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42 Revista da SBDG – n. 2, p. 42-49, dezembro de 2005 Abstract – Study of the dynamic group laws applied to the functioning of the virtual groups. Are the virtual groups a new modality of the real groups? Key words – Mediator of the virtual groups. New ambient. New abilities. ANGELA PIERUCCINI Didata da SBDG Dinâmica dos Grupos aplicada em grupos virtuais: possibilidade ou ficção? ARTIGO – ENSAIO Resumo – Estudo das leis da dinâmica dos grupos aplicadas ao funcionamento dos grupos virtuais. Os grupos virtuais constituem uma nova modalidade dos grupos reais? Palavras-chave – Facilitador de grupos virtuais. Novo ambiente. Novas competências. Tão abstrata é a idéia do teu ser Que me vem de te olhar, que, ao entreter Os meus olhos nos teus, perco-os de vista, E nada fica em meu olhar, e dista Teu corpo do meu ver tão longemente, E a idéia do teu ser fica tão rente Ao meu pensar olhar-te, e ao saber-me Sabendo que tu és, que, só por ter-me Consciente de ti, nem a mim sinto, E assim, neste ignorar-me a ver-te, minto A ilusão da sensação, e sonho, Não te vendo, nem vendo, nem sabendo Que te vejo, ou sequer que sou, risonho Do interior crepúsculo tristonho Em que sinto que sonho o que me sinto sendo (Fernando Pessoa, 1965) ernando Pessoa, pela da beleza de suas imagens poéticas, ilustra o novo padrão relacional que tem sido estabelecido entre pessoas através das ferramentas tecnológicas desta era moderna, subvertendo noções de tempo e espaço e instigando novas pesquisas nas áreas das ciências sociais. A necessidade do ser humano comunicar-se encontrou na rede mundial um universo atraente, pleno de possibilidades e, sem dúvida, de interrogações quanto ao papel socializador ou instigador de maior isolamento humano. F O que representa esta revolução digital? Que ambiente macro acontece para fortalecer sua entrada no jogo das relações interpessoais? Em cena Estamos passando por profundas transformações sociais, políticas, econômicas e sociais. O novo milênio encontrou falências e questionamentos que vão desde a queda do muro de Berlim até reflexões sérias acerca do fim de um capitalismo socialmente injusto. O ataque ainda não razoavelmente explicado aos maiores símbolos desse capitalismo, no coração da águia ame- ricana, subverteu noções de força e poder. O invencível Tio Sam, como John Wayne, também pode ter um tumor letal. Nas imagens simultâneas e dolorosas misturando as ruínas do World Trade Center com um Afeganistão impiedosamente devastado, já não é possível saber quem são os heróis e os bandidos, e George W. Bush e Osama Bin Laden podem ser duas faces da mesma moeda. Na economia, a globalização do mercado, somada à estruturação da sociedade em redes de conexões e interconexões, rompe fronteiras geográficas, sociais e psicológicas. Encontramo-nos diante de uma valorização do capital intelectual, do conhecimento per si e da busca desse conhecimento. O trabalho passa a ser mais intelectual, uma vez que operações quase exclusivamente mecânicas passam a ser realizadas por 43Revista da SBDG – n. 2, p. 42-49, dezembro de 2005 máquinas ou sistemas integrados. Funções desapa- recem, outras são transformadas ou criadas, em velocidade vertiginosa. O homem do futuro deve ser um pensante, formulando novos conceitos e idéias num ritmo cada vez mais acelerado. A revolução tecnológica deste século tem atuado como agente e reflexo das mudanças descritas acima, e a internet, enquanto instrumento de interligação mundial, tem sido palco de relações entre pessoas estabelecidas dentro de novas formas e canais de comunicação, gerando interação num padrão novo, diferente, pouco explorado e estudado, provavelmente por ser ainda tão imprevisível e desconhecido. Essas redes possibilitam que as pessoas se encontrem num espaço comum (ciberespaço), mesmo estando distantes geograficamente umas das outras, em frente à tela do computador pessoal ou no ambiente de trabalho. Uma infinidade de pequenos grupos acontece através de uma tela e dos recursos da micro- eletrônica, palco e condições para a organização desses processos comunicativos e de integração cultural. A chinesa está ao alcance de um mecanismo de busca; o alemão será conhecido no próximo portal de amigos virtuais... Listas de discussão (mailing lists), chats em tempo real, grupos de discussão (newsgroups), empresas virtuais, comunidades virtuais que muitas vezes in- fluenciam significativamente o mundo real, supervisões on-line, ensino à distância, intranets conectando setores, filiais, clientes e fornecedores, encontros gerados virtualmente, onde o face-to-face assume novas configurações, e o “aqui e agora” possui tempo e ambiente muito mais relativos. O escritor de ficção científica William Gibson foi o primeiro a utilizar o termo ciberespaço para designar o ambiente artificial onde dados e pessoas trafegam indiscriminadamente, na forma de imagens, sons, textos, etc. É a Matrix, uma região abstrata, invisível, em vias de globalização planetária, constituindo um espaço social de trocas simbólicas entre pessoas dos mais diversos locais do mundo. Os brasileiros André Manta e Luiz Henrique Sena complementam: Devemos entender o ciberespaço como uma camada eletrônica superposta ao mundo real. Mesmo sem ser uma entidade física concreta (porque se constitui num espaço virtual), ele não está completamente dissociado do real; ao contrário, pode-se dizer que o ciberespaço complexifica o real, aumentando suas dimensões a par- tir da inserção de um novo âmbito, funcionando como a fronteira onde a sociedade redefine noções de tempo e espaço, natural e artificial, real e virtual, uma verdadeira “rede de inteligências coletivas” (2005, p. 1). De hoje para o futuro, temos as previsões da chamada “realidade virtual”, desenvolvida em labora- tórios de pesquisa avançada para posterior utilização em maior escala, na qual o ciberespaço é associado a um ambiente virtual capaz de estimular as sensações corporais através da imersão em um espaço tridimen- sional. O sociólogo André Lemos (2004) aponta para o fato de que estamos caminhando para uma interli- gação de todas as redes, o que permitirá a interação simultânea por mundos virtuais em dimensões, gerando possibilidades talvez pouco imaginadas em sua ampli- tude. O excelente filme de ficção científica, Matrix, com seu herói hightech Neo, pode oferecer, de um jeito cinematográfico, a idéia dessa amplitude de possi- bilidades. Ficção? Depende da época de nossa classi- ficação. Depois dessas primeiras considerações, exami- nemos as principais questões que motivaram este artigo. Encontros virtuais: somos um grupo? Os diversos encontros virtuais constituem um grupo em sua forma de funcionamento? O ciberespaço é a arena do grupo, representando um face-to-face diferente? E se grupos constituídos, como vemos as leis da Dinâmica dos Grupos aplicadas neste contexto, e a possibilidade de intervenção no mesmo? Essas são perguntas fundamentais. Num convite à reflexão e discussão interativas entre pensamento desta autora e o dos leitores, serão abordados pontos importantes para a resposta dessas questões. Não existe até o momento um único conceito de grupo aceito por todas as correntes teóricas. Cada uma enfoca aspectos que considera de maior relevância para caracterizar sua posição. Por isso, usa-se aqui um conceito de grupo elaborado a partir de Cartwright e Zander (1975), Gérald Mailhiot (1981), além da experiência pessoal da autora como facilitadora de grupos. Dentro desse enfoque, um grupo passa a existir quando: a) existe um objetivo comum, além dos objetivos individuais, seja a execução de uma tarefa ou a 44 Revista da SBDG – n. 2, p. 42-49, dezembro de 2005 análise e entendimento do seu próprio funcio- namento grupal; b) há um espaço referencial onde os membros percebem as relações entre si e opróprio grupo; c) existe um tempo de convivência, passando a se estabelecerem papéis e normas de funcionamento; d) fica instalada a possibilidade do face-to-face. Edgar Schein, numa compilação das suas idéias básicas, traz uma contribuição importante: “aceitando as atividades grupais, o membro do grupo estará satisfazendo suas necessidades sociais, de segurança, de estima e de auto-realização. Assim, embora a pessoa seja atraída para o grupo por causa das atividades do mesmo, há um subproduto significativo dessa filiação grupal, que é a satisfação de várias necessidades” (2005, p. 1). Vamos examinar os grupos virtuais dentro da contextualização teórica descrita acima. Todos os “encontros” virtuais possuem, a priori, um objetivo comum. As listas e grupos de discussão têm temas específicos a serem tratados. As empresas virtuais objetivam prestação de serviços tanto quanto as empresas reais. Comunidades virtuais buscam convivência dentro de papéis diferenciados e com possibilidades de trocas. Intranets querem estabelecer novas formas de comunicação e parceria entre empre- sa, fornecedores e clientes. O ensino a distância está voltado para a aprendizagem. Esses objetivos comuns implicam convivência, por meio da troca de e-mails ou realização de chats em tempo real. Agora, em alguns settings virtuais, começamos a encontrar caracte- rísticas diferenciadas, pois algumas noções grupais se subvertem para outros padrões sobre os quais não se tem ainda medição e pesquisa. As interrogações abaixo referem-se às comunicações realizadas via correio eletrônico (listas de discussão, ensino a distância, etc., uma vez que chats ocorrem em tempo real, num aqui- e-agora compartilhado através da palavra escrita e imagens, em certos casos). O ciberespaço funciona como espaço compar- tilhado, porém na troca de e-mails este tempo do aqui-e-agora tem conotações mais relativas. Quan- tos lêem as mensagens ao mesmo tempo? Ao responder uma mensagem, estamos no nosso aqui- e-agora? E o tempo de quem recebe, processa e reenvia? Isso ocorre numa forma diferente de timing e face-to-face, invalida a existência de um processo grupal? Para responder a essas questões, reportemo-nos antes a uma outra condição necessária para a consti- tuição de um grupo: a de que seus membros percebam as relações entre si e a existência deste grupo, orientação teórica da Teoria da Interação, desenvolvida especialmente por Bales, Homans e Whyte (apud Antonello, Pujol Junior e Silva, 2005), concebendo o grupo como um sistema de indivíduos em interação de atividades e sentimentos. Rheingold (1996) comenta que o fato das pessoas não se verem nas comunidades virtuais evita a formação de preconceitos sobre os outros. As pessoas são vistas como transmissoras de idéias e depoimentos, sem corpos e aparências. Além do mais, nas comunidades tradicionais estamos acostumados a encontrar a pessoas e depois conhecê-la, nas comuni- dades virtuais ocorre o inverso, primeiro você conhece a pessoa e depois decide ou não encontrá-la. Através da forma com que sente a própria partici- pação em comunidades do ciberespaço, Rheingold, estudioso das comunidades on-line há 14 anos, reporta- se às interações que nelas ocorrem, referindo também características específicas de tais grupos, que interfe- rem no processo de inclusão e comunicação no mesmo. Poderíamos contrapor que muitas comunidades virtuais utilizam imagens reais ou simbólicas (que “falam” bastante do indivíduo), ou que “conversam” muitas vezes em tempo real. Então examinemos agora o texto de um e-mail enviado a todos os participantes de uma mailing list, conectados entre si exclusivamente pelas mensagens enviadas e recebidas. Entre o pensar e o agir, como “E” coloca as questões de inclusão em um grupo virtual, eu gostaria de contribuir com a seguinte colocação: No meu entender, a ausência de controle corporal nor- malmente facilita a inclusão em grupos virtuais (isto não é uma regra). Das formas mais usadas de inclusão, demonstração de humor, arte, disponibilização de tex- tos e informações úteis têm sido nossos “objetos de oferenda” para incluir-nos. Seria nosso “belo” mostra- do através dos objetos de comunicação disponíveis. Mas os que não agem assim ficariam tolhidos, é o que vem à minha mente neste espaço virtual. Uma das fan- tasias individuais seria: muitos se conhecem e eu nada conheço, nem as pessoas, nem os modos de agir. E assim, aguardo silencioso... Além de utilizar o termo inclusão, provavelmente por seu conhecimento técnico, esse participante referencia o sentimento de inclusão, ou não, como 45Revista da SBDG – n. 2, p. 42-49, dezembro de 2005 processo dentro da lista de discussão, sentindo e perce- bendo a dos outros e a sua própria. Como membro e/ ou moderadora de várias listas de discussão, poderíamos transcrever aqui dezenas de e-mails, inclusive próprios, que deixam claramente expressa a sensação de pertença e interação em grupo, e não apenas uma troca de informações. Não há dúvida de que as interações ocorrem, e assim são percebidas no ambiente virtual. Isso nos transporta novamente para a questão ainda não res- pondida do face-to-face, questão essa de suma impor- tância, uma vez que o face-a-face implica no aqui-e- agora, e esses dois aspectos, desde Kurt Lewin (1965 e 1973), caracterizam de forma específica o pequeno grupo. Pichon-Rivière (1988) conceitua grupo como um conjunto de pessoas ligadas entre si por constantes de tempo e espaço, articuladas por sua mútua represen- tação interna, que se propõem, de forma implícita ou explícita, a uma tarefa que constitui sua finalidade. Esse conceito está englobado no conceito aqui utilizado, e, numa interpretação livre, é possível afirmar que as constantes de tempo e espaço podem assumir configu- rações diferentes. Lewin (1965) utiliza como um dos conceitos-chave para seu estudo da dinâmica e gênese dos grupos o conceito de Campo Social, concebido como uma totalidade dinâmica, constituída por entidades sociais coexistentes, não necessariamente integradas entre elas. Dessa maneira, podem coexistir, no interior de um mesmo campo social, grupos, subgrupos e indivíduos separados por barreiras sociais ou ligados por redes de comunicação. * Após essas reflexões teóricas, a hipótese de resposta para a primeira das interrogações aqui formu- ladas é de que os encontros virtuais podem se constituir como grupos em sua forma de funcionamento. A partir dessa constituição, podem também partilhar um processo grupal estabelecido dentro de um padrão diferenciado de face-to-face e aqui-e-agora, ainda não claramente interpretado em todas as suas especifici- dades. Variáveis, por um lado limitantes pela ausência do contato físico real e, por outro, geradoras de novas possibilidades de interação entre pessoas, que de outra forma possivelmente não teriam qualquer perspectiva de contato. Esta hipótese caracteriza-se como possibilidade não-inerente a todos os agrupamentos virtuais, uma vez que devem ser atendidas as condições aqui discutidas como geradoras da constituição de um grupo. Dentro dessa perspectiva, como podemos ver as leis da Dinâmica dos Grupos aplicadas à leitura do processo e possível intervenção nos grupos virtuais? Processo nos grupos virtuais e reais: semelhanças Kurt Lewin (1965 e 1973), com o método de pesquisa-ação, e Fela Moscovici (2001), com o Laboratório de Sensibilidade, enfatizaram a importância e a necessidade do aprender experimentando, interli- gando tarefa e emoção, teoria e vivência. Na condição de participante durante seis meses de uma mailing list, que assumiu características e funcionamento de “grupo virtual”, e hoje moderadora e membro de outras listas que trazem configurações semelhantes, faremos a conexão dos conceitos com o experienciado, também abordando aspectos específicos desta forma de encontro, os quais trazem como conseqüênciaa possibilidade de ampliação e revisão de aspectos da teoria dos pequenos grupos. Bion (1975) contribui com seu entendimento de que um grupo funciona simultaneamente em dois níveis: tarefa e emoção. Quando esta emoção encontra-se insatisfeita e assume características do que ele chama de “supostos básicos”, representados nas modalidades dependência, luta-fuga e união, a realização da tarefa fica comprometida. A busca nesse momento passa a ser a diminuição desta ansiedade na figura de um líder emergente através de um ou mais dos pressupostos básicos acima citados. Em vários momentos viven- ciados na troca de correspondências acontece a impossibilidade da execução de qualquer tarefa, em virtude da configuração numa das modalidades de suposto básico, causando ansiedade e desconforto expressamente descritos e percebidos como tal. Participantes retiram-se das listas referindo claramente sentimentos que refletem algumas dessas fases; conflitos surgem, e as agressões escritas não diferem das acaloradas discussões dos grupos reais. Membros da lista são eleitos como “salvadores”, e diversas mensagens eletrônicas solicitam que “salvem” a lista da extinção ou de “má” utilização. Em alguns casos, na ausência de um moderador com a capacitação necessária, tais conflitos transcendem o virtual, transfe- rindo situações não-resolvidas para o mundo real, da 46 Revista da SBDG – n. 2, p. 42-49, dezembro de 2005 mesma forma que funcionamentos saudáveis no ciberespaço levam a vínculos efetivos de amizades, parcerias, casamentos, etc. A importância dos papéis também aparece explicitamente identificada na troca de mensagens. Alguns participantes não recebem nenhuma resposta ao que escrevem, assim como outros, qualquer que seja o conteúdo de suas correspondências, são imediatamente aplaudidos e referenciados por muitos outros participantes. Ouvem-se os comentários: “desse eu deleto todas as mensagens sem ler”, “é o responsável pelo insucesso da nossa lista”, “tudo que escreve me ajuda a crescer”, “suas mensagens sempre auxiliam nossa lista”, e assim por diante, corroborando o estabelecimento de papéis. Da mesma forma que nos grupos reais, a mudança e flexibilização nos grupos virtuais são bastante complicadas, aspectos ainda mais difíceis no encontro virtual, em que a mudança tem menos canais de percepção, refletindo- se às vezes somente na quantidade de mensagens enviadas ou no estilo da escrita. Outro ponto passível de correlação é através do referencial de Schutz. Segundo William Schutz (1978), a partir das necessidades interpessoais é que surgem na vida dos grupos as fases de inclusão, controle e abertura, assim caracterizadas: • Inclusão – Necessidade de ser considerado pelo outro. Nesta fase cada indivíduo procura o seu lugar, através de tentativas para identificar e estabelecer os limites de sua participação no grupo, como se mostrará e que papel desempenhará primordialmente. • Controle – Necessidade de ser respeitado pela competência e responsabilidade. Nessa fase, quan- do o indivíduo sente-se incluído, passa a se inte- ressar pela distribuição de poder no grupo e contro- le da atividade dos outros. Surgem competições pela liderança, discussões sobre metas e métodos e elaboração de normas de conduta dentro do grupo. • Intimidade – Sentimentos compartilhados de sentir afeto pelo outro. Nessa fase a busca é da integração emocional, surgindo claramente manifestações de hostilidade direta, ciúme, apoio, afeto e outros sentimentos. Nas trocas digitais ocorrem esses processos. A inclusão aparece na mensagem utilizada acima como exemplo e em outros depoimentos que ilustram o desejo de pertença: “estou observando e tentando me incluir”, “escrevo pouco, parece que alguém sempre escreve antes o que eu queria dizer”, “não sei se minha opinião contribui”, “estou refletindo se meu lugar é aqui ou fazendo bolos na cozinha”. Disputas por influência nas listas e comunidades cada vez são mais explícitas. Por exemplo, a competição sobre quem sabe mais em relação ao tema de discussão, ou quem melhor contribui para satisfazer as necessidades dos “listeiros” aparece com fortes conotações e sentimentos reais. É comum subgrupos trocarem mensagens sobre o funcionamento do grupo total em particular (sem acesso a todos participantes), até mesmo chegando à dissidência e fundação de listas paralelas. Alianças, “panelinhas”, disputa (Fase de Controle) e, finalmente, trocas de e-mails em que o afeto e a emoção transbordam nas palavras (Fase de Intimidade) exemplificam as etapas ocorridas também no ciberespaço, e que num cenário estranho e diferente perpassam as relações estabelecidas nesse meio. Esses são apenas alguns pontos de partida para outras relações que podem ser pesquisadas e estudadas no ambiente virtual. Há um longo caminho a ser percorrido em relação à transferência e desenvolvi- mento de conceitos, considerando o “palco” novo e inexplorado das relações on-line. Grupos virtuais versus grupos reais: as diferenças Podemos ainda tratar de alguns aspectos claramente diferenciados neste ambiente e de suas possíveis conseqüências na interface desses grupos. O fator de filtração, que impede uma pessoa de saber a idade ou raça de outra, evita a comunicação por meio de expressões faciais, linguagem corporal e tom de voz, que constituem componente vital na maioria das comunicações pessoais. Ironia, sarcasmo, compaixão, afeto, etc. configuram-se em nuanças emocionais que muitas vezes não são transmitidas facilmente por palavras e podem levar a mal-entendidos que aparecem freqüentemente nas conferências pelo computador. Não estar fisicamente diante do outro acelera o processo de confiança, facilita a ausência de determi- nados preconceitos e temores, mas também libera em certos momentos a intensificação de expressões rudes e agressivas. Novamente recorremos a Rheingold 47Revista da SBDG – n. 2, p. 42-49, dezembro de 2005 (1996) que ressalta a importância da comunicação na desinibição das pessoas tímidas. Além do que aqueles que podem ser “educados” no discurso real podem, virtualmente, ficar tentados a agir mais rudemente. As características diferenciadas do meio oportuni- zam um exercício imediato de papéis muitas vezes opostos aos do mundo real, o que explica o tempo “exa- gerado” de permanência no ciberespaço e a relação direta com a gratificação recebida com o exercício de tais papéis, talvez pouco ou nada experimentados durante toda a vida. Todos comumente utilizamos algumas máscaras, contudo, no setting virtual elas podem ser mais difíceis de serem descobertas ou retiradas, uma vez que o conhecimento é baseado em palavras escritas e nos códigos estabelecidos para representar emoções. A natureza assíncrona dessas comunicações é outro aspecto distinto a ser considerado. O correio ele- trônico cria considerável grau de incerteza, pois não existe clareza do tempo de recebimento ou de quem realmente leu a mensagem. Por outro lado, na medida em que o agrupamento ou lista passam a interagir tanto na tarefa quanto na relação, relacionando-se como grupo, a sincronicidade se manifesta com e-mails expedidos no mesmo horário, explicitando fatos ou sentimentos semelhantes. O microcosmo virtual, limitante em determinados aspectos, numa perspectiva sociológica e cultural am- plia possibilidades de relações entre pessoas com valo- res, raças, crenças e costumes muito diferentes entre si. O que está na tela é uma mistura rara, difícil de acontecer no pequeno grupo real. Diversos mundos internos somam-se aos diversos mundos culturais, resultando em verdadeiro “caldei- rão”, influenciando significativamente as relações ali estabelecidas. A heterogeneidade, tão importante nos grupos reais para sua evolução, nesse caso muitas vezes assume proporções elevadas, dificultando a formação de uma identidade grupal. O mesmo ocorre com a excessiva mobilidadede entradas e saídas de participantes. Esses fatores contribuem para o enten- dimento de que algumas listas serão somente listas, e nem todos os agrupamentos virtuais estabelecem entre si um processo grupal. Depois de pensarmos as leis da dinâmica dos grupos em relação aos grupos virtuais e concluindo que as mesmas podem ser aplicadas neste ambiente, desde que suficientemente revisitadas dentro de um novo contexto, abre-se outra questão. Facilitador de grupos virtuais: uma realidade? Ao consideramos a existência de um processo nestes grupos e sua possibilidade de leitura, a discussão agora passa a ser sobre a intervenção no mesmo através da figura de um facilitador. Muitas listas de discussão têm o assim chamado “moderador”, que exerce duplo papel: um, técnico, de manutenção das condições tecnológicas para o andamento, e outro, restritivo às mensagens inadequadas (o que pode abrir um amplo debate em relação ao conceito de inade- quadas). Professores ministram ensino à distância exercendo um papel técnico e pedagógico. Porém, nosso foco é a facilitação do processo grupal. Em ambos os casos não há devolução ao grupo dos aspectos subjacentes ou manifestos, como, por exemplo, silêncio excessivo, descadastramentos em grande número, e- mails sempre das mesmas pessoas. Isso poderia ter melhores resultados se o modera- dor também interviesse no processo? Participando de listas e conversando com pessoas que fazem parte de comunidades virtuais, a percepção é de que há situações que geram conflitos não-trabalhados, que terminam por ultrapassar o ciberespaço, transportando-se para o dia- a-dia, causando desconforto e ansiedade muito reais, nada ilusórios ou “fabricados”. Os pedidos de socorro aos moderadores refletem essa necessidade, demandando auxílio semelhante ao dos grupos “face a face”, não somente técnico ou pedagógico. O fato de contar apenas com palavras aumenta a necessidade de um ponto de referência confiável, que também seja continente das emoções, mostrando o norte nos momentos de confusão e ausên- cia de entendimento. Alguns artigos sobre ensino a distância e liderança virtual já colocam a importância da utilização da dinâmica dos grupos pelos professores e/ou líderes virtuais, a fim de facilitar o alcance dos objetivos propostos. Kathleen King (2005), em seu artigo “Group dynamics for the online professor”, publicado na internet, desenvolve a idéia da utilização das teorias de Bion e Yalom para organizar e resolver problemas de grupos educacionais on-line. Ela busca a compre- ensão teórica de por que esses grupos se desenvolvem 48 Revista da SBDG – n. 2, p. 42-49, dezembro de 2005 e cumprem sua tarefa ou falham e terminam. Argumen- ta que o papel do líder é organizar o grupo, definir a agenda e construir coesão, focando sua atenção no processo do grupo. King define apenas dois modelos teóricos, os já citados, para compreensão do processo grupal virtual, e o da atuação do professor on-line como leitor da interface grupal, que avança no tema, como está sendo proposto aqui. Ao lado de um papel técnico em relação ao meio utilizado e suas ferramentas, além da compreensão dos processos grupais, o facilitador on-line necessita desen- volver-se nos aspectos levantados por Gérald Bernard Mailhiot (1981, p. 106-109): • objetivação de si: objetivação da imagem de si, a procura do eu autêntico para além da imagem que se deseja projetar; • objetivação do outro: perda das percepções seletivas em relação ao outro, percebendo-o em seu eu autêntico; • transparência: definida como uma abertura espontânea ao outro – tudo que é pensado e sentido é verbalizado; • empatia: capacidade de colocar-se totalmente no papel do outro; • aceitação incondicional do outro. Por que a necessidade do autodesenvolvimento? Mensagens com conteúdos pessoais solicitando privacidade expostas a todos por descuido, julgamentos de valor sobre os participantes, competições declara- das, ética duvidosa, etc., entre outras, são atitudes de moderadores e/ou professores on-line não desenvol- vidas, causando as mesmas reações e conseqüências ocorridas nos grupos “face a face” e, por isso, tendo a mesma responsabilidade. Hipótese final O papel de facilitador on-line é uma realidade que se propaga na mesma velocidade com que surgem novos grupos e formas de interação no ambiente virtual. Da mesma maneira que na realidade, configura- se como uma necessidade para um melhor funcionamento e alcance dos objetivos dentro desse cenário. Este novo facilitador necessita preparar-se para o exercício desse papel. O mesmo ocorre com os facilita- dores grupos reais: também devem buscar autodesen- volvimento para atuar num cenário novo, com diferentes leis de funcionamento no que concerne aos aspectos técnico e científico, testando e experimentando hipó- teses, a fim de contribuir para a compreensão dos fenô- menos que ocorrem nesses grupos determinados. Um facilitador precisa estar cada vez mais aberto a repensar, atuando no auxílio de novas descobertas dentro da própria ciência da Dinâmica dos Grupos. Considerações finais Isto não é ponto final. Diversamente, o sinal gráfico que indica melhor este momento, sem dúvida é o de reticências... Reticências não indicam certezas, nem raciocínios fechados e acabados. Convidam a seguir pensando, na busca contínua de conhecer mais, ousan- do ir além e questionar para, quem sabe, chegar à essência do saber contínuo. Estamos diante de novas realidades e novos desafios, e somente assim consegui- remos participar e atuar nas mudanças de hoje e de amanhã. Nem todos os agrupamentos no espaço virtual terminam por constituir grupos, e nunca serão substit- utos do encontro real face a face, em toda sua gama de riqueza. A internet tem recebido acusações de promover maior isolamento das pessoas, que abrem mão da convivência familiar e de amigos reais para permanecerem mergulhadas no universo virtual. Como toda modalidade de relação, a neurose ou psicose aqui também é possível, mas não podemos fechar os olhos para suas possibilidades positivas de contato e comunicação, livres de determinados preconceitos e barreiras geográficas. O que está sendo considerado neste artigo não é uma proposta de escolha, ataque ou defesa de am- bientes e situações, e sim um convite ao estudo, compreensão e atuação sobre um fenômeno que, independente de qualquer vontade, acontece e se desenvolve no mundo atual. O constante crescimento do fenômeno de encontros virtuais e encontros cada vez mais voltados ao cumprimento de tarefas e à própria relação entre os participantes provoca a necessidade de situar a ciência Dinâmica dos Grupos dentro deste contexto, não mais ficcional e sim real, presente e imediato. Porém ainda estamos no início. Assim, algumas considerações e correlações feitas aqui são de natureza teórica, intuitiva e experimental, certamente necessitan- 49Revista da SBDG – n. 2, p. 42-49, dezembro de 2005 do de uma metodologia para corroboração científica das hipóteses levantadas. Dessa forma nasce o conhecimento, a ciência, e sua posterior aplicação nos diversos campos. Para além de resistências que possamos ter, estamos nos depa- rando com uma nova perspectiva dentro da Dinâmica dos Grupos: a compreensão dos processos nos grupos virtuais, contemplando as diferentes variáveis envol- vidas e a subseqüente intervenção nesse processo. 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