrescentando outros fatores importantes desse período, podemos citar: - a regulamentação das Organizações Sociais (OS) e das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP); - a revitalização do processo de planejamento anual (PPA); - a configuração do núcleo estratégico do Estado, com o agrupamento das carreiras do ciclo de gestão; - a criação da Corregedoria Geral da União, que incorporava a Secretaria Federal de Controle; - a introdução do pregão eletrônico nas compras governamentais. 2.9 – O GOVERNO LULA No governo Lula, as inovações na esfera de gestão pública não tiveram um núcleo irradiador único. A maioria não se situou explicitamente nas áreas das políticas de gestão pública. Vejamos as iniciativas dignas de destaque: - A discussão com a sociedade civil a respeito do PPA 2004-2007 foi liderada pela Secretaria Geral; - a formulação de um marco jurídico comum para todos os setores em que o Estado regulador começa a tomar forma foi uma iniciativa da Casa Civil; - a institucionalização de uma mesa de negociação para lidar com as questões trabalhistas no setor público teve lugar na Secretaria de Recursos Humanos (SRH) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG); - o sorteio de prefeituras para efeito de fiscalização da utilização dos recursos federais foi uma idéia originária na própria Controladoria Geral da União; - a criação da figura jurídica dos consórcios públicos nasceu na Subchefia de Assuntos Federativos da Presidência; - a proposta de unificação das receitas federal e previdenciária partiu do Ministério da Fazenda. Presidente. - a decisão de se criar o programa Bolsa Família foi implementada diretamente pelo www.pontodosconcursos.com.br 17 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO Vemos que o governo Lula tem procurado inovar em áreas consistentes com suas diretrizes e prioridades. Mas, diferentemente do governo anterior, não vem contando com um núcleo incubador, articulador e organizador das propostas de modernização da administração pública. Isso devido à centralização da coordenação das ações de governo na Casa Civil e à progressiva debilidade do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). No primeiro ano do governo Lula, a Casa Civil estruturou-se explicitamente como um ministério que desempenhava o papel de coordenador-geral, centralizando tanto a articulação política das negociações do governo no Congresso como a coordenação das ações de governo. Isso ocasionou a profusão de câmaras setoriais, grupos de trabalho e comissões que aos poucos levou à Casa Civil a um estrangulamento. Por isso, o Presidente resolveu dividir o ministério em dois, separando a articulação institucional da coordenação das políticas, que melhorou também com a criação da Secretaria de Articulação e Monitoramento Governamental. A combinação de Presidência forte, porém inchada, e o MPOG esvaziado e reduzido a função secundária em relação ao Ministério da Fazenda (MF) apresenta um quadro adverso para o exercício das funções de coordenação. Isto porque os instrumentos para seu exercício não se encontram na Presidência, espaço político por definição. Se a Casa Civil se concentrasse em alguns poucos projetos prioritários para o presidente, esta situação não seria tão grave. Todavia, na medida em que este Ministério reserva para si as funções de análise do mérito do conjunto das ações de todo o governo, de desempate nos conflitos intergovernamentais em múltiplos temas e de última palavra no que se refere à priorização dos interesses da Presidência, o nível de complexidade demandado vai além da capacidade instalada existente. Vamos analisar agora a delicada questão do progressivo enfraquecimento do MPOG. A intenção anterior de se promover a fusão do Ministério da Administração e Reforma do Estado – MARE – com o Ministério do Planejamento tinha como objetivo dotar os reformadores dos instrumentos necessários para encaminhar as transformações pretendidas. Além disso, esperava- se que a unificação das áreas de planejamento, orçamento e gestão sob um comando coordenado em um único ministério facilitasse a implementação das reformas almejadas. Mas infelizmente não foi o que ocorreu. A Secretaria de Planejamento e Investimentos Estratégicos (SPI) havia ganhado destaque a partir da experiência do Brasil em Ação e do Avança Brasil, por ter utilizado um conjunto de princípios gerenciais inovadores com sistemáticas de planejamento institucionalizadas.No início do governo Lula, a elaboração do PPA 2004-2007 processou-se com um grau inédito de participação da sociedade. Todavia, o ímpeto inicial se perdeu com as crescentes preocupações macroeconômicas. Apesar de o PPA haver se consolidado institucionalmente, foi perdendo aos poucos seu potencial de inovação e se burocratizando. A Secretaria de Orçamento Federal (SOF) adquiriu um papel cada vez maior, todavia vem se alinhando cada vez mais com a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), em detrimento das demais secretarias do MPOG. As propostas orçamentárias revelaram-se cada vez mais contracionistas, e o processo de problematização do gasto público foi se empobrecendo progressivamente, ao não incorporar os insumos das outras Secretarias de seu próprio Ministério. Já a Secretaria de Gestão (SEGES) foi pensada como uma substituta da Secretaria da Reforma do Estado, como foco originário de formulação e inovação da administração federal. Todavia, seus planos de reestruturação da administração estavam politicamente dissociadas das www.pontodosconcursos.com.br 18 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO prioridades do novo governo. Deslocada e desconectada das demais secretarias do MPOG, a SEGES sobrevive às custas de ações pontuais e reativas, sustentada mais pelas ações de seus quadros que por alinhamento com diretrizes do governo. A resultante desta descoordenação entre as Secretarias do MPOG é: - a perda de efetividade das ações de cada uma delas; e - a transformação do MPOG em virtual apêndice do MF. No que tange à política de recursos humanos do governo Lula, podemos citar que há tanto avanços como retrocessos. Como avanços dessa área podemos citar: - a valorização dos quadros das carreiras integrantes do ciclo de gestão; - a institucionalização de câmaras de negociação salarial com os servidores; - a introdução do princípio do mérito, mesmo em contratações por tempo determinado; - a implementação de termos de ajuste de conduta referentes à substituição de terceirizados na administração federal; e - a realização de concursos públicos para áreas em que o déficit de pessoal atingia proporções alarmantes. Todavia, como retrocessos podemos citar: - a incompreensível ressurreição do moribundo quadro do PCC (atual PGPE); - o abandono do monitoramento dos salários do setor privado para funções equivalentes do serviço público; - a significativa expansão dos cargos de confiança com recrutamento amplo; - a dissociação da política de RH da política de gestão pública; e - a captura da política de RH por setores ligados a interesses corporativistas do funcionalismo público. Com relação às questões de modelagem organizacional, as reformas nas formas organizacionais de prestação de serviços públicos introduzidas no governo FHC não foram aprofundadas na gestão Lula. Surpreendentemente, antigas formas de organização de serviços públicos estão sendo reabilitadas: o serviço público autônomo e as empresas estatais. Longe de refletir uma política de governo, os casos em questão sugerem a combinação de relutância em adotar uma solução organizacional sobre a qual pairam dúvidas e questionamentos (em especial no que se refere às questões da accountability, do contrato de gestão e da gestão de patrimônio público por meio de regras privadas) com a tendência de se buscar resolver problemas de natureza organizacional apenas no âmbito das partes interessadas (cada área procurando resolver bilateralmente seus problemas com o governo). Finalizando, percebemos que a crescente complexidade da administração pública, combinada com as características do sistema político brasileiro, indica que mudanças abruptas e abrangentes serão cada vez mais difíceis. Nenhuma área do governo, nem mesmo a Casa Civil e o MF, dispõe hoje de capital institucional capaz de assegurar condições de coordenação e implementação de processos de mudanças amplos e profundos. QUESTÕES COMENTADAS www.pontodosconcursos.com.br 19 CURSOS ON-LINE - GESTÃO PÚBLICA ANALISTA DE PLANEJAMENTO E ORÇAMENTO PROFESSOR EDUARDO FÁVERO 1 (ESAF-EPPGG2002) - A administração burocrática moderna, racional legal foi implantada nos principais países europeus no final do século XIX e no Brasil em 1936, com a reforma administrativa promovida por Maurício Nabuco e Luiz Simões Lopes. Assinale a opção que não caracteriza corretamente este tipo de administração. a) A administração burocrática distingue entre o público e o privado, separando o político do administrador público, sendo essencial ao bom funcionamento do capitalismo. b) A administração pública burocrática é uma alternativa superior à administração patrimonialista do Estado, é baseada no princípio do mérito profissional e compatível com o capitalismo industrial e a democracia parlamentar. c) A administração pública burocrática tem como princípios o mérito e a formalidade, o que torna difícil a sua aplicação nas democracias parlamentares, onde os interesses dos vários grupos políticos impedem uma unidade de ação. d) A administração pública burocrática concentra-se no processo, na criação de procedimentos para gestão do Estado em todas as suas atividades e em controlar a adequação do serviço público a estes procedimentos. e) A administração burocrática é lenta, cara, auto-referida, pouco orientada para atender às demandas dos cidadãos, não garantindo nem rapidez, nem qualidade, nem custos baixos para os serviços prestados ao público. Resolução: A questão aborda as características positivas e negativas (disfunções) da administração pública burocrática. Ela separa o patrimônio do governante do patrimônio do Estado e, em tese, também separaria o político do administrador público (tal acaba não acontecendo na realidade, pois no Brasil os administradores públicos, em grande parte, são somente ocupantes de cargos em comissão, devendo lealdade ao político que os nomeou e não ao Estado. A ESAF tem essa característica: marcar a alternativa mais correta ou a menos errada), sendo o capitalismo e a democracia os grandes responsáveis por sua implementação (conforme o PDRAE). Sem dúvida nenhuma que a administração pública burocrática é um avanço em relação à corrupção e ao nepotismo inerente ao modelo patrimonialista. Ela que institui o princípio do mérito para acesso e promoção no serviço público. E é totalmente compatível com a democracia parlamentar, tendo sido adotada em diversos países da Europa ocidental que adotam tal sistema de governo, como por exemplo o Reino Unido. Isto torna a letra ―c‖ errada. Neste país, o sistema político é bipartidário, o que facilita ainda mais a obtenção de maioria para um dos partidos, que compõe o gabinete e tem legitimidade para organizar o aparelho de Estado de acordo com os princípios burocráticos (final do século XIX) e até mesmo implantar reformas gerenciais (a partir dos anos 1980). A subordinação ao Estatuto, à Lei, às normas e aos regulamentos é característica do princípio da formalidade, basilar da Administração Pública Burocrática. Tendo grande influência da Teoria da Administração Científica, de Taylor (Estudo de Tempos e Movimentos para se garantir maior eficiência), e da Escola Clássica da Administração, de Fayol, a Administração Pública Burocrática procura tudo escrever, definir, estabelecer procedimentos de como o funcionário deve agir, a fim de que tudo possa ser previsto anteriormente. Todavia, por não considerar devidamente