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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA EDUARDO AVERBECK O PODER-DEVER DA FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA E OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS Palhoça 2018 1 EDUARDO AVERBECK O PODER-DEVER DA FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA E OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Nélio Herzmann Junior Palhoça 2018 2 EDUARDO AVERBECK O PODER-DEVER DA FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA E OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS Este Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado adequado à obtenção do título de bacharel em Direito e aprovado em sua forma final pelo Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina. Palhoça, 9 de julho de 2018. _________________________________________ Prof. e orientador Nélio Herzmann Junior Universidade do Sul de Santa Catarina _________________________________________ Prof. Nélio Herzmann Universidade do Sul de Santa Catarina _________________________________________ Prof. Joel Irineu Lohn Universidade do Sul de Santa Catarina 3 TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE O PODER-DEVER DA FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA E OS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico e referencial conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Sul de Santa Catarina, a Coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de todo e qualquer reflexo acerca desta monografia. Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso de plágio comprovado do trabalho monográfico. Palhoça, 9 de julho de 2018. EDUARDO AVERBECK 4 À minha família. 5 AGRADECIMENTOS À Universidade do Sul de Santa Catarina - Unisul, pela oportunidade de realizar о curso, e ao Prof. Nélio Herzmann Junior, pelo apoio na elaboração deste trabalho. 6 RESUMO A presente monografia tem por objetivo analisar a atividade de fiscalização realizada pelos agentes fiscais da Administração Tributária de modo a satisfazer o interesse público e respeitar os direitos e garantias fundamentais individuais assegurados pela Constituição Federal de 1988. Foram apresentados os conceitos relacionados ao Estado Democrático de Direito, assim como os direitos e garantias individuais pertinentes ao tema, como da inviolabilidade domiciliar, da intimidade e da vida privada, do sigilo da correspondência e dos dados, os quais representam importantes limites à atuação do Estado. De outro lado, foi demonstrado que o objetivo principal do Estado é o bem comum e que, para isso, a legislação prevê uma série de prerrogativas para a atuação da Administração Pública frente ao particular. Foram analisados a legislação específica sobre o tema fiscalização tributária, inclusive na esfera estadual, bem como o entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre a possibilidade de entrada e coleta de dados dos agentes do Fisco no domicílio empresarial. Por fim, foi possível concluir que os direitos e garantias fundamentais não são absolutos, devendo sua aplicação ocorrer de maneira harmoniosa com toda a legislação para que assim não sirvam de escudo para a prática de ilícitos fiscais. Palavras chave: Fiscalização tributária. Direitos e garantias fundamentais. Inviolabilidade domiciliar. Sigilo de dados. 7 LISTA DE SIGLAS CRFB/88 - Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 CTN - Código Tributário Nacional ICMS - Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação RICMS-SC - Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação do Estado de Santa Catarina STF - Supremo Tribunal Federal 8 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 09 2 ESTADO E OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 11 2.1 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 11 2.2. DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 12 3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 15 3.1 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 16 3.1.1 Princípio da Legalidade 17 3.1.2 Princípio da Supremacia do Interesse Público 18 3.1.3 Princípio da Proporcionalidade 20 3.1.4 Princípio da Eficiência 22 3.2 PODERES ADMINISTRATIVOS 23 3.2.1 Poder de Polícia 24 4 ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA 29 4.1 FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA 30 4.1.1 Fiscalização Tributária e o Domicílio 34 4.1.2 Fiscalização Tributária e o Sigilo de Dados 43 5 CONCLUSÃO 52 REFERÊNCIAS 53 9 1 INTRODUÇÃO O Estado necessita de recursos para manter sua estrutura organizacional e desenvolver políticas públicas. Maiores investimentos em saúde, educação e segurança são exigências crescentes na sociedade contemporânea e, para tanto, faz-se necessária a contribuição de seus cidadãos. Ou seja, aliado ao direito de exigir benefícios do Estado está o dever de contribuir com o seu custeio. E nesse cenário ganha importância a Administração Tributária, entidade responsável pela arrecadação das contribuições obrigatórias chamadas tributos. Para garantir que cada contribuinte cumpra com suas obrigações, as autoridades fiscais possuem prerrogativas outorgadas pela legislação tributária para o combate à sonegação fiscal. É o poder de fiscalizar, instrumento essencial para garantir a prevalência do interesse público como manifestação da vontade geral. Entretanto, para efetivar a cobrança dos tributos, não pode o Estado valer-se de práticas autoritárias ou arbitrárias, ferindo direitos e garantias fundamentais do contribuinte. A observância desses direitos e garantias é indiscutível nos diversos ramos do direito, especialmente no Direito Tributário. A Administração Tributária, ao investigar o contribuinte com o fim de apurar possíveis ilícitos fiscais, poderá ter sua atuação considerada colidente com determinados direitos individuais, principalmente da inviolabilidade à privacidade, à intimidade, ao domicílio e ao sigilo de dados. Verificar de que forma deve o Estado exercer a atividade fiscalizatória na esfera tributária de modo a satisfazer o interesse público e respeitar os direitos e garantias fundamentais individuais é o objetivo geral desta monografia. O tema em questão ganha importância diante dos inúmeros conflitos existentes entre Fisco e contribuintes, além da jurisprudência pouco consolidada em relação ao tema. A percepção da sociedade é de que a sonegação fiscal no país ainda é alta, o que gera, ao lado da corrupção, sérios prejuízos aos cofres públicos e à livre concorrência. Sonegadores buscam diversas formas de escapar da atividade fiscalizatória, seja impedindo o acesso da autoridade ao estabelecimento, ocultando dados que comprovem vendas sem documento fiscal ou intimidando as autoridades mediante acusação de abuso de poder. Verificar quais os limites da atuação da 10 autoridade fiscal bem como os direitos e deveres do contribuinte são fundamentais para o exercício da fiscalização tributária. Os tributos são essenciais para a existência do Estado. Garantir que cada pessoa, física ou jurídica, contribua com o que é legalmente devido é imprescindível na busca de uma sociedade mais justa e solidária. A presente monografia apresenta inicialmente uma introdução sobre o Estado Democrático de Direito e sobre os Direitos e Garantias Fundamentais assegurados pela Constituição Federal de 1988, os quais visam proteger o cidadão perante o poder estatal. O capítulo seguinte trata das prerrogativas da Administração Pública e seus princípios, sendo analisados quatro princípios considerados mais relevantes no contexto da fiscalização: legalidade, supremacia do interesse público, proporcionalidade e eficiência. Também é tratado o poder de polícia e seus atributos: discricionariedade, autoexecutoriedade e coercibilidade. O quarto capítulo apresenta a doutrina e a legislação a respeito da Administração Tributária e seu poder de fiscalização, inclusive no âmbito do Estado de Santa Catarina, dispondo sobre a jurisprudência acerca da relação fisco- contribuinte especialmente no tocante à inviolabilidade do domicílio e ao sigilo de dados. O método de abordagem utilizado foi o dedutivo e a técnica de pesquisa a bibliográfica, fundamentada na Constituição Federal, legislação, doutrina e jurisprudência. Em relação ao procedimento, utilizou-se o método comparativo, o que possibilitou a análise de princípios constitucionais e tributários que guardam íntima relação com o tema; e o monográfico, tendo em vista a necessidade de se analisar o tema sob diferentes aspectos. 11 2 ESTADO E OS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS 2.1 ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO A Constituição da República Federativa do Brasil, lei máxima do país, promulgada em 5 de outubro de 1988, estabelece expressamente em seu artigo 1º que “a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito”. (BRASIL, 1988). O Estado de Direito caracteriza-se pela máxima segundo o qual todos os indivíduos, incluindo os governantes, devem se submeter ao império da lei. É a lei que estabelece e tutela os direitos e garantias fundamentais que devem ser respeitados pelo Estado na busca pela consecução de seus fins. Acerca do Estado de Direito, José Joaquim Gomes Canotilho assim o conceitua: Estado de direito é um Estado ou uma forma de organização político-estatal cuja atividade é determinada e limitada pelo direito. ‘Estado de não direito’ será, pelo contrário, aquele em que o poder político se proclama desvinculado de limites jurídicos e não reconhece aos indivíduos uma esfera de liberdade ante o poder protegida pelo direito. (CANOTILHO, 1999, p. 11). Em relação ao Estado Democrático de Direito, caracteriza-se como um Estado de Direito aliado ao regime democrático, que nada mais é do que um conjunto de princípios estruturantes. Nas palavras de Paulo Roberto de Figueiredo Dantas, o Estado Democrático de Direito representa a: Conjugação do Estado de Direito com o regime democrático. Trata-se, portanto, do Estado submetido ao império da lei, ou seja, a um conjunto de normas que criam seus órgãos e estabelecem suas competências, que preveem a separação dos poderes, e que também fixam direitos e garantias fundamentais para a proteção do indivíduo contra eventuais arbitrariedades estatais, e no qual também se garante o respeito à denominada soberania popular, permitindo que o povo (o titular do poder) participe da decisões políticas do Estado, seja por meio de representantes eleitos, seja por meio de mecanismos de democracia direta. (DANTAS, 2014, p. 65-66). 12 O Estado Democrático de Direito configura-se como resultado de um longo processo de evolução da sociedade na busca de uma maior participação popular nas decisões do Estado. Seja na esfera municipal, estadual ou federal, ao fazer uso de suas competências, os representantes do Estado estão submetidos ao império da lei, sendo obrigados a reconhecer e respeitar todos os direitos e garantias fundamentais incorporados à ordem constitucional. 2.2 DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS Os direitos fundamentais, também conhecidos como direitos individuais, direitos do homem, direitos subjetivos públicos ou liberdades fundamentais, surgiram a partir dos ideais advindos do Iluminismo dos séculos XVII e XVIII com a necessidade de proteger o homem do poder estatal. A evolução do direito e a influência dos problemas sociais contribuíram nas conquistas dos movimentos do século XVIII. José Afonso da Silva (2001, p. 178) informa que os direitos fundamentais “não são a contraposição dos cidadãos administrados à atividade pública, como uma limitação ao Estado, mas sim uma limitação imposta pela soberania popular aos poderes constituídos do Estado que dele dependem”. Acerca dos direitos fundamentais, Alexandre de Moraes os define como: O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana pode ser definido como direitos humanos fundamentais. (MORAES, 2006, p. 21). Os direitos fundamentais têm a função não apenas de proteger o homem de eventuais abusos do Estado, mas também se prestam a compelir o Poder Público a tomar medidas de melhorias à condição humana e ao convívio social. No entendimento de Ingo Wolfgang Sarlet: Os direitos fundamentais, como resultado da personalização e positivação constitucional de determinados valores básicos (daí seu conteúdo axiológico), integram, ao lado dos princípios estruturais e organizacionais (a 13 assim denominada parte orgânica ou organizatória da Constituição), a substância propriamente dita, o núcleo substancial, formado pelas decisões fundamentais, da ordem normativa, revelando que mesmo num Estado constitucional democrático se tornam necessárias (necessidade que se fez sentir da forma mais contundente no período que sucedeu à Segunda Grande Guerra) certas vinculações de cunho material para fazer frente aos espectros da ditadura e do totalitarismo. (SARLET, 2005, p. 70). Os Direitos e Garantias Fundamentais na CRFB/88 são observados no Título II, classificados em individuais e coletivos, direitos sociais, de nacionalidade e políticos, como também em outros dispositivos dispersos na Carta Maior nos quais se verifique características de historicidade, universalidade, limitabilidade, concorrência e irrenunciabilidade. Representam cláusulas pétreas, conforme preceitua o artigo 60, §4º, IV da CRFB/88. A doutrina costuma classificar os direitos fundamentais em gerações. Os de primeira geração representam os direitos individuais, de defesa do cidadão contra a indevida atuação estatal, tais como os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. Representam também os direitos políticos, tais como o direito de voto e a capacidade eleitoral passiva. Conforme ensina Ana Cláudia Silva Scalquette: Os direitos de primeira dimensão são os direitos de liberdade, pois são fruto do pensamento liberal burguês, de caráter fortemente individualista, aparecendo como uma esfera limitadora da atuação do Estado, isto é, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado nas liberdades do indivíduo. (SCALQUETTE, 2004, p. 34). Os direitos fundamentais de segunda geração são os direitos sociais, econômico e culturais, que, ao contrário dos direitos de primeira geração, exigem uma atuação positiva do Estado com o fim de satisfazer os interesses da coletividade. São exemplos a assistência social, a saúde, a educação e o trabalho. Já os de terceira geração representam os direitos de titularidade difusa, ligados à fraternidade e solidariedade, tais como o direito à paz, do consumidor, ao desenvolvimento econômico, à comunicação, ao meio ambiente saudável, direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultura. Tem-se, por fim, os direitos de quarta geração, que consistem no direito à democracia, à informação e ao pluralismo. 14 Os direitos fundamentais não surgiram simultaneamente, mas sim em períodos distintos conforme a demanda de cada época, por isso a classificação em gerações. Há quem prefira o termo dimensões, uma vez que o surgimento de novas gerações não ocasionou a extinção das anteriores, sendo que atualmente todos coexistem. Os direitos fundamentais que assistem ao contribuinte e seus representantes são predominantemente os de primeira geração ou dimensão, ou seja, direitos que exigem a não-interferência do poder do Estado sobre as ações individuais, como a garantia da inviolabilidade de domicílio (art. 5º, XI da CRFB/88), da inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, X da CRFB/88) e do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas (art. 5º, XII da CRFB/88). Já a fiscalização tributária tem sua atuação pautada nos direitos fundamentais de segunda geração, uma vez que representam uma atuação positiva do Estado na busca do interesse coletivo. 15 3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A palavra administração tem origem no latim “administratione”, que significa o exercício de direção, de gerência. A Administração Pública abrange o conjunto de atividades exercidas pelos agentes, pessoas jurídicas e órgãos instituídos pelo Estado que produzem serviços, bens e utilidades para a população. Sobre o conceito de Administração Pública, Maria Sylvia Zanella Di Pietro divide o conceito de Administração Pública em dois sentidos: Em sentido material ou objetivo, a Administração Pública pode ser definida como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve, sob regime jurídico total ou parcialmente público, para a consecução dos interesses coletivos. [...] pode-se definir Administração Pública, em sentido subjetivo, como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado. (DI PIETRO, 2017, p. 125-128, grifo nosso). Nesse âmbito, Hely Lopes Meirelles assim conceitua: Em sentido formal, é o conjunto de órgãos instituídos para consecução dos objetivos do Governo; em sentido material, é o conjunto das funções necessárias aos serviços públicos em geral; em acepção operacional, é o desempenho perene e sistemático, legal e técnico, dos serviços próprios do Estado ou por ele assumidos em benefício da coletividade. Numa visão global, a Administração é, pois, todo o aparelhamento do Estado preordenado à realização de serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas. A Administração não pratica atos de governo; pratica, tão-somente, atos de execução, com maior ou menor autonomia funcional, segundo a competência do órgão e de seus agentes. São os chamados atos administrativos, que, por sua variedade e importância, merecem estudo em capítulo especial. (Meirelles, 2010, p.65-66). Os objetivos da Administração Pública podem ser resumidos em um único fim: o bem comum da coletividade. Todo agente público, ao ser investido na função ou no cargo, assume o compromisso de bem servir a coletividade, não havendo liberdade para procurar outro objetivo ou para renunciar a qualquer parcela dos poderes e prerrogativas a ele conferidos. Enquanto governo é atividade política e discricionária, administração é atividade vinculada à lei. 16 3.1 PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Princípios representam os alicerces do ordenamento jurídico, informando o sistema independentemente de estarem positivados em norma legal. Marcelo Alexandrino assim define princípios: Os princípios são as ideias centrais de um sistema, estabelecendo suas diretrizes e conferindo a ele um sentido lógico, harmonioso e racional, o que possibilita uma adequada compreensão de seu modo de organizar-se. Os princípios determinam o alcance e o sentido das regras de um determinado ordenamento jurídico. (ALEXANDRINO, 2006, p. 117). A CRFB/88, em seu Capítulo VII - Da Administração Pública, especificamente no artigo 37, caput, estabelece como inerentes à Administração Pública de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. São os chamados princípios constitucionais expressos ou explícitos. Há também os princípios constitucionais implícitos, dispersos pela CRFB/88, como os do devido processo legal (art. 5º, LIV e LV), economicidade (art. 70), motivação (art. 93, X), entre outros. Além dos princípios constitucionais, existem outros expressos ou implícitos em leis infraconstitucionais, como na Lei Complementar n. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), Lei n. 8666/93 (Lei de Licitações e Contratos da Administração Pública), Lei n. 9784/99 (Lei que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal), entre outras. A Lei n. 9784/99 estabelece, por exemplo, em seu artigo 2º, que Administração Pública obedecerá aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Cabe ressaltar que não há hierarquia entre princípios explícitos e implícitos, e o fato de figurarem em texto constitucional ou legal não lhes retira o caráter de princípio. Nesse sentido foi o entendimento do Supremo Tribunal Federal ao analisar o princípio da moralidade administrativa: Poder-se-á dizer que apenas agora a Constituição Federal consagrou a moralidade como princípio de administração pública (art. 37 da CF). Isso 17 não é verdade. Os princípios podem estar ou não explicitados em normas. Normalmente, sequer constam de texto regrado. Defluem no todo do ordenamento jurídico. Encontram-se ínsitos, implícitos no sistema, permeando as diversas normas regedoras de determinada matéria. O só fato de um princípio não figurar no texto constitucional, não significa que nunca teve relevância de princípio. A circunstância de, no texto constitucional anterior, não figurar o princípio da moralidade não significa que o administrador poderia agir de forma imoral ou mesmo amoral. Como ensina Jesus Gonzales Perez “el hecho de su consagracion em uma norma legal no supone que com anterioridad no existiera, ni que por tal consagración legislativa haya perdido tal carácter” (El principio de buena fé em el derecho administrativo. Madri, 1983. p. 15). Os princípios gerais de direito existem por força própria, independentemente de figurarem em texto legislativo. E o fato de passarem a figurar em texto constitucional ou legal não lhes retira o caráter de princípio. O agente público não só tem que ser honesto e probo, mas tem que mostrar que possui tal qualidade. Como a mulher de César. (STF – 2ª T. Recurso Extraordinário nº 160.381 – SP, Rel. Min. Marco Aurélio, v.u.; RTJ 153/1.030). Dos princípios mencionados, quatro deles merecem destaque na presente monografia: legalidade, supremacia do interesse público (ou preponderância do interesse público), proporcionalidade e eficiência. 3.1.1 Princípio da Legalidade O princípio da legalidade é um elemento basilar do Estado Democrático de Direito. Representa ao mesmo tempo um limite e uma garantia, pois ao mesmo tempo que é um limite para a atuação do Poder Público, uma vez que ele só pode atuar quando autorizado por lei, também é uma garantia para os administrados, os quais só têm a obrigação de cumprir o que estiver previsto em lei. Hely Lopes Meirelles assim define a legalidade, como princípio de administração: A legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. A eficácia de toda a atividade administrativa está condicionada ao atendimento da Lei e do Direito. […]. As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta 18 de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contêm verdadeiros poderes-deveres, irrelegáveis pelos agentes públicos. (MEIRELLES, 2010, p. 89). Assim, os agentes da Administração Pública devem sempre atuar conforme a lei, a qual determina as tarefas dos Agentes Administrativos e impõe condições excludentes de escolhas pessoais e subjetivas. 3.1.2 Princípio da Supremacia do Interesse Público Segundo o princípio da supremacia do interesse público, ou princípio da preponderância do interesse público, sempre que houver conflito entre um particular e um interesse público coletivo, este último deve prevalecer. Dessa maneira, os interesses privados encontram-se subordinados à atuação estatal. Para Celso Antônio Bandeira de Mello: A prevalência dos interesses da coletividade sobre os interesses dos particulares é pressuposto lógico de qualquer ordem social estável e justifica a existência de diversas prerrogativas em favor da Administração Pública, tais como a presunção de legitimidade e a imperatividade dos atos administrativos, os prazos processuais e prescricionais diferenciados, o poder de autotutela, a natureza unilateral da atividade estatal, entre outras. (MELLO, 1994, p. 20). Ao tratar de interesse público, Di Pietro preleciona que os interesses públicos têm supremacia sobre os individuais: Esse princípio está presente tanto no momento da elaboração da lei como no momento da sua execução em concreto pela Administração Pública. Ele inspira o legislador e vincula a autoridade administrativa em toda a sua atuação. [...] as normas de direito público, embora protejam reflexamente o interesse individual, têm o objetivo primordial de atender ao interesse público, ao bem-estar coletivo. Além disso, pode-se dizer que o direito público somente começou a se desenvolver quando, depois de superados o primado do Direito Civil (que durou muitos séculos) e o individualismo que tomou conta dos vários setores da ciência, inclusive a do Direito, substituiu- se a ideia do homem como fim único do direito (própria do individualismo) pelo princípio que hoje serve de fundamento para todo o direito público e que vincula a Administração em todas as suas decisões: o de que os interesses públicos têm supremacia sobre os individuais. (DI PIETRO, 2017, p. 135-136, grifo nosso). 19 Em sintonia com a defesa do princípio da supremacia do interesse público segue o entendimento do autor Hely Lopes Meirelles: Sempre que entrarem em conflito o direito do indivíduo e o interesse da comunidade, há de prevalecer este, uma vez que o objeto primacial da administração é o bem comum. As leis administrativas visam, geralmente, assegurar essa supremacia do Poder Públicos sobre os indivíduos, enquanto necessária à consecução dos fins da Administração. Ao aplicador da lei compete interpretá-la de modo a estabelecer o equilíbrio entre os privilégios estatais e os direitos individuais, sem perder de vista aquela garantia. (MEIRELLES, 2010, p. 50). De modo diverso, parte da doutrina defende que o princípio da supremacia do interesse público seria incompatível com o Estado Democrático de Direito, tendo em vista os direitos fundamentais adotados na Constituição Federal de 1988, e que a harmonização da legislação não se coaduna com qualquer regra absoluta de prevalência. Por ser o interesse público um conceito jurídico determinado, sua aferição, segundo essa doutrina, só seria possível após juízos de ponderação entre direitos individuais e metas ou interesses coletivos, feitos à luz do caso concreto, uma vez que a preservação dos direitos individuais faz parte do próprio interesse público. Ao afirmar previamente a superioridade de um dos bens envolvidos sobre o outro, restaria eliminada qualquer possibilidade de balanceamento racional de interesses. Desta forma, o princípio da supremacia do interesse público guardaria resíduos de um modelo estatal absolutista, uma forma disfarçada de manter o poder absoluto nas mãos do Estado, estando o cidadão em patamar inferior nesta relação. Nesse âmbito, Gustavo Binenbojm ensina: Daí se propor que é o postulado da proporcionalidade que, na verdade, explica como se define o que é o interesse público, em cada caso. O problema teórico verdadeiro não é a prevalência, mas o conteúdo do que deve prevalecer. A preservação, na maior medida possível, dos direitos individuais constitui porção do próprio interesse público. São metas gerais da sociedade política, juridicamente estabelecidas, tanto viabilizar o funcionamento da Administração Pública, mediante instituição de prerrogativas materiais e processuais, como preservar e promover, da forma mais extensa quanto possível, os direitos dos particulares. Assim, 20 esse esforço de harmonização não se coaduna com qualquer regra absoluta de prevalência a priori dos papéis institucionais do Estado sobre os interesses individuais privados. (BINENBOJM, 2005, p. 40). Completa o autor: Veja-se que não se nega, de forma alguma, o conceito de interesse público, mas tão-somente a existência de um princípio da supremacia do interesse público. [...]. O melhor interesse público só pode ser obtido a partir de um procedimento racional que envolve a disciplina constitucional de interesses individuais e coletivos específicos, bem como um juízo de ponderação que permita a realização de todos eles na maior extensão possível. O instrumento deste raciocínio ponderativo é o postulado da proporcionalidade. (BINENBOJM, 2005, p. 40). Assim, segundo essa corrente, o interesse público não deve ser considerado de forma suprema e absoluta sobre os interesses individuais, mas sim embasado na ponderação, devendo o administrador público percorrer as etapas de adequação, necessidade e proporcionalidade para encontrar o ponto de equilíbrio entre direitos individuais e metas coletivas. Ou seja, deveria ser aplicado o princípio da proporcionalidade em substituição ao princípio da supremacia do interesse público. 3.1.3 Princípio da Proporcionalidade O princípio da proporcionalidade consiste no dever de serem impostas sanções, obrigações ou restrições apenas nas medidas necessárias para o atendimento ao interesse público. Tem por finalidade precípua equilibrar os direitos individuais com os anseios da sociedade, na busca do equilíbrio e da harmonia. Sobre o tema, Suzana de Toledo Barros explica que: Ainda assinalando mudança substanciais para dar especial proteção aos direitos fundamentais, a Constituição Federal de 1988, mantendo a garantia da eternidade (art. 60, § 4º, inciso IV) e o princípio da reserva legal (art. 5º, inciso II), ampliou o princípio da proteção judiciária (art. 5º, inciso XXXV) com a criação de instrumentos processuais tendentes a coibir a omissão legislativa, como o mandado de injunção (art. 5º, inciso LXXI) e a criação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º), explicitou a 21 garantia do devido processo legal para a restrição da liberdade ou da propriedade (art. 5º, inciso LIV). [...]. O Princípio da Proporcionalidade como uma das várias idéias jurídicas fundantes da Constituição, tem assento justamente aí, neste contexto normativo no qual estão introduzidos os direitos fundamentais e os mecanismos de respectiva proteção. Sua aparição se dá a titulo de garantia especial, traduzida na exigência de que toda a intervenção estatal nessa esfera se dê por necessidade, deforma adequada e na justa medida, objetivando a máxima eficácia e otimização dos vários direitos fundamentais concorrentes. (BARROS, 1996, p. 395, grifo nosso). Nesse mesmo sentido, de que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que realmente seja demandado para cumprimento da finalidade de interesse público, segue o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello: Este princípio enuncia a ideia - singela, aliás, conquanto frequentemente desconsiderada - de que as competências administrativas só podem ser validamente exercidas na extensão e intensidade proporcionais ao que realmente seja demandado para cumprimento da finalidade de interesse público a que estão atreladas. Segue-se que os atos cujo conteúdo ultrapasse o necessário para alcançar o objetivo que justifique o uso da competência ficam maculados de ilegitimidade, porquanto desbordam do âmbito da competência; ou seja, superam os limites que naquele caso lhes corresponderiam. Sobremodo quando a Administração restringe situação jurídica dos administrados além do que caberia, por imprimir às medidas tomadas uma intensidade ou extensão supérfluas, prescindendas, ressalta a ilegalidade de sua conduta. É que ninguém deve estar obrigado a suportar constrições em sua liberdade ou propriedade que não sejam indispensáveis à satisfação do interesse público. Logo, o plus, o excesso acaso existente, não milita em benefício de ninguém. Representa, portanto, apenas um agravo inútil aos direitos de cada qual. Percebe-se, então, que as medidas desproporcionais ao resultado legitimamente almejável são, desde logo, condutas ilógicas, incongruentes. (MELLO, 2008, p. 108-122). A doutrina costuma citar três subprincípios (ou elementos) formadores do princípio da proporcionalidade: a necessidade, a adequação e a proporcionalidade em sentido estrito. A necessidade refere-se a forma menos lesiva capaz de preparar o fim proposto pela regra em discussão; o ato administrativo utilizado deve ser, de todos os meios existentes, o menos restritivo aos direitos individuais. Já na adequação, o ato administrativo deve ser efetivamente capaz de atingir os objetivos pretendidos; o meio é adequado se, com sua utilização, o evento pretendido pode 22 ser alcançado. Em relação à proporcionalidade em sentido estrito, refere-se à proporção adequada que deve haver entre os meios utilizados e os fins pretendidos. A proporcionalidade também é utilizada como uma forma de ponderação entre dois ou mais princípios constitucionais que estejam em conflito, determinando, em cada caso, qual deve prevalecer sobre o outro. 3.1.4 Princípio da Eficiência O princípio da eficiência foi inserido na CFRB/88 pela Emenda Constitucional n. 19/1998. Tal princípio impõe à Administração Pública a obrigação de realizar suas atribuições com rapidez, qualidade, economicidade e rendimento, privilegiando a eficiência em detrimento de concepções puramente formalísticas. Sobre o conceito do princípio da eficiência, Alexandre de Moraes informa que: [...] princípio da eficiência é o que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, rimando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social. (MORAES, 1999, p.30). O objetivo da eficiência é fazer com que os serviços públicos possam ser oferecidos com total atenção ao interesse público, a fim de se evitar desperdícios de tempo e de dinheiro. Sobre o princípio, explica Meirelles: O princípio da eficiência exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e seus membros. (MEIRELLES, 2010, p. 98). No mesmo sentido é o entendimento de Marcelo Alexandrino, ao afirmar que a eficiência tem como corolário a boa qualidade e que a partir da positivação 23 desse princípio a sociedade passou a dispor de base jurídica expressa para exigir a efetividade do exercício de direitos fundamentais de segunda geração: A ideia de eficiência aproxima-se da de economicidade. Visa-se a atingir objetivos traduzidos por boa prestação de serviços, do modo mais simples, mais rápido, e mais econômico, melhorando a relação custo/benefício do trabalho da Administração. O administrador deve sempre procurar a solução que mais bem atenda ao interesse público, o qual deve tutelar. A positivação deste princípio permite afirmarmos parcialmente superada a doutrina anteriormente perfilhada por nossos tribunais, segundo a qual, relativamente aos atos discricionários, não se admitia perquirição judicial sobre a conveniência, oportunidade, eficiência ou justiça do ato, cabendo somente a análise quanto à sua legalidade. Ao menos no que se refere à eficiência, este entendimento não mais é defensável. Eficiência tem como corolário a boa qualidade. A partir da positivação deste princípio como norte da atividade administrativa, a sociedade passa a dispor de base jurídica expressa para cobrar a efetividade do exercício de direitos sociais como a educação, a saúde e outros, os quais têm que ser garantidos pelo Estado com qualidade ao menos satisfatória. Pelo mesmo motivo, o cidadão passa a ter o direito de questionar a qualidade das obras e atividades públicas, exercidas diretamente pelo Estado ou por seus delegatários. (ALEXANDRINO, 2006, p. 123-124). 3.2 PODERES ADMINISTRATIVOS Para que possa exercer suas atividades e satisfazer os interesses coletivos, à Administração Pública é conferida uma série de poderes que instrumentalizam a realização de tarefas, conhecidos como poderes administrativos, os quais são inerentes ao exercício da atividade administrativa da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. São, na verdade, poderes-deveres, pois a Administração não apenas pode como tem a obrigação de exercê-los. Segundo Dirley da Cunha Júnior: Os poderes administrativos são os meios ou instrumentos jurídicos através dos quais os sujeitos da Administração Pública (as entidades administrativas, os órgãos e os agentes públicos) exercem a atividade administrativa na gestão dos interesses coletivos. São verdadeiros instrumentos de trabalho com os quais os agentes, órgãos e entidades desenvolvem as suas tarefas e cumprem os seus deveres funcionais. Por isso mesmo, são chamados poderes instrumentais, consentâneos e proporcionais aos encargos e deveres que lhe são conferidos. Os poderes administrativos são atividades jurídicas inerentes à Administração Pública e nascem com ela, sem os quais ela não conseguiria 24 fazer sobrepor a vontade da lei à vontade individual, o interesse público sobre o privado. (CUNHA JÚNIOR, 2015, p. 73). Os poderes administrativos são classificados em poder vinculado, poder discricionário, poder regulamentar, poder disciplinar, poder hierárquico e poder de polícia, este último tratado no tópico a seguir. 3.2.1 Poder de Polícia Para a manutenção do bem comum, em algumas situações se faz necessária a restrição de certos direitos individuais. E o poder de polícia é o instrumento utilizado pelo Estado para prevenir que o mau exercício desses direitos individuais acabe por ameaçar a consecução do bem-estar coletivo. Meirelles assim conceitua o poder de polícia: Poder de Polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. Em linguagem menos técnica, podemos dizer que o poder de polícia é o mecanismo de frenagem de que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual. Por esse mecanismo, que faz parte de toda a Administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bem-estar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional. (MEIRELLES, 2010, p. 134). O artigo 78 do Código Tributário Nacional (CTN) traz a definição legal de poder de polícia (in verbis): Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. 25 Logo, o poder de polícia busca equilibrar o interesse da sociedade com o exercício de direitos individuais, evitando que o exercício ilimitado do direito individual acabe por prejudicar a coletividade. Pode ser exercido tanto em caráter repressivo, quando repreende e pune a conduta individual lesiva, quanto em caráter preventivo, quando busca impedir que determinada conduta lesiva ocorra. Essa limitação de direitos de determinado indivíduo ocorre justamente pelo dever do Estado de agir para garantir, por exemplo, os direitos fundamentais de segunda geração. Sobre a razão e o fundamento do poder de polícia, Meirelles leciona que: A razão do poder de polícia é o interesse social, e o seu fundamento está na supremacia geral que o Estado exerce em seu território sobre todas as pessoas, bens e atividades; supremacia que se revela nos mandamentos constitucionais e nas normas de ordem pública, que a cada passo opõem condicionamentos e restrições aos direitos individuais em favor da coletividade, incumbindo ao Poder Público o seu policiamento administrativo. Sem muito pesquisar, deparamos na vigente Constituição da República claras limitações às liberdades pessoais (art. 153, § § 59 e 69); à manifestação do pensamento e à divulgação pela imprensa (art. 153, § 89); ao direito de propriedade (art. 153, § 22); ao exercício das profissões (art. 153, § 23); ao direito de reunião (art. 153, § 27); aos direitos políticos (art. 154); à liberdade de comércio (art. 160). Por igual, o Código Civil condiciona o exercício dos direitos individuais ao seu uso normal, proibindo o abuso (art. 160), e, no que concerne ao direito de construir, além de sua normalidade, condiciona-o ao respeito aos regulamentos administrativos e ao direito dos vizinhos (arts. 554, 572 e 578). (MEIRELLES, 1976, p.3). Em relação aos limites do poder de polícia, Meirelles afirma que é preciso um equilíbrio entre a fruição dos direitos de cada um e os coletivos, predominando uma ideia de relatividade dos direitos em favor do bem-comum: Os limites do poder de polícia administrativa são demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na Constituição da República (art. 153). Do absolutismo individual evoluímos para o relativismo social. Os estados democráticos como o nosso inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Daí o equilíbrio a ser procurado entre a fruição dos direitos de cada um e os interesses da coletividade, em favor do bem- comum. Em nossos dias predomina a idéia da relatividade dos direitos [...]. (MEIRELLES, 1976, p.5). 26 Nesse ponto, Cunha Júnior adverte que o poder de polícia, longe de ser uma mera faculdade, é um dever e uma atribuição da Administração Pública: Na verdade, o poder de polícia, longe de ser uma mera faculdade, é um dever e uma atribuição da Administração Pública, da qual ela não pode renunciar nem transigir. Importa salientar, ademais, que o poder de polícia não incide para restringir ou anular o direito em si, uma vez que nem Emenda Constitucional pode fazê-lo, segundo prevê o art. 60 § 4º, IV, da Constituição Federal, mas sim para condicionar o exercício do direito, quando o comportamento do administrado expõe a risco o interesse coletivo (CUNHA JÚNIOR, 2015, p. 84). O poder de polícia possui atributos específicos apontados pela doutrina: a discricionariedade, a autoexecutoriedade e a coercibilidade. A discricionariedade no exercício do poder de polícia significa, nas palavras de Alexandrino (2006, p. 150), que “a Administração, quanto aos atos a ele relacionados, regra geral, dispõe de uma razoável liberdade de atuação, podendo valorar a oportunidade e conveniência de sua prática, estabelecer o motivo e escolher, dentro dos limites legais, seu conteúdo”. A finalidade de todo ato de polícia é, entretanto, ato vinculado, pois sempre se traduz na proteção do interesse público. Sobre a discricionariedade, Meirelles ensina que o poder de polícia administrativa é discricionário, mas passará a ser vinculado se a norma legal estabelecer o modo e a forma de sua realização: Através de restrições impostas às atividades do indivíduo, que afetem a coletividade, cada cidadão cede parcelas mínimas de seus direitos à comunidade, e o Estado lhe retribui em segurança, ordem, higiene, sossego, moralidade e outros benefícios públicos, propiciadores do conforto individual e do bem-estar geral. Para efetivar essas restrições individuais em favor da coletividade, o Estado se utiliza desse poder discricionário, que é o poder de polícia administrativa. [...]. Observe-se que o ato de polícia é, em princípio, discricionário, mas passará a ser vinculado se a norma legal que o rege estabelecer o modo e forma de sua realização. Neste caso, a autoridade só poderá praticá-lo validamente atendendo a todas as exigências da lei ou regulamento pertinentes. (MEIRELLES, 1976, p.6-7). Assim, discricionariedade é a liberdade de agir dentro dos limites legais, tendo sempre a finalidade da proteção ao interesse público, o que não se confunde com arbitrariedade. 27 Em relação à autoexecutoriedade, refere-se ao atributo que autoriza a Administração decidir ou executar atos administrativos sem a prévia autorização judicial. Com base em tal atributo, a Administração Pública impõe medidas e sanções de polícia administrativas de forma direta e imediata, sem a necessidade de uma ordem judicial. Na definição de Meirelles: A auto-executoriedade, ou seja, a faculdade de a Administração decidir e executar diretamente a sua decisão através do ato de polícia, sem intervenção do Judiciário, é outro atributo do poder de polícia. Com efeito, no uso desse poder, a Administração impõe diretamente as medidas ou sanções de polícia administrativa, necessárias à contenção da atividade anti-social, que ela visa obstar. Nem seria possível condicionar os atos de polícia à aprovação prévia de qualquer outro órgão ou poder estranho à Administração. Se o particular se sentir agravado em seus direitos, sim, poderá reclamar, pela via adequada, ao Judiciário, que intervirá oportunamente para a correção de eventual ilegalidade administrativa ou fixação da indenização que for cabível. O que o princípio da auto- executoriedade autoriza é a prática do ato de polícia administrativa pela própria Administração, independentemente de mandado judicial. (MEIRELLES, 1976, p.7). O terceiro atributo do poder de polícia, a coercibilidade, significa que as medidas adotadas pela Administração podem ser impostas de maneira coativa ao administrado, ou seja, sua observância é obrigatória, podendo a Administração, no caso de resistência, valer-se da força pública para garantir o seu cumprimento. Nesse sentido é o ensinamento de Meirelles: A coercibilidade, isto é, a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração, constitui também atributo do poder de polícia. Realmente, todo ato de polícia é imperativo (obrigatório para o seu destinatário), admitindo até o emprego da força pública para o seu cumprimento, quando resistido pelo administrado. Não há ato de polícia facultativo para o particular, pois todos eles admitem a coerção estatal para torná-lo efetivo, e essa coerção também in depende de autorização judicial. É a própria Administração que determina e faz executar as medidas de força que se tornarem necessárias para a execução do ato ou aplicação da penalidade administrativa resultante do exercício do poder de polícia. O atributo da coercibilidade do ato de polícia justifica o emprego da força física quando houver oposição do infrator, mas não legaliza a violência desnecessária ou desproporcional à resistência, que em tal caso pode caracterizar o excesso de poder e o abuso de autoridade nulificadores do ato praticado e 28 ensejadores das ações civis e criminais para reparação do dano e punição dos culpados (MEIRELLES, 1976, p.8). A coercibilidade dos atos de polícia também independe de prévia autorização judicial, uma vez que o poder de polícia só é autoexecutório porque dotado de força coercitiva. Entretanto, o ato de polícia praticado de forma desproporcional, sem amparo na lei ou sem utilidade pública será considerado nulo, ilícito, devendo ser assim declarado pela própria Administração (autotutela) ou pelo Poder Judiciário (controle judicial). Essa atuação ilegítima do agente é o abuso de poder, que decorre da ação fora dos limites de sua competência (excesso de poder) ou da ação com fim diverso do interesse público (desvio de poder), punível nas esferas administrativa, cível e penal. A fiscalização tributária, tratada no capítulo seguinte, é um exemplo do exercício do poder de polícia administrativa, exercido pelo Estado por meio da Administração Tributárias e seus agentes fazendários. 29 4 ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA Após uma breve introdução acerca do Estado Democrático de Direito e dos Direito e Garantias Fundamentais, bem como dos princípios e poderes atinentes à Administração Pública, no presente capítulo será tratado, com base na doutrina, legislação e jurisprudência, o tema específico da Administração Tributária e sua atividade fiscalizatória. Entre as inúmeras atuações da Administração Pública está a de arrecadar tributos e fiscalizar sua cobrança. O Lei Complementar n. 5.172, de 25 de outubro de 1966, denominado Código Tributário Nacional, dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Em seu artigo 3º, dispõe que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Acerca da Administração Tributária, Kiyoshi Harada ensina que: Esse ramo especializado da Administração Pública exerce atividade voltada para a fiscalização e arrecadação tributária, impulsionando procedimento que objetiva verificar o cumprimento das obrigações tributárias, praticando, quando for o caso, os atos tendentes a deflagrar a cobrança coativa e expedir as certidões comprobatórias da situação fiscal do sujeito passivo. (HARADA, 2002, p. 477). Administração Tributária no Brasil são pessoas jurídicas de direito público interno da Administração Direta, neste caso, da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que exercem atividade vinculada, sob regime de direito público, com o fim de lançar, arrecadar, fiscalizar e cobrar tributos. Em relação aos dispositivos previstos na Carta Magna, os artigos 145 a 162 da CRFB/88 tratam do Sistema Tributário Nacional. O artigo 145, §1º, consagra o princípio da capacidade contributiva, dispondo que: Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o 30 patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. (BRASIL, 1988). Já o artigo 150, II, da CRFB/88, consagra o chamado princípio da isonomia tributária, vedando a instituição de tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente. São princípios que buscam a igualdade material, na medida em que buscam tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Em relação aos dispositivos constitucionais, importante mencionar também que, consoante artigo 37, XII, da CRFB/88, a administração fazendária e seus servidores fiscais terão, dentro de suas áreas de competência e jurisdição, precedência sobre os demais setores administrativos. A função pública de arrecadação dos tributos, tem, portanto, prevalência sobre a competência concorrente ou o interesse de outro órgão administrativo. A Administração Tributária é, portanto, responsável pela arrecadação tributária, atividade essencial ao funcionamento do Estado e de imensurável interesse público, consistindo não apenas um poder, mas principalmente um dever da autoridade fazendária. 4.1 FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA Fiscalizar significa investigar, apurar, esclarecer. A atividade de fiscalização tributária consiste na investigação que a autoridade fazendária exerce sobre o contribuinte com a finalidade de identificar se as obrigações tributárias foram devidamente cumpridas. José do Santos Carvalho Filho assim dispõe sobre a fiscalização e seu duplo aspecto: Não adiantaria deter o Estado o poder de impor restrições aos indivíduos se não dispusesse dos mecanismos necessários à fiscalização da conduta destes. Assim, o poder de polícia reclama do Poder Público a atuação de agentes fiscalizadores da conduta dos indivíduos. A fiscalização apresenta duplo aspecto: um preventivo, através do qual os agentes da Administração procuram impedir um dano social, e um repressivo, que, em face da transgressão da norma de polícia, redunda na aplicação de uma sanção. (CARVALHO FILHO, 1999, p. 53). 31 O princípio da legalidade, um dos principais pilares de sustentação do Estado Democrático de Direito, é aplicável e obrigatório à Administração Tributária no exercício da atividade fiscalizatória. Ao investigar os contribuintes, o Fisco deve seguir rigorosamente o disposto no ordenamento jurídico. O CTN dedica todo o seu Título IV para a Administração Tributária, sendo o Capítulo I, artigos 194 a 200, reservado à Fiscalização. Segundo o artigo 194, a legislação tributária, observado o disposto no CTN, regulará, em caráter geral, ou especificamente em função da natureza do tributo de que se tratar, a competência e os poderes das autoridades administrativas em matéria de fiscalização da sua aplicação. Já o artigo 195 representa importante dispositivo garantidor da atividade fiscalizatória, prevendo que para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi- los. O artigo 200 autoriza a autoridade administrativa tributária solicitar o auxílio da força pública federal, estadual ou municipal, e reciprocamente, quando vítimas de embaraço ou desacato no exercício de suas funções, ou quando necessário à efetivação dê medida prevista na legislação tributária, ainda que não se configure fato definido em lei como crime ou contravenção. As regras previstas no CTN garantem amplos poderes de investigação às autoridades fiscais, com acesso à diversos tipos de documentos, à obtenção de informações com terceiros sobre operações do contribuinte e, ainda, à requisição de força policial em caso de desacato ou embaraço. No âmbito da legislação estadual, em relação ao Estado de Santa Catarina, o decreto n. 2870, de 27 de agosto de 2001, aprovou o Regulamento do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação do Estado de Santa Catarina - RICMS-SC. O RICMS-SC, juntamente com a Lei n. 10297/1996, dispõem sobre o ICMS, tributo na modalidade imposto, de competência estadual, instituído conforme 32 artigo 155, II, da CRFB/88. O Capítulo X do RICMS-SC é dedicado ao Controle e Fiscalização do Imposto, sendo que, conforme previsto em seu artigo 68, compete à Secretaria de Estado da Fazenda a supervisão, o controle da arrecadação e a fiscalização do imposto. O artigo 69 do RICMS-SC traz relevantes dispositivos acerca do poder de fiscalização: Art. 69. A fiscalização será exercida sobre todas as pessoas, naturais ou jurídicas, contribuintes ou não, que estiverem obrigadas ao cumprimento de disposições da legislação do imposto, mesmo as que gozarem de imunidade ou isenção. § 2° As pessoas referidas no “caput” exibirão aos agentes do fisco, sempre que solicitado, as mercadorias, livros das escritas fiscal e comercial e todos os documentos, inclusive os relativos a sistema de processamento de dados e meios magnéticos, em uso ou já arquivados, que forem julgados necessários à fiscalização e lhes franquearão o acesso aos seus estabelecimentos, depósitos e dependências, bem como centrais ou equipamentos de processamento eletrônico de dados, veículos, cofres e outros móveis, em horário de funcionamento do estabelecimento. § 3° Os agentes do fisco terão acesso às dependências internas do estabelecimento, mediante a apresentação de sua identidade funcional aos encarregados diretos presentes no local. Assim, conforme previsto no artigo 69 do RICMS-SC, fica autorizado aos agentes do fisco o acesso às dependências internas do estabelecimento, em horário de funcionamento, bastando apenas a apresentação da identidade funcional aos encarregados diretos presentes no local. O acesso deverá ser franqueado aos estabelecimentos, depósitos e dependências, bem como centrais ou equipamentos de processamento eletrônico de dados, veículos, cofres e outros móveis. As pessoas indicadas no caput do mencionado artigo deverão exibir aos agentes do fisco todos os documentos necessários à fiscalização, inclusive os relativos a sistema de processamento de dados e meios magnéticos. Em relação à apreensão de documentos, assim dispõe o artigo 71 do RICMS-SC: Art. 71. Os livros, documentos fiscais, outros papéis, equipamentos e meios magnéticos que constituam prova de infração à legislação tributária poderão ser apreendidos pelos agentes do fisco, mediante termo do qual se deixará cópia com o contribuinte. 33 Parágrafo único. A devolução da coisa apreendida somente será efetuada mediante apresentação de cópia autenticada da mesma e desde que isto não importe em prejuízo para a Fazenda Estadual. Assim, os agentes do fisco poderão apreender papéis, equipamentos e meios magnéticos que constituam prova de infração à legislação tributária, devendo ser lavrado termo do qual se deixará cópia com o contribuinte. A autorização dos agentes do fisco para requisitar auxílio da Força Pública também é prevista no art. 72 do RICMS-SC: Art. 72. Quando vítima de embaraço ou desacato no exercício de suas funções ou quando seja necessária a efetivação de medidas acauteladoras de interesse do fisco, ainda que não se configure fato definido em lei como crime ou contravenção, os agentes do fisco, diretamente ou por intermédio da Gerência Regional da Fazenda Estadual, poderão requisitar o auxílio da Força Pública Estadual. Além do RICMS-SC, no Estado de Santa Catarina está em vigor a Lei Complementar n. 313/2005, que instituiu o Código de Direitos e Deveres do Contribuinte do Estado de Santa Catarina. No artigo 28 do referido Código estão previstos os deveres do contribuinte: Art. 28. São obrigações do contribuinte: I - o tratamento, com respeito e urbanidade, aos funcionários da administração fazendária do Estado; II - a identificação do titular, sócio, diretor ou representante nas repartições administrativas e fazendárias e nas ações fiscais; III - o fornecimento de condições de segurança e local adequado, em seu estabelecimento, para a execução dos procedimentos de fiscalização; IV - a apuração, declaração e recolhimento do imposto devido, na forma prevista na legislação; V - a apresentação em ordem, quando solicitados, no prazo estabelecido na legislação, de bens, mercadorias, informações, livros, documentos, impressos, papéis, programas de computador ou arquivos eletrônicos; VI - a manutenção em ordem, pelo prazo previsto na legislação, de livros, documentos, impressos e registros eletrônicos relativos ao imposto; VII - a manutenção junto à repartição fiscal de informações cadastrais atualizadas relativas ao estabelecimento, titular, sócios ou diretores; VIII - prestar informações por escrito às autoridades fiscais, sempre que solicitadas; e IX - atender às intimações e requisições efetuadas petas autoridades fiscais, relativas à apresentação de documentos, livros, mercadorias, informações, arquivos, papéis, ou comparecimento à repartição tributária. 34 Além dos deveres, a lei trata também dos direitos do contribuinte, previstos no artigo 16, sendo importante destacar o previsto no inciso XIII, que assegura ao contribuinte o direito de não ser obrigado a exibir documento que já se encontre, comprovadamente, em poder da administração pública, e o previsto no inciso XII, que garante a preservação do sigilo de seus negócios, documentos e operações, quando não envolvam os tributos objeto de fiscalização. O artigo 34 da Lei Complementar n. 313/2005 dispõe sobre a obrigação da Administração Tributária, no desempenho de suas funções, pautar sua atuação de forma a gerar o menor ônus possível aos contribuintes, tanto no procedimento e no processo administrativo, como no processo judicial. 4.1.1 Fiscalização Tributária e o Domicílio A proteção constitucional ao domicílio encontra-se prevista no artigo 5º, XI, da CRFB/88, segundo o qual a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Apesar de frequentemente utilizado o termo “domicílio” como objeto da inviolabilidade, a Constituição Federal garante a inviolabilidade da “casa”. Com exceção da Constituição de 1937, todas as outras utilizaram a expressão “casa”, e não “domicílio”. Da mesma forma, o Código Penal (Decreto-Lei n. 2848/1940), ao tratar dos crimes contra a inviolabilidade do domicílio, utiliza o termo “casa”, conforme disposto no artigo 150, §4º: Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa. [...] § 4º - A expressão "casa" compreende: I - qualquer compartimento habitado; II - aposento ocupado de habitação coletiva; 35 III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. Segundo Nélson Hungria (1980, p. 207), o que se protege é “a casa de moradia, o home, o chez soi, a habitação particular, o local reservado à vida íntima do indivíduo ou à sua atividade privada, seja ou não coincidente com o domicílio civil”. Caio Mário da Silva Pereira esclarece que a noção de domicílio, objeto da garantia de inviolabilidade, surge da conjugação da morada habitual com o animus manendi: E da conjugação destes fatores, a morada habitual ou residência e o animus manendi, fez o legislador, repitamos, a noção de domicílio, compreendendo uma ideia simples e prática. É a aliança da residência e da intenção de tê-la como definitiva que autoriza a dizer que nem sempre a residência e o centro das atividades atuais compõem a ideia jurídica do domicílio: um estudante que passa um ano na Europa, recebendo ‘bolsa de estudos’, não tem ali seu domicílio, muito embora lá resida e faça o centro de suas atividades estudantis; um funcionário, enviado pelo serviço a que pertence a uma outra localidade para executar uma tarefa, ainda que por largo tempo, tem uma residência e dedica-se ao seu trabalho, mas nem por isso ali se domicilia. É que falta o animus manendi, incompatível com a temporariedade da missão. (PEREIRA, 2011, p. 312-313). Acerca do tema, o Supremo Tribunal Federal tem conferido interpretação bastante extensiva ao conceito de “casa”, incluindo nele qualquer compartimento privado onde alguém exerce profissão ou atividade, a exemplo do julgado parcialmente transcrito a seguir: A proteção constitucional ao domicílio emerge, com inquestionável nitidez, da regra inscrita no art. 5º, XI, da Carta Política, que proclama, em norma revestida do mais elevado grau de positividade jurídica, que "a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial". A Carta Federal, pois, em cláusula que tornou juridicamente mais intenso o coeficiente de tutela dessa particular esfera de liberdade individual, assegurou, em benefício de todos, a prerrogativa da inviolabilidade domiciliar. Sendo assim, ninguém, especialmente a autoridade pública, pode penetrar em casa alheia, exceto (a) nas hipóteses previstas no texto constitucional ou (b) com o consentimento de seu morador, que se qualifica, para efeito de ingresso de terceiros no recinto doméstico, como o único titular do respectivo direito de inclusão e de exclusão. Impõe-se 36 destacar, por necessário, que o conceito de "casa", para os fins da proteção jurídico-constitucional a que se refere o art. 5º, XI, da Lei Fundamental, reveste-se de caráter amplo, pois compreende, na abrangência de sua designação tutelar, (a) qualquer compartimento habitado, (b) qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e (c) qualquer compartimento privado onde alguém exerce profissão ou atividade. Esse amplo sentido conceitual da noção jurídica de "casa" revela-se plenamente consentâneo com a exigência constitucional de proteção à esfera de liberdade individual e de privacidade pessoal. (SS 1203, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, julgado em 08/09/1997, publicado em DJ DATA-15-09-97 P-44222). Em relação à jurisprudência acerca da inviolabilidade do domicílio e a fiscalização tributária, o Supremo Tribunal Federal tem entendimento bastante polêmico sobre o tema: FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - APREENSÃO DE LIVROS CONTÁBEIS E DOCUMENTOS FISCAIS REALIZADA, EM ESCRITÓRIO DE CONTABILIDADE, POR AGENTES FAZENDÁRIOS E POLICIAIS FEDERAIS, SEM MANDADO JUDICIAL - INADMISSIBILIDADE - ESPAÇO PRIVADO, NÃO ABERTO AO PÚBLICO, SUJEITO À PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR (CF, ART. 5º, XI)- SUBSUNÇÃO AO CONCEITO NORMATIVO DE "CASA" - NECESSIDADE DE ORDEM JUDICIAL - ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - DEVER DE OBSERVÂNCIA, POR PARTE DE SEUS ÓRGÃOS E AGENTES, DOS LIMITES JURÍDICOS IMPOSTOS PELA CONSTITUIÇÃO E PELAS LEIS DA REPÚBLICA - IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELO MINISTÉRIO PÚBLICO, DE PROVA OBTIDA EM TRANSGRESSÃO À GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR - PROVA ILÍCITA - INIDONEIDADE JURÍDICA - "HABEAS CORPUS" DEFERIDO. ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA - FISCALIZAÇÃO - PODERES - NECESSÁRIO RESPEITO AOS DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS DOS CONTRIBUINTES E DE TERCEIROS. - Não são absolutos os poderes de que se acham investidos os órgãos e agentes da administração tributária, pois o Estado, em tema de tributação, inclusive em matéria de fiscalização tributária, está sujeito à observância de um complexo de direitos e prerrogativas que assistem, constitucionalmente, aos contribuintes e aos cidadãos em geral. Na realidade, os poderes do Estado encontram, nos direitos e garantias individuais, limites intransponíveis, cujo desrespeito pode caracterizar ilícito constitucional. - A administração tributária, por isso mesmo, embora podendo muito, não pode tudo. É que, ao Estado, é somente lícito atuar, "respeitados os direitos individuais e nos termos da lei" (CF, art. 145, § 1º), consideradas, sobretudo, e para esse específico efeito, as limitações jurídicas decorrentes do próprio sistema instituído pela Lei Fundamental, cuja eficácia - que prepondera sobre todos os órgãos e agentes fazendários - restringe-lhes o 37 alcance do poder de que se acham investidos, especialmente quando exercido em face do contribuinte e dos cidadãos da República, que são titulares de garantias impregnadas de estatura constitucional e que, por tal razão, não podem ser transgredidas por aqueles que exercem a autoridade em nome do Estado. A GARANTIA DA INVIOLABILIDADE DOMICILIAR COMO LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL AO PODER DO ESTADO EM TEMA DE FISCALIZAÇÃO TRIBUTÁRIA - CONCEITO DE "CASA" PARA EFEITO DE PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL - AMPLITUDE DESSA NOÇÃO CONCEITUAL, QUE TAMBÉM COMPREENDE OS ESPAÇOS PRIVADOS NÃO ABERTOS AO PÚBLICO, ONDE ALGUÉM EXERCE ATIVIDADE PROFISSIONAL: NECESSIDADE, EM TAL HIPÓTESE, DE MANDADO JUDICIAL (CF, ART. 5º, XI). - Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de "casa" revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade (CP, art. 150, § 4º, III), compreende, observada essa específica limitação espacial (área interna não acessível ao público), os escritórios profissionais, inclusive os de contabilidade, "embora sem conexão com a casa de moradia propriamente dita" (NELSON HUNGRIA). Doutrina. Precedentes. - Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público, ainda que vinculado à administração tributária do Estado, poderá, contra a vontade de quem de direito ("invito domino"), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em espaço privado não aberto ao público, onde alguém exerce sua atividade profissional, sob pena de a prova resultante da diligência de busca e apreensão assim executada reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude material. Doutrina. Precedentes específicos, em tema de fiscalização tributária, a propósito de escritórios de contabilidade (STF). - O atributo da auto-executoriedade dos atos administrativos, que traduz expressão concretizadora do "privilège du preálable", não prevalece sobre a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, ainda que se cuide de atividade exercida pelo Poder Público em sede de fiscalização tributária. Doutrina. Precedentes. (STF - HC: 82788 RJ, Relator: CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 12/04/2005, Segunda Turma, Data de Publicação: DJ 02-06-2006 PP-00043 EMENT VOL-02235-01 PP-00179) Percebe-se do julgamento do Habeas Corpus n. 82.788 que, para o STF, o atributo da autoexecutoriedade dos atos administrativos não prevalece sobre a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar, de modo que nenhum agente público, ainda que vinculado à administração tributária do Estado, poderá, contra a vontade de quem de direito, ingressar em espaço privado não aberto ao público sem mandado judicial. 38 A prevalência da inviolabilidade do domicílio frente ao poder de polícia também é observada no julgamento do Habeas Corpus n. 79.512: Prova: alegação de ilicitude da obtida mediante apreensão de documentos por agentes fiscais, em escritórios de empresa - compreendidos no alcance da garantia constitucional da inviolabilidade do domicílio - e de contaminação das provas daquela derivadas: tese substancialmente correta, prejudicada no caso, entretanto, pela ausência de qualquer prova de resistência dos acusados ou de seus prepostos ao ingresso dos fiscais nas dependências da empresa ou sequer de protesto imediato contra a diligência. 1. Conforme o art. 5º, XI, da Constituição - afora as exceções nele taxativamente previstas ("em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro") só a "determinação judicial" autoriza, e durante o dia, a entrada de alguém - autoridade ou não - no domicílio de outrem, sem o consentimento do morador. 1.1. Em conseqüência, o poder fiscalizador da administração tributária perdeu, em favor do reforço da garantia constitucional do domicílio, a prerrogativa da auto-executoriedade. 1.2. Daí não se extrai, de logo, a inconstitucionalidade superveniente ou a revogação dos preceitos infraconstitucionais de regimes precedentes que autorizam a agentes fiscais de tributos a proceder à busca domiciliar e à apreensão de papéis; essa legislação, contudo, que, sob a Carta precedente, continha em si a autorização à entrada forçada no domicílio do contribuinte, reduz-se, sob a Constituição vigente, a uma simples norma de competência para, uma vez no interior da dependência domiciliar, efetivar as diligências legalmente permitidas: o ingresso, porém, sempre que necessário vencer a oposição do morador, passou a depender de autorização judicial prévia. 1.3. Mas, é um dado elementar da incidência da garantia constitucional do domicílio o não consentimento do morador ao questionado ingresso de terceiro: malgrado a ausência da autorização judicial, só a entrada invito domino a ofende, seja o dissenso presumido, tácito ou expresso, seja a penetração ou a indevida permanência, clandestina, astuciosa ou franca. 1.4. Não supre ausência de prova da falta de autorização ao ingresso dos fiscais nas dependência da empresa o apelo à presunção de a tolerância à entrada ou à permanência dos agentes do Fisco ser fruto do metus publicae potestatis, ao menos nas circunstância do caso, em que não se trata das famigeradas "batidas" policiais no domicílio de indefesos favelados, nem sequer se demonstra a existência de protesto imediato. 2. Objeção de princípio - em relação à qual houve reserva de Ministros do Tribunal - à tese aventada de que à garantia constitucional da inadmissibilidade da prova ilícita se possa opor, com o fim de dar-lhe prevalência em nome do princípio da proporcionalidade, o interesse público na eficácia da repressão penal em geral ou, em particular, na de determinados crimes: é que, aí, foi a Constituição mesma que ponderou os valores contrapostos e optou - em prejuízo, se necessário da eficácia da persecução criminal - pelos valores fundamentais, da dignidade humana, aos quais serve de salvaguarda a proscrição da prova ilícita: de qualquer sorte - salvo em casos extremos de necessidade inadiável e incontornável - 39 a ponderação de quaisquer interesses constitucionais oponíveis à inviolabilidade do domicílio não compete a posteriori ao juiz do processo em que se pretenda introduzir ou valorizar a prova obtida na invasão ilícita, mas sim àquele a quem incumbe autorizar previamente a diligência. (STF - HC: 79512 RJ, Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 16/12/1999, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 16-05- 2003 PP-00092 EMENT VOL-02110-02 PP-00308) A decisão do STF de estender a proteção destinada constitucionalmente à casa a qualquer compartimento privado onde alguém exerce profissão ou atividade merece reflexão. Conforme nos adverte Caramanos Júnior: Não foi sem razão que a Constituição protegeu a casa, e não o domicílio. A casa é espaço privado inviolável, reduto do indivíduo, ressalvadas as hipóteses previstas taxativamente pela Constituição, em que cede para preservar bens ou direitos de magnitude superior. Parece equivocado conferir a proteção destinada constitucionalmente à casa aos compartimentos não abertos ao público, onde alguém exerça profissão ou atividade, embora tal concepção tenha prestígio na Jurisprudência Nacional. (CARAMANOS JÚNIOR,
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