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HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 416 A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS ENTES BANCÁRIOS NO USO DO CARTÃO DE CRÉDITO POR TERCEIROS Helena Sabetzki Heller1 Patrícia Elias Vieira2 SUMÁRIO Introdução; 1 A responsabilidade civil; 1.1 O conceito de responsabilidade civil; 1.2 As espécies de responsabilidade civil; 1.3 A reparação do dano; 2 Os entes bancários; 2.1 O conceito de entes bancários; 2.2 Os contratos e operações bancárias; 2.3 As operações ativas e passivas; 3 A responsabilidade civil no uso do cartão de crédito por terceiros; 3.1 O conceito de cartão de crédito; 3.2 Os direitos e obrigações do cartão de crédito; 3.3 A responsabilidade dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros; Considerações finais; Referência das fontes citadas. RESUMO O presente trabalho tem por objetivo a análise doutrinária nos elementos pré- textuais, abordando-se a jurisprudência em caráter ilustrativo, acerca da responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. A pesquisa trata do instituto da responsabilidade civil, desde a sua conceituação, até as formas de reparação de dano pelo agente causador. Aponta as espécies de responsabilidade civil, com maior enfoque na responsabilidade objetiva, subjetiva, contratual e extracontratual. Conceitua os entes bancários, bem como as operações e contratos por estes realizados. Subdivide as operações bancárias em ativas e passivas. Enfatiza o cartão de crédito, por ser atualmente um dos serviços mais utilizados pela sociedade moderna. Assinala os direitos e obrigações das partes integrantes do seu sistema, destacando a responsabilidade civil na hipótese de uso do cartão de crédito por terceiros. O método de pesquisa utilizado foi o indutivo e a conclusão alcançada foi a responsabilidade civil objetiva dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Palavras-chave: Responsabilidade civil. Entes bancários. Cartão de crédito. 1 Acadêmica do 8º período do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Endereço Eletrônico: helenasheller@yahoo.com.br. 2 Professora de Direito Civil e Direito Processual Civil do Curso de Direito em Balneário Camboriú e Itajaí do CEJURPS da Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI. Advogada. Endereço Eletrônico: patriciaelias@univali.br, patelias@terra.com.br. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 417 INTRODUÇÃO A responsabilidade civil, atualmente, é o instituto jurídico pelo qual se busca a resolução de conflitos particulares e individuais da sociedade. Esta se consubstancia, principalmente, na obrigação de reparar um prejuízo causado a terceiro, o que possibilita, desta forma, a restauração do equilíbrio patrimonial e moral alterado. Neste escopo, os entes bancários atuam como interventores das relações jurídicas particulares, uma vez que propiciam, além de tudo, a realização de atos legais através da manifestação de vontade das partes. Visando promover a consecução de sua finalidade, estes desempenham uma série de atividades negociais ao longo do seu exercício mercantil, que permitem, além da circulação de capital, a intermediação de recursos financeiros. A fim de cumprir com os seus objetivos primordiais, oferecem diversos serviços aos seus usuários, os quais originam, por consequência, uma série de relações e contratos no ordenamento jurídico. Dentre os serviços ofertados, o cartão de crédito se destaca, uma vez que consiste no meio mais usual pelo qual as instituições bancárias permitem a abertura de crédito aos seus portadores. Desta relação jurídica, no entanto, insurge um condão de direitos e obrigações, os quais, se eventualmente violados, caracterizam a responsabilidade da parte que os infringiu. Desta forma, no caso do uso do cartão de crédito por terceiros, teria a instituição bancária responsabilidade civil objetiva pelas ações fraudulentas cometidas? Assim, o presente trabalho tem por objetivo apresentar o instituto da responsabilidade civil, caracterizar os entes bancários e identificar o cartão de crédito, mais precisamente no tocante a responsabilidade do seu uso por terceiros. O Método utilizado na fase de Investigação foi o Indutivo, uma vez que se buscou, após considerar os fatos presentes, a conclusão geral do tema pesquisado. A hipótese a ser considerada é, portanto, a responsabilidade civil objetiva dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros, independentemente de dolo ou culpa na conduta do usuário do sistema. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 418 1 A RESPONSABILIDADE CIVIL O instituto da responsabilidade civil possui papel fundamental na sociedade pós-moderna, uma vez ser responsável pela solução de conflitos sociais, bem como permitir a proteção dos direitos individuais. Além de ser uma garantia social, pela necessidade de segurança jurídica ao lesado, tem a função de restaurar o equilíbrio jurídico-econômico desfeito, uma vez que decorre de grave ofensa às normas legais vigentes e, consequentemente, importa na reparação do dano pelo agente causador. Portanto, indispensável o estudo da responsabilidade civil, bem como do seu conceito, espécies e formas de reparação do dano. 1.1 O conceito de responsabilidade civil Em termos gerais, a responsabilidade consiste no dever jurídico de recomposição do dano sofrido, incumbida ao agente causador, em relação a uma determinada situação. Esta constitui uma relação jurídica obrigacional, cujo objetivo se dá pelo ressarcimento da coisa pretendida a vitima. De acordo com GAGLIANO e PAMPLONA FILHO3 “A palavra responsabilidade tem origem no verbo latino respondere, significando a obrigação que alguém tem de assumir as consequências jurídicas de sua atividade (...)”. Neste escopo, a responsabilidade nada mais é, portanto, do que um dever jurídico sucessivo, no qual se assume as consequências jurídicas de um fato, que acarreta, posteriormente, na reparação do dano causado. Trazendo esse conceito para o âmbito do Direito Privado, tem-se que a responsabilidade civil se consubstancia na obrigação de reparar o prejuízo causado a outrem, compelindo o agente causador do dano a proceder, em seguida, sua retaliação. Conforme GAGLIANO e PAMPLONA FILHO4: 3 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 2. 4 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 9. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociaise Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 419 (...) a responsabilidade civil deriva da agressão de um direito eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior das coisas. Assim, na responsabilidade civil, o agente que cometeu o ato ilícito tem a obrigação de reparar o dano patrimonial ou moral causado, buscando restaurar o status quo ante e, não sendo este possível, de indenizar ou compensar a vítima. Observa-se, portanto, segundo LISBOA5, o princípio geral da restituição ou recomposição integral ao estado anterior, restitutio in integrum (reintegração total), no qual se busca minimizar os efeitos causados ao prejudicado. A indenização, desta forma, é admitida de forma excepcional, por meros motivos de ordem pública, uma vez ter a responsabilidade civil o intento de retornar as coisas ao seu estado inicial. Deste modo, o objeto principal da reparação civil é garantir o direito do lesado, promovendo a resolução de conflitos subjetivos e individuais da sociedade, viabilizando, além da proteção do direito particular, a prevenção da coletividade de novas violações eventualmente realizadas em favor de terceiros, uma vez idear a reparação do equilíbrio moral e patrimonial desfeito. 1.2 As espécies de responsabilidade civil A responsabilidade civil é, na sua essência, um conceito uno, incindível, aplicável a todos os ramos do direito. Entretanto, no decorrer do tempo, em função de algumas peculiaridades dogmáticas, fez-se necessário estabelecer uma disposição sistemática sobre a matéria. Dentre as classificações doutrinárias presentes, destaca-se a necessidade de categorização da responsabilidade civil, conforme LISBOA6, dentre outras, de acordo com a sua origem e culpa. Quanto à culpa, esta subdivide-se, principalmente, em objetiva e subjetiva. A responsabilidade subjetiva é aquela decorrente de dano causado em função de ato doloso ou culposo, restando caracterizada quando o agente causador do dano atuar com negligência, imprudência ou imperícia em relação a outrem. 5 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 428. 6 LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil. P. 458-9. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 420 Neste caso, o principal pressuposto da responsabilidade civil é a culpa, uma vez ser o agente causador do dano somente chamado a indenizar se restar comprovada que da ação ou omissão praticada gerou ato lesivo a direito. Consoante CAVALIERI FILHO7 “A ideia de culpa está visceralmente ligada à responsabilidade, por isso que, de regra, ninguém pode merecer censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado com o dever de cautela em seu agir”. Assim, a prova da culpa do agente causador do dano é indispensável para que surja o dever de indenizar, sendo esta a consequência jurídica necessária do ato ilícito. Entretanto, no ordenamento jurídico vigente, há hipóteses em que não se faz necessária a caracterização da culpa. Nesses casos, destaca-se a responsabilidade civil objetiva. Na responsabilidade objetiva, o dolo ou culpa na conduta do causador do dano é irrelevante, uma vez que, segundo GAGLIANO e PAMPLONA FILHO8, “(...) somente será necessária a existência do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável, para que surja o dever de indenizar”. Portanto, na responsabilidade civil objetiva, a atitude culposa ou dolosa do agente causador é de menor relevância, uma vez ser esta fundada diretamente no risco da atividade exercida pelo autor do dano. Desta feita, o sistema jurídico vigente adotou como regra geral a responsabilidade civil subjetiva, não excluindo, entretanto, a responsabilidade civil objetiva nos casos específicos previstos em lei. Já quanto à origem, a responsabilidade civil subdivide-se em contratual e extracontratual. A responsabilidade contratual é aquela decorrente da violação de um dever jurídico criado pelas partes, ou seja, do inadimplemento de norma contratual previamente fixada. 7 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 38. 8 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. P. 16. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 421 De acordo com CAVALIERI FILHO9 "Se a transgressão se refere a um dever gerado em negócio jurídico, há um ilícito negocial comumente chamado de ilícito contratual”. Deste modo, antes da obrigação de indenizar emergir, na responsabilidade contratual existe, entre o inadimplente e seu cocontratante, um vínculo jurídico derivado de convenção, portanto o dever de indenizar é apenas a consequência legal da violação de uma obrigação jurídica previamente estabelecida. Já na responsabilidade extracontratual, também chamada de aquiliana ou delitual, o seu nascimento se dá com a violação de um dever jurídico imposto por lei. Conforme prevê CAVALIERI FILHO10 “se o dever surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima, pré-exista qualquer relação jurídica que o possibilite, temos a responsabilidade extracontratual”. Ou seja, a responsabilidade extracontratual é aquela decorrente de um ilícito sem prévia relação obrigacional, sendo, portanto, a prática de um ato punível meramente em decorrência da lei. Assim, na responsabilidade extracontratual, segundo RODRIGUES11, não há nenhum liame jurídico existente entre o agente causador do dano e a vítima, até que o ato lesivo ponha em ação os princípios geradores de sua obrigação de indenizar, por força da violação de um mandamento legal e, consequentemente, da ação ilícita do agente infrator. Portanto, indubitável a importância da classificação da responsabilidade civil, uma ser esta imprescindível para o aprofundamento da temática, bem como da identificação dos princípios específicos aplicáveis ao caso em tela. 1.3 A Reparação do dano A reparação do dano é o principal efeito da responsabilidade civil, uma vez visar o ressarcimento do prejuízo ocasionado, bem como à recuperação do bem juridicamente tutelado. 9 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. P. 37. 10 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. P. 37. 11 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Responsabilidade civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 9. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044422 Dentre as formas de reparação do dano, a reposição natural, hipótese em que o bem é restituído ao estado em que se encontrava anteriormente ao fato danoso, constitui a mais adequada forma de reparação. Porém, ainda que seja o modo próprio de reparação, esta não poderá ser imposta ao titular do direito à indenização, uma vez que, dificilmente, uma coisa danificada volta ao seu estado anterior. Segundo GOMES12: Se o autor do dano não pode restabelecer o estado efetivo da coisa que danificou, paga a quantia correspondente a seu valor. É rara a possibilidade de reposição natural. Ordinariamente, pois, a prestação de indenização se apresenta sob a forma de prestação pecuniária e, às vezes, como objeto de uma dívida de valor. Além disso, a indenização pecuniária poderá ser exigida concomitantemente com a reposição natural. Esta se fará possível nos casos em que não satisfazer suficientemente o interesse do credor, uma vez que a reparação do dano consiste na restauração do equilíbrio patrimonial e moral sofrido pela vítima. De acordo com GOMES13, ainda: Se o devedor quer cumprir a obrigação de indenizar mediante reposição, o credor não pode exigir a substituição de coisa velha, por nova, a menos que o reparo não restabeleça efetivamente o estado anterior. Por outro lado, o devedor não pode ser compelido à restituição in natura, se só for possível mediante gasto desproporcional. Deste modo, ainda que a reposição natural seja a forma mais apropriada de reparação do dano, esta não será sucessivamente possível, uma vez que nem todas as formas danosas competem tal modalidade. Nos casos em que o dano abranger a moralidade, a reposição natural será impraticável, pois o bem tutelado é o próprio patrimônio ideal da pessoa natural. Conforme RODRIGUES14, denomina-se patrimônio ideal, “o conjunto de tudo aquilo que não é suscetível de valoração econômica”. 12 GOMES, Orlando. Obrigações. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 51. 13 GOMES, Orlando. Obrigações. P. 51. 14 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Responsabilidade civil. P. 190. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 423 Portanto, impossível a restituição ao estado anterior do dano causado, uma vez que as lesões praticadas, neste caso, se dão aos direitos personalíssimos da vítima, os quais não compreendem exata valia econômica. Ressalta GOMES15: Admiti-se, porém, sem oposição, que o pagamento da soma de dinheiro é um modo de dar satisfação à vítima, que, recebendo-a, pode destiná-la, como diz Von Tuhr, a procurar as satisfações ideais ou materiais que estime convenientes, acalmando o sentimento de vingança inato no homem. Logo, evidente à diferenciação do dano patrimonial e do dano extrapatrimonial, uma vez que esta reside, além da esfera jurídica atingida e às consequências geradas, principalmente, na forma de reparação do dano causado. Assim, incontestável a importância do instituto da reparação do dano na esfera da responsabilidade civil, uma vez ter esta, por objetivo, a retaliação em favor da vítima de um dano causado, bem como a compensação social do fato perpetrado. 2 OS ENTES BANCÁRIOS Os entes bancários possuem indubitável significância na sociedade moderna, uma vez proporcionarem a mobilização de crédito, bem como atenderem aos fins sociais a que foram destinados. Estes são definidos pela Lei n. 7.492, de 16 de junho de 198616, que buscou, além de conceituá-los, a defesa da política cambial nacional, a fim de prevenir fraudes contra terceiros, bem como, controlar, efetivamente, a entrada e saída de moeda e crédito advindo das atividades realizadas. São considerados verdadeiros reguladores do mercado financeiro, uma vez propiciarem a movimentação econômica, bem como a circulação de capital, e a consequente valorização monetária nacional. 15 GOMES, Orlando. Obrigações. P. 272. 16 BRASIL. Lei nº 7.492 de 16 de junho de 1986. Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7492.htm. Acesso em: 15 nov. 2012. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 424 Assim, visto a demasiada importância dos entes bancários no direito vigente, este tópico abordará desde a sua conceituação até os serviços e operações proporcionados por estas instituições. 2.1 O conceito de entes bancários Os entes bancários são instituições financeiras essenciais a economia, uma vez propiciarem a movimentação de riquezas, bem como, a prestação de serviços a sociedade. Por definição legal, são às pessoas jurídicas de direito público ou privado, que têm como atividade principal a intermediação e aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros. São considerados empresas comerciais, cujo objetivo principal, segundo MENDONÇA17, consiste no recebimento e concentração de capitais, para, em seguida propiciar a distribuição por meio de operações de crédito, no qual operam como intercessores creditícios. De modo geral, os entes bancários são mobilizadores, agindo sempre como sujeito das operações e contratos que realizam, tendo por finalidade, principalmente, a circulação de capital e a intermediação dos recursos monetários. De acordo com ABRÃO18: Na terminologia do moderno Direito Comercial, os bancos são empresas (organizações harmônicas de capital e trabalho para o exercício de uma atividade econômica de produção ou de troca de bens ou serviços), e não meros estabelecimentos (complexos de bens, materiais e imateriais, de que dispõe o empresário para o exercício de sua atividade). Portanto, consideram-se instituições bancárias, as organizações empresárias que utilizam-se de recursos monetários próprios ou de terceiros, na atividade creditícia, ou seja, as empresas cuja atividade concentra-se na emissão, depósito e investimento de capital. Deste modo, imprescindível a sua conceituação, visto que os entes bancários exercem papel fundamental na sociedade moderna, pois propiciam a 17 MENDONÇA, José Xavier Carvalho de apud ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 15. 18 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. P. 16-7. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 425 intermediação e mobilização de crédito, permitindo a movimentação e direcionamento dos recursos monetários, fomentando, por conseguinte, o desenvolvimento social e econômico brasileiro. 2.2 Os contratos e operações bancárias Visando promover o desenvolvimento comercial, os entes bancários desempenham uma série de atividades negociais durante o seu exercício mercantil. Estas denominam-se, conforme COELHO19, operações bancárias, e consistem na coleta,intermediação e aplicação de recursos, ligadas direta ou indiretamente à concessão, circulação e administração de crédito. Quanto a sua concepção, as operações bancárias divergem nos aspectos legais e econômicos, uma vez que as instituições financeiras objetivam, além dos fins sociais, a lucratividade nas atividades praticadas. No campo econômico, o foco está na prestação de serviços pelos entes bancários, uma vez que os atos realizados visam tão somente à consecução de sua finalidade, qual seja a intermediação e aplicação de recursos monetários, tanto em proveito próprio como de terceiros. De acordo com ABRÃO20 “economicamente, há que se considerar a prestação de serviços no setor creditício que redunda em proveito tanto para o banco, como para o cliente”. Já na esfera legal, as operações bancárias dependem do acordo de vontade entre as partes, razão pela qual se inserem no campo contratual. Deste modo, no âmbito jurídico das operações bancárias, o fato propulsor da relação processual obrigacional é o contrato bancário, o qual produz direitos e deveres subjetivos na esfera judicial, bem como, é o objeto regulador da relação jurídica firmada. Assim, tanto na concepção econômica, quanto na jurídica, as instituições bancárias além de atuarem como intermediárias na mobilização de crédito, possuem o intuito de lucratividade nas operações que realizam, uma vez que promovem a circulação de riqueza e propiciam a realização dos negócios jurídicos. 19COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 452. 20 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. P. 42. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 426 2.3 As operações ativas e passivas Na multiplicidade das atividades efetuadas pelos entes bancários, estes têm proporcionado um raio crescente de serviços na preocupação de conservar e ampliar sua clientela, bem como melhorar e aperfeiçoar seu sistema, assumindo uma posição de nítido destaque em relação aos usuários e demais empresas do segmento econômico. Neste escopo, a doutrina, buscando delimitar as atividades realizadas pelas instituições bancárias, principalmente quanto aos elementos de coleta e aplicação de fundos, classificou as operações executadas em uma dúplice categoria. Segundo LUZ21: Não se pode querer classificar uma operação atendendo a todos os acontecimentos eventuais de sua vida, usando como critério de aferição, meras possibilidades ou potenciais de riscos, aspectos acidentais. A classificação científica observa o ser genérico. É no seu nascedouro que uma operação expõe sua identidade. É assim que o Direito (comercial e fiscal) vê e qualifica jurídica e contabilmente o ativo e o passivo. Assim, quanto às atividades efetuadas para captação de crédito, a doutrina classificou-as em operações passivas, por consistirem, essencialmente, na coleta de capitais para o exercício da atividade creditícia. Neste campo, os entes bancários figuram como devedores e assumem a conduta esperada quanto ao pagamento de juros, acessórios e restituição do montante depositado. Já em relação à distribuição de capitais, considerou estas operações ativas, principalmente porque a prestação de serviços se dá em favor do público, e não mais a sua conta. Nesta esfera, as instituições bancárias desenvolvem atividades visando à concessão de crédito, assumindo, deste modo, a posição de credoras das obrigações pactuadas, cobrando juros e demais encargos dos atos realizados. Desta forma, as operações desenvolvidas pelos entes bancários, apesar de diferirem quanto a sua classificação, se coligam em uma relação de recíproca 21 LUZ, Aramy Dornelles da. Negócios jurídicos bancários: o banco múltiplo e seus contratos. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 22. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 427 interdependência, uma vez que, de acordo com LUZ22, a inadimplência futura de qualquer crédito implicará na baixa das operações lançadas e, por conseguinte, dará origem ao prejuízo apurado, saindo o montante do polo ativo, e passando a figurar, então, no polo passivo. Portanto, as operações bancárias, além de proporcionarem a intermediação de crédito, consubstanciando-se em verdadeiros alicerces de mobilização de capital, uma vez tornarem possível às atividades realizadas pelos entes bancários, bem como preconizarem direito e deveres no âmbito jurídico, possibilitando, desta forma, além da prestação de serviços, o desenvolvimento econômico e social nacional. 3 O CARTÃO DE CRÉDITO E SEU USO INDEVIDO POR TERCEIROS O cartão de crédito se consubstancia em uma das formas mais usuais de mobilização de crédito pelos entes bancários. Este sistema, segundo LACERDA FILHO23, constitui um negócio jurídico complexo, de conteúdo lucrativo e que tem como função primordial promover a aquisição de bens e a prestação de serviços. Deste modo, o cartão de crédito, além de fomentar o consumo e a produção nacional, é o mecanismo pelo qual se identifica o legítimo usuário do seu sistema, habilitando o seu titular e propiciando as facilidades creditícias pactuadas. Assim, este tópico abordará o conceito de cartão de crédito, os direitos e obrigações das partes e a responsabilidade civil no seu uso indevido por terceiros. 3.1 O conceito de cartão de crédito Além de exercerem papel fundamental na economia, os entes bancários oferecem diversos serviços aos seus usuários. Dentre os serviços ofertados, o cartão de crédito se destaca, uma vez que consiste, atualmente, em um dos meios mais utilizados para o desenvolvimento da produção, do crédito e do consumo nacional. 22 LUZ, Aramy Dornelles da. Negócios jurídicos bancários: o banco múltiplo e seus contratos. P. 22. 23 LACERDA FILHO, Fausto Pereira de. Cartões de crédito. Curitiba: Juruá, 1990, p. 51. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 428 Materialmente, segundo ABRÃO24, constitui uma pequena peça de matéria plástica, contendo o nome do emissor, o número em código do portador, a data da emissão, o período de validade, com o nome e a assinatura do seu usuário. Em termos jurídicos, no entanto, este consiste além do objeto material que identifica o acreditado, se consubstanciando no documento comprobatório de crédito pela instituição bancária. Conforme prevê ABRÃO25: (...) podemos chegar a conceituar o cartão de crédito como um documento comprobatório de que seu titular goza de um crédito determinado perante certa instituição financeira, o qual o credencia a efetuar compras de bens e serviços a prazo e saques de dinheiro a título de mútuo. Portanto, o cartão de crédito nada mais é do que o documento que autoriza o seu usuário,perante o estabelecimento conveniado, a aquisição de bens e utilização de serviços. Esta relação se dá, no entanto, de forma tríplice, uma vez que figura como interveniente o ente bancário, coordenando as relações entre o credor e o devedor e integrando-as em sua própria finalidade. De acordo RONGAGLIA26, o cartão de crédito é o instrumento pelo qual o comprador se desobriga a pagar diretamente ao fornecedor do bem ou serviço, compelindo-se, em contrapartida, a saldar o montante devido à instituição financeira. Deste modo, o ente bancário atua como credenciador do portador na aquisição de mercadorias e serviços perante o fornecedor, agindo, desta forma, como interventor da relação jurídica existente. Quanto ao seu conceito propriamente dito, no entanto, os doutrinadores objeto desta pesquisa, contemplam este instituto comentando simplesmente a sua natureza jurídica e o seu modo de funcionamento, não arriscando, assim, uma definição exata desta relação creditícia. Deste modo, o cartão de crédito nada mais é do que o meio mais usual pelo qual as instituições bancárias permitem a abertura de crédito aos seus usuários, fundamentado em uma série de direitos e obrigações que formalizam as relações 24 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. P. 141. 25 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. P. 141. 26 RONGAGLIA, Marcelo Marques. Tributação no sistema de cartões de crédito. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 108. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 429 jurídicas pactuadas, visando, além da identificação do portador, o fortalecimento do conglomerado financeiro e econômico a que fazem parte. 3.2 Os direitos e obrigações do cartão de crédito Atualmente, o cartão de crédito é a forma mais usual de mobilização creditícia pelos entes bancários. Desta relação jurídica, surge uma série de direitos e obrigações entre os seus participantes, constituindo-se, desta forma, em um feixe de contratos firmados entre as partes. Neste escopo, esta relação se dá, habitualmente, entre três sujeitos intervenientes: a entidade emissora do cartão, o fornecedor aderido do sistema, e o seu usuário. Segundo LUZ27, quanto ao emissor: Este obriga-se perante o estabelecimento conveniado a fornecer-lhe o material de expediente apropriado e a pagar-lhe as faturas que lhe sejam apresentadas nas condições e prazos previstos contratualmente, resguardando-o das fraudes e irregularidades que não possa razoavelmente constatar. E obriga-se perante o usuário a garantir-lhe o funcionamento do sistema para uso do qual cobra a prestação de serviços e a garantir-lhe a segurança operacional, uma vez avisado de roubo ou extravio do cartão. Deste modo, dentre as obrigações do emissor do cartão perante o fornecedor do bem ou serviço, este se obriga, principalmente, ao pagamento das dívidas contraídas pelo usuário. Já em relação ao portador, os seus direitos e obrigações vão além dos pactuados pelas cláusulas contratuais, pois além da prestação de serviços, este garante a segurança das operações perpetradas, bem como a comodidade na realização dos atos necessários a funcionalidade do seu sistema. Quanto ao estabelecimento conveniado, no entanto, suas obrigações diferem das do fornecedor, se consubstanciando, consoante LUZ28, para com o emissor: 27 LUZ, Aramy Dornelles da. Negócios jurídicos bancários: o banco múltiplo e seus contratos. P. 245-6. 28 LUZ, Aramy Dornelles da. Negócios jurídicos bancários: o banco múltiplo e seus contratos. P. 246. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 430 (...) a vender ao usuário pelo mesmo preço praticado nas vendas à vista; a observar o limite de crédito do usuário e só ultrapassá-lo quando especialmente autorizado pelo emitente, pagando-lhe por ocasião da liquidação das faturas a comissão devida por sua participação no sistema. Obriga-se ainda a identificar o portador do cartão, controlando seu prazo de validade e inexistência de restrições pelo exame e cotejo com as listas que lhe são enviadas pelo emissor. Assim, o fornecedor de bens ou serviços se obriga perante o emissor a aceitar o uso do cartão de crédito, bem como, observar os seus limites, identificando o portador e controlando a sua validade. Já em relação ao usuário, as obrigações do estabelecimento conveniado conforme prevê LACERDA FILHO29 são basicamente, o respeite aos preços ofertados ao público em geral e em igualdade de condições e tratamento, se obrigando a entregar uma cópia da fatura correspondente à operação efetivada ao seu usuário. Desta forma, o fornecedor está obrigado perante o portador ao tratamento igualitário de preços e prazos, bem como a emitir cópia da fatura, para que o usuário tenha maior segurança jurídica dos negócios realizados. Quanto às obrigações do portador, de acordo com LUZ30, perante o emissor, principalmente, são: (...) assinar as faturas de suas compras e a pagá-las quando lhe forem apresentadas na forma ajustada contratualmente e/ou fixada pela lei, bem como a ocorrer a liquidação de encargos que lhe são devidos pela sua participação nos sistema, avisando-lhe de eventual roubo, perda ou extravio do cartão, respondendo pelo eventual uso indevido que até essa data possa ter havido. Obriga-se da mesma forma pela liquidação das faturas de responsabilidade dos cartões adicionais que tiver solicitado. Desta forma, perante a instituição financeira, o usuário fica compelido, principalmente, ao pagamento das faturas na forma fixada pelas partes, bem como a taxa de prestação de serviços, se comprometendo a agir com a cautela e a segurança esperada. Já quanto à relação com fornecedor, conforme preceitua LACERDA FILHO31, a simples operação do uso do cartão reconhece o cumprimento da sua 29 LACERDA FILHO, Fausto Pereira de. Cartões de crédito. P. 68. 30 LUZ, Aramy Dornelles da. Negócios jurídicos bancários: o banco múltiplo e seus contratos P. 246. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 431 obrigação fundamental, qual seja a do pagamento do preço ofertado, uma vez que o cartão constitui um meio de pagamento idôneo reconhecido pelo estabelecimento conveniado. Deste modo, o usuário quando da utilização do cartão já cumpre a sua obrigação perante o fornecedor, não podendo ser demandado, posteriormente, a pagar o valor compactuado. Assim, com o entrosamento das partes integrantes deste sistema de crédito, se faz possível a mobilização monetária, bem como a funcionalidade de seu esquema, constituindo o cartão de crédito, o elemento habilitador e identificador desta operação creditícia. 3.3 A responsabilidade dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros Com o passar dos anos o cartãode crédito tem ganhado maior circulação no mercado. Ao passo que o número de usuários vem aumentando, os riscos de incidentes aumentam proporcionalmente, incorrendo as partes, deste modo, a um número crescente de fraudes e falsificações no seu processo. Dentre os procedimentos burlatórios, o furto e o extravio consistem nas grandes causas de utilização maliciosa e indevida do cartão de crédito por terceiros. Nesta hipótese, o ladrão e o possuidor de má-fé, utilizando-se do cartão como meio de pagamento, adquirem bens e serviços junto aos fornecedores e comerciantes filiados ao seu sistema. Em consequência a este uso indevido, o titular do cartão deve avisar imediatamente ao emissor do ocorrido, ensejando, desta forma, na responsabilização do ente bancário na esfera cível. Esta responsabilidade se divide, segundo RODIÈRE e RIVES-LANGE32, na fase anterior e posterior a notificação da instituição bancária: As despesas efetuadas pelo ladrão, posteriormente ao aviso, são suportadas pelo estabelecimento emissor tanto que este último não tenha, por sua vez, notificado a perda ou furto aos diferentes fornecedores credenciados. Uma vez que a notificação chegou aos diferentes fornecedores, estes últimos são os únicos responsáveis 31 LACERDA FILHO, Fausto Pereira de. Cartões de crédito. P. 68. 32 RODIÈRE; RIVES-LANGE apud ABRÃO, Nelson. Direito bancário. P. 148. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 432 pelas despesas efetuadas ulteriormente com a utilização fraudulenta do cartão. No entanto, se o cartão é utilizado pelo ladrão antes que o estabelecimento emissor seja avisado, o titular desapossado suporta, em princípio, as consequências da utilização do cartão, mas o fornecedor é responsável, mesmo antes de receber o aviso, se não conferir a conformidade da assinatura figurando o cartão com a aposta da fatura ou se efetuou vendas além do montante garantido pelo emissor. Assim, quando da notificação prévia pelo usuário do cartão, este se escusa da responsabilidade perante o ente bancário de qualquer dívida que venha a insurgir em seu nome, quando da utilização indevida deste sistema por terceiros. De acordo com ABRÃO33: Resta vedado à instituição financeira retirar da conta corrente do consumidor ou tentar cobrar valores usados por terceiros que, de forma ilícita, estejam de posse de seus cartões bancários ou cheques, depois da comunicação de roubo, furto ou desaparecimento suspeito ou requisição de bloqueio ou final de conta pelo usuário. Deste modo, perante a impossibilidade de cobrança do valor pactuado por terceiros, as instituições bancárias ficam compelidas ao cumprimento da dívida em nome do usuário, não podendo, posteriormente, efetuar descontos na conta corrente deste, em decorrência das ações supramencionadas. A responsabilidade do ente bancário, neste caso, é objetiva, uma vez que as fraudes e delitos ocorridos fazem parte do próprio risco do seu empreendimento financeiro, e, por isso, passível de previsibilidade e sustação do ato pela instituição. Neste sentido, decidiu o STJ34: RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. JULGAMENTO PELA SISTEMÁTICA DO ART. 543-C DO CPC. RESPONSABILIDADE CIVIL. INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS. DANOS CAUSADOS POR FRAUDES E DELITOS PRATICADOS POR TERCEIROS. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. FORTUITO INTERNO. RISCO DO EMPREENDIMENTO. Assim, em decorrência de inúmeras decisões neste sentido, a jurisprudência vem pacificando o entendimento da responsabilidade civil objetiva dos entes 33 ABRÃO, Nelson. Direito bancário. P. 193-4. 34 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.199.782. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, segunda seção, julgado em: 24/08/2011. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21478573/agravo-regimental-no-agravo-em-recurso- especial-agrg-no-aresp-87838-sp-2011-0209341-5-stj/relatorio-e-voto. Acesso em: 22 out. 2012. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 433 bancários na utilização do cartão de crédito por terceiros, uma vez que a ação em comento independe de dolo ou culpa na conduta do usuário para que se possa configurar, por conseguinte, a responsabilidade da instituição financeira na liquidação da dívida efetuada. Portanto, no intuito de reduzir as fraudes praticadas por meio dos cartões de crédito, tem-se reconhecido, no tocante a responsabilidade dos entes bancários, a indenização por eventuais danos sofridos ao seu usuário, uma vez que este instituto visa, além de tudo, a promoção da segurança jurídica nas operação por estes realizadas. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente artigo teve como objetivo primordial a análise doutrinária nos elementos pré-textuais, abordando-se a jurisprudência em caráter ilustrativo, no tocante a responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Para satisfazer tal objetivo, destacaram-se de forma sucessiva os componentes necessários ao seu aprofundamento. Deste modo, abordou-se o instituto da responsabilidade civil, mais precisamente as espécies de responsabilidade e as formas de reparação do dano pelo agente causador, avultando os entes bancários, bem como os contratos e operações por eles propiciados e analisando, essencialmente, o cartão de crédito e a responsabilidade do seu uso por terceiros. Constatou-se, por conseguinte, com o desenvolvimento desta pesquisa, a importância do cartão de crédito na sociedade atual, uma vez ser este o meio mais usual de intermediação creditícia pelas instituições bancárias. Pode-se verificar, neste escopo, a responsabilidade dos entes bancários nos casos de utilização do cartão de crédito por terceiros, a qual é, segundo a doutrina e a jurisprudência contemporânea, objetiva, uma vez que este ilícito faz parte do próprio risco financeiro bancário. Portanto, pelo estudo realizado no presente artigo, ficou caracterizada a responsabilidade civil objetiva das instituições financeiras quando do uso do cartão HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 434 de crédito por terceiros, restando a hipótese em exame, por conseguinte, confirmada. Por fim, vale destacar, ainda, que o presente trabalho não objetivou esgotar as pesquisas e análises em relação ao assunto em comento, uma vez presente uma vasta série de entendimentos acerca da matéria. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. BRASIL. Lei nº 7.492 de 16 de junho de 1986. Define os crimes contra o sistema financeiro nacional, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7492.htm.Acesso em: 15 out. 2012. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.199.782. Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, segunda seção, julgado em: 24/08/2011. Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21478573/agravo-regimental-no-agravo- em-recurso-especial-agrg-no-aresp-87838-sp-2011-0209341-5-stj/relatorio-e-voto. Acesso em: 22 out. 2012. CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2004. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 2003. GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2007. GOMES, Orlando. Obrigações. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. LACERDA FILHO, Fausto Pereira de. Cartões de crédito. Curitiba: Juruá, 1990. LISBOA, Roberto Senise. Manual de direito civil: obrigações e responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. LUZ, Aramy Dornelles da. Negócios jurídicos bancários: o banco múltiplo e seus contratos. 2. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. MENDONÇA, José Xavier Carvalho de apud ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. RODIÈRE; RIVES-LANGE apud ABRÃO, Nelson. Direito bancário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2000. HELLER, Helena Sabetzki; VIEIRA, Patrícia Elias. A responsabilidade civil dos entes bancários no uso do cartão de crédito por terceiros. Revista Eletrônica de Iniciação Científica. Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas da UNIVALI. v. 4, n.3, p. 416-435, 3º Trimestre de 2013. Disponível em: www.univali.br/ricc - ISSN 2236-5044 435 RODRIGUES, Silvio. Direito civil: Responsabilidade civil. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. RONGAGLIA, Marcelo Marques. Tributação no sistema de cartões de crédito. São Paulo: Quartier Latin, 2004.
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