Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
21 Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO Unidade II 5 A FILOSOFIA NO PERÍODO CLÁSSICO GREGO 5.1 Sócrates Um divisor de águas na história da filosofia terrena Figura 3 – A morte de Sócrates O fundador do pensamento filosófico A história da filosofia na Grécia Antiga divide-se entre os filósofos pré-socráticos e pós-socráticos, tamanha foi a importância de Sócrates para a instauração do pensamento filosófico ocidental. Considerado pelos homens do tempo como o mais sábio e inteligente, Sócrates demonstrava em sua forma de pensar a necessidade de levar o conhecimento para os cidadãos gregos da época pelo diálogo como forma de transmissão de sabedoria. Nascido em 470 ou 469 a.C., em Atenas, era filho de um escultor e de uma parteira. Aprendeu a arte paterna; mas dedicou-se inteiramente à meditação e ao ensino filosófico, apesar da pobreza. Ao desempenhar cargos políticos, sempre foi um modelo irrepreensível de bom cidadão. Adquiriu sabedoria principalmente por intermédio da reflexão pessoal, na moldura da alta cultura ateniense da época, em contato com o que havia de mais ilustre na época. Por meio da palavra, ele se ocupava da missão de fazer conhecer as coisas do mundo e do ser humano. Seus pensamentos e suas ideias atravessaram os séculos pelas obras de seus discípulos mais importantes: 22 Unidade II Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 Platão, Xenofontes e Aristóteles, porque ele mesmo nada deixou por escrito. Por defender ideias contrárias à sociedade instaurada na Grécia, Sócrates não foi bem aceito por grande parte da aristocracia grega, uma vez que a tônica do seu discurso criticava diversos aspectos da cultura grega, ressaltando que muitas tradições, crenças religiosas e costumes não colaboravam para o desenvolvimento intelectual dos cidadãos. A inovação presente nas suas ideias para a sociedade logo começou a chamar a atenção de jovens atenienses, impressionados pelo seu dom de orador e pela sua inteligência, o que o tornou popular em pouco tempo. No entanto, por temer mudanças na sociedade, a elite conservadora de Atenas viu em Sócrates um inimigo público, além de um agitador da ordem pública. Por isso, ele foi preso, acusado de subversão, de corromper a juventude e também de provocar mudanças na religião grega. Sua condenação foi o suicídio por envenenamento, dentro da cela, em 399 a.C. Esse fim trágico, porém, não impediu que esse filósofo ateniense, e um dos fundadores da atual filosofia ocidental, entrasse para a história de forma definitiva; embora existam historiadores que afirmam que só é possível falar de Sócrates como um personagem de Platão. Nos diálogos escritos por Platão, Sócrates aparece como mestre que se recusava a ter discípulos, além de ser um homem piedoso que não valorizava os prazeres dos sentidos, mas colocava o belo entre as maiores virtudes, juntamente com a bondade e a justiça. Tanto o julgamento como a execução de Sócrates são episódios centrais da obra de Platão (Apologia e Críton). Sócrates admitiu que poderia ter evitado sua condenação se tivesse desistido da vida justa que levava e, mesmo depois de condenado, ele poderia ter evitado a morte por ingestão de cicuta, se tivesse escapado com a ajuda de amigos. Nesse sentido, a vontade de colaborar com a justiça da pólis e com seus próprios valores revela a grandiosidade do seu pensamento. Todos os detalhes a respeito da vida e da morte de Sócrates que são historicamente conhecidos vêm dos diálogos de Platão, das peças de Aristófanes e dos diálogos de Xenofonte. Não se sabe direito qual era a função de Sócrates, se ele se ocupava de algo além da filosofia. De acordo com os registros, aprendeu a profissão de oleiro com o pai e aparece na obra de Xenofonte declarando que se dedicava àquilo que ele considerava a arte ou a ocupação mais importante de todas: maiêutica, ou seja, o nascimento das ideias. Platão atesta que Sócrates não recebia pagamento algum por suas aulas, e sua pobreza consistia na prova maior de que não era um sofista. Diversas fontes citam que ele tinha servido ao exército em várias batalhas. Na Apologia, Sócrates compara seu período no serviço militar a seus problemas no tribunal, e alega que qualquer jurado que achasse que ele deveria se retirar da filosofia, deveria também acreditar que os soldados devessem se retirar do campo de batalha, quando era provável que pudessem morrer lutando. As crenças de Sócrates, em comparação às de Platão, são difíceis de diferenciar, uma vez que há poucas diferenças entre os dois tipos de pensamento filosófico. Por essa razão, diferenciar as crenças filosóficas de Sócrates, de Platão e de Xenofonte consiste em uma missão bastante difícil, devendo sempre ter em mente que aquilo que é atribuído a Sócrates pode muito bem refletir o pensamento dos outros autores. 23 Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO Certamente, se existe algo que pode ser atestado sobre as ideias de Sócrates, é que ele se destacou por ser moralmente, intelectualmente e filosoficamente diferente de seus contemporâneos. Quando estava sendo julgado por heresia e por corromper a juventude, usou seu método de elenchos para demonstrar as crenças errôneas de seus julgadores. Sócrates acreditava na imortalidade da alma e que teria recebido, em um dado momento da sua vida, uma missão especial do deus Apolo, que pode ser traduzida na defesa do logos apolíneo “conhece-te a ti mesmo”. Ele também tinha dúvidas sobre a possibilidade de a arete (virtude) ser ensinada, considerando que a moral é uma questão de inspiração e não de parentesco, uma vez que pais moralmente perfeitos não tinham filhos semelhantes a eles. Sócrates alegou com frequência que suas ideias não eram próprias, mas sim de seus mestres, entre eles Pródico e Anaxágoras de Clazômenas. Ele sempre dizia que sua sabedoria era limitada, assim como a sua própria ignorância, atribuindo os atos errados como consequência da ignorância, embora nunca tenha assumido ser um sábio. O fundador do pensamento ocidental também acreditava que a maneira mais apropriada para as pessoas viverem era se concentrando no próprio desenvolvimento intelectual, ao invés de buscar a riqueza material. Ele costumava convidar outras pessoas a se concentrar na amizade e em um sentido de comunidade, uma vez que acreditava ser esse o melhor modo de um povo evoluir. Suas ações são a maior prova dessa crença, pois aceitou sua sentença de morte quando todos acreditavam que fugiria de Atenas. Para Sócrates, os seres humanos possuíam virtudes tanto no campo filosófico quanto no intelectual, conferindo à virtude o papel mais importante para o desenvolvimento do ser humano. Segundo seus discípulos, ele acreditava que as ideias faziam parte de um mundo que somente os sábios conseguiam entender, fazendo com que o filósofo se tornasse o governante ideal para um Estado. Ao se opor declaradamente à democracia aristocrática praticada em Atenas durante a sua época, ele afirmava que a república perfeita deveria ser governada apenas por filósofos. Os ideais libertários contidos nos discursos proferidos por Sócrates, assim como o rigor do seu caráter e da sua postura crítica, acabaram gerando um mal-estar geral, além da rejeição popular, fazendo com que ele contraísse inimigos pessoais. Diante do povo e de lideranças reacionárias, era considerado como parte atuante da casta intelectual da época. Essa hostilidade toda manisfestou-sepor meio jurídico na acusação movida contra ele por Mileto, Anito e Licon, no sentido de subverter os jovens a renegar os deuses da própria pátria, introduzindo novas crenças. Para não entrar em confronto com a justiça humana, Sócrates humilhou-se e pediu perdão, pois tinha dentro da alma algo que ia muito mais longe do que uma simples explicação para a vida na Terra, que era o juízo da razão destinado à eternidade. Por esse motivo, ele preferiu abrir mão da própria vida a enfrentar o poder judiciário. Quando foi declarado culpado, ficou em silêncio perante o tribunal, que o condenou à pena de morte pela maioria dos votos. Tendo que esperar mais de um mês para ser executado na prisão, Sócrates aproveitou o tempo para ministrar palestras espirituais aos amigos. Vem dessa fase o famoso diálogo a respeito da imortalidade da alma, que ele teria proferido pouco antes de morrer e que foi relatado por Platão no Fédon. De acordo com ele, as palavras derradeiras dirigidas pelo seu mestre aos discípulos, após ter ingerido o veneno, foram: “Devemos um galo a Esculápio”, referindo-se ao Deus da medicina, que o tinha liberado do mal da existência com o poder da morte. Apesar de gerar polêmica, Sócrates restabeleceu a possibilidade do saber ao determinar o objeto real da ciência, que não é o sensível e o particular, como pensavam os sofistas. 24 Unidade II Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 De maneira contrária, ele acreditava no inteligível, um conceito que se expressa pela própria definição, sendo obtido por intermédio de um processo dialético chamado de indução, que pode ser descrito pela comparação de vários seres da mesma espécie, visando eliminar as diferenças individuais, bem como as qualidades mutáveis, para atingir aquilo que existe de comum, estável e permanente na natureza e na essência da coisa em si. Trata-se, portanto, de uma forma de generalização que parte do indivíduo à concepção universal da natureza humana. Durante a exposição didática dessas ideias, Sócrates sempre utilizava o diálogo, com a dupla função de confrontar um oponente às suas ideias ou de instruir um discípulo. No primeiro caso, assumia de forma humilde a postura de quem aprende e, com isso, conseguia aumentar o número de perguntas até conseguir apanhar o adversário em uma contradição evidente para constrangê-lo à declaração humilhante da ignorância. Essa estratégia era a ironia socrática. Já no segundo caso, por ser um discípulo, ele mesmo multiplicava as perguntas, com a habilidade e o objetivo de obter, pelo processo indutivo, um conceito e uma definição geral de um objeto. Esta era sua proposta pedagógica. A introspecção sempre foi uma característica marcante da filosofia de Sócrates, que se revela no famoso lema “conhece-te a ti mesmo”, ou seja, que nos leva a entrar em contato com a nossa prória ignorância. Alcançava em Sócrates uma importância tão grande que se personificava na voz interior divina, que poderia ser de um gênio ou de um demônio. Como ele não deixou nada registrado, as informações que temos de sua vida e de seu pensamento nos foram legadas pelos seus dois discípulos, Xenofonte e Platão, de formação intelectual muito diferente. Xenofonte, ao escrever Anábase, em seus Ditos Memoráveis, nos revelou mais os aspectos pragmáticos e morais do pensamento socrático. No entanto, seu estilo simples e sem profundidade, apesar da sua devoção para com o mestre, deixam claro que ele não compreendeu a complexidade do pensamento filosófico de Sócrates, por ser mais um homem de ação do que um pensador legítimo da sua época. É possível afirmar que Sócrates atua como protagonista de todas as obras platônicas, mesmo tendo este conhecido seu mestre já idoso e na última década de vida. O conhecimento perfeito do ser humano coloca-se como objetivo maior de todas as suas reflexões, assim como a moral está posicionada no centro de tudo, para o qual convergem todas as vertentes filosóficas. No campo da psicologia, Sócrates deixou sua contribuição ao pensar sobre a espiritualidade e a imortalidade da alma, destacando a diferença entre as duas ordens de conhecimento, o sensitivo e o intelectual, sem definir a capacidade de escolha, mas relacionando a vontade com a inteligência. Na teodiceia, ele admitiu a existência de Deus com o seguinte argumento teológico: tudo aquilo que possui uma finalidade resulta de uma inteligência e, se o homem é inteligente, também deve ser inteligente a causa eficiente que o concebeu. Pela moral socrática, a lei natural pressupõe um ser superior ao homem, um legislador, que a sancionou. Portanto, Deus não só existe, como também é Providência, uma vez que governa o mundo com sabedoria, e o homem pode atingi-lo por meio de sacrifícios e com orações. Apesar da elevação dessas doutrinas, Sócrates aceita os preconceitos contra a mitologia da sua época, que ele pretendia reformular. Nesse aspecto, a moral constitui a parte crucial da filosofia socrática, pois ensina a pensar para viver bem, mostrando que a única forma de alcançar a felicidade ou a 25 Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO semelhança com Deus está na prática da virtude, que pode ser adquirida com a sabedoria ou com a identificação com ela. Essa doutrina consiste em um desdobramento natural da falha psicológica de não conceituar a vontade e a inteligência de maneira diferenciada. Sócrates reconhece ainda, acima de todas as leis criadas, a existência de uma lei natural que não depende do conhecimento humano, uma vez que é universal e se estabelece como fonte primordial de todo direito como expressão da vontade divina ditada pela voz interior da consciência. Mesmo sublime na forma de descrever os princípios gerais de sua ética, Sócrates, de fato, sempre atribui à utilidade a razão e o estímulo de toda e qualquer virtude. A filosofia socrática, portanto, está restrita à gnosiologia e à ética. A gnosiologia de Sócrates, que se concretizava na sua doutrina dialógica, resume-se em seis aspectos fundamentais: a ironia, a maiêutica, a introspecção, a ignorância, a indução e a definição. Porém, é necessário separar o espírito dos falsos conhecimentos, dos preconceitos e das opiniões. Sócrates, juntamente com os sofistas, mesmo com finalidade diversa, reclama pela libertação da autoridade e da tradição, tendo em vista a reflexão livre e a crença na razão para tornar possível conceber o verdadeiro conhecimento e a ciência. Isso significa que a instrução não deve consistir apenas na exposição de um assunto ao aluno, já que o mestre deve retirá-lo da própria mente do discípulo, pela constituição inerente do espírito humano como um dado estrutural e universal da sua existência. Para Sócrates, a forma lógica para chegar ao conhecimento científico de fato consiste na indução, quer dizer, no percurso do que é particular até o universal, do foco opinativo à ciência, do experimento ao conceito, leva à definição, para demonstrar o ideal e a reflexão final do processo gnosiológico socrático sobre a essência da realidade. Ele também é considerado o fundador da ciência, em especial da ciência moral, defendendo a doutrina de que ética é sinônimo de racionalidade. Além disso, a virtude é considerada como inteligência, razão e ciência, e não um sentimento, uma tradição, uma lei e o senso comum. Isso tudo precisa ser superado, fazendo com que a razão prevaleça. Diante do seu legado para a humanidade, torna-se visível que Sócrates não deixou um pensamento filosófico fechado. Porém, cabe a ele o mérito de ter descoberto o método e de ter fundado uma grande escola no campo da filosofia. Por esse motivo, deledepende, de forma direta ou indireta, a evolução do pensamento na Grécia Antiga, que se desenvolveu a partir da linha socrática, valorizando a herança dos pré-socráticos e organizando-se em sistemas originais e múltiplos. Mesmo diferentes entre si, todas essas correntes possuem em comum a crença de que o bem maior do ser humano está na sabedoria. A escola socrática mais expressiva é a platônica e seguiu a evolução lógica do objeto central do pensamento socrático, que é o conceito, assim como com o aspecto fundamental do pensamento antecessor, tendo seu auge em Aristóteles, discípulo de Platão, como o grande desfecho da metafísica grega. Observação “Outros povos nos deram santos, os gregos nos deram sábios” (Nietzsche). 26 Unidade II Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 5.2 Platão Figura 4 – Platão (detalhe de A Escola de Atenas) O pensador das ideias Platão nasceu em Atenas em 427 a.C., durante da Guerra do Peloponeso, no tempo da revolução oligárquica e aristocrática que tirou os democratas do poder em Atenas, impondo o Conselho dos 400. Nesse período, a Liga do Peloponeso, liderada por Esparta, derrotou a Liga da Hélade, liderada por Atenas, dando início ao governo dos Trinta Tiranos. No entanto, sua vida transcorreu entre a fase áurea da democracia ateniense e o final do período helênico, o que confere ao seu legado filosófico a tônica da liberdade e da expressão política. Ele fundou a Academia e foi mestre de Aristóteles. Aos 20 anos de idade, conheceu Sócrates, de quem foi discípulo. O interesse de Platão pelos assuntos políticos decorreu das condições em que vivia na Grécia Antiga, onde a vida cultural foi se desenvolvendo muito vinculada aos acontecimentos da cidade-estado, a pólis, e em torno da organização política, constituída por várias cidades-estados que mantinham suas tradições e sua religiosidade. A própria dimensão dessas comunidades exigia o fortalecimento dos vínculos solidários entre seus habitantes, ao mesmo tempo em que permitia a cada uma a construção da sua fisionomia social particular como um patrimônio comum a todos os cidadãos. Os fenômenos geográfico e político estavam tão associados que a palavra pólis servia para indicar tanto o lugar da cidade quanto a natureza da soberania. Sendo assim, qualquer indivíduo nesse contexto pensava em si mesmo como um ser político. Perto de completar 40 anos, Platão partiu para a Magna Grécia com o intuito de entrar em contato com as comunidades pitagóricas. Nessa jornada, foi convidado por Dionísio I para ir à Siracusa, na 27 Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO Sicília. Ele partiu para essa região com a esperança de implementar seus ideais políticos; mas acabou se desentendendo com o tirano local e retornou para Atenas, onde fundou a Academia de Física. A instituição ganhou prestígio em pouco tempo, sendo procurada por um grande número de jovens que buscavam instrução e até mesmo por homens já ilustres, com a finalidade de debater ideias. Ao regressar para Atenas, em 360 a.C., Platão comandou a Academia até em 347 a.C., quando faleceu. Grosso modo, Platão criou a noção de que o homem está em contato permanente com duas realidades: a inteligível e a sensível, sendo a primeira concreta e imutável. Já a segunda, refere-se a todas as coisas que afetam os sentidos do homem. São, portanto, realidades dependentes, mutáveis e imagens das realidades inteligíveis. Essa concepção platônica de mundo também é conhecida por Teoria das Ideias ou Teoria das Formas, tendo sido elaborada como hipótese no diálogo Fédon, constituindo assim uma forma de assegurar a possibilidade do conhecimento, além de oferecer uma inteligibilidade relativa aos fenômenos. Na visão platônica de mundo, aquilo que é captado pelos sentidos humanos significa apenas uma cópia simplificada do mundo das ideias. Assim, tudo o que existe de forma concreta faz parte, junto com todos os outros objetos semelhantes, de uma ideia perfeita. Por exemplo, uma faca terá características próprias, como cor, forma, tamanho, entre outras. Já outra terá outros atributos, sem deixar de ser faca, tanto quanto a outra. O que faz com que ambas sejam facas consiste na ideia perfeita que se tem desse objeto, sendo capaz de conter todas as possibilidades de ser aquilo que é. De acordo com Platão, algo é na medida em que participa da ideia desse objeto, e seu foco se detém em coisas como o ser humano, o bem ou a justiça. A teoria platônica explica a forma de conhecimento das coisas, alegando que, ao ver um objeto muitas vezes, nos lembramos da ideia dele, que já vimos no mundo das ideias. Para isso, Platão cria o mito de que, antes mesmo de nascer, a alma de cada um habitava em uma estrela, onde estão as ideias. Ao nascer, seríamos arremessados em direção à Terra. Com o impacto produzido, acabamos por esquecer o que vimos onde estávamos anteriormente. Porém, à medida que vemos um objeto aparecer de várias maneiras, a alma recorda-se da ideia primordial daquele objeto que foi visto na estrela de onde partiu. A essa recordação Platão dá o nome de anamnesis. Assim sendo, uma das bases para a investigação sobre as ideias consiste em saber que não estamos completamente ignorantes sobre elas. Isso se torna necessário para que tenhamos em nossa alma um tipo de conhecimento ou de recordação do contato original com o mundo ideal antes do nosso nascimento, para que possamos nos lembrar delas sendo reproduzidas no mundo concreto. Isso faz com que toda a ciência platônica seja uma forma de reminiscência, pois a investigação das ideias supõe que as almas preexistiram em uma região divina onde as contemplavam. Platão acreditava que o filósofo deveria buscar a verdade plena, que poderia ser encontrada apenas em uma instância superior, uma vez que a verdade é invariável, e, se existe uma verdade essencial para a humanidade, ela deve valer para todos. Dessa maneira, a existência das coisas físicas deve ter outro pressuposto, que transcende a forma de buscar essas realidades e que está no conhecimento daquilo que está além das coisas. Em Platão, essa busca racional possui caráter contemplativo, o que significa buscar a verdade no interior do próprio homem como um participante das verdades essenciais do ser. 28 Unidade II Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 Assim como seu mestre Sócrates, Platão dedicou-se à descoberta das verdades essenciais das coisas pelo conhecimento, sempre destacando o homem não na condição de corpo, mas sim enquanto alma. Na visão dele, a alma humana, por ser perfeita, faz parte do mundo perfeito das ideias, embora isso só possa ser concretizado por intermédio dos sentidos. Nesse aspecto, também o conhecimento tinha fins morais, com o intuito de levar o homem à bondade e à felicidade, o que faz do conhecimento uma forma de reconhecimento capaz de fazer com que haja um reencontro com as verdades que sempre soubemos existir, permitindo com isso diferenciar as aparências de verdades e as verdades. Sendo assim, a obtenção do autoconhecimento apresentava-se como um caminho árduo a ser seguido de maneira meticulosa. É interessante observar que Platão não defendia que todas as pessoas tivessem igualdade de acesso à razão, pois ele reconhecia que, apesar de todos terem a alma perfeita, nem todos conseguiriam chegar à contemplação absoluta do mundo das ideias, lembrando que o conhecimento para Platão tem fins morais. De acordo com ele, existiam três tiposde virtude na alma humana – a sabedoria, que deveria ser o governo, a coragem, que deveria equivaler à força dos soldados, e a temperança, que estaria relacionada ao baixo-ventre do Estado, ou seja, aos trabalhadores, uma vez que a alma desses indivíduos é guiada pelos sentidos. Na visão platônica, o homem divide-se entre corpo, matéria e alma – o imaterial e o divino. O corpo vive em processo contínuo de mudança de aparência, mas a alma não muda nunca. A partir do momento em que nascemos, apesar da alma perfeita, estamos aprisionados ao corpo e nos esquecemos das verdades essenciais escritas eternamente na alma. Para Platão, a alma está dividida em três partes: Racional: cabeça – tem que controlar as outras duas partes, e sua virtude está na sabedoria ou na prudência (phrónesis); Irrascível: tórax – parte da impetuosidade, dos sentimentos. A virtude está na coragem (andreía); e Concupiscente: relativa ao baixo-ventre, incluindo o apetite e o desejo carnal ligado à libido. Vale destacar que, para Platão, depois da morte, a alma reencarnava em outro corpo; mas se ocupava com a filosofia, graças ao desapego material, estando a ela concedido o prazer de passar a eternidade ao lado dos deuses. Assim, somente por meio da relação de sua alma com a Alma do Mundo o ser humano pode acessar o mundo das ideias. A ação do homem pode atingir somente o mundo material, pois, no mundo das ideias, ele não pode transformar nada, uma vez que já existe a perfeição. A ascensão ao conhecimento está representada por Platão na Alegoria da Caverna, que descreve um prisioneiro que contempla, no fundo de uma caverna, os reflexos de simulacros que, sem que perceba, são transportados à frente de uma fogueira, no sentido figurado. Como sempre, as projeções do que existe acredita serem elas a realidade e permanece na ilusão. No entanto, essa situação muda com a libertação desse homem, que reconhece seu engano ao descobrir a encenação que o iludia. Depois de subir a rampa que leva à saída da caverna, ele pode contemplar do lado de fora a verdadeira realidade. Acostumado às sombras, primeiro ele enxerga através dos reflexos, até ter condições de olhar diretamente para a luz solar como fonte de toda a realidade. Essa alegoria de dimensão emocional, filosófica, religiosa e científica guarda também uma conotação política, ou seja, aquele que se liberta das ilusões e se eleva à visão da realidade é quem pode e deve governar para libertar os demais prisioneiros das sombras. 29 Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO Trata-se do filósofo político, capaz de fazer da sua sabedoria um instrumento de libertação de consciências e de justiça social. Sendo assim, o conhecimento no platonismo se constrói como uma articulação entre o intelecto e a emoção, entre razão e vontade, como resultado da inteligência e do sentimento de amor. Lembrete Desde que o ser humano tomou consciência da sua condição, muitos estudiosos buscaram não uma resposta derradeira para o sentido da existência, mas sim explicar os princípios éticos, morais e religiosos que regem a trajetória do homem na Terra. 5.3 Aristóteles Figura 5 – Aristóteles (detalhe de A Escola de Atenas) O organizador do mundo O filósofo grego Aristóteles colaborou em larga escala para o desenvolvimento de muitas ciências; mas uma retrospectiva do legado do seu pensamento para a humanidade permite perceber que o valor dessa contribuição foi bastante desigual. A sua química e a sua física são bem menos significativas do que as investigações no domínio das ciências da vida. Isso ocorreu porque ele não possuía relógios precisos nem qualquer tipo de instrumento de medição. Aristóteles também não tinha consciência da importância da velocidade e da temperatura. Na mesma medida em que seus escritos zoológicos continuavam a ser considerados impressionantes pelo 30 Unidade II Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 próprio Darwin, a sua física estava já ultrapassada no século VI d.C. Ao contrário do seu trabalho nas ciências empíricas, há aspectos da filosofia teórica de Aristóteles que ainda têm muito a nos ensinar, com destaque para suas afirmações sobre a natureza da linguagem, da realidade e da relação entre as duas. Nas duas categorias, Aristóteles apresenta uma lista dos diferentes tipos de coisas que podem afirmar-se a propósito de um indivíduo. Essa lista contém dez artigos: substância, quantidade, qualidade, relação, espaço, tempo, postura, vestuário, atividade e passividade. Considerado o pensador mais influente da filosofia ocidental, Aristóteles nasceu em Estagira, na Calcídica, em 384 a.C. Por ser filho de Nicômaco, amigo e médico pessoal do rei macedônio Amintas II, pai de Filipe II da Macedônia, é possível compreender seu interesse pela biologia e pela fisiologia, em decorrência da atuação profissional exercida pelo pai e pelo tio. Ainda na adolescência, Aristóteles foi morar em Atenas, maior reduto de intelectuais e artistas da Grécia, para dar prosseguimento aos estudos. Das duas grandes instituições da preferência dos jovens da época, a escola de Isócrates e a Academia de Platão, optou pela segunda e nela permaneceu por vinte anos, até 347 a.C., ano da morte do seu mestre. Com a escolha do sobrinho de Platão, Espeusipo, para assumir a Academia, Aristóteles partiu para Assos com alguns ex-alunos, talvez por que as ideias do novo diretor não lhe agradassem ou por ter se sentido rejeitado, uma vez que se julgava o mais preparado para assumir a direção da Academia. Lá, ele criou um círculo filosófico com a ajuda de Hérmias, tirano local. Depois da morte de Hérmias, Aristóteles foi para Mitilene, na Ilha de Lesbos, onde realizou grande parte das suas investigações no campo da biologia. Em 336 a.C., retornou a Atenas e fundou a Lykeion, que deu origem à palavra Liceu, uma escola onde os alunos ficaram conhecidos como peripatéticos, ou seja, aqueles que passeiam, por causa do hábito de Aristóteles de ensinar ao ar livre. Diferentemente da Academia de Platão, o Liceu dava preferência às ciências naturais, que estudavam exemplares da fauna e da flora das regiões conquistadas. Os estudos abrangiam as áreas do conhecimento clássico da época, como a filosofia, procurando estabelecer as bases dessas disciplinas e também a metodologia científica do estudo. Aristóteles foi diretor da escola até 324 a.C., depois da morte de Alexandre. Com temor da postura antimacedônia dos atenienses, que o ameaçaram, ele deixou a cidade, afirmando que os gregos estavam cometendo outro crime contra a filosofia, depois do julgamento e da morte de Sócrates. Como aluno de Platão, Aristóteles discordava de uma parte fundamental da filosofia do seu mestre. Enquanto Platão concebia dois mundos existentes, um apreendido pelos sentidos humanos, em constante mutação, e o outro concebido como sendo das ideias, acessível somente pelo pensamento intelectual, imutável e atemporal, Aristóteles contemplava apenas a existência do mundo em que vivemos, alegando que aquilo que estava além da experiência humana não poderia significar nada para o homem. Na visão aristotélica, a lógica funciona como um elemento introdutório para o conhecimento, tendo como base uma estrutura de raciocínio formal que compreende pressupostos criados previamente, para que se possa chegar a uma conclusão. Como a dedução parte do universal para o particular e a indução, pelo contrário, do particular para o universal, se forem verdadeiras as premissas, a conclusão, logicamente, também deverá ser. No campo da psicologia, Aristóteles toma como base os conceitos de alma e de intelecto, sendo a primeiraa essência de um corpo que possui vida em potencial. Já o intelecto, na visão dele, não fica 31 Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO restrito somente a uma relação exclusiva com o corpo, uma vez que a sua ação vai mais longe. Nesse contexto, o organismo desenvolvido assume a forma que vai lhe permitir a perfeição por intermédio da ação. Essa seria a alma, que faz com que a flora cresça e a fauna se reproduza. Para o homem, além de a alma apresentar atributos vegetativos e sensitivos, ela tem também a inteligência, que reúne condições de captar a essência de tudo, independentemente da condição orgânica. O filósofo também acreditava que a mulher era um ser incompleto e passivo, enquanto o homem seria o ser em ação. Aristóteles foi o verdadeiro fundador da zoologia, dentro do campo de estudo da biologia, ao estabelecer a primeira divisão do reino animal. Ele também é considerado o fundador da teoria da abiogênese, que persistiu durante muitos séculos, atestando que um ser nascia a partir de um germe da vida, sem que outro precisasse gerá-lo, exceção feita aos seres humanos. O que atualmente denominamos de metafísica Aristóteles chamava de filosofia primeira, aquela que estuda fenômenos que acontecem além do mundo físico, que podem ser compreendidos pelos sentidos. Nesse sentido, o conceito de metafísica em Aristóteles apresenta-se de forma extremamente complexa, com quatro definições possíveis, ou seja, a ciência que busca por causas e princípios, que busca o ser enquanto ser, a que apura a substância e aquilo que está além dos sentidos. É importante destacar que a teoria aristotélica sobre as causas abrange toda a natureza. Além disso, o filósofo distingue a essência do acidente em alguma coisa. A definição de essência seria algo responsável pela identificação de um ser, sem a qual se torna impossível reconhecê-lo como ele mesmo. Já o acidente é algo que pode ser parte estrutural ou não do ser, mas que não o descaracteriza por sua falta. Para Aristóteles, a ética pode ser considerada como a ciência das condutas, que estuda assuntos que podem sofrer alteração. Sendo assim, ela se debate com aquilo que é essencial e imutável no ser humano, com o que pode ser adquirido por atitudes repetidas ou por costumes que legitimam as virtudes e os vícios. O seu objetivo último, portanto, consiste na garantia ou na possibilidade de conquista da felicidade. Tomando como princípio as disposições naturais do homem, a função da moral consiste em demonstrar como elas necessitam ser mudadas para se adaptar à razão. Ainda na visão dele, as virtudes se realizam sempre na esfera do homem e perdem sentido quando as relações humanas deixam de existir. Já a virtude, seja ela especulativa ou intelectual, diferencia-se porque faz parte de um universo filosófico limitado que, excluindo a vida moral, busca o conhecimento pelo conhecimento. Dessa maneira, na filosofia aristotélica, a prática da contemplação volta o homem para Deus, sendo a política uma consequência natural da ética. Para ele, ambas compõem a unidade denominada filosofia prática. Nesse sentido, se a ética está preocupada com a felicidade individual do homem, a política se ocupa em investigar as formas de governo e as instituições capazes de assegurar a felicidade coletiva na constituição do estado. De acordo com Aristóteles (1978, top. 104b1-3): um problema de dialética é um tema de investigação que contribui para a escolha ou a rejeição de alguma coisa, ou ainda para a verdade e o conhecimento, e isso quer por si mesmo, quer como ajuda para a solução de algum outro problema do mesmo tipo. 32 Unidade II Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 Ele também considerava como primordial o conhecimento da retórica, que consiste em uma técnica relacionada à vida pública. Para ele, o discurso retórico opera no campo deliberativo, no campo judicial e no campo epidítico (demonstrativo). Saiba mais Não deixe de ler o livro O Mundo de Sofia, de Josten Gaarder, que conta de forma divertida e didática a história desses grandes filósofos gregos, além de outros também. GAARDER. J. O mundo de Sofia. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. 6 A FILOSOFIA NA IDADE MÉDIA Figura 6 – Capa da Bíblia Moralisée, 1275 (Deus criando o universo através de princípios geométricos) A filosofia da Idade Média pode ser considerada como o pensamento filosófico ocidental que preencheu o espaço entre o fim do mundo antigo, determinado pela queda do Império Romano do Ocidente (476), e pelo começo dos tempos modernos, que têm seu início a partir da conquista de Constantinopla (1453) ou do princípio da Reforma Religiosa em 1517. A essa filosofia medieval costuma-se dar o nome de filosofia escolástica, que começou mesmo no século IX. Por isso, vamos dividir a filosofia da Idade Média em dois grandes períodos – a filosofia patrística e a filosofia escolástica. Se formos traçar um perfil da filosofia medieval pelo seu conteúdo, naquilo que corresponde à sua essência espiritual, podemos conceituá-la como o pensamento filosófico ocidental que vem desde Santo Agostinho e de Anselmo de Cantuária, obedecendo ao mote: “saber para crer, crer para poder saber”. Durante esse período, a filosofia, que tem por objetivo tratar dos grandes problemas 33 Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO do mundo, do homem e de Deus só com as forças da razão, alia-se com a fé religiosa no pressuposto de uma unidade ideológica. Nela, está representado o espírito de toda essa fase da história humana e nada é mais significativo do que essa unidade espiritual. Como nunca, todos vivem na certeza da existência de Deus, da sua sabedoria, do seu poder e da sua bondade. Nesse sentido, o homem podia dizer com segurança que sabia da origem do mundo e da sua própria natureza, cheia de sentido, bem como sua essência homem e sua posição no universo, tendo em vista a significação da sua vida e a imortalidade. Enquanto na era moderna indaga-se a respeito da possibilidade da ordem e da lei, na época medieval a ordem estabelece-se como algo evidente, sendo nossa a tarefa de reconhecê-la. No início da patrística, a Idade Média encontrou seu direcionamento, que foi preservado até o final. Surge, porém, a indagação se ainda se trata de pura filosofia, quando o conhecimento não é dominante, sendo guiado pela religião. Claro, pois como tudo já estava pronto e se repetia com frequência, a filosofia não teria que solucionar qualquer tipo de problema, pois eles já estariam resolvidos no campo da fé. Nesse sentido, é com base na fé que o filósofo deve pensar, e o pensamento filosófico deve servir ao patrimônio da crença, aplicando-lhe a análise e a síntese pela ciência. Em resumo, trata-se de uma filosofia comprometida com juízos de valor preconcebidos, o que deixa um rastro de dúvida quanto à existência de uma filosofia de fato na Idade Média. Atualmente, depois das investigações de DeniEle, Ehrle, Bauemker, M. De WUlf. Grabmann, MaNdoNNet, Gilson e outros, sabemos que as realizações filosóficas pertinentes à Idade Média eram bem mais abrangentes, interessantes e também individuais do que poderíamos imaginar. Além disso, também para o homem medieval era livre o pensamento e a investigação. Mesmo sem fazer grande uso da sua liberdade, o homem da Idade Média seguiu as pressuposições e também a opinião pública. Condenar a Idade Média, alegando o fato de ela não ser “isenta de preconceitos”,é um paradoxo. Na realidade, em época alguma houve ausência de preconceitos. Porém, existe o ideal ao qual devemos perseguir por amor à verdade, o que também ocorreu na filosofia medieval, que buscou alcançar a verdade objetiva. Por isso, não devemos subestimar a Idade Média; pois, quanto mais conhecemos melhor o homem moderno na sua forma de pensar e de sentir, ele parece muitas vezes mais medieval que a própria Idade Média. Possui ainda a Idade Média algum significado do ponto de vista filosófico? Com certeza, pois ela conservou os antigos pressupostos teóricos, incluindo não apenas a ciência e a arte da antiguidade, mas também garantiu nas suas escolas a continuidade do saber filosófico. Nesse aspecto, temas tão fundamentais relativos à causalidade, à realidade, à finalidade, à universalidade, à individualidade, à sensibilidade e ao mundo fenomenal, à compreensão e à razão, à alma e ao espírito, ao mundo e a Deus foram transmitidos aos filósofos modernos pela Idade Média. 34 Unidade II Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 6.1 A Patrística Figura 7 – Santo Agostinho A filosofia cristã dos primeiros sete séculos foi denominada de patrística, por ter sido elaborada pelos padres da Igreja, considerados como os primeiros teóricos. Ela consiste no conjunto de doutrina das verdades da fé cristã e na sua defesa contra os “pagãos” e os hereges. Esse conjunto foi responsável pela defesa da fé e da criação dos costumes que decidiram os rumos da Igreja no decorrer dos sete primeiros séculos do cristianismo. A patrística também se ocupou da elucidação progressiva dos dogmas cristãos e daquilo que chamamos de Tradição Católica. Quando o ocidentalismo, para defender-se de ataques de outros povos, religiões e culturas, precisou esclarecer seus próprios dogmatismos, a pratística mostrou-se como a expressão acabada da verdade que a filosofia grega havia buscado, enquanto o próprio Deus não havia ainda encarnado. Se, por um lado, se procura interpretar o cristianismo por intermédio de conceitos tomados da filosofia grega; do outro, encontra-se o significado que esta última dá ao cristianismo. Os primeiros pensadores cristãos também se debateram com os filósofos, Platão, Aristóteles, sobretudo com os estoicos e os epicureus. Sem perder de vista os ideais da doutrina cristã, eles buscaram encontrar, frente à filosofia e aos filósofos, o local adequado da reflexão filosófica e do pensamento cristão. Vale lembrar que o cristianismo primitivo recebeu influências de vários segmentos da filosofia grega, já citados anteriormente, sem que se pudesse determinar com clareza a extensão provocada por esse contato. Costuma-se dizer que os filósofos convertidos ao cristianismo buscaram conferir à doutrina cristã um status filosófico, mas sem o cuidado de salientar as fontes filosóficas. Entre os autores que se ocuparam dessa tarefa, estão Justino, Tertuliano, Clemente de Alexandria, Orígenes, Gregório de Nazianzo, Basílio de Cesareia e Gregório de Nissa. 35 Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO Como observa Johannes Hirschberger (1966): Tratando-se de filosofia patrística, não devemos, como outrora, pensar somente nas obras de filósofos que só foram filósofos. A filosofia da patrística está antes contida nos tratados dos pastores de alma, pregadores, exegetas, teólogos, apologetas que buscam antes de tudo a exposição da sua doutrina religiosa. Mas, ao mesmo tempo, levados pela natureza das cousas e dada a ocasião, se põem a resolver problemas propriamente pertencentes à filosofia; e então, pela força do assunto, versam a metodologia filosófica. Divisão didática Podemos dividir a Patrística em três fases: • até o ano 200, ocupou-se em defender o cristianismo contra seus adversários (padres apologistas, como São Justino Mártir). • até o ano 450, consolida-se o período em que surgem as primeiras grandes teorias da filosofia cristã, como a de Santo Agostinho e a de Clemente Alexandrino, entre outros. • até o século VIII, são refeitas as doutrinas já formuladas e de cunho original. Também é possível dividir a literatura patrística em três períodos, da seguinte forma: • Período ante-niceno – corresponde ao período anterior ao Concílio Ecumênico de Niceia. Inclui todos os escritos surgidos entre o século I e o início do século IV. • Período niceno – faz menção ao período entre os anos anteriores até aqueles posteriores ao Concílio Ecumênico de Niceia. Abrange os escritos que surgiram entre o início e o fim do século IV. • Período pós-niceno – trata-se do período compreendido entre os séculos V e VIII. 6.1.1 A filosofia de Agostinho Aurélio Agostinho foi um padre que merece destaque entre os representantes do clero, da mesma forma que Tomás de Aquino se diferenciou entre os escolásticos. Enquanto Agostinho buscou inspiração na filosofia platônica, Tomás de Aquino preferiu os pensamentos de Aristóteles para elaborar a filosofia metafísica cristã. Por ser muito sensível e compreensivo, Agostinho revelou ter em si a mesma essência da patrística grega, com o caráter pragmático da patrística latina, mesmo que os problemas que o preocupassem fossem sempre de natureza prática e moral, como o mal, a liberdade e o destino. Nascido em Tagasta, na Numídia, em 354, Agostinho pertencia a uma família burguesa comandada pelo pai, que era pagão, tendo sido batizado somente antes de morrer. No entanto, a mãe era uma cristã fervorosa que influenciou muito o filho nesse aspecto. Ele foi para Cartago para aperfeiçoar seus estudos e, ao terminá-los, abriu uma escola lá mesmo. Em seguida, partiu para Roma e depois para Milão. Ele deixou de ensinar aos 32 anos, por motivo de saúde e de natureza espiritual. Após uma 36 Unidade II Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 reflexão crítica e madura das suas ideias, acabou abandonando o maniqueísmo para adotar a filosofia neoplatônica, que lhe ensinou a espiritualidade divina, bem como a negatividade do mal. Agostinho retirou-se do mundo durante meses, visando ao isolamento, na companhia da mãe, do filho e de alguns discípulos, nos arredores de Milão. Foi durante essa fase da sua vida que redigiu seus diálogos filosóficos. Logo após a conversão aos 33 anos, Agostinho deixou Milão, doou tudo o que tinha para os pobres e fundou um mosteiro em uma de suas propriedades. Foi ordenado padre em 391 e consagrado bispo em 395, tendo governado a igreja de Hipona até a morte, aos 75 anos, durante o assédio da cidade pelos vândalos em 430. Ele também de dedicou, em tempo integral, a estudar a Bíblia e a redigir suas obras, especialmente as de caráter filosófico. Entre elas, estão Contra os acadêmicos, Os solilóquios, Sobre a imortalidade da alma, Sobre a quantidade da alma, Sobre o mestre, Sobre os costumes, Do livre arbítrio, Sobre as duas almas, Da natureza do bem. De acordo com Agostinho, a filosofia poderia resolver o problema da vida, a qual apenas o cristianismo poderia dar uma solução real. Nesse sentido, seu grande interesse estava relacionado aos problemas de Deus e da alma, por serem os mais importantes. No início, ele garantiu a certeza da própria existência espiritual, de onde tirou uma verdade superior e imutável como condição e origem de toda verdade individual. Mesmo ao desvalorizar o conhecimento sensível em relação ao conhecimento intelectual, alegava que os sentidos e o intelecto consistem nas fontes de conhecimento. Como para ver algo com os olhos humanos, é necessáriaa luz física, da mesma forma, para o conhecimento intelectual, seria preciso uma luz espiritual que vem de Deus, sendo esta a Verdade e o Verbo divino, para onde são levadas as ideias do pensamento platônico. Com relação à natureza de Deus, Agostinho demonstrou uma noção exata, ortodoxa e cristã, definindo-o como um poder racional infinito, eterno, imutável, simples, espírito, pessoa, consciência. Para ele, Deus é ainda ser, saber e amor, e, no tocante às relações mundanas, Deus é concebido como criador. Vale lembrar que o pensamento clássico grego concebia uma dualidade metafísica. Já no pensamento cristão agostiniano, esse dualismo persiste, mas agora incorporando a moral e os pecados dos espíritos que se erguem contra Deus, preferindo o mundo a Ele. Portanto, no cristianismo, o mal estaria, do ponto de vista metafísico, na negação e na privação. Basicamente, Agostinho tratou do problema das relações entre Deus e o tempo, uma vez que este último é considerado uma criatura de Deus, porque passa a existir a partir da criação das coisas. Ainda é possível afirmar que a psicologia de Agostinho encontrou ressonância no seu platonismo cristão. Nesse sentido, o corpo não é mau por natureza, uma vez que a matéria não pode ser essencialmente má, por ter sido criada por Deus. No entanto, a união do corpo com a alma é acidental, pois alma e corpo não formam a unidade metafísica, substancial, da doutrina da forma e da matéria. Entretanto, demonstrou indecisão entre o criacionismo e o traducionismo, ou seja, se a alma é criada diretamente por Deus ou provém da alma dos pais. A única certeza é que ela é imortal pela sua simplicidade. Agostinho a classificou platonicamente em vegetativa, sensitiva e intelectiva; mas destacou que estão todas forjadas na substância humana. Dessa forma, a inteligência é divina em intelecto intuitivo, a razão consiste em fruto da vontade. Enquanto no homem a vontade é amor, no animal funciona como instinto, e nos seres inferiores está representada pelo apetite. 37 Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO Sem sombra de dúvida, a moral agostiniana é cristã e transcendente. A característica mais importante da sua moral está no voluntarismo, na ação própria do pensamento latino, de forma oposta ao pensamento grego. Dessa forma, a vontade não é determinada pelo intelecto, pois vem antes dele. Para a filosofia agostiniana, como a vontade é livre, pode querer o mal; pois se trata de um ser limitado, capaz de ir ao encontro da vontade de Deus. O pecado, portanto, possui em si mesmo o dado estrutural da pena da sua desordem e, como o homem não pode prejudicar Deus, acaba prejudicando a si mesmo, dilacerado pela sua natureza. A teoria agostiniana sobre a liberdade em Adão, antes do pecado original, consiste justamente em poder não pecar. Depois do pecado original cometido, está em não poder não pecar e nos bem-aventurados será não poder pecar. Exposta dessa maneira, a vontade humana parece impotente e sem graça. Já a questão da graça, que perturbava Agostinho, apresenta um interesse filosófico, uma vez que trata de conciliar a causalidade absoluta de Deus com o livre arbítrio do homem. Com relação à família, Agostinho, assim como o apóstolo Paulo, considerou o celibato superior ao matrimônio. Se o mundo terminasse por causa do celibato, ele demonstraria alegria pela passagem do tempo para a eternidade. Quanto à política, ele possui uma concepção negativa da função estatal, pois se não houvesse pecado e os homens fossem todos corretos, o Estado de nada serviria. Na visão de Agostinho, a propriedade seria de direito positivo, e não natural. Também a escravidão não seria de direito natural, e sim uma consequência do pecado original, que sempre incomodou toda a humanidade. Por não poder ser vencida de forma racional, sua essência já é corrompida, podendo ser superada apenas por meio do conformismo cristão, de quem é escravo, e da caridade, de quem é senhor. Agostinho foi profundamente perturbado pelo problema do mal, do qual fornece uma rica fenomenologia, e também por muito tempo desviado dessa questão pela solução maniqueísta, que impediu seu acesso ao justo conceito de Deus e à possibilidade da vida moral. Ele descobriu a solução para esse problema na libertação e na sua concepção filosófico-teológica, considerada como um marco fundamental entre o pensamento grego e cristão. Inicialmente, ele refutou a realidade metafísica do mal, alegando ser ela a privação do ser, da mesma forma que a escuridão consiste na ausência de luz. Essa privação é necessária em qualquer criatura que não seja Deus. Já ao mal físico, que atinge a perfeição natural dos seres, buscou explicá-lo argumentando que o contraste dos seres contribuiria para a composição harmônica do todo. No que se refere ao “mal moral”, existe de fato a má vontade que provoca livremente o mal; porém, ela não é causa eficiente, mas deficiente, sendo o mal não ser, que pode vir do homem livre e limitado e não de Deus, que é puro ser e cria apenas o ser. Como o mal moral chegou ao mundo humano pelo pecado original e atual, a humanidade foi castigada com todo tipo de sofrimento, incluindo a perda dos dons divinos. Dessa forma, o mal físico tem outra explicação mais profunda, uma vez que o mal moral foi remediado pela redenção de Cristo, Homem-Deus, que devolveu à humanidade os dons divinos, bem como a possibilidade do bem moral, mas deixou permanecer o sofrimento como consequência do pecado, como meio de purificação e expiação. 38 Unidade II Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 Para explicar o mal moral e seus desdobramentos, Agostinho atestou o fato de ser muito mais glorioso para Deus retirar o bem do mal, em vez de simplesmente impedir o mal. De maneira resumida, a doutrina agostiniana sobre o mal consiste basicamente na privação do bem ou devido a uma natureza específica. Agostinho divide em três partes a história que antecedeu a de Cristo. A primeira encontra-se relacionada à história da Cidade de Deus e da Cidade Satânica após o pecado original, até se unirem em um único mundo caótico humano, indo até a chegada de Abraão, com o começo da separação. Já na segunda parte, ele se restringre à Cidade de Deus, instalada em Israel, de Abraão até Cristo. Na terceira fase, o filósofo volta ao ponto em que tem início a história da Cidade de Deus desde seus primórdios, para tratar da mesma forma a cidade do mundo que nos leva ao Império Romano. Apesar de fragmentada, essa narrativa, na qual Satanás parece ter seu reino, representa, ao mesmo tempo, uma unidade e uma perspectiva de progresso para Cristo, sempre mais aguardado e profetizado em Israel e pelos povos pagãos, que também, de alguma forma, já preparavam a sua vinda. Após a vinda de Cristo, acabou a divisão política entre as duas cidades, e elas acabam se entrelaçando como nos primórdios da humanidade, sem ser mais uma união caótica, mas sim reformulada pela Igreja, que está acima de todas as convenções humanas na unidade dos homens com Deus. Nesse sentido, a Igreja passa a ser acessível às almas de boa vontade que dela não podem participar, indo além do mundo terreno. Como todos os predestinados se encontram na prática unidos na Igreja, a divisão final vai acontecer somente no fim dos tempos, depois da morte e do julgamento universal. Por ser uma visão unitária e teológica da história, pertence ao terreno da teologia e não da filosofia. 6.2 A Escolástica Figura 8 – Santo Agostinho A escolástica possui um significado mais limitado quando comparada às disciplinas ministradas nas escolas medievais, entre elas a gramática,a retórica e a dialética; a aritmética, a geometria, a astronomia 39 Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO e a música, embora contemple uma conotação mais ampla ao se reportar à linha filosófica adotada pela Igreja na Idade Média. Esse modo de pensar essencialmente cristão buscava respostas que justificassem a fé na doutrina ensinada pelo clero, considerado como o guardião das verdades espirituais. Essa escola filosófica prevaleceu do princípio do século IX até o final do século XVI, época que representou o declínio da era medieval, sendo a escolástica o resultado de estudos mais profundos da arte dialética, assim como a radicalização dessa prática. No início, ela foi disseminada nas catedrais e nos monastérios para depois chegar às universidades. Com isso, a filosofia da antiguidade clássica adquiriu características judaico-cristãs, já esboçadas a partir do século V, com a necessidade urgente de fazer um mergulho profundo em uma cultura espiritual que estava se desenvolvendo rapidamente, para assimilar a esses princípios religiosos uma essência filosófica capaz de introduzir o cristianismo no campo da filosofia. A partir dessas tentativas de racionalização do pensamento cristão, surgiram os dogmas católicos, que se infiltraram na mentalidade clássica dos conceitos gregos, como ‘providência’, ‘revelação divina’, ‘criação proveniente do nada’, entre tantos outros. Lembrete No período medieval, enquanto Agostinho buscou sua inspiração na filosofia platônica, Tomás de Aquino preferiu os pensamentos de Aristóteles para elaborar a filosofia metafísica cristã. A tarefa dos escolásticos consistia, portanto, em harmonizar ideais platônicos com fatores de natureza espiritual, inseridos do cristianismo vigente ocidental. Mesmo quando Aristóteles é contemplado no pensamento cristão por Tomás de Aquino, o neoplatonismo adotado pela Igreja ainda é preservado, fazendo com que a escolástica seja permanentemente atravessada por dois universos distintos, o da fé herdada da mentalidade platônica e a razão aristotélica. No caso de Agostinho, havia o clamor pelo predomínio da fé em detrimento da razão, ao passo que, em Tomás de Aquino, se acreditava na independência da esfera racional na busca de respostas mais apropriadas, embora não houvesse rejeição à primazia da fé sobre a razão. O método adotado pela Escolástica se deu por meio do ensino, fundamentado no mestre com o domínio da palavra e também no debate livre entre o professor e seu discípulo. Além disso, também houve as formas literárias e, entre elas, predominam os comentários, nascidos das discussões, dos quais se originam as summas, que permitem ao autor se ver um pouco mais livre dos textos. Uma das summas mais renomadas é a Summa Theologica de São Tomás. A Opuscula é igualmente usada pelos escolásticos, representando um caminho mais autônomo para se abordar uma questão. Vale ressaltar que a escolástica foi nitidamente influenciada pela Bíblia Sagrada, pelos filósofos da antiguidade e também pelos padres da Igreja, escritores do primeiro período do cristianismo oficial, que dominavam a fé e a santidade. Ela ainda pode ser considerada como o último período do pensamento cristão, que se estende desde o começo do século IX até o final do século XVI, abrangendo da constituição 40 Unidade II Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 do Império Romano até o final da Idade Média. Portanto, a escolástica era a filosofia ensinada nas escolas dessa época pelos professores chamados de escolásticos. As disciplinas ensinadas nas escolas medievais dividiam-se entre gramática, retórica, dialética, aritmética, geometria, astronomia e música. A escolástica veio a partir do desenvolvimento da dialética. Junto com essa instrução, ainda existe, na Idade Média, uma educação militar, ministrada por militares para militares. Também a Igreja preocupa-se no sentido de conferir ao seu sistema educacional um sentido ético, religioso e católico. Pode-se afirmar que a história da filosofia escolástica começou com o nome de João Scoto Erígena, que nasceu na Irlanda, em 874. Ele foi chamado à corte culta de Carlos, o Calvo, para presidir e ministrar aulas na escola palatina. Sua obra principal consiste Da Divisão da Natureza, dividida em cinco livros. Por apresentar características neoplatônicas, o esquema especulativo da obra traz a descida da unidade à multiplicidade, bem como o retorno da multiplicidade à unidade. A valorização conceitual das ideias, problema que tanto despertou o interesse da escolástica, foi solucionado de maneira radical no pensamento escotista. Saiba mais Leia o livro indicado a seguir, do escritor e pensador italiano Umberto Eco: ECO, U. O nome da rosa. Rio de Janeiro: Record, 2009. As soluções oferecidas pela escolástica podem ser basicamente divididas em três: a solução chamada de realismo transcendente, a solução do realismo moderado e a solução nominalista. Segundo a solução proposta pelo realismo transcendente, a ideia de uma realidade existe além da esfera mental e do objeto, consistindo na solução platônica adotada pela escolástica iniciante. Já a solução do realismo moderado traz em si uma realidade objetiva e fora do campo mental. Nesse sentido, a solução conceptualista-nominalista destaca que o universal não possui existência objetiva, mas somente mental ou nominal. Após a decadência cultural que se seguiu à renascença, começou a se manifestar nos séculos XI e XII um renascimento especulativo, incluindo a luta dos teólogos e dos místicos, contra a ciência filosófica por eles considerada um resíduo pagão e uma distração mundana contra os filósofos e os dialéticos que a cultivavam. Também é importante destacar sua posição crítica com relação à pesquisa filosófica, pois a dúvida nos leva à investigação, e a investigação nos leva à ciência. Observação “Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia” (Shakespeare). 41 Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO 6.2.1 O pensamento de Tomás de Aquino Figura 9 – São Tomás de Aquino Podemos afirmar que o tomismo ou a doutrina escolástica de Tomás de Aquino, adotada oficialmente pela Igreja Católica, caracteriza-se, principalmente, pela tentativa de conciliar a filosofia de Aristóteles com o cristianismo, desfazendo-se das doutrinas que não estavam enquadradas de acordo com os princípios aristotélicos. A obra de Tomás de Aquino pode ser dividida em partes, tratados, questões e artigos, objeções e respostas, em rigorosa ordem numérica, abordando em sua estrutura a composição do mundo feudal, separado em classes e em estamentos sociais. Como a expressão máxima do apogeu do mundo medieval, contemporânea dos castelos e das catedrais, o tomismo consiste em um manancial de ideias, em que a teologia do século XIII encontrou sua forma mais coerente e sólida de formulação. Contudo, o tomismo não foi totalmente aceito pelos escolásticos medievais, e apenas na segunda metade do século XVI foi adotado como arma de defesa e ataque da Contrarreforma da Igreja Católica. Coube a Tomás de Aquino a tarefa de mostrar a solução definitiva para o conflito existente nas relações entre a razão e a fé. Estamos falando de duas ciências, a filosofia e a teologia, sendo que a primeira baseia-se no exercício da razão humana, enquanto a segunda, na revelação divina. Apesar de serem independentes, apresentam, por vezes, os objetos de estudocomuns, como a existência de Deus, a essência da alma, entre outros. Por esse motivo, a distinção entre essas ciências tem origem mais do objeto formal, pois a teologia estuda o dogma pelo método da autoridade ou da revelação, e a filosofia o analisa pela demonstração científica ou pela razão. Portanto, teologia e filosofia não são ciências contraditórias, pois ambas procuram a verdade, e esta é uma só. Na hipótese de uma contradição entre a razão e a revelação, o erro não será jamais da teologia, mas sim da filosofia, pois nossas limitações do ponto de vista do conhecimento racional desviaram-se e não conseguiram atingir a verdade. 42 Unidade II Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 Para Tomás de Aquino, nada está na inteligência que não tenha estado antes nos sentidos, motivo pelo qual não podemos ter de Deus, de pronto, uma noção imediata. Com o objetivo de provar sua existência, Tomás procede a posteriori, ou seja, não da ideia de Deus, mas sim dos efeitos por Ele proporcionados. Dessa forma, ele utiliza o mundo sensível, cuja existência é dada pelos sentidos como ponto de partida, bem como a metafísica de Aristóteles, para demonstrar a existência de Deus de cinco modos, mais conhecidos como as famosas cinco vias: 1) A do “Movimento” – trata-se do argumento aristotélico do primeiro motor, que afirma “não ser possível admitir uma série infinita de seres que se movem, movendo por sua vez outros seres; logo, é preciso chegar a um motor que mova sem ser movido”. Portanto, o movimento existe e é uma evidência para nossos sentidos. Tudo aquilo que se move é movido por outro motor; e se esse motor, por sua vez, é movido, vai necessitar de um motor que o mova, e assim por diante de forma infinita, o que é impossível, se não houver um primeiro motor imóvel, que move sem ser movido, que é Deus. 2) A da “Concatenação das Causas” – tudo está sujeito à lei de causa e efeito. Portanto, existe uma série de causas e efeitos ao mesmo tempo. Sendo assim, torna-se impossível remontar indefinidamente na série das causas. Logo, há uma causa primeira, não causada, que é Deus. 3) A da “Contingência” – todos os seres conhecidos são finitos, pois não possuem em si próprios a razão de sua existência. São e deixam de ser. Se são todos mortais, em um prazo de tempo deixariam de ser e nada mais existiria, o que é absurdo. Portanto, os seres contingentes implicam o ser necessário, ou seja, Deus. 4) A dos “Graus de Perfeição” – todas as perfeições possuem graus, que se aproximam mais ou menos da perfeição absoluta. Deve, pois, haver um ser supremo perfeito, que é Deus. 5) A da “Ordem Universal” – todos os seres tendem para uma ordem, não de forma aleatória, mas por uma inteligência que os guia. Isso significa que há um ser inteligente que ordena a natureza e a impulsiona para seu fim. Esse ente é Deus. A partir desses conceitos, Tomás de Aquino concluiu o quanto podemos conhecer sobre a natureza e as virtudes de Deus. No entanto, observou que esse conhecimento é imperfeito, pois sabemos que “Deus é”, mas não “O que é”. Mesmo assim, podemos compreender que Deus é eterno, infinito e onipotente em suas relações com o mundo, além de ser Criador e Providência. Nesse sentido, a doutrina tomista acredita que a alma, como princípio espiritual, une-se ao corpo, como princípio material, para constituir uma substância. Dessa forma, possuem alma as plantas, sendo a “alma vegetativa” a responsável pelas funções de alimentação e reprodução. No caso dos animais, é a “alma sensitiva” que responde às funções anteriores, mais à sensação e à mobilidade. Para o homem, juntam-se todas as funções anteriores, acrescentando-se a racional. 43 Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO No que diz respeito às propriedades da alma humana, ele admite o livre-arbítrio, que é estudado sob todos seus aspectos, e os problemas dele derivados são resolvidos com seriedade e rigidez. Tomás de Aquino considera a inteligência como a faculdade mais perfeita da alma humana. Por intermédio dos seus princípios éticos, ele também adapta a doutrina de Aristóteles aos princípios cristãos. Dessa forma, a ética passa a ser o “movimento da criatura racional para Deus”, que busca a bem-aventurança e consiste na contemplação imediata de Deus. Para Tomás de Aquino, o conhecimento tem dois momentos: o sensitivo e o intelectual. O conhecimento sensitivo do objeto está fora de nós e acontece mediante a sensação, que consiste na impressão do objeto material em nossa consciência. Ela processa-se pela assimilação das sensações do sujeito com o objeto conhecido. Já o conhecimento intelectual depende do conhecimento sensitivo; mas ultrapassa-o por meio da abstração e da generalização na busca da formulação de conceitos. Considerado o maior representante da escolástica, Tomás de Aquino elaborou um sistema filosófico sintético, coerente e fundamentado em Aristóteles, reformulando, assim, todo o pensamento cristão e adquirindo plena consciência dos poderes racionais, o que permite ao cristianismo ser visto como uma filosofia. Assim, podemos atribuir a Tomás de Aquino o pensamento escolástico, bem como o pensamento patrístico, que teve seu ápice em Agostinho, repleto de elementos helenistas e neoplatônicos, incluindo a herança da revelação judaico-cristã. A ele, deve-se diretamente o pensamento helênico na sistematização do pensamento de Aristóteles, que chega a Tomás de Aquino acrescido pelas influências de outras culturas. Diferentemente do agostinianismo, e em sintonia com o pensamento aristotélico, Tomás de Aquino considerava a filosofia como uma disciplina para resolver o problema do mundo e totalmente distinta da teologia, mas sem ser oposta a ela. Pelo contrário, diversamente de Agostinho, ela estaria em harmonia com a aristotélica, por ser empírica e racional, sem intervenções divinas. Nesse contexto, o conhecimento humano passa por dois momentos, o sensível e o intelectual, e o segundo pressupõe o primeiro. O conhecimento sensível do objeto, que está fora de nós, acontece por meio da impressão da imagem, ou seja, pela forma do objeto material na alma, o que representa o objeto desprovido da matéria. Já o conhecimento intelectual observa a natureza das coisas em nível mais profundido em comparação aos sentidos humanos, sobre os quais exerce a sua função. Na forma sensível, que significa o objeto material na sua individualidade, independentemente da matéria, o inteligível, o universal e a essência estão retidos nele como potencial. Para que venha à tona, é preciso descontextualizá-lo das condições materiais. Esse procedimento pode ser feito apenas por um agente intelectual capaz de abstrair e desmaterializar o inteligível da representação sensível. Porém, esse conhecimento não possui conteúdo ideal nem conceitos, como pretendia o inatismo agostiniano. Além disso, trata-se de uma faculdade da alma individual, que não vem de fora. É importante salientar que, na filosofia de Tomás de Aquino, a espécie inteligível é o meio pelo qual a mente entende as coisas extramentais, e isso corresponde perfeitamente aos dados do conhecimento, que nos assegura conhecermos coisas e não ideias. Contudo, as coisas podem ser 44 Unidade II Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 conhecidas somente por meio das espécies e das imagens; mas sem entrar fisicamente no cérebro. Nesse aspecto, o conceito tomista de verdade encontra-se em harmonia com a concepção realistado mundo, justificando-se pela experiência prática e pela razão. Portanto, a verdade lógica encontra-se na adaptação entre a coisa e o intelecto. O indicativo pelo qual a verdade se manifesta à nossa mente está na evidência e, como muitos conhecimentos nossos não são evidentes, mas de natureza intuitiva, tornam-se verdadeiros quando levados à evidência por intermédio da prática demonstrativa. Embora a demonstração seja um processo dedutivo, os conceitos e as ideias não são inatos na mente humana, como defendia o agostinianismo, e nem sequer nas suas relações lógicas. Elas consistem no resultado fundamental da experiência humana mediante a indução, que chega à essência das coisas. A metafísica geral tem por finalidade o ser em geral, as atribuições e as leis relativas, enquanto a metafísica especial busca estudar o homem em suas grandes especificações, entre elas Deus, o espírito e o mundo. Nesse sentido, a base do tomismo está na especificação do ser em potência e ato, significando este a realidade e a perfeição, enquanto a potência representa o oposto. Nesse contexto, o princípio de potência e ato vale para qualquer realidade material, sendo o princípio da matéria aquele que interessa à cosmologia tomista. Dessa maneira, a concretização da forma em vários indivíduos, que realmente existem, depende da matéria, que representa o indivíduo no mundo concreto. Além da matéria e da forma como causas constitutivas, os seres materiais possuem duas outras causas – a eficiente e a final. A causa eficiente é responsável pelo surgimento de um ser na realidade, sintetizando aquela matéria com a forma por ela determinada. Já a causa final determina a ordem observada no universo. Em outras palavras, todo ser material existe por causa do cruzamento de quatro causas – material, formal, eficiente e final, que constituem o ser na realidade e na ordem com os demais seres vivos pertencentes ao universo. Como o princípio da vida está dentro do ser, sendo denominado de alma, possuem uma alma também as plantas e os animais. Porém, para a psicologia racional, que se ocupa com o homem, interessa somente a alma racional. A alma racional desempenha as funções da alma vegetativa e sensitiva, compreendendo e desejando; pois, na visão de Tomás de Aquino, existe uma forma só e, consequentemente, apenas uma alma para cada indivíduo. No homem, existe uma alma espiritual, unida com o corpo, que o transcende. Portanto, além das atividades já mencionadas, manifestam-se ainda atividades espirituais, como o intelecto e a vontade. A atividade intelectual, por exemplo, está direcionada para entidades imateriais, como os conceitos. No caso da vontade humana, ela é livre e indeterminada, enquanto o mundo material segue regido por leis fundamentais. Assim sendo, a vontade apresenta-se como um princípio imaterial e espiritual da alma racional, que é imortal, por ser imaterial e espiritual. Diferentemente do dualismo platônico-agostiniano, Tomás de Aquino afirma que a alma, mesmo espiritual, está junto do corpo material, que é a sua forma. Desse modo, como o corpo não pode existir sem a alma, também a alma, mesmo imortal, não pode viver em sua plenitude sem o corpo, que lhe serve como uma ferramenta crucial. Ao contrário da doutrina agostiniana, que pretendia ser Deus 45 Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 HISTÓRIA DO PENSAMENTO FILOSÓFICO conhecido imediatamente por intuição, Tomás de Aquino ressalta que Deus pode ser conhecido apenas pela demonstração sólida e racional, sem que seja necessário recorrer a argumentações a priori, mas unicamente a posteriori, partindo da experiência que, sem Ele, seria contraditória. Cinco são as provas tomistas a respeito da experiência de Deus, mas todas elas preservam em comum a evidência tanto sensível quanto racional para proceder à demonstração da lógica. A primeira é fundamental e serve de modelo para as demais, pois se fundamenta na doutrina da potência e do ato. Cada uma tem como base dois elementos sólidos que são incontestáveis. É preciso ententer que, se Deus for conhecido indiretamente só pelas provas, será muito mais limitado o nosso conhecimento da essência divina como sendo aquela que vai além do intelecto humano de forma divina. Antes de mais nada, sabemos o que Deus não é, mas conhecemos sua natureza positiva em função da doutrina da analogia, com base no fato de que o conhecimento certo de Deus deve ser realizado a partir das suas criaturas, fazendo com que o efeito tenha semelhança com a causa. A doutrina da analogia remete a Deus, às perfeições criadas positivamente, retirando as imperfeições ou toda forma de limitação. Para concluir, aquilo que conhecemos sobre Deus consiste em um conjunto complexo e incompleto de negações e de analogias. No que diz respeito à questão das relações entre Deus e o universo, o ponto de partida para solucioná-las está na ideia de criação, ou seja, na produção livre e total do mundo por parte de Deus e a partir do nada. Lembrete No período medieval, enquanto Agostinho buscou sua inspiração na filosofia platônica, Tomás de Aquino preferiu os pensamentos de Aristóteles para elaborar a filosofia metafísica cristã. Saiba mais Os filmes indicados em seguida podem propiciar uma inter-relação com os conteúdos da unidade: A ODISSÉIA. Dir. Andrei Konchalovsky. EUA; UK; Grécia; Itália; Alemanha, 1997. 176 minutos. A VILA. Dir. M. Night Shyamalan. EUA, 2004.109 minutos. ECO, U. O nome da rosa. Rio de Janeiro: Record, 2009. 46 Unidade II Re vi sã o: A nd ré ia A nd ra de - D ia gr am aç ão : L éo - 1 9/ 09 /2 01 1 // A lt er aç õe s - Re vi sã o: C ar la - D ia gr am aç ão : M ár ci o - 07 /0 2/ 20 17 Resumo A filosofia antiga pode ser dividida em três períodos: • Primeiro período: do século VII até o ano de 450 a.C., de Tales até Sócrates. Caracteriza-se pela formação ou juventude, uma vez que é durante ele que se estuda a natureza, passando a ser conhecido e chamado de Período Cosmológico. • Segundo período: de 450 a.C. até o século III d.C., de Sócrates até o ecletismo. Seu foco central está no ser humano; por isso, essa fase recebeu o nome de Período Antropológico. • Terceiro período: do século I até o século VI d.C. Por três séculos coincide com o período antropológico; mas deixa evidente a decadência da filosofia grega, e seu foco passa a ser Deus ou a união teosófica com Ele. Por essa razão, denomina-se Período Teosófico. Sócrates foi um divisor de águas na história da filosofia na Grécia Antiga, que se divide entre os filósofos pré-socráticos e pós-socráticos, tal foi sua relevância para o pensamento filosófico ocidental. Consagrado na sua época como o mais sábio e inteligente dos homens, Sócrates revelava na sua postura filosófica o quanto era importante levar o conhecimento para os gregos por meio do diálogo como forma pedagógica de transmissão de saber. Ele também acreditava que a alma humana era imortal e que teria recebido a missão do deus Apolo de alertar o homem sobre a necessidade de conhecer a si mesmo. Além disso, duvidava da possibilidade de a virtude ser ensinada, uma vez que a moral pressupõe uma questão de inspiração e não de parentesco, já que pais moralmente perfeitos podem não gerar filhos iguais a eles. Sócrates destacou ainda que suas ideias não eram próprias, mas sim de seus mestres, entre eles Pródico e Anaxágoras de Clazômenas. Chamou a atenção para a limitação da sua sabedoria e da própria ignorância, atribuindo os erros cometidos à ignorância, pois jamais assumiu ser um homem sábio. No pensamento filosófico de Platão, essa busca racional possui uma natureza mais contemplativa, o que implica a busca da verdade no interior do próprio homem como um agente participante da essência do ser. Da mesma forma que Sócrates,
Compartilhar