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A HISTÓRIA LIBERADA - VEJA - JUNHO 2015

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Carta ao Leitor
Um dia histórico no STF
~
Ebem estabelecido pelaprática histórica o prin-cípio de que sobre a li-
berdade de expressão repou-
sam todas as demais garantias
do regime democrático. Na
quarta-feira passada, ao dar
seu voto na decisão unânime
do Supremo Tribunal Federal
(STF) que considerou incons-
titucionais os artigos 20 e 21
do Código Civil, que exigem a
aprovação prévia dos biografa-
dos ~ suas biografias, o minis-
tro Luís Roberto Barroso pro- I
duziu uma luminosa interpreta-
ção jurídica de'ss~princípio.
Barroso lembrou que inexiste hierarquia
entre as normas constitucionais, mas deu
três razões pelas quais "a liberdade de ex~
pressão deve ser tratada como uma liberda-
de preferencial".
A primeira razão, disse ele, é histórica,
ressaltando que a censura nasceu junto com
o Brasil, quando a carta de Pero Vaz de Ca-
minha teve trechos considerados indecorosos
suprimidos pelos religiosos jesuítas que fize-
ram sua divulgação em Portugal. O ministro
Barroso lembrou que durante o regime mili-
tar havia censura ao cinema e à televisão,
"apreendiam-se jornais e revistas por motivos
políticos ou de moralidade e boicotava-se a
publicidade dos jornais independentes,' para
asfixiá-los economicamente, situação que ro-
tineiramente se repete na América Latina'?
A segunda: "Sem liberdade de expressão
e de informação, não há cidadania plena,
não há autonomia privada nem autonomia
pública".
oministro Barroso:
'~ liberdade de
expressão deve ser
tratada como uma
liberdade preferencial"
A terceira: ''A liberdade de expressão é
indispensável para o conhéclmento da histó-
ria, para o progresso social e para o aprendi-
zado das novas gerações".
A dimensão histórica da votação de
quarta-feira foi acentuada pelo advogado
Gustavo Binebojm, que atuou na ação em
nome da Associação Nacional de Editores
de Livros (Anel): "Esta é uma causa de um
país que tem pressa de se educar e se infor-
mar; é causa de todos os que acreditam que
as ideias e as palavras podem mudar o mun-
do". A quarta-feira passada ficará como
mais um contraste do Brasil com a América
Latina, onde, como bem disse o ministro
Barroso, são rotineiras as tentativas de asfi-
xiar a liberdade de expressão. No Brasil, es-
sas tentativas. recentes nunca passaram de
ameaças. Isso se deve à resistência do STF,
à maturidade das instituições civis, à cora-
gem do Congresso - e, reconheça-se, à rei-
terada profissão de fé da presidente Dilma
Rousseff nas liberdades democráticas.
veja 117 DE JUNHO, 2015 III
J
··Não devemos
retroceder nesse
proce$so de conquista
, das liberdades
democráticas. O peso
da censura, ninguém
o suporta.""
CELSO DE MELLO
A.HISTORIA
LIBERTADA
Em decisão que reafirma a liberdade de expressão como
fundamento da democracia, oSTF derrubou a exigência
de autorização prévia para a publicação de biografias
JERÔNIMO TEIXEIRA
Em uma leitura superficial daquase sempre incolor letra jurí-dica, a decisão do Supremo Tri-bunal Federal na quarta-feira
10 pode até parecer modesta em seu
alcance. O julgamento da ação direta
de inconstitucionalidade (ADI) movida
pela Associação Nacional de Editores
de Livros dizia respeito à interpretação
de dois artigos do Código Civil que res-
tringiam apenas um gênero literário em
particular. O princípio de fundo que
movia a ação, porém, é basilar para a
democracia moderna, como bem de1l-
niu, em seu voto, o ministro Luís Ro-
berto Barroso: a liberdade de expres-
são. Nove ministros (Teori Zavascki es-
tava ausente) consideraram, de forma
unânime, que esse princípio não pode
continuar sendo esmagado nos tribunais
72 117 DE JUNHO, 2015 I wja
expressão não é,
garantia de ,verdade
ou de justiça. Ela é
uma garantia da
democracia ..,.,
brasileiros. Várias obras biográficas,
sobre personagens fundamentais da
história e da cultura brasileira - Lam-
pião, Noel Rosa, Manuel Bandeira,
Garrincha, Guimarães Rosa, Roberto
Carlos -, tiveram sua circulação proi-
bida. Com base no direito à intimidade
garantido pelos artigos 20 e 21 do Có-
digo Civil, os juízes entendiam que, pa-
ra publicar uma obra do gênero, era
necessária a prévia autorização do bio-
grafado ou de seus herdeiros. Esse bei-
ja-mão acabou: o STF declarou "inexi-
gível" o consentimento prévio. A pes-
quisa histórica e o direito à informação
respiram com mais folga. A ministra
Cármen Lúcia, relatora da ação, definiu
a ressonância 'histórica da decisão com
uma frase das cirandas de sua infância:
"Cala boca já morreu".
A corte julgou a ADI procedente,
mas sem "redução de texto". Vale di-
zer, o Código Civil segue inalterado,
mas a leitura censória dos artigos 20 e
21 fica desautorizada. "O erro não es-
tava nos artigos, mas na sua interpre-
tação discricionária,' que feria o exer-
cício pleno dos direitos constitucio-
nais", diz o advogado Manuel Alceu
Affonso Ferreira, que atuou na defesa
de Estrela Solitária, biografia de Gar-
rincha escrita por Ruy Castro, quando
a obra foi judicialmente proibida, em
1995, em um processo movido pelas
filhas do jogador de futebol. O mais
emblemático caso de censura a uma
biografia foi o de Roberto Carlos em
Detalhes, de Paulo Cesar de Araújo,
,em 2007. Os advogados do cantor con-
seguiram que Araújo e a editora Pla-
neta assinassem um acordo que levou
,ao vergonhoso recolhimento da obra
das livrarias. O fato de a proibição ter
se dado não por decisão do juiz, mas
por um acordo assinado pelo próprio
autor, complica um tanto a perspecti-
va de reedição. Mas Araújo diz que vai
consultar seu advogado para publicar
uma versão atualizada da obra. "Não
quero ser Moisés, que tirou o povo do
Egito mas foi impedido de cruzar o
Rio Jordão", diz.
veja 117 DE JUNHO, 2015 I 73

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