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Do Direito das Águas

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DO DIREITO DAS ÁGUAS
Doutrinas Essenciais de Direito Ambiental | vol. 2 | p. 111 | Mar / 2011
DTR\2012\1642
Antônio de Pádua Nunes
Advogado. Membro do Conselho de Redação da "Revista dos Tribunais".
Área do Direito: Ambiental
Sumário:
Revista dos Tribunais • RT 472/265 • fev./1975
O direito das águas não logrou, ainda, merecer muita atenção dos juristas brasileiros de nossa
época. É um rincão estranhamente inexplorado e não percorrido. Entretanto, a evolução rápida e
imponente do direito da terra, deveria ter arrastado para aquele, os mesmos princípios sociais que
inspiraram e informaram a reforma agrária.
Não obstante a conexão ou interligação entre esses dois ramos da ciência jurídica, eles se
distanciam cada vez mais em nosso País, pela estagnação de um e pelo avanço de outro.
Mas, não só ao legislador é de se atribuir responsabilidade por tão flagrante desequilíbrio. Na esfera
do Judiciário se nos deparam julgados onde litígios de águas são decididas com a mofina invocação
do Código Civil (LGL\2002\400) e do direito de vizinhança.
Ainda agora, o Projeto do Código Civil (LGL\2002\400) de autoria de juristas do porte dos Profs.
Agostinho Alvim e Miguel Reale, dedica meia dúzia de artigos às águas, matéria que entre nós já se
destacou como direito autônomo, vindo a se enfeixar em Código. Convém acentuar que esta
orientação parece superior à do novo Código Civil (LGL\2002\400) português e do Código Civil
(LGL\2002\400) da Itália, que regulam as águas particulares e deixam para leis especiais as normas
sobre águas públicas.
É bem verdade que o Código de Águas parece ter nascido sob signo aziago. Logo que colocado em
vigor, provocou violenta oposição. Argüiram-no de inconstitucional. E entre os que o condenaram
alinhavam-se aos insignes Profs. J. M. de Azevedo Marques, J. de Miranda Valverde, A. Pires de
Albuquerque, Astolpho Rezende, Alfredo Bernardes da Silva e Francisco Morato.
A 8.12.1936, a então Corte de Apelação do Estado de São Paulo, em acórdão de copiosa
fundamentação, decretou a inconstitucionalidade do novo diploma (RF LXX/536).
O STF divergiu, porém, dessa conclusão. O Código de Águas passou, assim, a existir, já sem a
pecha da inconstitucionalidade.
É interessante observar, nesse particular, que o Prof. Francisco Morato, que o havia condenado,
considerou-o “revalidado pelo Decreto-lei n. 852, de 11.11.1938” e veio a citá-lo em parecer.
Mas, deixado na penumbra, o Código de Águas envelheceu, solitariamente.
2. Felizmente, a necessidade de sua atualização já preocupa o Poder Público. É o que demonstra o
Decreto n. 62.529, de 1968, que “autoriza o Ministro das Minas e Energia, a instituir Comissão
Especial de Alto Nível, com a atribuição de rever e atualizar o Código de Águas”. Muito
acertadamente, o referido decreto determina que a Comissão “será constituída por especialistas de
reconhecida competência nos aspectos jurídicos e técnicos relacionados com o Código de Águas e
particularmente no que diz respeito ao aproveitamento múltiplo de Bacias Hidrográficas”. E, por isso,
fica previsto que dela participarão representantes dos Ministérios do Planejamento, Justiça, Interior,
Agricultura, Saúde, Transporte e Marinha.
Realmente, um Código de Águas não pode ser trabalho apenas de juristas. Cabe aqui a observação
de Mário Busca: “In poche altre materia, é necessária come in materia di acqua, la contemporanea
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considerazione e, direi, la fusione delle nozioni giuridiche e tecniche”.
Nada veio a público, até hoje, sobre a formação dessa equipe de trabalho.
3. Há quem atribua ao Código de Águas “caráter acentuadamente publicista” (Dra. Maria de Lourdes
F. Feitosa, em “Estágios da Função Elétrica”). Basta, porém, um cotejo dos preceitos vigentes que
disciplinam o uso das correntes e a propriedade das nascentes, com as lições de M. I. Carvalho de
Mendonça e Lobão, para se concluir que, nesse setor, não avançamos nada. É preciso adequar a lei
às necessidades sociais presentes e aos interesses econômicos da coletividade.
E, para atingirmos essa adequação, não é de mister adotar a opinião radical de Eula, de que “l’acqua
sembra insuccettibile di vera proprietà”.
Nem é de atemorizar a melancólica advertência de Mário Busca: “Purtroppo, vi è in questa materia di
acqua, una tendenza alla eliminazione di ogni diritto privato”.
Que fiquem de lado, os debates intermináveis entre dominialistas e antidominialistas.
O Código de Águas vigente pode ser reformulado, sem exigir qualquer desgaste no entrechoque
dessa tese.
Deslizemos, porém, para outra ordem de idéias.
4. A propriedade das águas, em nosso País, é objeto da Constituição Federal (LGL\1988\3) (arts. 4.º
e 5.º), do Código de Águas (art. 29) e do Decreto-lei n. 852, de 1938 (art. 2.º). A respeito das ilhas, e
terrenos reservados, há normas nessa legislação e no Decreto-lei n. 9.760, de 1946.
Os municípios, atualmente, não têm domínio sobre qualquer rio.
Contudo, por conseqüência de leis paulistas, os municípios têm o domínio de parte dos terrenos
reservados e das margens externas dos rios, ficando a corrente no patrimônio do Estado ou da
União. É uma aberração.
“A água corrente, as margens e o leito são os três elementos que formam o rio, como partes de um
todo”, na lição de Teixeira de Freitas.
“As margens fazem parte integrante dos cursos de água”; é princípio ensinado como pacífico, por
Maurício Block, citado por Daniel de Carvalho.
Como resultado de uma legislação indiferente ao direito das águas, assiste-se entretanto, a um
estranho desmembramento, de rios. A “acqua profluens” pertence ao Estado ou União conforme o
caso. As margens externas e parte do terreno reservado pertencem ao município.
É preciso não confundir terreno reservado e margem externa. Esta é aquela que ainda, nas
enchentes, é coberta pelas águas. Mário Busca diverge da jurisprudência italiana no sentido de que
“debono considerarsi parte dell’alveo demaniale tutte le aree che vengono coperte dalle acque,
anche se ciò accade soltanto nelle più grandi piene” (“Le acque nella Legislazione Italiana”, n. 114).
Entre nós, M. I. Carvalho de Mendonça entendia que a margem externa é a faixa lateral de terreno
que vem terminar na aresta da interna, e a ela se aplicam as disposições relativas à propriedade dos
terrenos marginais” (ob. cit., n. 109).
Mas, hoje, em face dos arts. 14 e 15 do Código de Águas não é possível equiparar terreno reservado
e margem externa. Por força das Leis paulistas ns. 16, de 1891, 1.038, de 1906 e 2.484, de 1935,
“foram transferidos aos municípios, os terrenos devolutos do Estado, num raio de 8 km a que se
refere a Lei Orgânica, sem exclusão da faixa de servidão pública (terrenos reservados), a que
aludem os arts. 11 e 14 do Código de Águas”, conforme opinou em parecer o Prof. Meirelles Teixeira
(“Direito Administrativo”, vol. I).
Acontece, pois, que, no Estado de São Paulo, há margens externas e terrenos reservados no
domínio do Estado ou do município, conforme o alcance do raio de 8 km. As águas, entretanto,
pertencem ao Estado ou à União. Bem se percebe o caos, com o desmembramento das correntes.
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5. Diante desse panorama, bem se pode avaliar a ingente tarefa do codificador para corrigir
distorções existentes e definir com segurança e precisão o domínio das águas e seus acessórios.
Mas, já não é apenas o uso das águas públicas, ou particulares, que deve preocupar o legislador de
hoje.
A matéria referente à energia elétrica justifica, por sua explosão no campo administrativo e sua
importância crescente, que empreste o seu nome ao novo Código que seria assim “Código de Águas
e Energia Elétrica”. O insigne Prof. Wálter T. Álvares, em exaustivos e convincentes trabalhos já
demonstrou a autonomia do direito da eletricidade, o que propiciou, até, a fundação do Instituto de
Direito da Eletricidade, em Belo Horizonte.
Assim, a parte dedicadaà energia elétrica, dividir-se-ia em energia hidráulica e em energia térmica.
6. O campo polêmico, porém, para o legislador é o do uso das águas das nascentes ou dos
pequenos cursos, que não se integram no conceito de públicos.
Impõe-se diante das exigências modernas, que a lei abra o caminho para que agricultores ou
industriais possam usar das águas deixadas em desuso por seus donos.
O art. 34 do Código de Águas assegura o uso gratuito de qualquer corrente ou nascentes de água
para as primeiras necessidades da vida. Isso quer dizer que a todos é garantido o direito de canalizar
água ou tirá-la com aqueduto para consumo doméstico, dessedentar animais e lavar roupa.
Se assim é, para aquilo que se inclui nas primeiras necessidades da vida, assim deveria ser para o
lavrador com necessidade de água para irrigar uma cultura e que somente pudesse obtê-la de
nascente inaproveitada por vizinho. É evidente que esse uso não iria conferir nenhum direito de
domínio para o utente.
Uma servidão assim constituída encontra sua justificativa no mais moderno e avançado conceito que
a informa: a necessidade.
É o que John N. Hazard destaca, a propósito do Código Agrário da RSFSR: “Le code autorise les
servitudes lorsqu’elles sont necessaires”.
O novo Código Civil (LGL\2002\400) português consagrou a necessidade, como fundamento do uso
de água existente em prédio vizinho. E o que dispõe o art. 1.558: “O proprietário que não tiver nem
puder obter, sem excessivo incômodo ou dispêndio, água suficiente para a irrigação do seu prédio,
tem a faculdade de aproveitar as águas dos prédios vizinhos, que estejam sem utilização, pagando o
seu justo valor”.
7. Hoje, não mais é possível pensar como M. I. Carvalho de Mendonça, quando escreveu: “País
vastíssimo, cortado por inúmeros rios possantes e caudalosos, pouco nos importam os pequenos
ribeiros e ribeirões”. Na época presente, a agricultura tem a sua vida ligada a pequenos ribeiros ou
córregos.
A preocupação, sempre maior, de facilitar o aproveitamento da terra, impõe que, correlatamente a
essa política, seja permitido ao lavrador derivar água não utilizada por vizinho, uma vez demonstrada
a necessidade de irrigar cultura.
Para se justificar ainda o uso de água alheia e abandonada, com fundamento na necessidade do
lavrador, é suficiente acompanhar as mutações na prioridade taxada para o uso das águas.
O art. 48 do Código de Águas está superado pelas transformações das exigências sociais.
A ilustre Prof.ª Magdalena Londero já advertiu que “na escala de preferência entre as diversas
utilizações possíveis dos rios internacionais, as exigências da navegação cedem aos interesses da
irrigação e do aproveitamento industrial das suas águas” (“Jurídica” 99/727). A mesma Professora
cita tratado entre Estados Unidos e México, no qual se estabeleceu a seguinte ordem de preferência
no uso comum das águas internacionais: “usos domésticos e municipais, agricultura e criação de
gado, energia elétrica, outras usos industriais, navegação, pesca e caça…” Os interesses da
navegação figuram em quinto lugar.
Os interesses da agricultura e pecuária tomaram a dianteira no uso das águas, ressalvado, é claro,
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aquele das primeiras necessidades da vida.
8. O direito das águas e o direito agrário somente podem conviver no mesmo nível. Não se
compreende a coexistência da obrigação legal de o dono da terra explorá-la e a faculdade de largar
em abandono águas que seriam úteis ao vizinho.
Todavia, se não houvéramos de aceitar a necessidade, como justificativa para o uso de águas
inaproveitadas, podemos, no campo doutrinário do Direito Civil, encontrar razão para condenar o
procedimento de quem deixa ao abandono as suas águas. Isto configura um abuso do direito, pois
significa o uso do direito contra os interesses gerais, conduta que não pode ser aprovada, porque
contraria as próprias finalidades da ordem jurídica, na arguta observação do ilustre jurista Darcy
Bessone (“Aspectos da Evolução da Teoria dos Contratos”, n. 61).
Efetivamente, é preciso sempre ter em mira que os direitos civis não são inerentes ao homem. A lei
os outorga para serem exercidos com proveito não só do seu titular, mas também da coletividade
cujos interesses prevalecem sobre os do indivíduo. A possibilidade de um lavrador usar águas
inaproveitadas por vizinho, surtiria um efeito saudável para a economia social: ou o dono das águas
plantaria para aproveitá-las, ou não as aproveitaria e então o vizinho iria utilizá-las em irrigação de
roça.
Assim, fica sintetizada uma evolução que pode ser feita no uso das águas particulares, com o
objetivo de guardar-se simetria entre o direito agrário e o das águas. É evidente que estas
observações não deixam exauridas todas as relevantes questões que se inscrevem no rol das águas
particulares. O que é de desejar, porém, é que sejam elas enfrentadas e solucionadas, dentro do
mesmo princípio social-econômico que forma o arcabouço do direito agrário. Resta, também, a
reformulação das normas que deverão regular as correntes públicas e o direito da energia elétrica. A
matéria é vasta como se vê.
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