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Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – UFRRJ Disciplina: Química Farmacêutica e Medicinal Código: IC640 Professora: Renata Barbosa Lacerda Aulas: terça (13-17h) e quinta (10-12h) Aulas teóricas, práticas e tutoriais Aula 6 – Fatores Estruturais: Metabolismo de Fármacos SUMÁRIO: 1. Metabolismo de xenobióticos 2. Importância do estudo do metabolismo de fármacos 3. Fases do metabolismo de fármacos 4. Efeito de primeira passagem ou metabolismo pré-sistêmico 5. Metabolismo de fase I: Biotransformação 9. Metabolismo e o planejamento de fármacos 6. Metabolismo de fase II: Conjugação 7. Metabolismo e toxicidade 8. Metabolismo e quiralidade 1. Metabolismo de Xenobióticos Exposição a xenobióticos (substâncias exógenas) e.g. fármacos Os objetivos centrais das reações enzimáticas no metabolismo de xenobióticos consistem na bioinativação e na obtenção de metabólitos hidrossolúveis passíveis de excreção por via renal ou biliar. O principal sítio do metabolismo de xenobióticos é o fígado, além de outros tecidos e órgãos ricos em enzimas metabólicas, e.g. trato gastrointestinal (parede e fluidos do TGI, além das bactérias da flora intestinal), trato respiratório, rins, plasma, tecido nervoso e pele. 3 1. Metabolismo de Xenobióticos Resultados das modificações estruturais dos fármacos pelas reações metabólicas: 1. Bioinativação: Substância biologicamente ativa é convertida em metabólitos inativos. Os metabólitos obtidos devem preferencialmente apresentar características físico-químicas que permitam a eliminação adequada, um processo ideal, mas de difícil ocorrência. 2. Bioativação: Substância inativa é convertida em metabólito biologicamente ativo. No caso dos pró-fármacos, por exemplo, a ativação metabólica fornece um metabólito ativo responsável por desencadear o efeito terapêutico. 3. Toxicidade: Um xenobiótico não-tóxico, como por exemplo um fármaco, é convertido in vivo em metabólito tóxico, resultando no aparecimento de efeitos adversos e/ou tóxicos. 4 1. Metabolismo de Xenobióticos Sistema enzimático Localização Sistema CYP450 Retículo endoplasmático FAD-monooxigenase Retículo endoplasmático MAO Mitocôndria álcool/Aldeídodesidrogenase Citosol Epóxidohidrolase Retículo endoplasmático Glicuroniltransferase Retículo endoplasmático GlutationaS-transferase Citosol Sulfotransferase Citosol Acetiltransferase Citosol Metiltransferase Citosol Oxidoredutase Citosol Xantina oxidase Citosol Raramente um fármaco sobrevive à ação dos diferentes sistemas enzimáticos presentes nas células. FÁRMACOS São em geral moléculas orgânicas polifuncionalizadas, apresentando em sua grande maioria um caráter lipofílico que favoreça a absorção passiva após administração oral. A fração hepática microssomal corresponde aos fragmentos de retículos endoplasmáticos centrifugados. Esta fração do homogenato tecidual do fígado é rica em enzimas do CYP450, além de outras enzimas encontradas no retículo endoplasmático. 5 2. Importância do Estudo do Metabolismo de Fármacos Determinação do perfil de segurança: possibilidade de formação de metabólito tóxico Labilidade dos fármacos frente ao metabolismo influenciará sua capacidade de atingir o sítio de ação em quantidade suficiente para exercer o efeito biológico Determinar se os sítios farmacofóricos são vulneráveis ao metabolismo: Bioinativação Fornecer informações estruturais para o planejamento de novos fármacos: Otimização Melhoria dos parâmetros farmacocinéticos Melhoria do perfil de segurança Planejamento de pró-farmacos Deficiências nas propriedades farmacocinéticas (absorção, distribuição, metabolismo e excreção) são a principal causa de insucesso no desenvolvimento de novos fármacos ADME Variadas Eficácia limitada Toxicidade em animais Razões comerciais Efeitos adversos 6 2. Importância do Estudo do Metabolismo de Fármacos Fatores genéticos: Polimorfismo Processos metabólicos catalisados por enzimas variações entre os indivíduos Diferenças fisiológicas: Idade e estado nutricional Indução enzimática Inibição enzimática 7 2. Importância do Estudo do Metabolismo de Fármacos Fatores genéticos: Polimorfismo Variações nas complexas sequências de nucleotídeos no DNA que codificam as enzimas, as quais ocorrem na população geral de forma estável, sendo encontradas com frequência igual ou superior a de 1%, são denominadas polimorfismos genéticos. O perfil metabólico de cada indivíduo pode ser alterado por tais polimorfismos, originando diferentes fenótipos de metabolizadores: 8 2. Importância do Estudo do Metabolismo de Fármacos Indução enzimática Alguns xenobióticos são capazes de aumentar a atividade de enzimas envolvidas no metabolismo de fármacos, e.g. enzimas do sistema enzimático oxidativo citocromo P450, responsável pela grande maioria das biotransformações oxidativas. Consequências e interações medicamentosas com fármacos metabolizados pela mesma enzima: Redução ou perda do efeito farmacológico Pró-fármacos: aumento inesperado do efeito farmacológico Potencialização de efeitos adversos provenientes dos metabólitos Fenobarbital Fármaco barbitúrico empregado como anticonvulsivante Indutor de várias isoenzimas do sistema CYP450 9 2. Importância do estudo do metabolismo de fármacos Inibição enzimática Alguns xenobióticos são capazes de reduzir a atividade de enzimas envolvidas no metabolismo de fármacos, e.g. CYP450, aldeído e/ou álcool desidrogenase, colinesterases, monoaminoxidases. Consequências e interações medicamentosas com fármacos metabolizados pela mesma enzima: Aumento inesperado do efeito farmacológico Pró-fármacos: deficiência na bioinativação, com redução do efeito Potencialização de efeitos adversos provenientes de uma concentração plasmática elevada da fármaco Dissulfiram Agente terapêutico coadjuvante no tratamento do alcoolismo Inibidor da aldeído desidrogenase, envolvida no metabolismo do etanol. Acúmulo do acetaldeído, metabólito do etanol, no organismo resulta em efeitos adversos, como cefaléia, náuses e vômitos, queda da pressão arterial e taquicardia. Paciente passa a rejeitar o álcool por associação com os efeitos adversos. 10 3. Fases do Metabolismo de Fármacos Metabolismo de Fase I: Biotransformação O metabolismo de fase I compreende reações de oxidação, redução, desalquilação ou hidrólise, originando geralmente um metabólito mais polar. Objetivo: Introduzir ou desmascarar um grupo funcional polar (OH, COOH, NH2, SH), tornando o substrato mais susceptível às reações de fase II. Metabolismo de Fase II: Conjugação O metabolismo de fase II compreende reações através das quais um grupo funcional polar é mascarado por conjugação, visando o aumento da solubilidade em água para excreção ou a bioinativação. FÁRMACO METABÓLITO POLAR CONJUGADO Fase 1 Fase 2 FÁRMACO POLAR CONJUGADO Fase 2 11 Losartan Anti-hipertensivo Antagonista dos receptores de angiotensina 33% de biodisponibilidade após administração oral 4. Efeito de primeira passagem ou metabolismo pré-sistêmico Habilidade do fígado e trato gastrointestinal de metabolizar xenobióticos antes que alcancem a circulação sistêmica Envolve principalmente reações de conjugação: glicuronidação e sulfatação Fármacos contendo grupos funcionais polares são mais susceptíveis ao efeito de primeira passagem 5. Metabolismo de fase I: Biotransformação O metabolismo de fase I compreende reações de oxidação, redução, desalquilação ou hidrólise, originando geralmente um metabólito mais polar. Objetivo: Introduzir ou desmascarar um grupo funcional polar (OH, COOH, NH2, SH), tornando o substrato mais susceptível às reações de fase II. Biotransformações microssomais Biotransformações não-microssomais Oxidação pelo CYP450 Oxidação de álcoois pela álcooldesidrogenase Redução pela NADPH CYP450redutase Oxidação de aldeídos pela aldeídomesidrogenase Oxidação pelaflavina monooxigenase(FMO) Desaminaçãooxidativapela MAO β-oxidação Reduçõesnão-microssomais Hidrólises 5.1. Sistema CYP450 1. Sistema composto por diversas isoenzimas, codificadas pela superfamília de genes CYP 2. São hemeproteínas oxidativas: o grupo heme é o grupo prostético 3. Catalisam a reação de inserção de um átomo de oxigênio proveniente do oxigênio molecular na estrutura do xenobiótico: NADPH (doador de elétron) + O2 + H+ + RH NADP+ + H2O + ROH 4. Requerem a NADPH citocromo P450 redutase para transferir os elétrons do NADPH para o substrato 5. 8 isoenzimas são responsáveis pelo metabolismo de + de 90% dos fármacos 5.1. Sistema CYP450 6. São sensíveis à fatores estereoquímicos na estrutura do substrato, podendo ser observada seletividade diferencial em fármacos quirais Ex: Os enantiômeros da varfarina sofrem metabolização enantiosseletiva Varfarina Anticoagulante oral Antagonista de vitamina K Eutômero: (S)-Varfarina : 5 a 8x mais potente: CYP2C9 Distômero: (R)-Varfarina : CYP1A2, CYP2C19, CYP3A4 (S)-Varfarina (R)-Varfarina 5.1.1. Ciclo catalítico do CYP450 Mecanismo de oxidação catalisada pelo grupo heme do CYP450. * Transferidos pela NADPH CP450 redutase. 5.1.2. CYP450: Hidroxilação alifática O sítio de hidroxilação está relacionado com a estabilidade do radical formado: 5.1.3. CYP450: Hidroxilação benzílica Favorável devido à formação do radical benzílico, estabilizado por ressonância 5.1.4. CYP450: Hidroxilação alílica Favorável devido à formação do radical alílico, estabilizado por ressonância 5.1.5. CYP450: Hidroxilação α-heteroátomo Opção para tratamento de idosos e pacientes com insuficiência hepática Benzodiazepínico sedativo e ansiolítico 5.1.6. CYP450: Hidroxilação aromática A hidroxilação de sistemas aromáticos envolve a formação de intermediário lábil óxido de areno. A estabilização deste intermediário pelo sistema aromático rege a regiosseletividade da reação. Adaptado de Barreiro & Fraga, 2008 5.1.6. CYP450: Hidroxilação Aromática acetanilida paracetamol diclofenaco 5.1.7. Epoxidação Geralmente origina metabólitos tóxicos, pois os epóxidos são altamente reativos frente a bionucleófilos. Bionucleófilos: carbamazepina 5.1.8. (N,O,S)-desalquilação O-desalquilação S-desalquilação codeína morfina 6-metil-mercaptopurina mercaptopurina 5.1.8. (N,O,S)-desalquilação N-desalquilação 5.1.9. Desaminação oxidativa metanfetamina anfetamina + nicotina 5.1.10. N-oxidação nicotina 5.2. Reações microssomais de redução catalizadas pela NADPH CYP450 redutase Redução do grupo azo: Bioativação do Prontosil, primeiro pró-farmaco conhecido Redução do grupo nitro 5.3. Reações microssomais de oxidação catalisadas pela flavina-monooxigenase Catalisa reações de N-oxidação ou S-oxidação cimetidina sulindaco sulindaco - sulfona 5.4. Reações não-microssomais de oxidação 5.4.1. Oxidação de álcoois: álcool desidrogenase - Desidrogenase hepática, também presente no pulmão e rins - Principal via de metabolização do etanol - O reconhecimento dos ligantes pela enzima é sensível ao impedimento estérico álcool primário é mais susceptível Obs: Parte do etanol (≈ 1/3) é oxidado pela isoforma CYP2E1 Consumido em grandes quantidades, o etanol atua como indutor enzimático, aumentando a expressão da CYP2E1 5.4. Reações não-microssomais de oxidação 5.4.2. Oxidação de aldeídos: aldeído desidrogenase A deficiência desta enzima na população oriental, especialmente em chineses, resulta em intolerância à ingestão de etanol. Dissulfiram Agente terapêutico coadjuvante no tratamento do alcoolismo Inibidor da aldeído desidrogenase, envolvida no metabolismo do etanol. Acúmulo do acetaldeído, metabólito do etanol, no organismo resulta em efeitos adversos, como cefaléia, náuses e vômitos, queda da pressão arterial e taquicardia. Paciente passa a rejeitar o álcool por associação com os efeitos adversos. 5.4. Reações não-microssomais de oxidação 5.4.3. Monoaminooxidase (MAO): Desaminação oxidativa Obs: Aminas secundárias ou terciárias são susceptíveis à oxidação pelo CYP450 Noradrenalina 5.4. Reações não-microssomais de oxidação 5.4.4. β-oxidação Catalisam a cisão oxidativa da ligação sigma Csp3-Csp3 em cadeias alifáticas de ácidos graxos, originando bis-homólogos inferiores 5.5. Reações não-microssomais de redução Abrangem reduções de duplas ligações de alcenos, reduções de carbonila de aldeídos e cetonas, reduções de sulfóxidos e N-óxidos. Aldeídos e cetonas são em geral lipofílicos, tendendo a se acumular nos tecidos. A sua redução aos álcoois correspondentes é importante para sua eliminação. Sulindaco Metabolito bioativo 5.6. Hidrólises Reações hidrolíticas ocorrem principalmente no plasma e fígado, além de rins e outros tecidos Derivados de ácidos carboxílicos [Ésteres, amidas, carbamatos, uréias, imidas, tioamidas, ácido hidroxâmico] As hidrolases são bastante sensíveis ao impedimento estérico 5.6.1. Esterases São encontradas no plasma, no fígado e no trato gastrointestinal, além de algumas esterases com funções específicas, como a acetilcolinesterase, que catalisa a hidrólise do neurotransmissor acetilcolina no Sistema Nervoso Central As esterases plasmáticas são comumente exploradas na liberação do composto ativo contendo um grupamento ácido carboxílico: Pró-farmacos Bacampicilina pró-fármaco da ampicilina Acetilcolina 5.6.2. Amidases São encontradas no plasma e no trato gastrointestinal, onde exercem função na digestão de proteínas 5.6.3. Epóxido hidrolases Catalisam a hidrólise de epóxidos ou óxidos de areno, originando os dióis correspondentes 6. Metabolismo de fase II: Conjugação - São catalisadas por enzimas conhecias pelo termo geral de transferases Transferem uma molécula endógena altamente polar, contendo grupos funcionais ionizáveis em meio biológico, visando a eliminação renal ou na bile Transferem um grupamento metila ou acetila, visando a bioinativação - Embora as reações de metabolismo de Fase I geralmente resultem em um metabólito mais hidrofílico, na grande maioria dos casos essa modificação não é suficiente para garantir a excreção renal As reações de conjugação podem ou não ser precedidas de reações de Fase I Fármacos contendo funções lábeis à conjugação são passíveis de efeito de primeira passagem FÁRMACO METABÓLITO POLAR CONJUGADO Fase 1 Fase 2 FÁRMACO POLAR CONJUGADO Fase 2 6.1. Glicuronidação Grupos funcionais passíveis: OH, COOH, NH2, SH glicoronil transferase Exemplos: paracetamol ibuprofeno Conjugado bioformado: Vias de Glucuronidação catalisadas pelas UDP-glucuronosil transferases (UGT’s) 6.2. Sulfatação Grupos funcionais passíveis: OH, NH2 sulfotransferase Conjugado bioformado: Exemplo: paracetamol 6.3. Conjugação com a Glicina Grupo funcional passível: COOH Conjugado bioformado: Exemplo: ácido salicílico 6.4. Conjugação com o glutatião A enzima glutatião S-transferase aumenta a nucleofilicidade do grupo tiol do glutatião. O glutatião também reage não enzimaticamente com eletrófilos potencialmente tóxicos, protegendo bionucleófilos como ácidos nucléicos e proteínas. Grupo funcionais passíveis: Óxidos de areno, epóxidos, enonas, carbocátions transientes, agentes alquilantes, aceptores de Michael. glutatião S-transferase Bionucleófilos: 6.5. Acetilação Acetil CoA 6.6. Metilação Exemplo clássico: Catecol O-metil-transferase (COMT): Função biológica consiste na bioinativação do neurotransmissor adrenérgico noradrenalina, além de demais catecolaminas endógenas ou exógenas 7. Metabolismo e toxicidade Metabolismo do paracetamol: Em indivíduos com o sistema citocromo P450 induzido ou após ingestão de grandes doses, se favorece o metabolismo microssomal e o dano hepático ocorre ao esgotar-se o glutatião. Antídoto: N-acetilcisteína, precursora do glutatião Paracetamol Sulfato& glicuronídeo Iminoquinona Bioinativação Dano hepático Fase II Fase I CYP450 Glutatião Bionucleófilos 7. Metabolismo e toxicidade 8. Metabolismo e quiralidade Metabolismo do ibuprofeno: Inversão quiral unidirecional em favor do eutômero 9. Metabolismo e planejamento de fármacos 9.1. Fármacos de ação curta 9.2. Pró-fármacos: substância com nenhuma ou pouca atividade farmacológica, a qual sofrerá biotransformação a metabólitos ativos terapeuticamente BIBLIOGRAFIA Leitura complementar Barreiro, E.J.,da Silva, J.F.M., Fraga, C.A.M.1996. Noções básicas do Metabolismo de fármacos. QuímicaNova 19: 641. Coleman,M.D.HumanDrugMetabolism:anIntroduction.2aed. JohnWileySons. 2010. 345p. BARREIRO, E.J. & FRAGA, C.A.M.Química Medicinal: as bases moleculares da ação dos fármacos.2aed. ArtmedEditora. 2008. 536p. WILLIAMS, D.A. & LEMKE, T.L.Foye’sPrinciplesofMedicinalChemistry.5aed.LippincottWilliams & Wilkins. 2002. 1114p.