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A GÊNESE PLÚRIMA DA LÍNGUA INGLESA E SUA UTILIDADE PARA O APRENDIZADO DE ITALIANO E ESPANHOL POR ALUNOS JÁ ANGLÓFONOS. Gilberto Bendini de Pádua 1 Bianca Della Nina 2 RESUMO Este artigo debruça-se sobre a gênese plúrima da língua inglesa, que sorveu, para ser o que é, de fontes locais, latinas e germânicas; e sobre a demonstração de sua utilidade para o aprendizado do italiano e do espanhol por alunos já anglófonos. Em três momentos sucessivos, comporta: breve histórico da formação do inglês até obter sua compleição essencial presente até hoje; apresentação de exemplos que demonstram a utilidade do conhecimento prévio do inglês (L2) para a construção de vocabulário e para o aprendizado de estruturas correlatas presentes no italiano e espanhol (L3); levantamento bibliográfico demonstrando que outros estudiosos do tema reconhecem a utilidade do multilinguismo e do inglês para o aprendizado de novas línguas (inclusive neolatinas). Ao percorrer as três instâncias subsequentes referidas, o leitor reconhecerá a utilidade do inglês aqui suscitada. Os objetivos deste artigo, com isso, ver-se-ão satisfeitos: o leitor-professor de italiano ou espanhol que domine também o inglês conscientizar-se-á da utilidade deste como facilitador do aprendizado daquelas línguas por aluno já anglófono; consequentemente, sentir-se-á, o docente multilíngue, estimulado a despertar no discente já anglófono essa mesma consciência utilitária do inglês (via atividades comparativas em sala de aula), para que dela o aprendiz se beneficie na aprendizagem de referidas línguas neolatinas. Palavras-chave: Língua inglesa. Fontes. Utilidade. Aprendizado. Italiano. Espanhol. Multilinguismo. 1. INTRODUÇÃO. Este trabalho acadêmico versa sobre a utilidade da língua inglesa (L2) como ferramenta facilitadora do aprendizado das línguas italiana e espanhola (L3) por alunos já anglófonos. Assim como nos artigos científicos e livros técnicos de onde sorve, como fontes, sua inspiração, e a partir dos quais desenvolve suas reflexões e conclusões, este artigo considera, de plano, o aluno versado na língua inglesa como sua segunda língua (daí, a adoção da terminologia científica consagrada: L2), seja vista como EFL (English as a Foreign Language) ou ESL (English as a Second Language), e engajado no aprendizado de um 1 Advogado inscrito nos quadros da OAB/SP sob número 193.377. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais (UNAERP - Universidade de Ribeirão Preto). Graduando concludente do curso de Licenciatura em Letras – Inglês (Universidade Estácio de Sá). Especialista em Direito Tributário (IBET - Instituto Brasileiro de Estudos Tributários). Atualmente, exerce a advocacia na região nordeste do estado de São Paulo e, paralelamente, ministra cursos particulares de línguas inglesa, italiana e espanhola. 2 Bianca Della Nina. Graduada e ….. em Letras (Universidade …..). Professora orientadora deste artigo (Universidade Estácio de Sá). terceiro idioma (L3) como poliglota ou, melhor dizendo, multilíngue. Afinal, inevitável, no processo de ensino-aprendizagem a que se submete para dominar uma terceira língua, que se sirva, quando devidamente estimulado, de comparações e contrastes não só entre as estruturas do inglês e do que de novo está aprendendo, mas também entre as estruturas de sua própria língua-mãe (L1) e do idioma suplementar (L3) a que se expõe. Com a devida vênia dos profissionais de Letras que a elas se dedicam sob uma perspectiva mais teórica ou exclusivamente acadêmico-universitária, o autor deste trabalho, dedicado ao ensino dos três idiomas aqui tratados, em magistério privado, voltado a alunos que o procuram por necessidades profissionais, acadêmicas ou por pura paixão pela cultura subjacente a tais línguas, não vê sentido na construção de um conhecimento científico ou num simples debate sobre ele se essas atividades não forem voltadas à sua implementação prática em benefício do processo de ensino-aprendizagem de idiomas. A pessoa que ama os idiomas que domina, as culturas que os orbitam, e se pretende professor, precisa mais – muito mais! – que simplesmente mimetizar técnicas pedagógicas consagradas e replicar conhecimentos científicos adulados pela dita unanimidade (esta, geralmente, não muito inteligente, para aqui suavizar as palavras do arguto dramaturgo Nélson Rodrigues 3 ), já puídos pelo uso reiterado e sem nenhuma criatividade. É necessário que esse profissional de Letras se qualifique, estude, mantenha-se atualizado a respeito do estado da arte a que se dedica, mas – mais do que isso – é imprescindível que reflita sobre o conhecimento científico-pedagógico que acessa, que o questione, contradiga se necessário, que o submeta ao crivo da razão, do método e do bom senso, tudo sob uma perspectiva – por que não? – utilitarista desse conhecimento. Afinal, o professor de idiomas é o mediador entre seu aluno e a conquista do sonho de falar fluentemente uma nova língua. É seu papel, como se diz em inglês, to spread the word 4 , contagiar o aluno com o entusiasmo pela língua e pelo próprio processo de seu ensino- aprendizagem; de sorte que este seja o mais leve, agradável e EFICAZ possível. É neste ponto, segundo a ótica do autor deste trabalho, que reside a finalidade precípua do conhecimento científico produzido em Letras, ao menos para aqueles que convivem e acompanham paripassu o discente de idiomas que se propõe a trilhar a estrada da fluência: 3 “Toda unanimidade é burra. Quem pensa com a unanimidade não precisa pensar.” (RODRIGUES, 2003) 4 To spread the word: A expressão idiomática, segundo o utilíssimo The Free Dictionary by Farlex, quer dizer disseminar, divulgar determinada informação para o maior número de pessoas possível. Evidentemente, o autor aqui busca distender poeticamente a ideia da expressão, invocando o papel do professor de idiomas de divulgador e disseminador de uma língua e da cultura que lhe é subjacente, atraindo os estudantes para a beleza e sentido destas. desenvolver ferramentas úteis, práticas e eficazes para fazer desta jornada um empreendimento bem-sucedido. O professor de idiomas deve deter o domínio e aplicar as melhores técnicas pedagógicas conhecidas para ensiná-lo. Mas isso não basta. Deve ser proativo e criativo se quiser realmente que o processo ensino-aprendizagem se conclua com eficácia. Deve esforçar-se para encantar seu aluno, servindo-se de tudo que estiver ao seu alcance, especialmente do conhecimento científico com um viés mais utilitarista – sem prejuízo de outros elementos que possam corroborar para o processo (e.g., o carisma do docente, sua facilidade em sintetizar conceitos de forma mais palatável e simples para o aluno, sua aptidão a estimular o aluno a participar mais ativamente da construção do conhecimento, etc.), para que sua meta maior seja efetivamente alcançada: o domínio pelo discente do idioma ensinado. Nada mais que ser fiel ao ideal insculpido nas sábias palavras atribuídas pela coletividade norte-americana ao seu Pai Fundador, Benjamin Franklin: “Tell me and I forget. Teach me and I remember. Involve me and I learn”5. Com amparo nessas premissas, é que o autor deste trabalho de conclusão de curso de Licenciatura em Letras, professor particular de inglês, italiano e espanhol, servindo-se de seu conhecimento a respeito das matrizes linguísticas do idioma inglês, dos paralelismos vocabulares e, por vezes, até mesmo estruturais entre ele e essas duas línguas neolatinas, já há tempo considerável passou a invocá-los e demonstrá-los, sistemática e esquematicamente, em sala de aula para alunosjá anglófonos (de nível pelo menos intermediário), como ferramenta facilitadora do aprendizado da terceira língua desejada pelos discentes. Essa iniciativa tem sido aceita sem ressalvas pelos alunos multilíngues e, inclusive, elogiada e apontada por eles como verdadeiramente útil; além de visivelmente implicar em resultados positivos no desenvolvimento de sua habilidade oral, constatando-se nas atividades de simulação de diálogo tendência dos alunos a recorrerem a palavras italianas ou espanholas que compartilham raízes com vocábulos ingleses, bem como a realizarem autocorreções na fala a partir do paralelismo de estruturas sintáticas comuns entre o inglês e essas duas línguas não observado quando comparadas e contrastadas com o português (L1). Assim que, chegado o momento acadêmico de formular e apresentar este trabalho de conclusão de curso, mercê dos resultados positivos obtidos a partir de tal iniciativa em sua experiência profissional particular, o autor sentiu-se atraído e motivado a trazer à baila o tema aqui debatido, qual seja, a utilidade da língua inglesa, graças à sua gênese linguística plúrima, 5 “Conte-me e eu me esquecerei. Ensine-me e eu me lembrarei. Envolva-me e eu aprenderei.” (grifo nosso.) como ferramenta facilitadora do aprendizado da língua italiana ou espanhola por alunos já anglófonos. Seus objetivos, ao compartilhar publicamente sua visão a respeito dessa utilidade pedagógica do inglês, são claros: chamar a atenção de seus pares (acadêmicos e docentes universitários de Letras e professores de idiomas multilíngues) para que tomem consciência dela e, por conseguinte, estimulá-los a despertar em seus alunos anglófonos (L2) essa mesma consciência utilitária do inglês (via práticas sistemáticas e esquemáticas de comparação e contraste em sala de aula), para que dela os discentes se beneficiem na aprendizagem da língua italiana e/ou espanhola (L3). O autor, com isso, procura contribuir, mesmo que modestamente, considerados os estreitos limites de um trabalho de conclusão de Licenciatura, para o aprimoramento do processo de ensino-aprendizagem das línguas italiana e espanhola (como L3) no Brasil, via aproveitamento do multilinguismo proporcionado pela língua inglesa (L2). Dito tudo isso, fica o leitor convidado a debruçar-se com o autor sobre o problema desta pesquisa acadêmica: O conhecimento prévio e domínio da língua inglesa (como L2) é útil pedagogicamente para facilitar o aprendizado das línguas italiana e espanhola (como L3) no caso de alunos já anglófonos? A resposta a esta indagação, mediante dedução, decorrerá de atenta leitura dos três próximos tópicos deste artigo, dedicados, respectivamente: a um breve histórico sobre a gênese linguística plúrima do inglês até obter sua compleição essencial presente ainda hoje; à apresentação de exemplos envolvendo comparações e contrastes linguísticos entre o inglês e as línguas italiana e espanhola; e, por fim, à investigação bibliográfica em busca da visão compartilhada por outros profissionais multilíngues a respeito do tema aqui debatido. 2. EM BUSCA DE ELEMENTOS QUE ATESTEM A UTILIDADE DO CONHECIMENTO DA LÍNGUA INGLESA (L2) COMO FERRAMENTA FACILITADORA DO APRENDIZADO DE ITALIANO OU ESPANHOL (L3). 2.1 AS MATRIZES DA LÍNGUA INGLESA – UM POUCO DE HISTÓRIA. A afirmação de que “o inglês é uma língua anglo-saxã”, colhida nos bancos escolares brasileiros, trouxe ao senso comum a ideia equivocada de que tal idioma é meramente “filho” dos de matriz germânica falados pelas tribos da Europa continental que dominaram a Bretanha após seu abandono pelas legiões romanas. Breve mergulho na história da gênese da língua inglesa demonstra esse equívoco, decorrente do desconhecimento da multiplicidade de matrizes linguísticas (anglo-saxã e franco-latina) que deram origem ao idioma até que ele obtivesse a compleição essencial presente ainda hoje. Pluralidade que enseja paralelismos entre o inglês e outras línguas que auxiliam no aprendizado destas por quem já é anglófono. Podemos dividir a história da língua inglesa em quatro períodos, a saber: a) Dominação pelo Império Romano: Perdurou até cerca de 470 d.C. (em torno de 400 anos), quando as legiões romanas que dominavam a Bretanha até as imediações do Muro de Adriano 6 abandonaram a região, convocadas por Roma para reforçarem as defesas continentais do império contra ataques de tribos germânicas que ameaçavam sua soberania. À época, a língua mais falada na Bretanha era o latim, que, pertencendo aos numerosos detentores do poder político e militar, sobrepujava a influência dos dialetos celtas locais na fala diária, de uso doméstico e mais restrito. b) Ocupação por tribos germânicas: Logo depois do abandono da região pelas legiões romanas, ela sofreu por cerca de 600 anos várias invasões e processos de ocupação por tribos germânicas, vindas principalmente da costa do Mar do Norte (atualmente, litoral da Holanda e da Dinamarca), destacando-se, segundo Lanzoni (2015), a tribo dos Jutos, dos Anglos e dos Saxões. Falavam dialetos de origem teutônica (germânica), que, ao longo do período de ocupação, se amalgamaram, dando origem, conforme menciona Berlitz (1991), ao idioma anglo-saxão, também denominado Old English. Esse idioma, ininteligível aos anglófonos de hoje, acabou por sobrepujar o latim na fala local. Seu resquício mais célebre, exposto no British Museum, aponta Lanzoni (2015), reside na narrativa épica Beowulf, pautada nas aventuras do guerreiro nórdico homônimo, transmitida oralmente de geração a geração, até que autores anônimos a transcreveram. Quanto aos dialetos celtas locais, sucumbiram, quase em definitivo, ao enraizamento do anglo-saxão (Old English), a ponto dos estudiosos não mencionarem contribuição sua para a formação deste. As variações celtas teriam se mantido em uso por algum tempo em rincões mais periféricos, até cair em desuso e resistir apenas na Irlanda: “A língua celta original foi rechaçada para o País de Gales, para a Escócia e a Cornualha, as ilhas costeiras e para a Irlanda, onde ainda sobrevive (BERLITZ, 1991)”. 6 Nome do imperador romano que determinou sua construção, para defender a Bretanha dita “civilizada” das investidas das tribos locais do centro-norte da ilha. c) Dominação normanda (francesa): O paralelismo vocabular e de várias estruturas linguísticas entre o inglês, o italiano e o espanhol deve sua existência justamente a este período. Em 1066 d.C., franceses, liderados por Guilherme da Normandia, invadiram a Bretanha, mataram o rei Haroldo da Inglaterra e subjugaram seu exército na Batalha de Hastings. Os francófonos ali permaneceram e exerceram o domínio político por trezentos anos, conforme relata Lanzoni (2015). As terras dos saxões mortos em batalha foram doadas pelo rei normando aos soldados que o acompanharam na conquista, foram-lhes outorgados títulos nobiliários e, por conseguinte, distribuído o poder de mando sobre as populações anglo-saxãs sobreviventes, relegadas à condição social servil. Estruturou-se, à época, uma sociedade feudal, composta por senhores nobres, seus protegidos (servos/vassalos), membros do clero – todos francófonos (subordinados ao rei, a quem mostravam lealdade com serviço militar e repasse de tributos) –, por mascates que circulavam entre os feudos e pelos camponeses – falantes de anglo-saxão. Berlitz (1991) diz que, a partir do convívio prolongado das culturas francófona e anglo-saxã, nasce um vocabulário regional composto por palavras das duas matrizes linguísticas, cujo uso dependia da classe social a que pertencia oindivíduo, e que, com o transcorrer da história, foram incorporadas a único vernáculo de uso comum, dando à luz, conforme a denominação invocada por Lanzoni (2015), o Middle English. Assim, vocábulos tais como boi (steer), porco (pig), vitelo/bezerro (calf), usados pelos camponeses saxões para designarem os animais que criavam e abatiam para entregar aos seus senhores, e expressões tais como carne bovina (beef), carne de porco (pork) e vitela (veal), usadas pelos nobres francófonos para designarem as carnes desses mesmos animais servidas em seus banquetes, conquanto de origens linguísticas diversas, foram assimiladas pela nova língua e ainda subsistem no inglês contemporâneo (Late Modern English). Lembra, também, Berlitz (1991) que, desse convívio, resulta a absorção pelo inglês de inúmeros de vocábulos franceses (ou de corruptelas destes) usados até hoje, a exemplo dos que descrevem formas de preparo de alimentos (e.g., boiled, roast, fry, – cozido, assado, fritar), dos que refletiam o poder dos normandos sobre os saxões (e.g., punish, discipline, judge, rebel – punir, disciplina, juiz, rebelde) e dos atinentes a costumes feudais (e.g., villain, palace, castle, baron, duke – vilão, palácio, castelo, barão, duque). Além disso, o mesmo autor invoca casos de palavras (em uso no inglês até hoje) que são sinônimas entre si, mesmo pertencendo, respectivamente, ao tronco anglo-saxão e ao franco-latino (e.g., smell – odor; dead – deceased; go away – depart; come back – return; want – desire). Fato que evidencia, na prática, a fusão dos dois idiomas para a formação do Middle English, e que consistiria num “fenômeno raro que ajudou a propiciar ao inglês o maior vocabulário do mundo” (BERLITZ, 1991). Noutras palavras: o inglês detém acervo gigantesco de vocábulos a partir do qual é possível construir, por paralelismo de matrizes, vocabulário em línguas germânicas, quando as palavras inglesas têm origem anglo-saxã, e vocabulário em línguas neolatinas, quando as palavras inglesas têm origem franco-latina, como demonstraremos no tópico seguinte deste trabalho; o que atesta sua utilidade para o aprendizado de idiomas germânicos e latinos. d) Expulsão normanda e consolidação da dinastia Tudor: Com a expulsão da autoridade francesa da Bretanha por uma nobreza local já anglófona (Middle English) composta ironicamente por descendentes já distantes dos normandos invasores de outrora, emergiu a Guerra das Duas Rosas (disputa entre as famílias Lancaster e York pelo trono inglês), conflito do qual saiu vitorioso Henry Tudor, em seguida coroado como Henry VII, fundador da dinastia Tudor, responsável por mudanças estruturais, econômicas, religiosas e culturais que remodelaram por completo a sociedade do arquipélago britânico da época do renascimento. É contemporâneo ao período de reinado dos Tudors (governos de Henry VII, Henry VIII, Mary, Elizabeth I e de Lady Jane Grey) o fenômeno linguístico que foi denominado The Great Vowel Shift (A Grande Mudança de Vogais). Não se sabe precisamente o porquê de ter ocorrido. Há várias especulações sobre sua origem, parecendo a mais convincente, como nos ensina Lanzoni (2015), a de que teria surgido a partir de um ajuste prático de pronúncia de vogais provocado por grande migração de habitantes do norte para o centro-sul da Bretanha (região de Londres), aliado à busca da nobreza em ascensão à época por adotar um acento diverso dos franceses expulsos há pouco. O fato é que esse fenômeno linguístico – que pode ser observado em obras literárias e teatrais de autores contemporâneos a William Shakespeare, quando comparadas às de períodos anteriores –, consistente numa readequação fonética de vogais longas, com a substituição da pronúncia simples de algumas delas pela pronúncia em formato de ditongos, refletindo, ainda, na readequação da pronúncia de consoantes acopladas a essas vogais (que passaram a ser mudas), impactou profundamente a língua inglesa, dando origem ao Modern English, que, conquanto conte com diferenças pontuais quando comparado com o inglês contemporâneo (Late Modern English), denota compleição essencial que está presente até hoje na língua inglesa. Essência que, de qualquer sorte, nos permite usar o inglês como ferramenta de aprendizado das línguas neolatinas aqui abordadas. 2.2 BREVES PRÁTICAS COMPARATIVAS E DE CONTRASTE ENTRE AS LÍNGUAS INGLESA, ITALIANA E ESPANHOLA – UTILIDADE PEDAGÓGICA QUE SE PÕE À PROVA. Consideradas a retrospectiva histórica acima apresentada e as inegáveis raízes latinas compartilhadas entre italiano e espanhol e a língua inglesa (compreendendo, a matriz desta, tanto o latim puro da época de dominação romana, quanto as estruturas latinas impregnadas no francês medieval da época de dominação normanda do território britânico), passemos à apresentação objetiva de exemplos calcados em comparação e contraste que atestam, sem margem para dúvidas, a utilidade do conhecimento prévio do inglês (visto como L2) como facilitador do aprendizado daquelas duas línguas neolatinas (L3). Berlitz (1991), suscitando um caso ocorrido na Primeira Guerra Mundial trazido por André Maurois 7 , conta da curiosa aposta entre um soldado português e um francês, procurando se entreterem na trincheira, num intervalo entre uma batalha e outra com o inimigo comum. O português, que – a par do jocoso estereótipo que alguns brasileiros lamentavelmente impingem aos lusitanos – de bobo não tinha nada, lançou o desafio: ensinaria ao soldado francês mil palavras em português em até um minuto. Se fosse bem- sucedido, receberia cem Francos franceses. Do contrário, pagaria ao francês a mesma cifra. Aposta aceita. Com a palavra, o lusitano: Olhe, todas as palavras que você tem em francês que terminam em tion são as mesmas em português, só que terminam em ção, que você deve pronunciar -saon. Há mais de mil delas e são todas femininas, tal como no francês. Levou menos de um minuto, não foi? Cem Francos, por favor (BERLITZ, 1991). O arguto soldado português dessa estória, objetivando ganhar dinheiro fácil, deu-se conta, intuitivamente, de ser detentor de conhecimento prévio linguístico muito singelo, mas igualmente muito útil: a raiz latina compartilhada entre sua língua-mãe (o português) e a do colega soldado (francês). Os benefícios que o despertar da consciência (de professores e alunos de L3) sobre a utilidade desse tipo de conhecimento linguístico prévio pode trazer ao aprendizado de novas línguas, e ao multilinguismo propriamente dito, são inúmeros e inegáveis. O aprendiz de uma 7 André Maurois (1885-1967): escritor francês bem conhecido na primeira metade do século XX. Dedicou-se ao romance de costumes e psicológico. Atribuem-lhe a paternidade de um novo gênero de biografia: a biografia romanceada. Durante a I Guerra Mundial, aderiu ao exército inglês, servindo como oficial de comunicações com o exército francês aliado. Tudo indica que desta experiência de vida extraiu o caso do soldado português, referido por Berlitz (1991) e neste trabalho acadêmico. Mais informações (em idioma italiano) na enciclopédia virtual italiana TRECCANI (2018), disponível em: <http://www.treccani.it/enciclopedia/andre-maurois/>. Acesso em 02 outubro 2018. L3, consciente, por exemplo, da raiz etimológica comum entre palavras de uma L2 que domina e as de uma L3 em aprendizado, seja por percepção própria ou por estímulo sistemático (e aqui recomendado) de seu mestre, tende a construir, com bastante facilidade, vasto e útil vocabulário no novo idioma que está aprendendo. Assim como no caso do soldado português, o aluno de L3 já anglófono (de nível intermediário aosmais avançados) tem à mão com a língua inglesa (L2) – considerada sua raiz latina (principalmente, franco-latina), que contribuiu parcial, mas intensamente, para sua gênese, até que adquirisse a compleição estrutural presente ainda hoje – uma importante ferramenta para a construção de vasto vocabulário em italiano e espanhol (L3), e mesmo em francês e português (instrumento de que o autor deste artigo também se serve para ensinar português brasileiro aos seus alunos estrangeiros intercambistas já anglófonos, em aulas ministradas em inglês, usado como língua de ensino, ou seja, ETP – English for Teaching Purposes). Prova disso reside na facilidade em converter-se milhares de palavras da língua inglesa em vocábulos italianos, espanhóis, franceses ou portugueses, como bem demonstra Berlitz (1991) em seu As Línguas do Mundo. Ali, constata-se, por exemplo, que palavras da língua inglesa terminadas pela partícula „-tion‟ (e.g., nation, situation, revolution) contam com correspondentes de mesma soletração na língua francesa, alterando-se, por vezes, meramente acentos gráficos (em francês: nation, situation, révolution), ou com correspondentes de soletração próxima nas línguas espanhola e italiana, alterando-se usualmente apenas a partícula final da palavra (em espanhol: alteração da partícula final para „-ción‟ - nación, situación, revolución; em italiano: alteração da partícula final para „-zione‟ - nazione, situazione, rivoluzione). O mesmo ocorre, logicamente, na comparação e contraste entre essas mesmas três palavras inglesas e suas equivalentes em português. Essa conversibilidade entre inglês (L2) e italiano ou espanhol (L3) – e mesmo entre inglês e português ou francês, que não vem ao caso, dada a delimitação temática deste artigo – pode ser constatada por outros interessantes e relevantes exemplos trazidos pelo mesmo autor (BERLITZ, 1991): vocábulos ingleses de três sílabas ou mais com partícula final „-ty‟ (e.g., fraternity, liberty, society) que se distorce para „-dad‟ em espanhol (fraternidad, libertad, sociedad) e para „-tà‟ em italiano (fraternità, libertà, società); palavras inglesas com partículas finais „-able‟ e „-ible‟ (e.g., possible, probable) que se mantêm em „-able‟ e „-ible‟ em espanhol (posible, probable) e se distorcem para „-abile‟ e „-ibile‟ em italiano (possibile, probabile); advérbios da língua inglesa com partícula final „-ly‟ (e.g., rapidly, naturally, usually) que se distorce para „-mente‟ em espanhol (rapidamente, naturalmente, usualmente) e em italiano (rapidamente, naturalmente, usualmente); substantivos e adjetivos da língua inglesa com partícula final „-ent‟ (e.g., president, evident, excellent) que sofrem, quando muito, pequena distorção de soletração e acréscimo de vogal final para „-ente‟ em espanhol (presidente, evidente, excelente) e em italiano (presidente, evidente, eccellente); substantivos da língua inglesa com partícula final „-ment‟ (e.g., monument, supplement) que se distorce para „-mento‟ e sofrem, quando muito, pequena distorção de soletração em espanhol (monumento, suplemento) e em italiano (monumento, supplemento); e, finalmente, termos médicos, psicológicos e psiquiátricos da língua inglesa de raiz greco-latina (e.g., hydrophobia, agoraphobia, kleptomania, nymphomania, psychologist, psychiatry) que sofrem pequenas adaptações de soletração e acentuação em espanhol (hidrofobia, agorafobia, cleptomanía, ninfomanía, psicólogo, psiquiatría) e em italiano (idrofobia, agorafobia, cleptomania, ninfomania, psicologo, psichiatria). Vale lembrar, como alerta, que essa conversibilidade fácil entre vocábulos ingleses (L2) e espanhóis e italianos (L3) no âmbito escrito, por vezes, apresenta desafios no campo oral, tendo em conta diferenças de pronúncia entre certos fonemas dos três idiomas. Cabe, diante disso, ao professor de terceira língua (L3), ao estimular seus alunos à prática pedagógica de comparação e contraste entre ela e o inglês (L2), suscitar tal diferença de pronúncias em sala de aula e promover o treinamento dos discentes (sob os aspectos da compreensão e produção oral – listening and speaking skills) para os fonemas peculiares de sua língua-alvo (L3), a evitar indevida transposição de fala. Convém, inclusive, relevada tal preocupação pedagógica, que o profissional, ao sugerir a prática de comparação e contraste entre essas línguas como ferramenta para construção e ampliação de vocabulário fora do ambiente de ensino, recomende a utilização de um dos inúmeros e utilíssimos dicionários online de idiomas disponíveis na internet gratuitamente, em que os verbetes, além de esmiuçados seus significados por escrito, são acompanhados por arquivos virtuais de áudio contendo sua pronúncia correta executada por nativos. Interessante aqui apontar, como breve nota e mera curiosidade (dados os limites temáticos estabelecidos para este trabalho acadêmico), que a mesma operação de comparação e contraste entre línguas acima debatida apresenta-se como ferramenta útil para a construção e ampliação de vocabulário em alemão, nas línguas escandinavas (norueguês, dinamarquês e sueco) e em holandês (e nas línguas relacionadas com este: flamengo e africâner), vistas como L3, a partir da língua inglesa (L2), dado o componente linguístico desta proveniente das tribos do centro-norte da Europa que ocuparam o arquipélago britânico no período de formação do Old English, indubitavelmente compartilhado com aquelas línguas. Neste sentido, três singelos exemplos colhidos (de imensa lista) da obra de Berlitz (1991): a) em inglês, book (equivalentes, respectivamente, em alemão, holandês e dinamarquês: Buch, boek, bog); b) em inglês, father (equivalentes, respectivamente, em alemão, holandês e dinamarquês: Vater, vader, fader); c) em inglês, mother (equivalentes, respectivamente, em alemão, holandês e dinamarquês: Mutter, moeder, moder). Não é só, no entanto, no campo vocabular que a técnica de comparação e contraste entre a língua inglesa (L2), o italiano e o espanhol (L3) apresenta-se como instrumento útil ao aprendizado destes idiomas neolatinos. A demonstração de certos paralelismos gramaticais e sintáticos pelo professor de L3 multilíngue também é muito útil para o processo de assimilação de estruturas da língua sob aprendizado compartilhadas com o inglês. Há dois exemplos, sem prejuízo de outros, que atestam isso, aos quais serão dedicados os próximos parágrafos deste tópico: o paralelismo conceitual de possessivos entre inglês, italiano e espanhol; e a semelhança estrutural e funcional entre o Present Perfect Tense inglês, o Passato Prossimo italiano e o Pretérito Perfecto Compuesto espanhol. O caso do paralelismo conceitual de possessivos entre inglês, italiano e espanhol: Em língua portuguesa, como é de conhecimento geral e as gramáticas editadas por bons autores repercutem, os vocábulos dedicados à indicação de posse são reunidos numa única classe gramatical: a dos pronomes possessivos. E não sofrem distorções morfológicas em conformidade com a posição que ocupam numa sentença. É o que se constata a partir da leitura de obras muito úteis e práticas, tais como a editada por Cipro Neto e Infante (2010). Neste sentido, para os falantes nativos de português e teóricos desta língua, não há diferença relevante entre as sentenças: “Este é meu carro. Este carro é meu.” Mera questão de escolha do titular do discurso, com a segunda opção geralmente adotada pretendendo-se enfatizar a quem pertence o objeto possuído. Já nas línguas inglesa, italiana e espanhola, estruturadas de forma homóloga neste aspecto, mercê de sua matriz latina compartilhada, as palavras que indicam posse costumam ser reunidas conceitualmenteem duas classes gramaticais, a depender da posição que ocupam numa sentença. A despeito de não haver semelhança vocabular entre os possessivos da língua inglesa e das duas línguas neolatinas, é fato que a diferenciação gramatical desta categoria de palavras, presente nos três idiomas, apresenta-se ao professor e ao aluno como um facilitador da memorização de distorções que as palavras possessivas sofrem e de combinações entre elas e outros vocábulos, em conformidade com a posição que ocupam numa sentença. Vejamos: Em inglês, um vocábulo possessivo, quando ao lado e antecedendo um substantivo (objeto possuído), é considerado um adjetivo possessivo, pois, além de indicar posse propriamente dita, atribui ao objeto possuído (o substantivo justaposto) uma qualidade: a de pertencer a alguém. Já quando isolado no predicado da sentença, longe do objeto possuído (que geralmente é o núcleo do sujeito da sentença), o vocábulo possessivo é considerado um pronome possessivo, vez que ali substitui, ou, digamos, representa e referencia o substantivo presente no núcleo do sujeito (literalmente, exercendo no predicado a função designada para a classe gramatical dos pronomes, a de atuar, conforme a própria raiz etimológica da denominação de tal classe denuncia, pro nome, pronoun, pronome, pró – nome); e mais: nesta situação, a palavra possessiva sofre pequena distorção morfológica. É o que se constata quando consultamos obras como a de Murphy (2015). Fenômeno similar ocorre na língua espanhola, conforme nos ensina a versão manual da gramática da Real Academia Española e da Asociación de Academias de la Lengua Española (2010) 8 . Assim, temos que: a) em inglês – This is my car. Alterando-se a posição do possessivo para o predicado da sentença: This car is mine. O possessivo deixa de ser adjetivo e passa a ser pronome. E sofre pequena distorção morfológica. O mesmo ocorre com os demais possessivos em inglês, que, ao mudar de posição e de classe gramatical na sentença, sofrem distorção morfológica, ganhando ou conservando um “S”, quando já o possuem (adjetivos possessivos e pronomes possessivos correspondentes: my – mine; your – yours; his – his; her – hers; its – its; our – ours; your – yours; their – theirs). b) em espanhol – Este es mi coche. Alterando-se a posição do possessivo para o predicado da sentença: Este coche es mío. O possessivo vê alterada sua classe gramatical. E sofre distorção morfológica. O mesmo ocorre com a maioria dos demais possessivos em espanhol, que, ao mudar de posição e de classe gramatical na sentença, sofrem distorção morfológica, ganhando uma vogal (como indicativo de gênero), ou um “Y” seguido de vogal (como indicativo de gênero), e um “S” para indicação de número plural (possessivos prenominales e posnominales correspondentes entre si: mi, mis – mío, mía, míos, mías; tu, tus – tuyo, tuya, tuyos, tuyas; su, 8 Saliente-se que a gramática espanhola nomeia os possessivos de forma diversa, como posesivos prenominales (que exerceriam, alternativamente, o papel de determinantes ou complementos nominais) e posnominales (que exerceriam unicamente o papel de complementos nominais), dando mais relevância, para sua classificação, à posição que ocupam num sintagma nominal do que numa sentença (REAL ACADEMIA ESPAÑOLA; ASOCIACIÓN DE ACADEMIAS DE LA LENGUA ESPAÑOLA, 2010). Isso, no entanto, não repercute na prática de comparação e contraste aqui realizada e proposta como ferramenta pedagógica para o ensino de idiomas, eis que, em todo caso, há diferenciação gramatical e distorção morfológica dos possessivos em função de mudança na sua posição em relação a outros vocábulos, à semelhança do que ocorre na língua inglesa. sus – suyo, suya, suyos, suyas; nuestro, nuestra, nuestros, nuestras – nuestro, nuestra, nuestros, nuestras; vuestro, vuestra, vuestros, vuestras – vuestro, vuestra, vuestros, vuestras; su, sus – suyo, suya, suyos, suyas). Já na comparação e contraste de possessivos entre o inglês e o italiano, temos que – conquanto os vocábulos italianos desta categoria não sofram distorções morfológicas ao mudarem de posição numa sentença – a diferenciação conceitual entre adjetivos possessivos e pronomes possessivos, quando, respectivamente, justapostos ao objeto possuído ou isolados no predicado, também está presente. E, no caso do italiano, consoante se apura a partir da leitura de obras de referência úteis, tais como a de Drago (2015), detém uma função importante: assinalar se o possessivo deve vir acompanhado (antecedido) por um artigo definido ou não. Vejamos: c) em italiano – Questa è la mia macchina. Alterando-se a posição do possessivo para o predicado da sentença: Questa macchina è mia. O possessivo deixa de ser adjetivo (situação em que é obrigatória a anteposição de um artigo definido que com ele concorde em gênero e número; à exceção de adjetivo possessivo que se refira a membro da família no singular, e.g., Questa è mia sorella, em que sorella significa irmã) e passa a ser pronome (situação em que não é precedido por artigo definido). Aqui, como já dito, não há distorção morfológica dos possessivos em função de sua posição na sentença (adjetivos possessivos e pronomes possessivos correspondentes: mio, mia, miei, mie – mio, mia, miei, mie; tuo, tua, tuoi, tue – tuo, tua, tuoi, tue; suo, sua, suoi, sue – suo, sua, suoi, sue, ou todos estes iniciados com “S” maiúscula, quando se referem ao pronome pessoal de tratamento formal Lei na terceira pessoa do singular, o que em português corresponde a algo como “o senhor” ou “a senhora”, ou Vossa Senhoria; nostro, nostra, nostri, nostre – nostro, nostra, nostri, nostre; vostro, vostra, vostri, vostre – vostro, vostra, vostri, vostre; loro, loro, loro, loro – loro, loro, loro, loro, ou todos estes iniciados com “L” maiúscula, quando se referem ao pronome pessoal de tratamento formal Loro na terceira pessoa do plural, o que em português corresponde a algo como “os senhores” ou “as senhoras”, ou Vossas Senhorias). Esse paralelismo conceitual dos possessivos pode e deve ser usado pelo professor multilíngue de espanhol e italiano (L3) de alunos já anglófonos (L2). A apresentação e confrontação de duas singelas tabelas contendo sentenças curtas e de fácil compreensão (por exemplo, “este é meu carro”, contraposta a “este carro é meu”, em língua inglesa e na língua neolatina sob aprendizado), com a apresentação dos possessivos nas duas formas admitidas (adjetivos possessivos e pronomes possessivos), seguindo-se a ordem lógica de sua relação com os pronomes pessoais (da primeira pessoa do singular até a terceira do plural), uma em língua inglesa e a outra na língua-alvo (italiano ou espanhol), põe-se como estratégica pedagógica útil para facilitar a memorização das combinações entre os possessivos e palavras de outras classes gramaticais (por exemplo, entre os possessivos e os artigos definidos no italiano) e das distorções morfológicas que os possessivos sofrem (comuns entre o inglês e o espanhol), conforme a posição que ocupam numa sentença. Aprende-se pela comparação e pelo contraste. O autor deste artigo vem adotando esse tipo de expediente pedagógico há tempo com seus alunos de L3 já anglófonos, com bons resultados e aceleração da velocidade de aprendizado dos possessivos. O caso da clara semelhança estrutural e funcional entre o Present Perfect Tense inglês, o Passato Prossimo italiano e o Pretérito Perfecto Compuesto espanhol: O magistério privado do autor deste artigo tem demonstrado que uma das maiores dificuldades dos alunos brasileiros de língua inglesa (vista como L2 – EFL: English as a Foreign Language), sejam aquelescujo conhecimento da língua foi obtido nos ciclos do ensino fundamental e médio, sejam aqueles egressos de cursos livres oferecidos por grandes redes e franquias dedicadas ao ensino de idiomas (sem que, pelas razões mais diversas, os tenham efetivamente concluído), reside na assimilação e no domínio seguro dos usos do Present Perfect Tense inglês, especialmente quando confrontado com o Simple Past Tense. Algo que não é uma surpresa, ante o fato de que, para referirem-se a fatos consumados no tempo passado, ainda que recentes, ou mesmo que ainda espraiem seus efeitos pelo tempo presente, os falantes de português brasileiro lançam mão do Pretérito Perfeito do indicativo, que guarda semelhança com as pretensões comunicativas do Simple Past Tense; não havendo na língua portuguesa tempo verbal correspondente ao Present Perfect Tense. Esse tipo de dificuldade tende a não existir – ou a ser exponencialmente menor – no aprendizado do Passato Prossimo do indicativo italiano e do Pretérito Perfecto Compuesto do indicativo espanhol (L3) por alunos já anglófonos (L2), eis que tais tempos verbais neolatinos são, à evidência, semelhantes em estrutura e funções ao Present Perfect Tense, o que recomenda a adoção da prática pedagógica de comparação e contraste entre eles pelo professor multilíngue, como ferramenta para facilitar ou agilizar o aprendizado dos tempos verbais neolatinos em questão. Em termos funcionais, o Present Perfect Tense, como nos ensina Murphy (2015), presta-se, em apertada síntese, a descrever: a) ação ou fato que se põem como novidades, consumados em momento recente, e que espraiam seus efeitos no presente; b) ato ou fato consumados num período de tempo que ainda não acabou; c) ação ou fato iniciados no passado e que se perpetuam até a atualidade; d) ato ou fato consumados no passado, sem que haja indicação precisa do momento em que se deram (dia, ano, etc.). O Passato Prossimo do Indicativo italiano, como nos ensina Drago (2015) com notável concisão, detém as mesmas funções expressivas, assim como o Pretérito Perfecto Compuesto do Indicativo espanhol, como atesta a gramática editada pela Real Academia Española e pela Asociación de Academias de la Lengua Española (2010). No aspecto estrutural, Present Perfect Tense, Pretérito Perfecto Compuesto e Passato Prossimo também são muito semelhantes: nos três casos, lança-se mão da figura do verbo auxiliar para que – abandonado seu conteúdo semântico original – seja conjugado (em inglês: to have, equivalente a “ter”; em espanhol: haber, equivalente a “possuir” e “ter”, mas atualmente em desuso neste sentido, e a “haver”; em italiano: avere, equivalente a “ter”, e, no caso de alguns verbos específicos, essere, equivalente a “ser”), justaposto e precedendo um verbo principal no particípio passado (este, invariável entre as pessoas do discurso). Assim, por exemplo, temos como equivalentes à curta sentença em português “Eu já fiz meu dever de casa”, e às suas variantes, conforme a pessoa do discurso a que nos referimos: em inglês – I have done my homework already, you have done your homework already, he has done his homework already, she has done her homework already, we have done our homeworks already, you have done your homeworks already, they have done their homeworks already; em espanhol – Yo ya he hecho mi tarea, tú ya has hecho tu tarea, él ya ha hecho su tarea, ella ya ha hecho su tarea, Usted – pronome de tratamento formal – ya ha hecho su tarea, nosotros ya hemos hecho nuestras tareas, vosotros ya habéis hecho vuestras tareas, ellos ya han hecho sus tareas, ellas ya han hecho sus tareas, Ustedes – pronome de tratamento formal – ya han hecho sus tareas; em italiano – Io ho già fatto il mio compito, tu hai già fatto il tuo compito, lui ha già fatto il suo compito, lei ha già fatto il suo compito, Lei – pronome de tratamento formal – ha già fatto il Suo compito, noi abbiamo già fatto i nostri compiti, voi avete già fatto i vostri compiti, loro hanno già fatto i loro compiti, Loro – pronome de tratamento formal – hanno già fatto i Loro compiti. O raciocínio e o exemplo acima apresentados não deixam margem para dúvidas. Conhecer bem a estrutura e as funções do Present Perfect Tense da língua inglesa torna, para um brasileiro já anglófono (L2), o aprendizado do Passato Prossimo italiano e do Pretérito Perfecto Compuesto espanhol (L3), mediante comparação e contraste, uma tarefa muito mais rápida e claramente mais fácil. Recomendável e aconselhável, portanto, que o professor dessas línguas neolatinas (L3) desperte a consciência de seus alunos já anglófonos (L2) para essas semelhanças linguísticas e fomente a prática de comparação-contraste como estratégia facilitadora do aprendizado. 2.3 A VISÃO DO AUTOR DESTE ARTIGO ENCONTRA ECO NAS CRENÇAS E NA PRÁTICA DE OUTROS PROFESSORES MULTILÍNGUES ESPALHADOS PELO MUNDO? Pesquisas realizadas em diversos países com professores de idiomas apontam para a crença generalizada de que o multilinguismo preexistente (domínio da língua nativa – L1 – e de pelo menos uma segunda língua – L2) contribui para o aprendizado de novas línguas (L3, L4, etc.). Contudo, a utilização de técnicas pedagógicas pelos professores para despertar em seus alunos a consciência quanto à instrumentalidade desse conhecimento multilíngue ainda é tímida. Åsta Haukås (2016), em seu levantamento de estudos realizados na Áustria, Grã- Bretanha, Alemanha, Itália e Polônia, apurou que, em geral, os professores de idiomas desses países compartilham uma visão positiva do multilinguismo como ferramenta para o aprendizado de novas línguas e concordam que seu uso deveria ser promovido e estimulado em sala de aula. No entanto, reconhecem que, na prática, são raras as vezes que levam ao ambiente de ensino atividades pedagógicas amparadas nessa ferramenta. Alegam que não se sentem competentes o suficiente para fazer isso com frequência, seja porque não confiam em sua própria proficiência em Línguas com Propósito de Ensino, tais como o inglês (L2 – ETP – English for Teaching Purposes), seja porque sentem não conhecer a fundo as línguas nativas de seus alunos para lançar mão com segurança de práticas de comparação e contraste. Por conta de sua insegurança quanto à própria competência multilíngue, os docentes hesitam em utilizar o conhecimento multilíngue como ferramenta pedagógica, e chegam a se preocupar que isso mais atrapalhe do que ajude no aprendizado de novos idiomas. Já da pesquisa quantitativa conduzida por Çelik-Korkmaz (2013) no Departamento de Ensino de Língua Inglesa da Faculdade de Educação da Universidade Uludağ, na Turquia – voltada à investigação das estratégias de aprendizado mais e menos utilizadas pelos alunos de L3 matriculados na faculdade – emergem dados interessantes nas entrevistas informais e complementares realizadas por amostragem com os universitários aspirantes ao grau de licenciatura para o ensino da língua inglesa (proficientes em sua L1, turco, e também em sua L2, inglês, portanto) que optaram, para ganhar créditos extras, por matricular-se, no terceiro ano de graduação (por dois períodos acadêmicos consecutivos), nas disciplinas de alemão e francês (oferecidas pela faculdade como L3). Num universo de 111 acadêmicos, sendo 35 deles matriculados no ensino de francês e 76 matriculados no de alemão, a pesquisadora escolheu 20 alunos (10 dedicados ao francês e 10 ao alemão). As entrevistas realizadas com esta amostra de acadêmicos trouxe à luz a relevante informação de que 80% dos alunos de alemão e 70% dos alunos de francês têm por hábito lançar mão de seus conhecimentos de inglês (L2 que já dominam) e de estratégias de aprendizado desenvolvidasquando da assimilação desta L2 como ferramentas para facilitar o aprendizado de sua L3 (alemão ou francês). Anote-se que o uso desse conhecimento linguístico prévio pelos alunos dá-se de forma intuitiva e em percentuais muito expressivos, a atestar que os discentes veem e, na prática, encontram nele utilidade para o aprendizado da L3 almejada. Se, intuitivamente, esta prática já lhes rende bons resultados, não é difícil deduzir que – fosse estimulada sistematicamente por seus professores – lhes traria resultados ainda melhores. No caso da pesquisa qualitativa conduzida por Åsta Haukås (2016) limitada ao contexto norueguês, país em que o multilinguismo é uma realidade consolidada (lá, além do norueguês padrão – L1 – e de variações dialéticas regionais do norueguês – L2 –, o inglês é ensinado e efetivamente praticado como L3 ao longo de todo o ciclo de dez anos do ensino obrigatório, que abrange os alunos dos seis aos dezesseis anos de idade), nota-se que os professores noruegueses de alemão, espanhol e francês (as três línguas usualmente oferecidas aos alunos, opcional e alternativamente, para serem ensinadas como L4 entre o oitavo e o décimo ano do ensino obrigatório, ou seja, entre os catorze e os dezesseis anos de idade dos estudantes – com impressionante percentual de adesão voluntária dos alunos em pelo menos 75%), em contraposição aos professores de idiomas dos outros países referidos em seu trabalho, sentem-se mais seguros quanto à sua competência multilíngue e relatam utilização mais frequente, embora ainda não sistemática, de técnicas pedagógicas de comparação e contraste para ensino dessas línguas, com obtenção bons resultados no aprendizado de seus alunos. Relato nórdico que ecoa os resultados positivos obtidos pelo autor deste trabalho em seu magistério privado no Brasil, que lança mão sistematicamente dessas técnicas para aprimorar e agilizar o aprendizado por seus alunos já anglófonos das línguas neolatinas com que trabalha. Vale destacar, em apertada síntese, as conclusões a que chegou a pesquisadora norueguesa em suas entrevistas, que coincidem com a visão e experiência do autor deste trabalho sobre a questão aqui debatida: a) os professores ouvidos reconhecem que o domínio prévio de um segundo idioma (multilinguismo) foi útil ao aprendizado de novas línguas por eles próprios; b) esse conhecimento, num primeiro momento, não se demonstrou tão útil aos seus alunos, por conta destes não estarem atentos e conscientes de sua utilidade; c) em contraste com os professores de outros contextos europeus, os professores noruegueses (assim como o autor deste artigo) empenharam-se ativamente nas tarefas de auxiliar seus alunos a se tornarem conscientes dessa utilidade e de estimulá-los a fazer uso desse conhecimento linguístico prévio; d) concluídas essas tarefas, os resultados positivos vieram sem demora, com aprimoramento e aceleração do aprendizado pelos discentes. Na Noruega, a adoção tímida, ocasional, dessa prática pedagógica trouxe alguns bons frutos. Fácil supor que, seja lá ou noutro canto do planeta, esses frutos seriam colhidos em volume bem maior caso tal prática fosse adotada sistematicamente pelos professores de idiomas. Nessa linha de ideias, temos que, ao converter essa prática ocasional – mas claramente eficaz – num procedimento sistemático em sala de aula, o professor (L3) de aluno já poliglota (L1, L2) estará, na prática, adotando e servindo-se de valiosa ferramenta de ensino- aprendizagem proposta por Hufeisen e Neuner (2004): a Pedagogia Multilíngue, abordagem centrada no aluno que busca despertar e desenvolver a consciência linguística e a consciência de aprendizado linguístico envolvendo idiomas que o estudante já conhece em benefício do aprendizado de uma nova língua. Trata-se de chamar a atenção do aluno multilíngue para um atributo cognitivo que está latente em seu íntimo e merece ser bem explorado e utilizado, denominado por Jessner (2014) Consciência Metalinguística ou Multilíngue, consistente na habilidade de debruçar-se sobre estruturas linguísticas conhecidas e sob estudo, alternando sua atenção entre formas, funções e significados, o que faz dos indivíduos metalinguisticamente conscientes aptos a categorizar palavras em partes do discurso e a explicar por que uma palavra ou expressão tem uma função em particular. Tal habilidade, segundo a mesma catedrática austríaca, apresenta-se como o fator crucial que propele o aluno multilíngue ao aprendizado mais célere de novos idiomas. Logo, seu uso deve ser estimulado sistematicamente pelos professores de idiomas de alunos multilíngues. É o que se sugere aos professores de italiano e espanhol de alunos já anglófonos, inseridos num contexto interlinguístico em que o trabalho reiterado com a Consciência Metalinguística tende a ser agradável e muito profícuo, dado e relevado o compartilhamento profundo da matriz franco-latina entre os três idiomas. 3. CONSIDERAÇÕES FINAIS. A trilha de conhecimentos e reflexões percorrida com a leitura dos tópicos deste trabalho não deixa margem para dúvidas e aponta para uma resposta positiva à questão de pesquisa aqui formulada. A compleição essencial da língua inglesa contemporânea atesta que a matriz franco- latina absorvida ao longo do processo histórico de sua gênese está mais viva e ativa do que imagina o senso comum. Decorre disso o evidente paralelismo de inúmeros vocábulos e estruturas linguísticas entre o inglês e as línguas neolatinas, tais como o italiano e o espanhol. Como constatamos pelos exemplos práticos aqui apresentados, a demonstração desse paralelismo pelo professor multilíngue de italiano ou espanhol (L3) aos seus discentes já anglófonos (L2), via comparações e contrastes, é tarefa simples e não demanda esforço nem tempo em grandes quantidades. Além disso, põe-se como prática pedagógica eficaz, que facilita e, no mais das vezes, agiliza a assimilação de vocabulário e de estruturas da língua sob aprendizado correlatos aos do idioma previamente dominado. É o que a experiência do autor deste trabalho com alunos já anglófonos tem demonstrado ao longo dos anos de seu magistério. E mais: professores multilíngues de diferentes países, como levantado noutras investigações científicas aqui invocadas, reconhecem ter se servido – ao menos intuitivamente – da mesma estratégia para assimilarem com maior facilidade as línguas que dominaram ulteriormente, assim como da mesma prática pedagógica para elucidarem algum aspecto de uma língua sob aprendizado (L3) para seus alunos já anglófonos (L2), embora tenham-no feito acanhada e eventualmente. Logo, por tudo o que aqui visto, é inegável que o conhecimento prévio da língua inglesa (L2) é ferramenta utilíssima para facilitar e, até mesmo, agilizar o processo de aprendizado de italiano ou espanhol (vistas como L3) por alunos já anglófonos. É fundamental que os professores multilíngues se deem conta disso, abandonem essa postura acanhada por outra, mais proativa, e passem a lançar mão em sala de aula, metódica e sistematicamente, da prática pedagógica de comparação e contraste vocabular e estrutural, objetivando despertar a consciência de seus alunos para os paralelismos entre os três idiomas, o que implicará em inevitáveis ganhos e aceleração no processo de aprendizagem das línguas neolatinas aqui abordadas. Se os professores multilíngues de idiomas, acadêmicos e docentes de Letras que leem as reflexões aqui contidas sentem-se encorajados a lançar mão sistematicamente do expediente pedagógico ora proposto em benefício do aprendizado de seus alunos, então o autor dá-se por satisfeito, e tem por alcançados os objetivos deste singelo trabalho de conclusãode curso universitário. REFERÊNCIAS. BERLITZ, Charles. As línguas do mundo. Tradução de Heloísa Gonçalves Barbosa. São Paulo: Círculo do Livro, 1991. ÇELİK-KORKMAZ, Şure. Third language learning strategies of ELT learners studying either German or French. Hacettepe University Journal of Education, Ankara, vol. 28, p. 92-104, 2013. Disponível em: <http://dergipark.gov.tr/download/article-file/87124>. Acesso em 17 out. 2018. CIPRO NETO, Pasquale; INFANTE, Ulisses. Gramática da língua portuguesa. 3.ed. São Paulo: Scipione, 2010. DRAGO, Teresa. Italiano fluente em 30 lições. Barueri: DISAL, 2015. FARLEX. The Free Dictionary: spread the word. Disponível em: <https://idioms.thefreedictionary.com/spread+the+word>. Acesso em 22/09/2018. HAUKÅS, Åsta. Teachers’ beliefs about multilingualism and a multilingual pedagogical approach. International Journal of Multilingualism, Bergen, v. 13, n. 1, 2016. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/14790718.2015.1041960>. Acesso em: 17 out. 2018. HUFEISEN, Britta; NEUNER, Gerhard. (orgs.). The Plurilingualism Project: Tertiary Language Learning – German after English. Strasbourg: Council of Europe, 2004. JESSNER, Ulrike. On Multilingual Awareness or Why the Multilingual Learner is a Specific Language Learner. In.: PAWLAK, Mirosław; ARONIN, Larissa. (orgs.). Essential Topics in Applied Linguistics and Multilingualism: Studies in Honor of David Singleton. Switzerland: Springer International, 2014. LANZONI, Hélcio de Pádua. Literatura Inglesa I. Rio de Janeiro: SESES, 2015. MURPHY, Raymond. Essential grammar in use. 4. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2015. ______. English Grammar in use. 4. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2015. REAL ACADEMIA ESPAÑOLA; ASOCIACIÓN DE ACADEMIAS DE LA LENGUA ESPAÑOLA. Nueva gramática de la lengua española: manual. Madrid: Espasa Libros, 2010. RODRIGUES, Nelson. A mulher que amou demais: Romance. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. TRECCANI. Maurois, André. Disponível em: <http://www.treccani.it/enciclopedia/andre- maurois/>. Acesso em 02 outubro 2018. 1) Aprovada esta minha 4ª versão pela senhora, posso já enviar pelo Ambiente a versão definitiva (5ª) em formato PDF? 2) Por gentileza, passe-me por lá a síntese de suas titulações acadêmicas para eu incluir na nota de rodapé atrelada ao seu nome na primeira página do trabalho. Atenciosamente, Gilberto (mat. 201502919044).
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