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Administração Pública - TCU 2008 Professor: Rafael Encinas E-mail: raencinas@uol.com.br Olá pessoal! Nesta apostila está a teoria referente aos 16 itens do edital. Na outra apostila estão os exercícios que iremos estudar em sala de aula. Qualquer dúvida sobre esses exercícios vocês podem me mandar um e-mail. Veremos 16 itens do edital: 1. Estruturação da máquina administrativa no Brasil desde 1930: dimensões estruturais e culturais. 2. As reformas administrativas e a redefinição do papel do Estado. Reforma do Serviço Civil (mérito, flexibilidade e responsabilização) e Plano Diretor para a Reforma do Aparelho do Estado de 1995. 3. Administração pública: do modelo racional-legal ao paradigma pós-burocrático. O Estado oligárquico e patrimonial, o Estado autoritário e burocrático, o Estado do bem-estar, o Estado regulador. 4. Estrutura e estratégia organizacional. Cultura organizacional e mudança no setor público. Convergências e diferenças entre a gestão pública e a gestão privada. O paradigma do cliente na gestão pública. 5. Empreendedorismo governamental e novas lideranças no setor público. Processos participativos de gestão pública: conselhos de gestão, orçamento participativo, parceria entre governo e sociedade. 6. Governo eletrônico. Transparência da administração pública. Controle social e cidadania. Accountability. 7. Novas tecnologias de gestão (reengenharia, qualidade, planejamento estratégico, Balanced ScoreCard) e tecnologias da informação e comunicação: impactos sobre a configuração das organizações públicas e sobre os processos de gestão. 8. Excelência nos serviços públicos. Gestão por resultados na produção de serviços públicos. Gestão de Pessoas por Competências. 9. Comunicação na gestão pública e gestão de redes organizacionais. 10. Administração de pessoal. Noções de SIAPE. 11. Administração de compras e materiais: processos de compras governamentais e gerência de materiais e estoques. Noções de SIASG. 12. Governabilidade e governança. Intermediação de interesses (clientelismo, corporativismo e neocorporativismo). 13. Mudanças institucionais: conselhos, organizações sociais, organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP), agência reguladora, agência executiva. 14. Processo de formulação e desenvolvimento de políticas: construção de agendas, formulação de políticas, implementação de políticas. 15. As políticas públicas no Estado brasileiro contemporâneo. Descentralização e democracia. Participação, atores sociais e controle social. Gestão local, cidadania e eqüidade social. 16. Planejamento e avaliação nas políticas públicas: conceitos básicos de planejamento. Aspectos administrativos, técnicos, econômicos e financeiros. Formulação de programas e projetos. Avaliação de programas e projetos. Tipos de avaliação. Análise custo-benefício e análise custo-efetividade. Os três primeiros itens estão juntos, uma vez que eles estão relacionados entre si. Não dá para falarmos da evolução da máquina administrativa no Brasil sem estudarmos antes o modelo racional-legal, assim como não dá para falar em Plano Diretor sem ter visto o paradigma pós- burocrático. Preferi, então, seguir uma ordem cronológica, estudando cada modelo e vendo como ele era implantado no Brasil. Primeiro, vamos ver como o Luiz Carlos Bresser-Pereira divide a evolução da administração pública no Brasil. Ele foi o Ministro da Administração Federal e Reforma do Estado durante o primeiro mandato do FHC e foi o principal responsável pela reforma gerencial de 1995. Ele divide a história da administração pública brasileira em três períodos: 1821-1930 1930 - 1985 1985 - Sociedade Mercantil-Senhorial Capitalista-Industrial Pós-Industrial Estado (política) Oligárquico Autoritário Democrático (1985) Estado (administração) Patrimonial Burocrático Gerencial (1995) 1 O Estado Oligárquico e Patrimonial O termo patrimonialismo surgiu para definir um tipo de dominação política em que não havia distinção entre a esfera pública e a esfera privada. Os bens públicos, do Estado, eram usados para interesses pessoais. Um exemplo é o fato de prefeitos explorarem as terras públicas e ficarem com parte do lucro. Os cargos públicos eram considerados bens pessoais, podendo ser vendidos ou transmitidos hereditariamente. As nomeações baseavam-se em critérios pessoais, trocas de favores. São utilizados os termos ―sinecura‖ e ―prebenda‖ para descrever os empregos públicos, já que significam ocupação rendosa de pouco trabalho. Já o termo oligarquia significa ―governo de poucos‖. Era um pequeno grupo que controlava a administração. No caso do Brasil, em 1900 o governo era dominado pela elite cafeicultora. As eleições eram uma farsa, ocorrendo a chamada ―política do café com leite‖, quando os estados de são Paulo e Minas Gerais revezavam-se nas indicações para o governo federal. A este pequeno grupo que controlava o governo, Raymundo Faoro deu o nome de ―estamento burocrático‖. Um ponto importante aqui é não confundir o uso do termo ―burocracia‖ sempre como uma referência ao modelo burocrático de administração defendido por Max Weber e que estudaremos a seguir. O termo ―burocracia‖ surgiu da junção da palavra francesa bureau, que significa escritório, com a palavra grega kratos, que significa poder. Desde o XVII já se falava em ―burocracia‖ para se referir a repartição pública e aos grupos que administravam o governo. Voltando então ao termo estamento burocrático, ele foi usado por Faoro para designar o grupo aristocrático-burocrático de juristas, letrados, e militares, que derivavam seu poder e sua renda do próprio Estado. Com o tempo, este estamento passa a ser infiltrado por grupos externos, de origem social mais baixa, como os militares do Exército. Já não podemos mais falar com precisão de um estamento patrimonial. É a administração pública burocrática que está surgindo, é o autoritarismo burocrático-capitalista que está emergindo através principalmente dos militares e das revoluções que promovem em nome de uma abstrata ―razão‖. Uma forma mais atual de patrimonialismo é o chamado rent seeking. Rent seeking é uma transferência de recursos, sem contrapartida, para o rent seeker, como resultado de uma ―decisão favorável de uma política pública‖. Exemplos de comportamentos Rent Seeking incluem todas as formas de lobbying de indivíduos ou grupos nos impostos, na despesa pública e na regulação da atividade econômica, que confira benefícios ou outra vantagem especial para os rent-seekers à custa dos contribuintes, dos consumidores ou outros indivíduos, com quem os rent-seekers estão em competição pelos recursos. 2 O modelo burocrático O grande teórico do modelo burocrático foi Max Weber, que considerava que havia três tipos de dominações legítimas. Segundo Max Weber, "Dominação é a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis". Para que um Estado exista, é necessário que um conjunto de pessoas obedeça à autoridade alegada pelos detentores do poder no referido Estado. Para que os dominados obedeçam é necessário que os detentores do poder possuam uma autoridade reconhecida como legítima. A dominação é presença marcante em uma sociedade. A dominação pode ser distinguida segundo três tipos básicos: Dominação Tradicional: é o tipo mais antigo. Puro da dominação patriarcal, onde o senhor comanda seus súditos, e é aceita em nome de uma tradição reconhecida como válida. O exercício da autoridade nos Estados desse tipo, é definido por um sistema de status, cujos poderes são determinados, em primeiro lugar, por prescrições concretas da ordem tradicional e, em segundo lugar, pela autoridade de outras pessoas que estão acima de um status particular no sistema hierárquico estabelecido. Dominação Carismática: ocorre em virtude de devoção afetiva à pessoa do senhor e a seus dotes sobrenaturais. Baseia-se na crença.O líder carismático, em certo sentido, é sempre revolucionário, na medida em que se coloca em oposição consciente a algum aspecto estabelecido da sociedade em que atua. Para que se estabeleça uma autoridade desse tipo, é necessário que o apelo do líder seja considerado como legítimo por seus seguidores, os quais estabelecem com ele uma lealdade de tipo pessoal. Dominação Racional-Legal: é regida por um estatuto, onde a associação dominante é eleita e nomeada. Baseada em regras racionalmente criadas. É uma dominação burocrática. A administração burocrática de Weber seria resultado deste último modelo. A palavra "burocracia", neste contexto, não tem o sentido negativo que ela veio a adquirir mais tarde. Ao contrário, a burocracia para Weber representaria a forma mais eficiente e racional de exercício do governo, se vista em comparação com outras formas de administração (como, por exemplo, a de tipo patrimonial). Weber fez uma lista bastante grande das características desta burocracia: separação entre pessoa e cargo, regras escritas para todos os atos públicos, neutralidade dos funcionários em relação ao conteúdo de seus atos, profissionalização, etc. Ele aponta também as sete características básicas do tipo ideal de burocracia: Formalização Divisão do Trabalho Princípio da Hierarquia Impessoalidade Competência técnica Separação entre Propriedade e Administração Profissionalização do Funcionário O Estado burocrático surge na segunda metade do século XIX, na época do Estado liberal, como forma de combater a corrupção e o nepotismo patrimonialista. Constituem princípios orientadores do seu desenvolvimento a profissionalização, a idéia de carreira, a hierarquia funcional, a impessoalidade, o formalismo, em síntese, o poder racional legal. Os controles administrativos visando evitar a corrupção e o nepotismo são sempre a priori. Parte-se de uma desconfiança prévia nos administradores públicos e nos cidadãos que a eles dirigem demandas. Por isso, são sempre necessários controles rígidos dos processos, como, por exemplo, na admissão de pessoal, nas compras e no atendimento a demandas. Por outro lado, o controle – a garantia do poder do Estado – transforma-se na própria razão de ser do funcionário. Em conseqüência, o Estado volta-se para si mesmo, perdendo a noção de sua missão básica, que é servir à sociedade. A qualidade fundamental da administração pública burocrática é a efetividade no controle dos abusos; seu defeito, a ineficiência, a auto-referência, a incapacidade de voltar-se para o serviço aos cidadãos vistos como clientes. Esse defeito, entretanto, não se revelou determinante na época do surgimento da administração pública burocrática porque os serviços do Estado eram muito reduzidos. O Estado limitava-se a manter a ordem e administrar a justiça, a garantir os contratos e a propriedade. 2.1 O Estado burocrático-autoritário no Brasil No Brasil, o modelo de administração burocrática emerge a partir dos anos 30. Surge no quadro da aceleração da industrialização brasileira, em que o Estado assume papel decisivo, intervindo pesadamente no setor produtivo de bens e serviços. A Revolução de 1930, um contraponto às oligarquias regionais, teve como desdobramento principal a criação do Estado administrativo no Brasil, através de dois mecanismos típicos da administração racional-legal: estatutos normativos órgãos normativos e fiscalizadores. Os estatutos e órgãos do ciclo Vargas visavam estabelecer princípios e regras e padronizar os procedimentos a serem adotados. Ao longo do período compreendido entre 1930 e 1945 fortaleceu-se a tendência de centralização na administração e, no pós-37, delineou-se uma nova característica de atuação: além de um estado administrativo, centralizador, ele passou a assumir as feições de um estado intervencionista; à sua expansão e ação centralizadora se somou, ainda, a criação de autarquias e de empresas que criaram a base futura para o estado desenvolvimentista. A implantação da burocracia brasileira se calcou em um tripé, cujas áreas temáticas se revelam até hoje como estruturantes da organização pública. Administração de material, pessoal e recursos financeiros. A primeira perna do tripé, a administração de material, deu seu primeiro passo com a criação da Comissão Permanente de Padronização em 1930 e da Comissão Permanente de Compras em 1931. Por mais que pareça estranho para nós pensarmos desta forma hoje, a burocracia tinha como objetivo o aumento da eficiência, que só seria conquistado com a racionalidade. O primeiro passo para conseguir alcançar a eficiência na burocracia é justamente organizar a sua mão-de-obra de maneira racional. Assim, a Lei n. º 184, de 20 de outubro de 1936, criou o Conselho Federal do Serviço Público Civil. A mesma instituiu também as Comissões de Eficiência. Cada Ministério de Estado teria a sua Comissão de Eficiência e uma de suas competências seria justamente apresentar propostas que ajudassem na racionalização dos seus serviços. A racionalização é a característica principal que garante o alcance da eficiência nas organizações burocráticas. Em 1938 o Conselho viria a ser substituído pelo Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP). Nos primórdios, a administração pública sofre a influência da teoria da administração científica de Taylor, tendendo à racionalização mediante a simplificação, padronização e aquisição racional de materiais, revisão de estruturas e aplicação de métodos na definição de procedimentos. Registra-se que, nesse período, foi instituída a função orçamentária enquanto atividade formal e permanentemente vinculada ao planejamento. O DASP passou a ser seu órgão executor e, também, formulador da nova forma de pensar e organizar a administração pública. A criação do DASP, ocorrida já nos quadros do Estado Novo, acontecia em um momento em que o autoritarismo brasileiro voltava com força, mas agora para realizar a revolução modernizadora do país, industrializá-lo, e valorizar a competência técnica. Representou, assim, no plano administrativo, a afirmação dos princípios centralizadores e hierárquicos da burocracia clássica. Podemos resumir as principais realizações do DASP: ingresso no serviço público por concurso, critérios gerais e uniformes de classificação de cargos, organização dos serviços de pessoal e de seu aperfeiçoamento sistemático, administração orçamentária, padronização das compras do Estado, racionalização geral de métodos. No que diz respeito à administração dos recursos humanos, o DASP representou a tentativa de formação da burocracia nos moldes weberianos, baseada no princípio do mérito profissional. Entretanto, embora tenham sido valorizados instrumentos importantes à época, tais como o instituto do concurso público e do treinamento, não se chegou a adotar consistentemente uma política de recursos humanos que respondesse às necessidades do Estado. Ainda permaneciam o patrimonialismo e o clientelismo. Entre as atribuições do DASP estavam previstas também a elaboração da proposta do orçamento federal e a fiscalização orçamentária. Na prática, porém, as iniciativas relativas à política orçamentária permaneceram nas mãos do Ministério da Fazenda até 1940. Nesse ano, a situação foi contornada com a criação, no interior daquele ministério, da Comissão de Orçamento, cuja presidência passava a ser acumulada pelo presidente do DASP. Somente no princípio de 1945 o DASP assumiu plenamente a responsabilidade pela elaboração da proposta do orçamento federal, com a conseqüente extinção da comissão do Ministério da Fazenda. Com a queda de Vargas em outubro de 1945, o DASP passou por um profundo processo de reestruturação, que resultou no seu parcial esvaziamento. A partir de então, suas funções assumiram um caráter de assessoria, exceto no tocante à seleção e aperfeiçoamento de pessoal, área em que se manteve como órgão executor.Ele veio a ser extinto apenas em 1986, com o Decreto 93.211, que criou a Secretaria de Administração Pública. Com o retorno de Vargas ao governo por meio de eleições em 1951 permitiu uma reação da burocracia a este retorno do clientelismo. Dentro desta reação ocorreu a promulgação da Lei nº 1.711, que trazia o segundo ―Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União‖. Tal estatuto passou a reger o trabalho no setor público e o concurso público, mais uma vez, tornou-se a regra geral de admissão. Portanto, o Estatuto não foi implantado no primeiro governo Vargas, mas sim no segundo. Ele veio a ser revogado apenas pela Lei 8.112 de 1990, que dispõe do regime jurídico dos servidores civis da União. Durante o segundo governo de Vargas, também em 1952, foi constituído um grupo de assessores diretos do Presidente com a finalidade de elaborar um ambicioso projeto global de reforma administrativa, cujas diretrizes previam a descentralização da gestão em todos os níveis, com fortalecimento dos Ministros e centralização da orientação superior no chefe do Executivo, planejamento e coordenação e reforma de base da administração. Foi então apresentando ao Congresso em setembro de 1953 o Projeto de Lei 3.563. Contudo, ele não foi aprovado, tendo sido retirado apenas pelo governo Castello Branco. O governo de Juscelino Kubitschek tentou novamente implementar os princípios da reforma. Para isso criará a Comissão de Estudos e Projetos Administrativos (CEPA) em 1956. Do relatório final desta comissão constam: descentralização da execução e centralização do controle; treinamento de funcionários; expansão do sistema de mérito; profissionalização do serviço público e desburocratização. No entanto, novamente a proposta não foi aprovada. O segundo período Vargas não logrou melhorias substantivas: os concursos públicos eram freqüentemente evitados ou burlados pelas autoridades de órgãos descentralizados, o serviço público manteve-se ineficiente e a carreira pública permanecia pouco mais do que um mito, com acirrada luta interna pelo nepotismo, especialmente às vésperas dos períodos eleitorais, quando proliferavam nomeações a título provisório 2.2 Administração para o desenvolvimento Após a democratização em 1945 houve um retorno dos velhos componentes patrimonialistas e clientelistas. A reforma de 1936 havia sido imposta de cima para baixo, contrariando muitos interesses. Vargas foi deposto em outubro de 1945, fazendo com que faltasse à Reforma Burocrática o respaldo que o regime autoritário lhe conferia. No novo regime democrático o DASP perdeu grande parte de suas atribuições. Nos cinco anos seguintes, a reforma administrativa seria conduzida como uma ação governamental rotineira e sem importância, enquanto práticas clientelistas ganhavam novo alento dentro do Estado brasileiro. O modelo que se estabeleceu no país consistiu na ―administração para o desenvolvimento‖, que foi um conjunto de idéias que surgiu a partir da década de 1950 que buscava discutir os meios administrativos necessários para alcançar as metas do desenvolvimento político, econômico e social. Defendia que era necessário reformar o sistema administrativo para transformá-lo em instrumento de modernização da sociedade. A idéia básica é a de que a administração pública deve adaptar-se às tarefas estatais com o propósito de servir eficientemente o desenvolvimento do país. Outro princípio desta corrente era a necessidade de planejar o desenvolvimento, visando estabelecer prioridades de investimento de recursos escassos para utilizá-los da melhor forma possível. Assim, a ação do governo deveria estar intimamente relacionada com o planejamento. É possível afirmar que a administração para o desenvolvimento tinha como meta um aparelho administrativo crescentemente responsável, como agente de implementação de políticas formuladas por instituições alheias à burocracia. A administração para o desenvolvimento significava, portanto, o fortalecimento das entidades estatais responsáveis pelo planejamento e implementação de um projeto desenvolvimentista. Diferentemente da ênfase de Getúlio ao setor público, JK implantou um programa de industrialização que previa a participação conjunta dos setores público e privado, bem como o estímulo a sua expansão simultânea. O problema era que JK precisava de estruturas mais flexíveis, sem os controles rígidos da burocracia. A estratégia de JK para enfrentar possíveis embates com a burocracia foi a constituição de estruturas paralelas. Ganhou vulto a ―aurtarquização‖ de órgãos da administração direta, mediante a criação de várias autarquias e sociedades de economia mista, mecanismos mais ágeis e flexíveis. A administração do Plano de Metas de JK foi executada, em grande parte, fora dos órgãos administrativos convencionais. Com a implantação do Plano de Metas de JK, que tinha como pré-requisito para sua implantação a criação de uma gama de organismos de planejamento e consultoria e comissões de trabalho (os Grupos Executivos), na sua maioria ocupado por pessoas ligadas aos grupos multinacionais (empresários com qualificação profissional, oficiais militares), foi formada uma administração paralela que coexistia com o Executivo formal e permitia que os interesses multinacionais ignorassem os canais tradicionais de formação de decisão, contornando assim as estruturas de representação do regime populista, dessa forma evitando assim, em última análise, a crítica pública que poderia ser dirigida aos interesse escusos das multinacionais e seus associados. São exemplos o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (GEIA) e o Grupo Executivo da Indústria de Construção Naval (Geicon). A política adotada por JK, de governar através de uma administração paralela, parece decorrer de uma tendência a evitar conflitos. JK raramente tentara abolir ou alterar radicalmente as instituições administrativas existentes. Preferiu uma atitude mais prática, como a de criar um novo órgão para solucionar um novo problema. Junto com os Grupos Executivos, foi criado o Conselho de Desenvolvimento. Ambos atuavam na linha da formulação política, paralelamente às atividades de rotina sob a responsabilidade da burocracia tradicional. Realizaram-se estudos e projetos de reforma, dentre os quais se destaca o anteprojeto de Reforma Geral da Administração Federal, no qual o tema descentralização foi mencionado pela primeira vez com programa de governo, após o longo período de centralização iniciado em 1930. Instituiu-se, em 1956, a Comissão de Simplificação Burocrática (COSB) com o objetivo de estudar formas de descentralização mediante a delegação de competências, a definição de responsabilidades e a prestação de contas às autoridades. A referida comissão representou um momento importante no processo de reformulação da administração pública. No mesmo ano, foi criada a Comissão de Estudos e Projetos Administrativos - CEPA, a qual propunha não só mudanças na estrutura organizacional do aparelho do Estado, mas também nos processos administrativos. Com a criação de todas estas estruturas paralelas, mais flexíveis e dinâmicas que a administração direta, o governo JK acabou marcado pela predominância de ―ilhas de excelência‖, que cuidaram de assegurar operacionalmente o papel do Estado na economia. 2.3 Modernização autoritária e expansão do Estado Desde o início dos anos 60 formara-se a convicção de que a utilização dos princípios rígidos da administração pública burocrática constituía-se em um empecilho ao desenvolvimento do país. Na verdade, essa insatisfação datava da década anterior, mas o desenvolvimento econômico acelerado que ocorria então permitia que as soluções encontradas para contornar o problema conseguisse empurrar o problema com a barriga. No momento, entretanto, em que a crise se desencadeia, no início dos anos 60, a questão retorna. O Presidente João Goulart nomeou, em 1963, o deputado Amaral Peixoto Ministro Extraordináriopara a Reforma Administrativa. O objetivo era coordenar diversos grupos de estudos, encarregados da formulação de projetos de reforma administrativa que tornassem a administração pública mais eficiente. No final desse ano, a Comissão apresentou quatro projetos importantes, tendo em vista uma reorganização ampla e geral da estrutura e das atividades do governo. No entanto, esta iniciativa foi abortada pelo golpe militar de 1964, já que Castello Branco retirou do Congresso todos os projetos que se encontravam em tramitação. Apesar disso, os trabalhos da Comissão foram importantes posteriormente, já que serviram como base das reformas vindouras. Portanto, as reformas que vieram após os trabalhos da Comissão não apresentavam diagnósticos divergentes, pelo contrário, adotaram muitas de suas diretrizes. A importância da Comissão Amaral Peixoto não decorre nem de sua produção imediata nem da implementação de medidas específicas, que, na verdade, não houve. Decorreram dos diagnósticos propostas e medidas idealizadas que passaram, desde então, a fazer parte do acervo científico-administrativo brasileiro. A partir daquele momento esse acervo é, com freqüência, utilizado pelos governantes e, pelo menos em parte, posto em prática. De novo no poder, os militares promovem, com a ativa participação de civis, a reforma administrativa de 1967, consubstanciada no Decreto-Lei nº 200. Esta era uma reforma pioneira, que prenunciava as reformas gerenciais que ocorreriam em alguns países do mundo desenvolvido a partir dos anos 80, e no Brasil a partir de 1995. Reconhecendo que as formas burocráticas rígidas constituíam um obstáculo ao desenvolvimento quase tão grande quanto as distorções patrimonialistas e populistas, a reforma procurou substituir a administração pública burocrática, consolidando ainda mais a ―administração para o desenvolvimento‖: distinguiu com clareza a administração direta da administração indireta, garantiu-se às autarquias e fundações deste segundo setor, e também às empresas estatais, uma autonomia de gestão muito maior do que possuíam anteriormente, fortaleceu e flexibilizou o sistema do mérito, tornou menos burocrático o sistema de compras do Estado. Podemos identificar cinco princípios norteadores da reforma: Planejamento, Descentralização, Delegação de autoridade, Coordenação e Controle; A reforma proposta era, basicamente, no sentido de delegar ao máximo o poder de decisão para os órgãos de linha, e preferir sempre a contratação de setores e companhias privadas para a execução de suas políticas. Segundo este modelo, os órgãos administrativos deveriam se limitar a funções quase que exclusivamente normativas e de supervisão, enquanto que o setor privado passaria a ter um papel cada vez maior em todas as ações realmente executivas do governo. As duas premissas implícitas no projeto são, primeiro, a de que o Estado é sempre um executor incompetente, e que o setor privado pode fazer o mesmo que ele de forma mais eficaz e barata; e, segundo, que é impossível legislar em detalhe a atuação dos órgãos de linha da administração pública. A crença na superioridade da administração privada foi, certamente, um dos fatores que inspiraram o decreto-lei 200; o outro foi o conhecimento das dificuldades quase insuperáveis de agir com eficiência dentro do emaranhado de normas e formalismos que hoje existem no serviço público brasileiro. Mas, como o setor privado freqüentemente não tinha a organização e a competência para a execução das tarefas mais técnicas que o governo pretendia lhe atribuir, as únicas alternativas eram o recurso a empresas privadas estrangeiras ou a criação de empresas nos moldes privados, mas com capital e controle públicos, e que pudessem agir sob a orientação de um órgão normativo superior. Assim, apesar do interesse em aumentar a participação privada na administração pública, o que ocorreu foi o inverso: o aumento no número de entes estatais. Só que estes novos entes se encontravam fora do núcleo burocrático, criados a partir da desconcentração para a administração indireta, particularmente para as fundações de direito privado criadas pelo Estado, as empresas públicas e as empresas de economia mista, além das autarquias, que já existiam desde 1938. Através das fundações (que antecipavam as organizações sociais criadas na Reforma Gerencial de 1995) o Estado dava grande autonomia administrativa para os serviços sociais e científicos, que passavam, inclusive, a poder contratar empregados celetistas. Através da autonomia dada às empresas de economia mista viabilizava-se o grande projeto de industrialização com base em grandes empresas estatais de infra-estrutura e serviços públicos que já havia sido iniciado nos anos 40, com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, e acelerado nos anos 50, com a criação da Petrobrás, da Eletrobrás, e da Telebrás, e do BNDES. Por outro lado, são criados órgãos normativos superiores que deveriam orientar as novas entidades e regular o setor. Esta combinação de órgãos normativos superiores, da administração direta, e órgãos executivos subordinados, organizados como fundações ou empresas estatais, passou a ser adotada em muitos setores da administração pública. Uma conseqüência inesperada foi que, na maioria das vezes, as empresas executoras passaram a concentrar a maior parte da competência técnica e dos recursos financeiros, esvaziando assim, na prática, as funções de seus órgãos normativos, ou entrando em conflito com eles. A Constituição de 1967 permitiu a contratação via CLT para o serviço público, e o Decreto- Lei nº 200 facultava o ingresso, sem concurso, de ―especialistas para instituições de pesquisa e órgãos especializados‖. Isso prejudicou a concretização da tão sonhada profissionalização do servidor público, já que a administração indireta passou a ser utilizada como fonte de recrutamento, prescindindo-se, em geral, do concurso público ou, na melhor das hipóteses, recrutando através de exames específicos de habilitação. Além do Decreto-Lei 200 de 1967, outro instituto importante foi o Decreto-Lei 900 de 1969, que instituiu regras importantes para as fundações públicas. Segundo este Decreto: Art . 2º Não serão instituídas pelo Poder Público novas fundações que não satisfaçam cumulativamente os seguintes requisitos e condições: a) dotação específica de patrimônio, gerido pelos órgãos de direção da fundação segundo os objetivos estabelecidos na respectiva lei de criação; b) participação de recursos privados no patrimônio e nos dispêndios correntes da fundação, equivalentes a, no mínimo, um têrço do total; c) objetivos não lucrativos e que, por sua natureza, não possam ser satisfatoriamente executados por órgão da Administração Federal, direta ou indireta; d) demais requisitos estabelecidos na legislação pertinente a fundações. No início da década de 1970, uma nova tentativa se esboçou com a criação da Secretaria de Modernização e Reforma Administrativa (SEMOR), no âmbito do Ministério do Planejamento. Reuniu-se em torno dela um grupo de jovens administradores públicos, muitos deles com formação em nível de pós-graduação no exterior, que buscou implantar novas técnicas de gestão, e particularmente de administração de recursos humanos, na administração pública federal. Da edição do Decreto-Lei n° 200 até 1979 a reforma desenvolvimentista foi conduzida principalmente pela Subsecretaria de Modernização e Reforma Administrativa, do Ministério do Planejamento. Durante a década de 1970, a SEMOR teve o objetivo de promover revisões periódicas da estrutura organizacional existente e examinar projetos encaminhados por outros órgãos públicos, visando instituir novas agências e/ou programas, ao mesmo tempo que dedicava atenção especial ao desenvolvimento de recursos humanos para o sistema de planejamento. Já o DASP, restrito à administração do pessoal, mantinha-se preso aos princípios da Reforma Burocrática de 1936,que, no entanto, não lograva levar adiante. O conceito de ―carreira‖ manteve-se limitado aos escalões inferiores, enquanto os cargos de direção superior passavam a ser preenchidos a critério da Presidência da República, sendo o recrutamento realizado especialmente através das empresas estatais, de acordo com filosofia desenvolvimentista então vigente. De 1979 a 1982 a administração pública federal, embora enfrentando problemas crônicos, abre duas novas frentes de atuação: a desburocratização e a desestatização. No início dos anos 80 registrou-se uma nova tentativa de reformar a burocracia e orientá-la na direção da administração pública gerencial, com a criação do Ministério da Desburocratização e do Programa Nacional de Desburocratização - PrND, cujos objetivos eram a revitalização e agilização das organizações do Estado, a descentralização da autoridade, a melhoria e simplificação dos processos administrativos e a promoção da eficiência. A partir de 1979, Hélio Beltrão, que havia participado ativamente da Reforma Desenvolvimentista de 1967, volta à cena, agora na chefia do Ministério da Desburocratização do governo Figueiredo. Entre 1979 e 1983 Beltrão transformou-se em um arauto das novas idéias; criticando, mais uma vez, a centralização do poder, o formalismo do processo administrativo, e a desconfiança que estava por trás do excesso de regulamentação burocrática, e propondo uma administração pública voltada para o cidadão. Seu Programa Nacional de Desburocratização foi por ele definido como uma proposta política visando, através da administração pública, ―retirar o usuário da condição colonial de súdito para investi-lo na de cidadão, destinatário de toda a atividade do Estado‖. As ações do PrND voltaram-se inicialmente para o combate à burocratização dos procedimentos. Posteriormente, foram dirigidas para o desenvolvimento do Programa Nacional de Desestatização, num esforço para conter os excessos da expansão da administração descentralizada, estimulada pelo Decreto-Lei nº 200/67. Em síntese o Decreto-Lei 200 foi uma tentativa de superação da rigidez burocrática, podendo ser considerado como um primeiro momento da administração gerencial no Brasil. A reforma teve, entretanto, duas conseqüências inesperadas e indesejáveis. De um lado, ao permitir a contratação de empregados sem concurso público, facilitou a sobrevivência de práticas clientelistas ou fisiológicas. De outro lado, ao não se preocupar com mudanças no âmbito da administração direta ou central, que foi vista pejorativamente como ‗burocrática‘ ou rígida, deixou de realizar concursos e de desenvolver carreiras de altos administradores. O núcleo estratégico do Estado foi, na verdade, enfraquecido indevidamente através da estratégia oportunista ou ad hoc do regime militar de contratar os escalões superiores da administração através das empresas estatais. Desta maneira, a reforma administrativa prevista no Decreto-Lei 200 ficou prejudicada, especialmente pelo seu pragmatismo. Faltavam-lhe alguns elementos essenciais para que houvesse se transformado em uma reforma gerencial do Estado brasileiro, como a clara distinção entre as atividades exclusivas de estado e as não-exclusivas, o uso sistemático do planejamento estratégico ao nível de cada organização e seu controle através de contratos de gestão e de competição administrada. Faltava-lhe também uma clara definição da importância de fortalecer o núcleo estratégico do Estado. 2.4 O retrocesso de 1988 As ações rumo a uma administração pública gerencial são, entretanto, paralisadas na transição democrática de 1985 que, embora representasse uma grande vitória democrática, teve como um de seus custos mais surpreendentes o loteamento dos cargos públicos da administração indireta e das delegacias dos ministérios nos Estados para os políticos dos partidos vitoriosos. Um novo populismo patrimonialista surgia no país. De outra parte, a alta burocracia passava a ser acusada, principalmente pelas forças conservadoras, de ser a culpada da crise do Estado, na medida em que favorecera seu crescimento excessivo. A conjunção desses dois fatores leva, na Constituição de 1988, a um retrocesso burocrático sem precedentes. Sem que houvesse maior debate público, o Congresso Constituinte promoveu um surpreendente engessamento do aparelho estatal, ao estender para os serviços do Estado e para as próprias empresas estatais praticamente as mesmas regras burocráticas rígidas adotadas no núcleo estratégico do Estado. A nova Constituição determinou a perda da autonomia do Poder Executivo para tratar da estruturação dos órgãos públicos, instituiu a obrigatoriedade de regime jurídico único para os servidores civis da União, dos Estados-membros e dos Municípios, e retirou da administração indireta a sua flexibilidade operacional, ao atribuir às fundações e autarquias públicas normas de funcionamento idênticas às que regem a administração direta. Este retrocesso burocrático foi em parte uma reação ao clientelismo que dominou o país naqueles anos. Foi também uma conseqüência de uma atitude defensiva da alta burocracia que, sentindo-se injustamente acusada, decidiu defender-se de forma irracional. O retrocesso burocrático não pode ser atribuído a um suposto fracasso da descentralização e da flexibilização da administração pública que o Decreto-Lei nº 200 teria promovido. Embora alguns abusos tenham sido cometidos em seu nome, seja em termos de excessiva autonomia para as empresas estatais, seja em termos do uso patrimonialista das autarquias e fundações (onde não havia a exigência de processo seletivo público para a admissão de pessoal), não é correto afirmar que tais distorções possam ser imputadas como causas do mesmo. Na medida em que a transição democrática ocorreu no Brasil em meio à crise do Estado, esta última foi equivocadamente identificada pelas forças democráticas como resultado, entre outros, do processo de descentralização que o regime militar procurara implantar. Por outro lado, a transição democrática foi acompanhada por uma ampla campanha contra a estatização, que levou os constituintes a aumentar os controles burocráticos sobre as empresas estatais e a estabelecer normas rígidas para a criação de novas empresas públicas e de subsidiárias das já existentes. Afinal, geraram-se dois resultados: de um lado, o abandono do caminho rumo a uma administração pública gerencial e a reafirmação dos ideais da administração pública burocrática clássica; de outro lado, dada a ingerência patrimonialista no processo, a instituição de uma série de privilégios, que não se coadunam com a própria administração pública burocrática. Como exemplos, temos a estabilidade rígida para todos os servidores civis, diretamente relacionada à generalização do regime estatutário na administração direta e nas fundações e autarquias, a aposentadoria com proventos integrais sem correlação com o tempo de serviço ou com a contribuição do servidor. Todos esses fatos contribuíram para o desprestígio da administração pública brasileira, não obstante o fato de que os administradores públicos brasileiros são majoritariamente competentes, honestos e dotados de espírito público. Essas qualidades, que eles demonstraram desde os anos 30, quando a administração pública profissional foi implantada no Brasil, foram um fator decisivo para o papel estratégico que o Estado jogou no desenvolvimento econômico brasileiro. A implantação da indústria de base nos anos 40 e 50, o ajuste nos anos 60, o desenvolvimento da infra-estrutura e a instalação da indústria de bens de capital, nos anos 70, de novo o ajuste e a reforma financeira, nos anos 80, e a liberalização comercial nos anos 90, não teriam sido possíveis não fosse a competência e o espírito público da burocracia brasileira. 2.5 Rupturas no Governo Collor As distorções provocadas pela nova Constituição logo se fizeram sentir, engessando a máquina administrativa. No governo Collor,entretanto, a resposta a elas foi equivocada e apenas agravou os problemas existentes, na medida em que se preocupava em destruir ao invés de construir. A reestruturação administrativa pretendida pelo governo Collor se inseria no contexto da modernização do Estado, tratando de privilegiar o ajuste econômico, a desregulamentação, a desestatização e a abertura da economia. A desregulamentação e a desestatização, como se recorda, são princípios que já constavam da pauta da reforma administrativa desde o final dos anos 60, enquanto o ajuste econômico e a abertura comercial se constituíam em dimensões novas a serem perseguidas pelo governo. Foi criado em 1990 Programa Federal de Desregulamentação, ―fundamentado no princípio constitucional da liberdade individual, com a finalidade de fortalecer a iniciativa privada, em todos os seus campos de atuação, reduzir a interferência do Estado na vida e nas atividades do indivíduo, contribuir para a maior eficiência e o menor custo dos serviços prestados pela Administração Pública Federal e sejam satisfatoriamente atendidos os usuários desses serviços‖. As suas diretrizes eram: a Administração Pública Federal, em princípio, aceitará como verdadeiras as declarações feitas pelos administrados, substituindo, sempre que cabível, a exigência de prova documental ou de controles prévios por fiscalização dirigida que assegure a oportuna repressão às infrações da lei; somente serão mantidos os controles e as formalidades imprescindíveis; a atividade econômica privada será regida, basicamente, pelas regras do livre mercado, limitada a interferência da Administração Pública Federal ao que dispõe a Constituição; sempre que possível, a Administração Pública Federal atuará mediante convênios entre seus órgãos e entidades, ou entre estes e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, visando à descentralização da atividade administrativa, à redução dos custos e à eliminação dos controles superpostos; os órgãos e entidades da Administração Pública Federal observarão o cumprimento das normas vigentes, editadas na execução do extinto Programa Nacional de Desburocratização, criado pelo Decreto nº 83.740, de 18 de julho de 1979, bem assim os seus princípios fundamentais. Do ponto de vista da ação administrativa, a reforma redundou na demissão ou dispensa de 112 mil servidores, entre celetistas não-estáveis, ocupantes de cargos comissionados e de funções de assessoramento superior; além disso, 45 mil servidores optaram por se aposentar. O presidente Collor, por outro lado, criou dois megaministérios: da Economia, Fazenda e Planejamento e da Infra-Estrutura. Medida das mais polêmicas, ainda na área de pessoal, foi a instituição do Regime Jurídico Único, através da Lei no 8.112, de dezembro de 1990, que permitiu a todos os celetistas optarem pelo regime de servidor estatutário, medida que, atualmente, é vista como tendo exercido um efeito engessador na administração pública. Em 1991, o presidente Collor encaminhou ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional nº 59, em que propunha a alteração do regime de estabilidade do servidor público. A estabilidade obtida após dois anos de exercício efetivo valeria apenas para os servidores nas ―atividades típicas do Estado‖: segurança, diplomacia, advocacia e defensorias públicas, controles interno e externo, tributação, arrecadação e fiscalização de tributos. Nos demais casos, a estabilidade seria obtida somente após dez anos de exercício efetivo na função. Um ano depois de encaminhada a PEC nº 59, o próprio presidente a retira da apreciação congressual. A reforma Collor, naquilo que efetivamente se materializou, é vista por um arguto analista como ―desmobilização de ativos‖: ―Além da desestruturação de setores inteiros da Administração Federal, esta reforma não deixou resultados perenes, quer em termos de cultura reformista, quer em termos de metodologias, técnicas ou processos. Sequer um diagnóstico consistente pode ser elaborado a partir de sua intervenção, pois em nenhum momento o voluntarismo que a marcou permitiu que a abordagem do ambiente administrativo se desse de maneira científica‖. Com o impeachment de Collor, assumiu o vice-presidente Itamar Franco. Seu governo tentou implantar uma reforma administrativa que se caracterizou, inicialmente, pela reversão da reforma administrativa de Collor, o que implicava na reorganização da estrutura governamental nos moldes da Nova República, inclusive no que se refere à finalidade de barganha política por escalões de governo. O governo Itamar Franco permaneceu incapaz dar início a um processo de ajuste estrutural na administração pública. A barganha instrumental fortalecia-se pelos momentos delicados do impeachment. Segundo Bresser Pereira: No início do governo Itamar Franco a sociedade brasileira começa a se dar conta da crise da administração pública. Havia, entretanto, ainda muita perplexidade e confusão. A ideologia burocrática, que se tornara dominante em Brasília a partir da transição democrática, assim se manteve até o final desse governo. O governo Itamar concentrou a agenda da administração pública em dois temas: a retórica anti-corrupção e a recuperação salarial, tratada como "a implementação do princípio constitucional da isonomia". O governo Itamar Franco buscou essencialmente recompor os salários dos servidores, que haviam sido violentamente reduzidos no governo anterior. 3 A administração Gerencial O modelo gerencial emerge na segunda metade do século XX como resposta, de um lado, à expansão das funções econômicas e sociais do Estado e, de outro, ao desenvolvimento tecnológico e à globalização da economia mundial, uma vez que ambos deixaram à mostra os problemas associados à adoção do modelo anterior. A eficiência da administração pública – a necessidade de reduzir custos e aumentar a qualidade dos serviços, tendo o cidadão como beneficiário – torna-se então essencial. A reforma do aparelho do Estado passa a ser orientada predominantemente pelos valores da eficiência e qualidade na prestação de serviços públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações. A administração pública gerencial constitui um avanço, e até um certo ponto um rompimento com a administração pública burocrática. Isso não significa, entretanto, que negue todos os seus princípios. Pelo contrário, a administração pública gerencial está apoiada na anterior, da qual conserva, embora flexibilizando, alguns dos seus princípios fundamentais, como a admissão segundo rígidos critérios de mérito, a existência de um sistema estruturado e universal de remuneração, as carreiras, a avaliação constante de desempenho, o treinamento sistemático. A diferença fundamental está na forma de controle, que deixa de basear-se nos processos para concentrar-se nos resultados, e não na rigorosa profissionalização da administração pública, que continua um princípio fundamental. Na administração pública gerencial a estratégia volta-se: para a definição precisa dos objetivos que o administrador público deverá atingir em sua unidade; para a garantia de autonomia do administrador na gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros que lhe forem colocados à disposição para que possa atingir os objetivos contratados; e para o controle ou cobrança a posteriori dos resultados. Adicionalmente, pratica-se a competição administrada no interior do próprio Estado, quando há a possibilidade de estabelecer concorrência entre unidades internas. No plano da estrutura organizacional, a descentralização e a redução dos níveis hierárquicos tornam-se essenciais. Em suma, afirma-se que a administração pública deve ser permeável à maior participação dos agentes privados e/ou das organizações da sociedade civil e deslocar a ênfase dos procedimentos (meios) para os resultados (fins). A administração pública gerencial inspira-se na administração de empresas, mas nãopode ser confundida com esta última. Enquanto a receita das empresas depende dos pagamentos que os clientes fazem livremente na compra de seus produtos e serviços, a receita do Estado deriva de impostos, ou seja, de contribuições obrigatórias, sem contrapartida direta. Enquanto o mercado controla a administração das empresas, a sociedade - por intermédio de políticos eleitos - controla a administração pública. Enquanto a administração de empresas está voltada para o lucro privado, para a maximização dos interesses dos acionistas, esperando-se que, através do mercado, o interesse coletivo seja atendido, a administração pública gerencial está explícita e diretamente voltada para o interesse público. Neste último ponto, como em muitos outros (profissionalismo, impessoalidade), a administração pública gerencial não se diferencia da administração pública burocrática. Na burocracia pública clássica existe uma noção muito clara e forte do interesse público. A diferença, porém, está no entendimento do significado do interesse público, que não pode ser confundido com o interesse do próprio Estado. Para a administração pública burocrática, o interesse público é freqüentemente identificado com a afirmação do poder do Estado. Ao atuarem sob esse princípio, os administradores públicos terminam por direcionar uma parte substancial das atividades e dos recursos do Estado para o atendimento das necessidades da própria burocracia, identificada com o poder do Estado. O conteúdo das políticas públicas é relegado a um segundo plano. A administração pública gerencial nega essa visão do interesse público, relacionando-o com o interesse da coletividade e não com o do aparato do Estado. A administração pública gerencial vê o cidadão como contribuinte de impostos e como cliente dos seus serviços. Os resultados da ação do Estado são considerados bons não porque os processos administrativos estão sob controle e são seguros, como quer a administração pública burocrática, mas porque as necessidades do cidadão-cliente estão sendo atendidas. O paradigma gerencial contemporâneo, fundamentado nos princípios da confiança e da descentralização da decisão, exige formas flexíveis de gestão, horizontalização de estruturas, descentralização de funções, incentivos à criatividade. Contrapõe-se à ideologia do formalismo e do rigor técnico da burocracia tradicional. À avaliação sistemática, à recompensa pelo desempenho, e à capacitação permanente, que já eram características da boa administração burocrática, acrescentam-se os princípios da orientação para o cidadão-cliente, do controle por resultados, e da competição administrada. O modelo gerencial tornou-se realidade no mundo desenvolvido quando, através da definição clara de objetivos para cada unidade da administração, da descentralização, da mudança de estruturas organizacionais e da adoção de valores e de comportamentos modernos no interior do Estado, se revelou mais capaz de promover o aumento da qualidade e da eficiência dos serviços sociais oferecidos pelo setor público. A reforma do aparelho do Estado no Brasil significará, fundamentalmente, a introdução na administração pública da cultura e das técnicas gerenciais modernas. 3.1 Plano Diretor para a Reforma do Aparelho do Estado Em 1995, Fernando Henrique Cardoso assume a Presidência da República. Ele convoca então Luiz Carlos Bresser Gonçalves Pereira para assumir o Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado. No mesmo ano ele viria a propor uma reforma gerencial para a administração pública brasileira, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) A crise do Estado burocrático-industrial ou burocrático desenvolvimentista era fato, mas não havia proposta para substituir esse modelo a não ser as idéias globalistas, as quais afirmavam que a globalização importava na perda de relevância dos Estados nacionais e seu papel, não havendo outra alternativa para as nações senão submeter-se às regras do mercado globalizado. O PDRAE baseou-se num diagnóstico de crise do Estado – crise do modo de intervenção, dos modelos de administração e de financiamento do setor público – e foi concebido levando-se em conta o conjunto das mudanças estruturais da ordem econômica, política e social necessárias à inserção do Brasil na nova ordem mundial. O Plano diretor entendia que a modernização da gestão se daria através da superação da administração burocrática e dos traços de patrimonialismo existentes no setor público com a introdução da administração gerencial, contemplando: Descentralização e autonomia gerencial com flexibilidade de gestão; Skil Highlight Atingimento de resultados sob a ótica da eficiência, eficácia e efetividade com a reorientação dos mecanismos de controle, no caso, de procedimentos para resultado; Foco no cidadão, ao invés de auto-referida; Controle social com a introdução de mecanismos e instrumentos que garantam a transparência, assim como a participação e controle por parte do cidadão. Diagnóstico O Plano Diretor buscou traçar um panorama da administração pública para a partir daí traçar as mudanças necessárias. O primeiro ponto apontado é que o resultado do retrocesso burocrático de 1988 foi um encarecimento significativo do custeio da máquina administrativa, tanto no que se refere a gastos com pessoal como bens e serviços, e um enorme aumento da ineficiência dos serviços públicos. O maior problema no aumento de gastos com pessoal foi que ele não decorreu do aumento de servidores ativos. Pelo contrário, houve uma redução do número de servidores do Executivo em âmbito federal. Embora tenha havido uma substancial diminuição do número de servidores civis ativos do Poder Executivo da União, que caiu de 713 mil em 1989 para 580 mil em 1995, a participação da folha de pagamentos da União no PIB não se reduziu; na verdade, aumentou, passando de 2,89% entre 1980-1987 para 3,17% do PIB na média do período 1988- 94. O que ocorreu foi uma mudança no perfil dos servidores: há um crescente número de inativos comparado com o total de ativos. Dada essa redução do número de funcionários, não se pode falar em excesso de quadros na União. O que existe são áreas que concentram um número desnecessário de funcionários e outras que apresentam déficit, como no caso das atividades finais nos setores de saúde e educação. O crescimento dos gastos foi ainda muito mais acentuado nos estados e municípios, que passaram a receber uma parcela maior da arrecadação tributária. A participação dos gastos com pessoal na receita da União vinha apresentando uma tendência histórica crescente. Pode-se observar claramente uma evolução proporcionalmente maior dos gastos com inativos que com ativos. Dimensão Cultural e Dimensão-Gestão Os problemas até agora analisados estão fortemente relacionados com sua dimensão institucional-legal, dependendo, portanto, de reforma constitucional, ou de mudança na legislação infra-constitucional, mas todos esses entraves estão diretamente relacionados com a cultura burocrática existente no país. A cultura burocrática não reconhecia que o patrimonialismo, embora presente como prática, já não constituía mais um dos maiores problemas a serem enfrentados. Além disso, o controle dos eleitores sobre os políticos se tornara real, permitindo que as regras se tornassem mais flexíveis. Na prática, o resultado era uma desconfiança nos administradores públicos, aos quais não se delega autoridade para decidir com autonomia os problemas relacionados com os recursos humanos, materiais e financeiros. Explica-se daí a rigidez da estabilidade e dos concursos, o formalismo do sistema de licitações, e o detalhismo do orçamento. Esses obstáculos a uma administração pública eficiente só poderiam ser superados quando, conjuntamente com a mudança institucional-legal, ocorresse uma mudança cultural no sentido da administração pública gerencial. A dimensão institucional-legal e a dimensãocultural dos entraves a uma administração pública moderna, gerencial, eficiente e voltada para o atendimento do cidadão complementam- se com a dimensão-gestão. Na verdade, é nesta última que a administração pública demonstra sua energia, pois sua eficiência e efetividade dependerão da capacidade de gestão nela existente. Esta dimensão diz respeito a um elemento central da técnica administrativa de como fazer, com que métodos, de que modo, sob orientação de quais valores. A boa gestão é aquela que define objetivos com clareza, recruta os melhores elementos através de concursos e processos seletivos públicos, treina permanentemente os funcionários, desenvolve sistemas de motivação não apenas de caráter material mas também de caráter psicossocial, dá autonomia aos executores e, afinal, cobra os resultados. Nada disto existe na administração pública federal. Eficiência, Eficácia e Efetividade A necessidade de mudar o enfoque da administração para atender às necessidades do cidadão-cliente trouxe à tona o conceito de efetividade, ou seja, a satisfação das necessidades do cliente (ou a junção da eficácia com a eficiência num mesmo tempo). O conceito de eficácia é o cumprimento dos objetivos previamente estabelecidos, enquanto que a eficiência se encontra relacionada com o como fazer (a quantidade de recursos que foram empregados e se foram ou não utilizados de maneira inteligente). Contudo não adianta ser eficiente, gastando pouco, e atingir a meta, se o objetivo em si era errado. É ai que entra a efetividade, que é atingir os resultados certos, suprindo as reais necessidades da população. Um exemplo. O governo deseja reduzir o analfabetismo numa cidade em que há um grau muito baixo de analfabetos. Vai ser eficiente se consruir uma estrutura de ensino adequada com pouco dinheiro. Vai ser eficaz se conseguir zerar o grau de analfabetismo, mas não vai ser efetivo porque o objetivo foi errado. A efetividade é medida pelo grau em que se atingiu os resultados esperados, o que envolve a avaliação qualitativa de serviços públicos. Mas a efetividade também é considerada quando se atingem resultados socialmente relevantes, ou seja, de interesse do conjunto da sociedade, no caso dos serviços públicos. Eficácia é a capacidade de realizar objetivos, Eficiência é utilizar produtivamente os recursos, Efetividade é realizar a coisa certa para transformar a situação existente. O aparelho do estado, os tipos de gestão e as formas de propriedade O PDRAE identificou então quatro segmentos de organização do Estado, formas de relacionamento com a sociedade, no que concerne à distribuição de responsabilidades. A partir destes segmentos, seriam definidos: As áreas próprias de atuação do estado; Os tipos de gestão a serem adotadas; As formas de propriedade. Os quatro segmentos, listados de acordo com a necessidade de presença do Estado, são: Núcleo Estratégico: Corresponde ao governo, em sentido lato. É o setor que define as leis e as políticas públicas, e cobra o seu cumprimento. É, portanto, o setor onde as decisões estratégicas são tomadas. Corresponde aos Poderes Legislativo e Judiciário, ao Ministério Público e, no poder executivo, ao Presidente da República, aos ministros e aos seus auxiliares e assessores diretos, responsáveis pelo planejamento e formulação das políticas públicas. Aqui, as decisões devem ser as melhores, atender ao interesse nacional e ter efetividade. O regime de propriedade deve ser necessariamente estatal. Atividades Exclusivas: É o setor em que são prestados serviços que só o Estado pode realizar. São serviços em que se exerce o poder extroverso do Estado – o poder de regulamentar, fiscalizar, fomentar. Como exemplos temos: a cobrança e fiscalização dos impostos, a polícia, a previdência social básica, o serviço de desemprego, a fiscalização do cumprimento de normas sanitárias, o serviço de trânsito, a compra de serviços de saúde pelo Estado, o controle do meio ambiente, o subsídio à educação básica, o serviço de emissão de passaportes, etc. A propriedade só pode ser também estatal. Atividades Não-Exclusivas: Corresponde ao setor onde o Estado atua simultaneamente com outras organizações públicas não-estatais e privadas. As instituições desse setor não possuem o poder de Estado. Este, entretanto, está presente porque os serviços envolvem direitos humanos fundamentais, como os da educação e da saúde, ou porque possuem ―economias externas‖ relevantes, na medida que produzem ganhos que não podem ser apropriados por esses serviços através do mercado. As economias produzidas imediatamente se espalham para o resto da sociedade, não podendo ser transformadas em lucros. São exemplos deste setor: as universidades, os hospitais, os centros de pesquisa e os museus. A situação ideal de propriedade é, nesse caso, a pública não-estatal. Produção de Bens e Serviços para o Mercado: Corresponde à área de atuação das empresas. É caracterizado pelas atividades econômicas voltadas para o lucro que ainda permanecem no aparelho do Estado como, por exemplo, as do setor de infra-estrutura. Estão no Estado seja porque faltou capital ao setor privado para realizar o investimento, seja porque são atividades naturalmente monopolistas, nas quais o controle via mercado não é possível, tornando-se necessário no caso de privatização, a regulamentação rígida. Aqui a propriedade privada é a regra. Quanto à delimitação da área de atuação do Estado, a reforma administrativa propõe algumas distinções fundamentais. Primeiro, distingue as atividades exclusivas do Estado (núcleo estratégico, compreendendo as secretarias formuladoras de políticas, as agências executivas e as agências reguladoras) daquelas onde não há exercício de poder de Estado, mas que envolvem direitos humanos fundamentais ou geram externalidades que não devem ser apropriadas privadamente (processo de publicização, através do qual estes serviços passam a ser providos por organizações sociais). Uma segunda distinção fundamental: dentro de cada um desses segmentos, diferencia o que são atividades principais das atividades de apoio (a serem terceirizadas). Finalmente, distingue o ―Estado enquanto pessoal‖ (reservado às atividades principais do núcleo estratégico) do ―Estado enquanto orçamento‖ (pois o Estado continuará a financiar as atividades de apoio do núcleo estratégico, bem como boa parte das atividades core e de apoio das atividades não exclusivas do Estado). Encontra-se aqui a proposta de reforma das instituições públicas, pressuposto para o exercício da administração gerencial. Cada um destes quatro setores referidos apresenta características peculiares, tanto no que se refere às suas prioridades, quanto aos princípios administrativos adotados. No NÚCLEO ESTRATÉGICO, o fundamental é que as decisões sejam as melhores, e, em seguida, que sejam efetivamente cumpridas. A efetividade é mais importante que a eficiência. O que importa saber é, primeiro, se as decisões que estão sendo tomadas pelo governo atendem eficazmente ao interesse nacional, se correspondem aos objetivos mais gerais aos quais a sociedade brasileira está voltada ou não. Segundo, se, uma vez tomadas as decisões, estas são de fato cumpridas. Já no campo das atividades exclusivas de Estado, dos serviços não- exclusivos e da produção de bens e serviços o critério eficiência torna-se fundamental. O que importa é atender milhões de cidadãos com boa qualidade a um custo baixo. Aqui, o princípio administrativo fundamental é o da efetividade, entendido como a capacidade de ver obedecidas e implementadas com segurança as decisões tomadas, é mais adequado que haja um misto de administração pública burocrática e gerencial. No setor das ATIVIDADES EXCLUSIVAS e de serviços competitivos ou NÃO EXCLUSIVOS, o importante é a qualidade e o custo dos serviços prestados aos cidadãos. O princípio correspondente é o da eficiência, ou seja, a busca de umarelação ótima entre qualidade e custo dos serviços colocados à disposição do público. Logo, a administração deve ser necessariamente gerencial. O mesmo se diga, obviamente, do setor das empresas, que, enquanto estiverem com o Estado, deverão obedecer aos princípios gerenciais de administração. Formas de Propriedade Ainda que vulgarmente se considerem apenas duas formas, a PROPRIEDADE ESTATAL e a PROPRIEDADE PRIVADA, existe no capitalismo contemporâneo uma terceira forma, intermediária, extremamente relevante: a PROPRIEDADE PÚBLICA NÃO-ESTATAL, constituída pelas organizações sem fins lucrativos, que não são propriedade de nenhum indivíduo ou grupo e estão orientadas diretamente para o atendimento do interesse público. O tipo de propriedade mais indicado variará de acordo com o setor do aparelho do Estado. A questão da propriedade é essencial no modelo da Reforma Gerencial. No núcleo estratégico e nas atividades exclusivas do Estado, a propriedade será, por definição, estatal. Na produção de bens e serviços há, em contraposição, um consenso cada vez maior de que a propriedade deve ser privada, particularmente nos casos em que o mercado controla as empresas comerciais. No domínio dos serviços sociais e científicos a propriedade deverá ser essencialmente pública não-estatal. As atividades sociais, principalmente as de saúde, educação fundamental e de garantia de renda mínima, e a realização da pesquisa científica envolvem externalidades positivas e dizem respeito a direitos humanos fundamentais. São, portanto, atividades que o mercado não pode garantir de forma adequada através do preço e do lucro. Logo, não devem ser privadas. Por outro lado, uma vez que não implicam no exercício do poder de Estado, não há razão para que sejam controladas pelo Estado, e de se submeter aos controles inerentes à burocracia estatal, contrários à eficiência administrativa, que a Reforma Gerencial pode reduzir, mas não acabar. Logo, se não devem ser privados, nem estatais, a alternativa é adotar-se o regime da propriedade pública não-estatal, é utilizar organizações de direito privado, mas com finalidades públicas, sem fins lucrativos. No NÚCLEO ESTRATÉGICO a propriedade tem que ser necessariamente estatal. Nas ATIVIDADES EXCLUSIVAS de Estado, onde o poder extroverso de Estado é exercido, a propriedade também só pode ser estatal. Já para o SETOR NÃO-EXCLUSIVO ou competitivo do Estado a propriedade ideal é a pública não-estatal. Não é a propriedade estatal porque aí não se exerce o poder de Estado. Não é, por outro lado, a propriedade privada, porque se trata de um tipo de serviço por definição subsidiado. A propriedade pública não-estatal torna mais fácil e direto o controle social, através da participação nos conselhos de administração dos diversos segmentos envolvidos, ao mesmo tempo que favorece a parceria entre sociedade e Estado. As organizações nesse setor gozam de uma autonomia administrativa muito maior do que aquela possível dentro do aparelho do Estado. Em compensação seus dirigentes são chamados a uma responsabilidade maior, em conjunto com a sociedade, na gestão da instituição. No setor DE PRODUÇÃO DE BENS E SERVIÇOS PARA O MERCADO a eficiência é também o princípio administrativo básico e a administração gerencial, a mais indicada. Em termos de propriedade, dada a possibilidade de coordenação via mercado, a propriedade privada é a regra. A propriedade estatal só se justifica quando não existem capitais privados disponíveis - o que não é mais o caso no Brasil - ou então quando existe um monopólio natural. Mesmo neste caso, entretanto, a gestão privada tenderá a ser a mais adequada, desde que acompanhada por um seguro sistema de regulação. Objetivos Dada a crise do Estado e o irrealismo da proposta neoliberal do Estado mínimo, é necessário reconstruir o Estado, de forma que ele não apenas garanta a propriedade e os contratos, mas também exerça seu papel complementar ao mercado na coordenação da economia e na busca da redução das desigualdades sociais. Reformar o Estado significa melhorar não apenas a organização e o pessoal do Estado, mas também suas finanças e todo o seu sistema institucional-legal, de forma a permitir que o mesmo tenha uma relação harmoniosa e positiva com a sociedade civil. A reforma do Estado permitirá que seu núcleo estratégico tome decisões mais corretas e efetivas, e que seus serviços - tanto os exclusivos, que funcionam diretamente sob seu comando, quanto os competitivos, que estarão apenas indiretamente subordinados na medida que se transformem em organizações públicas não-estatais - operem muito mais eficientemente. Reformar o aparelho do Estado significa garantir a esse aparelho maior governança, ou seja, maior capacidade de governar, maior condição de implementar as leis e políticas públicas. Significa tornar muito mais eficientes as atividades exclusivas de Estado, através da transformação das autarquias em ―agências autônomas‖, e tornar também muito mais eficientes os serviços sociais competitivos ao transformá-los em organizações públicas não-estatais de um tipo especial: as ―organizações sociais‖. 4 Estado de Bem-estar Social e Estado Regulador O Estado do Bem-Estar Social surgiu após a Grande Depressão da década de 1930. Os estados se viram no meio de uma grave crise econômica com um número cada vez maior de pessoas atingindo os níveis da pobreza e da indigência. Como resposta à crise foram postas em prática as idéias econômicas de John Maynard Keynes, que defendia um papel mais interventor do Estado na economia de forma a estimular a demanda e, por conseqüência, o crescimento. Alguns também atribuem o surgimento e crescimento do estado do bem-estar social à concessões da burguesia às classes trabalhadoras como forma de se opor as idéias comunistas após a vitória bolchevista na Rússia. O princípio básico do estado do bem-estar social é que TODO cidadão tem o direito a um conjunto de bens e serviços que deveriam ter seu fornecimento garantido diretamente pelo Estado. Esses direitos incluiriam a educação em todos os níveis, a assistência médica gratuita, o auxílio ao desempregado, a garantia de uma renda mínima, recursos adicionais para a criação dos filhos etc. Esta forma de organização político-social se desenvolveu ainda mais com a ampliação do conceito de cidadania, com o fim dos governos totalitários da Europa Ocidental (nazismo, fascismo etc.) com a hegemonia dos governos sociais-democratas e, secundariamente, das correntes euro-comunistas, com base na concepção de que existem direitos sociais indissociáveis à existência de qualquer cidadão. A partir da década de 1970, com o agravamento da crise fiscal nos Estados, Iniciou-se aos poucos um processo que culminaria na condenação por parte de diversos economistas desse modelo de organização social. Segundo as novas teorias neoliberais, o Estado de bem- estar social era inviável, contrário ao desenvolvimento econômico e um entrave ao livre comércio. O ―estado provedor‖ incentivaria a inércia e inibiria a criatividade e o espírito empreendedor. Os elevados gastos realizados pelo governo e a manutenção do pleno emprego só podiam resultar em altos índices de inflação. A crise do petróleo no início da década de 1970 agravou ainda mais uma crise que já vinha de longe. Uma frase que resume a nova mentalidade em relação ao novo papel que o Estado pode adotar é: ―A palavra governo vem de um vocábulo que significa navegar, e o papel do governo é navegar — prestar serviço é remar, e o governo não é bom remador‖. Segundo esta nova mentalidade, os investimentos, seja em infra-estrutura, seja em prestação de serviços, serão realizados pela iniciativa privada, cabendo ao Estado os papéis de indutor, articulador, catalizador, orientador e controlador dessas atividades ao lado, logicamente, das suas responsabilidades diretas quanto às iniciativas de caráter social, tais como educação, saúde pública, segurançaetc. Segundo pitonisas neoliberais mais radicais, a regulação tornar- se-á a principal e talvez a única atividade do Estado. Um dos traços marcantes desta mudança foi a criação das agências reguladoras. O nascimento das agências reguladoras está diretamente relacionado com o processo de privatização de serviços públicos ocorrido na década passada. O Estado deixou de exercer determinadas tarefas, que foram repassadas para a iniciativa privada, mas não pôde apenas esquecer tais setores. É preciso fiscalizá-los e regulá-los. Para tanto, instituiu as agências reguladoras. Uma das principais características das agências reguladoras é sua independência em relação ao núcleo estratégico do Estado. Por isso elas foram criadas na forma de autarquias, na administração indireta, e com inúmeras prerrogativas que visam limitar a interferência estatal em sua atuação. Contudo, nem sempre a atuação destas agências está livre de ingerências, tanto do Estado quanto do setor privado por ela regulado. Um dos maiores obstáculos a sua atuação é a ―assimetria de informações‖. Para poder exercer sua função reguladora, determinando regras a serem seguidas, concedendo contratos de prestação de serviços, ajustando tarifas, as agências são muito dependentes da informação, principalmente daquela fornecida pelas empresas que são por ela reguladas. O problema é que nem sempre a informação é confiável. Para entender melhor esta relação entre regulador e regulado, é preciso conhecermos alguns princípios da teoria da agência. As relações contratuais quer explícitas ou implícitas, delimitam a figura de um sujeito ativo que recebe o nome genérico de principal, e de um sujeito passivo chamado agente. A suposição básica existente na relação principal-agente é de que o agente agirá em favor do principal e que por isso receberá alguma recompensa. O agente, ou contratado, deverá desempenhar certas funções, de acordo com os critérios do principal, ou contratante. No entanto, em muitos casos o principal tem certa dificuldade em saber se o agente está realmente cumprindo com suas obrigações de forma satisfatória. Aqui entra a assimetria de informação. O agente dispõe de um conjunto de possíveis comportamentos a adotar, suas ações afetam o bem-estar entre as partes e dificilmente são observáveis pelo principal. Decorrentes da assimetria de informações, surgem outros dois problemas: Seleção adversa = quando são selecionados os agentes com maior risco. Se a indústria de seguros de vida praticar um preço baseado na média de risco das pessoas, saíra perdendo porque quem terá maior propensão a fazer seguros serão as pessoas com maior risco. Por isso que são praticados preços de acordo com o risco de cada um. Risco moral = uma das partes envolvidas em um contrato não dispõe de condições ou mecanismos para monitorar as ações e as atitudes da outra parte envolvida, que pode ter um comportamento de risco. Muitas pessoas com plano de saúde passam a usar os serviços médicos numa proporção bem maior do que quando não tinham o plano. Também existe para o agente. Por exemplo, quando o Estado determina alguns critérios no momento da contratação das empresas privadas e depois passa a usar outras regras. Por fim, existe também a captura das agências reguladoras, quando o órgão regulador passa a confundir o bem comum com os interesses da indústria por ele regulamentada, passando a ser aliado das firmas reguladas. 5 O Governo Lula Em seu primeiro ano de mandato, o governo Lula lançou o Plano ―Gestão pública para um país de todos‖. Tal documento partiu do pressuposto de que ―tanto os desafios contextuais quanto as condições de funcionamento dos Estados — principalmente aqueles em desenvolvimento —, exigem ações no sentido de se buscar seu fortalecimento institucional‖. Além disso: ―O quadro de desigualdades clama por um Estado ativista, promotor da justiça social; o de escassez clama por esforços de otimização; o quadro global competitivo requer um Estado regulador e uma gestão econômica consistente; e a conquista da democracia exige um novo padrão de deliberação que considere o cidadão como o foco da ação pública‖. O Plano tinha como objetivo principal fortalecer o Estado através de: 1. redução do ―déficit institucional‖, definido como a ausência do Estado onde ele deveria estar atuando, 2. aumento da governança, que significaria promover a capacidade do governo em formular e implementar políticas públicas e em decidir, entre diversas opções, qual a mais adequada. 3. aumento da eficiência, otimizando recursos (fazer mais e melhor com menos) 4. transparência e participação, assegurando, dessa forma, o comprometimento da sociedade e a legitimação do processo. Nas organizações do Poder Executivo Federal, o Plano de Gestão Pública tinha como objetivo contemplar, no médio e longo prazos: a redefinição das estratégias, a recomposição da força de trabalho, a reconfiguração das estruturas e processos o redimensionamento de recursos em bases mais eficientes e direcionadas para resultados. A construção do novo modelo de gestão pública deveria pautar-se nos seguintes princípios ou premissas orientadoras: O Estado como parte essencial da solução, voltado à redução das desigualdades e à promoção do desenvolvimento; O cidadão como beneficiário principal. Trata-se de considerá-lo membro de uma comunidade cívica, organizada e plena de direitos e deveres, ampliando-se a consciência cidadã, recriando-se a solidariedade e definindo-se critérios de justiça social; o cidadão não é um mero consumidor de bens ou serviços públicos; O Plano de Gestão Pública como uma definição de Governo, supraministerial, independentemente da origem das proposições iniciais, das modificações, das exclusões e das inclusões incorporadas durante o processo de discussão. A proposta de gestão pública deve ser construída coletivamente, sendo o Presidente da República o seu empreendedor máximo; Integração do Plano de Gestão Pública às demais políticas de Governo. Com o endosso do Presidente da República, o Plano adquire poder de integração de políticas. Será um instrumento de geração de resultados, flexível para permitir soluções específicas para as diversas áreas da ação governamental, ao mesmo tempo em que impede a fragmentação e a coexistência de políticas, projetos, e programas concorrentes e/ou contraditórios; Envolvimento, mobilização, incentivo e participação dos servidores e demais atores envolvidos são fundamentais. A definição de estratégias de intervenção ou indução de processos de mudança deve ser baseada na adesão das organizações e setores, na capacitação e na motivação intensivas, além da troca constante de informações. Superam-se, assim, as transformações baseadas predominantemente no caráter legalista e coercitivo, em favor de uma abordagem que resgate a formulação de políticas de gestão baseadas em incentivos institucionais e pessoais; Problemas em busca de soluções. O Plano de Gestão Pública será formulado a partir de diagnóstico abrangente e sistemático, que identifique problemas e suas causas e não apenas seus sintomas. Abrangente, para permitir a identificação de problemas sistêmicos e transversais; e contínuo, para dotar de maior racionalidade as decisões estratégicas sobre objetivos e ações; Pluralismo de instrumentos, ferramentas e metodologias. A escolha será feita em função dos problemas identificados no diagnóstico ao invés da adoção, a priori, de modismos gerenciais que possam induzir à transplantação acrítica de idéias e soluções. As ações se concentrariam em três frentes de atuação, paralelas, integradas e complementares 1. Modelo de Gestão dos Programas do PPA 2. Instrumentos de Gestão 3. Estruturação da Administração Pública Federal As ações do Plano de Gestão Pública estariam voltadas à implementação e redefinição dos programas — quando da revisão do PPA —, tendo como objeto,
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