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Teoria Antropológica - Livro-Texto Unidade I

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Prévia do material em texto

Autora: Profa. Anna Paula Vencato
Colaboradoras: Profa. Josefa Alexandrina da Silva 
 Profa. Angélica Carlini
Teoria Antropológica
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Professora conteudista: Anna Paula Vencato
Anna Paula Vencato é professora titular da Universidade Paulista (UNIP). É assessora temática LBT da Secretaria 
Municipal de Política para as Mulheres de São Paulo e também atua como pesquisadora associada no Grupo de 
Pesquisa Quereres – Núcleo de Pesquisa em Diferenças, Gênero e Sexualidade/DS/UFSCAR. 
Possui doutorado em Antropologia pelo PPGSA/UFRJ, é mestre em Antropologia Social pelo PPGAS/UFSC e 
licenciada em Pedagogia pela FAED/UDESC. 
Foi professora dos cursos de Pedagogia da UNISUL, do Departamento de Sociologia da UFSCar e do curso de 
Pedagogia a distância do CEAD/UDESC. 
Autora de diversos artigos científicos, também publicou em 2013 o livro Sapos e Princesas: Prazer e Segredo entre 
Praticantes de Crossdressing no Brasil, pela Editora AnnaBlume.
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou 
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem 
permissão escrita da Universidade Paulista.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
V449t Vencato, Anna Paula. 
Teoria antropológica. / Anna Paula Vencato – São Paulo: UNIP, 
2015.
116 p. il.
Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e 
Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XVII, n. 2-083/15, ISSN 1517-9230.
1. Teoria antropológica. 2. Ritual e simbolismo. 3. Indivíduo. I. 
Vencato, Anna Paula. II.Título.
CDU 572 
U500.69 – 19
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Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Prof. Fábio Romeu de Carvalho
Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças
Profa. Melânia Dalla Torre
Vice-Reitora de Unidades Universitárias
Prof. Dr. Yugo Okida
Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa
Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez
Vice-Reitora de Graduação
Unip Interativa – EaD
Profa. Elisabete Brihy 
Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli
 Material Didático – EaD
 Comissão editorial: 
 Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
 Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
 Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
 Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
 Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
 Apoio:
 Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
 Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
 Projeto gráfico:
 Prof. Alexandre Ponzetto
 Revisão:
 Vitor Andrade
 Virgínia Bilatto
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Sumário
Teoria Antropológica
APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7
Unidade I
1 TROCA E RECIPROCIDADE ..............................................................................................................................9
1.1 Breve biografia de Bronislaw Malinowski .....................................................................................9
1.2 Breve biografia de Marcel Mauss ....................................................................................................9
1.3 Marcel Mauss, o simbólico e os fatos sociais totais .............................................................. 11
1.4 O ensaio sobre a dádiva ..................................................................................................................... 12
1.5 Princípios da reciprocidade em Claude Levi Strauss .............................................................. 14
1.6 Antropologia econômica ................................................................................................................... 17
1.7 Antropologia do consumo ................................................................................................................ 18
2 RITUAL E SIMBOLISMO ................................................................................................................................. 22
2.1 Rituais ....................................................................................................................................................... 22
2.2 Simbolismo.............................................................................................................................................. 24
2.3 A noção de drama social em Victor Turner ................................................................................ 24
2.4 A noção de drama em Susanne Langer ....................................................................................... 29
2.5 Performance ........................................................................................................................................... 31
3 INDIVÍDUO, CORPO E PESSOA .................................................................................................................... 35
3.1 A noção de pessoa ............................................................................................................................... 35
3.2 Pessoa e indivíduo ................................................................................................................................ 36
3.3 Corpo e técnicas corporais ............................................................................................................... 39
4 ANTROPOLOGIA DA SAÚDE E DA DOENÇA........................................................................................... 45
4.1 Cultura e saúde ..................................................................................................................................... 48
4.2 Claude Lévi-Strauss e a eficácia simbólica ................................................................................ 50
4.3 Doenças como metáforas ................................................................................................................. 51
Unidade II
5 TEMPO E ESPAÇO NA PERSPECTIVA ANTROPOLÓGICA ................................................................... 59
5.1 A noção de tempo ................................................................................................................................ 59
5.1.1 Tempo em Émile Durkheim ................................................................................................................. 59
5.1.2 Tempo em Georg Simmel .................................................................................................................... 59
5.1.3 Tempo em Norbert Elias ....................................................................................................................... 61
5.1.4 Tempo em Jeffrey Alexander .............................................................................................................. 61
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5.2 A noção de espaço ............................................................................................................................... 62
5.2.1 Espaço em Erving Goffmann ............................................................................................................. 62
5.2.2 Espaço em Anthony Giddens ............................................................................................................62
5.2.3 Espaço: autores contemporâneos e globalização ...................................................................... 63
5.2.4 Marc Augé e o debate sobre os “não-lugares” ........................................................................... 64
5.3 Determinismo geográfico e biológico e a noção de tempo e espaço ............................. 66
6 ANTROPOLOGIA EM COMUNIDADES RURAIS E MIGRAÇÕES ....................................................... 68
6.1 Culturas nacionais, identidades culturais e globalização .................................................... 68
6.2 Migrações ................................................................................................................................................ 73
6.3 Antropologia em comunidades rurais ......................................................................................... 76
7 ANTROPOLOGIA URBANA ............................................................................................................................ 77
7.1 Contextualizando a antropologia urbana .................................................................................. 77
7.2 Escola de Chicago e a antropologia urbana .............................................................................. 79
7.3 Gilberto Velho ........................................................................................................................................ 82
7.4 Etnografia na antropologia urbana .............................................................................................. 82
7.5 Marcadores sociais da diferença .................................................................................................... 88
7.6 Diferença não é o mesmo que desigualdade ............................................................................ 89
7.7 Estudos e pesquisas ............................................................................................................................. 90
8 A DIMENSÃO ÉTICA NA PESQUISA ANTROPOLÓGICA ...................................................................... 91
8.1 Ética, moral, autonomia .................................................................................................................... 91
8.2 Ética na pesquisa antropológica: aspectos gerais .................................................................. 92
8.3 Código de ética do antropólogo e da antropóloga ................................................................ 93
8.4 Subjetividade, trabalho de campo e ética .................................................................................. 98
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APRESENTAÇÃO
Esta disciplina trata da formação da antropologia social e cultural por meio do debate de temas 
centrais, que permeiam a disciplina desde sua origem até os dias atuais. Busca, portanto, apresentar ao 
aluno as vertentes do pensamento antropológico, seus métodos e principais conceitos e temas. Trata 
também do estudo das principais concepções da antropologia, tais como: troca e reciprocidade, a noção 
de pessoa, ritual e simbolismo, antropologia em contextos urbanos e rurais, migrações, saúde e doença, 
tempo e espaço e ética na pesquisa. 
O objetivo primordial do livro-texto é habilitar profissionais para o exercício da docência que sejam 
capazes de analisar e compreender a realidade social em seus múltiplos aspectos, sobretudo no tema 
mais precioso à antropologia, que é a questão das diferenças culturais, de modo não etnocêntrico. 
Nesse sentido, importa aqui formar pessoas capacitadas, que entendam a diferença como uma riqueza, 
e não como algo problemático. Perceber a diferença de modo negativo é, portanto, uma visão do senso 
comum, a qual objetivamos desconstruir. 
O presente trabalho almeja preparar profissionais éticos e competentes, com sólida formação teórica 
e metodológica na área da antropologia; busca, ainda, identificar os problemas centrais de seu âmbito 
(métodos, sistemas mágico-religiosos, processos de troca e circulação de bens etc.); incentivar a reflexão 
sobre temas atuais e clássicos na antropologia, desenvolvendo a preparação teórica na disciplina nas suas 
múltiplas dimensões; estimular a compreensão da multiplicidade cultural humana e das interligações 
entre diversos aspectos da vida social; e promover o conhecimento, o estudo e a capacidade crítica dos 
alunos a respeito das teorias antropológicas.
INTRODUÇÃO
Nesta obra vamos estudar a formação da antropologia social e cultural a partir de algumas 
temáticas importantes à disciplina. Assim, o texto se dividirá em unidades que se basearão nos assuntos 
fundamentais para sua formação. Em linhas gerais, trataremos da questão da troca e reciprocidade, 
conceitos primordiais da disciplina e entendidas como relevantes ao estabelecimento de quaisquer 
relações sociais. Ainda, discutiremos como as noções de pessoa, de indivíduo e de corpo são produzidas 
no interior de cada cultura. 
Outro tema importante destacado nesta obra refere-se à análise do ritual e do simbolismo, algo 
presente em todas as sociedades, inclusive na nossa. É crucial que, ao fim do texto, você compreenda 
que a cultura é simbólica e que os rituais são expressões de nosso sistema de crenças e hábitos.
Também avaliaremos no livro-texto temas candentes na antropologia de hoje, como a antropologia 
em contextos urbanos e rurais, as migrações, as representações sociais acerca da saúde e da doença, 
assuntos relativos à forma como diferentes sociedades lidam com o tempo e espaço (aspecto que ganha 
especial relevância em tempos de globalização) etc. Debateremos, ainda, a centralidade da ética na 
pesquisa antropológica, tanto no que concerne aos cânones da disciplina, quanto no que diz respeito 
às populações pesquisadas e seus hábitos, costumes e práticas, – sem a qual a antropologia torna-se 
inviável. 
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Este material acadêmico convida os alunos a abandonar preconceitos e compreender a ideia de que, 
para assimilar o que os outros fazem ou pensam que fazem, é preciso estudá-los a partir das lentes de 
suas culturas, e não das nossas. Convidamos, ao cabo, que prescindam de qualquer etnocentrismo, a fim 
de atingir o reconhecimento do outro e de sua cultura em toda a sua complexidade. 
Até pelo contratempo dos temas tratados neste livro-texto, é impossível esgotá-los em um único 
volume. Recomendamos que busquem fontes complementares para aprofundar seus conhecimentos 
sobre os debates apresentados.
Esperamos que este material faça que os alunos compreendam as diferenças culturais e tenham 
um olhar menos hierárquico e negativo acerca das identidades de que não compartilham e do caráter 
construído da cultura, tanto a própria como a alheia.
Bons estudos!
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TEORIA ANTROPOLÓGICA
Unidade I
1 TROCA E RECIPROCIDADE
A questão da troca e da reciprocidade tem se destacado para a antropologia desde o início da 
disciplina. Trata-se de um dos campos centrais para entender as relações entre indivíduo e sociedade, 
uma vez que a troca aparece como fundamental para a constituição e manutenção dos laços sociais. 
O grande vulto desse debate aparece na obra de diversos autores clássicos, dentre eles Bronislaw 
Malinowski, Marcel Mauss e Edward Evan Evans-Pritchard. O tema também é retomado por autores mais 
contemporâneos como Claude Lévi-Strauss, Maurice Godelier e Marshall Sahlins. No caso de Godelier 
e Sahlins, aparece como objeto principal no desenvolvimento da chamada antropologia econômica. 
Alguns dos fenômenos estudados sobre a reciprocidadenas sociedades não ocidentais são o kula, o 
potlatch, a regra da proibição do incesto e a mercadoria como símbolo, dádiva ou coisa sagrada.
1.1 Breve biografia de Bronislaw Malinowski 
Bronislaw Kasper Malinowski nasceu na Polônia em 1884. Faleceu nos EUA em 1942. Apesar de 
polonês, é costumeiramente referido como antropólogo britânico de origem polonesa. Sua formação 
original era em Física, passando mais tarde a estudar Economia e, posteriormente, dedicou-se ao estudo 
e ensino de Antropologia na London School of Economics, na Inglaterra. 
Considerado um pai do funcionalismo na antropologia, assim como da antropologia social, buscava 
compreender as instituições sociais em razão da satisfação das necessidades coletivas. Para ele, cada 
sociedade era um sistema fechado e coerente. Nesse sentido, refutava o evolucionismo como vertente 
teórica que poderia explicar a vida social. Isso porque, para o evolucionismo, haveria sociedades mais e 
menos evoluídas. Contudo, as mais atrasadas ainda não haviam alcançado o estádio de civilização das mais 
evoluídas. Dentro da perspectiva de Malinowski, essa linha de comparação não teria como ser efetivada, 
considerando sua ideia de que a sociedade funcionaria como um sistema fechado em si mesmo. 
Uma de suas principais contribuições à antropologia foi estabelecer a importância do trabalho de 
campo e do rigor científico nas observações empreendidas neste modelo de pesquisa. Foi o primeiro 
antropólogo a atuar efetivamente em campo. Defendia que, para compreender totalmente a cultura do 
povo estudado, era fundamental conviver diretamente com ele durante um extenso período de tempo. 
Sua obra mais famosa, Os Argonautas do Pacífico Ocidental, é fruto de extensa etnografia realizada 
dentre os aborígenes das Ilhas Trobriand (Papua Nova Guiné), publicada em 1922.
1.2 Breve biografia de Marcel Mauss 
Marcel Mauss (1872-1950) nasceu na França. Sobrinho de Émile Durkheim (1858-1917), a quem se 
tributa a fundação do que mais tarde foi chamado de Escola Sociológica Francesa e que, além disso, havia 
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Unidade I
sido responsável pela consolidação da sociologia como disciplina científica, Mauss também participou 
da gênese desta escola. No Brasil, ele é mais reconhecido como antropólogo e etnólogo, muito embora 
também tenha, como o tio, trabalhado no campo da sociologia, que ajudou a difundir.
Mauss pertenceu ao grupo de estudantes formados por Durkheim, que contemplavam tanto estudos 
na área de Sociologia como Etnologia. Dessa equipe, todos foram recrutados ao campo de batalha 
durante a Primeira Guerra Mundial, e apenas Mauss retorna vivo do conflito. Por essa razão, diz-se 
que ele buscou abarcar uma série de temáticas em seu trabalho, em uma espécie de continuidade e 
homenagem póstuma aos colegas que faleceram em combate. 
De acordo com N. J. Allen (1985), Mauss tinha como preocupação principal organizar a sociologia 
como ciência, constituir-lhe um campo, continuando o projeto de seu tio, Émile Durkheim. Note-se que, 
naquela época, a ideia de antropologia como uma disciplina separada da sociologia ainda não havia se 
estabelecido. Sua intenção era ampliar as áreas em que a sociologia pudesse atuar (sendo que cada um 
de seus textos acaba por inaugurar uma nova categoria, um novo campo). Por esse motivo, seus escritos 
publicados (em grande parte conferências que proferiu), não saíram da teoria.
Vale ressaltar, contudo, que muitas das ideias desse grupo foram publicadas no Année Sociologique 
(Anais de Sociologia), periódico científico de que Durkheim era editor. Mauss também publicou grande 
parte de seus textos e trabalhou lá como editor após a morte do tio. 
Lecionou História das religiões dos povos não civilizados na École Pratique des Hautes Études e 
colaborou na fundação do Instituto de Etnologia da Universidade de Paris (1925). Mais tarde, foi eleito 
para a cadeira de Sociologia do prestigioso Collège de France (1930). 
Além de acadêmico, Mauss também militou ao longo da vida no partido de Jean Léon Jaurès 
(1859-1914), filósofo e político e um dos mais proeminentes líderes do movimento socialista francês, de 
quem foi amigo pessoal e também colaborador. 
A principal contribuição de Mauss para o desenvolvimento das Ciências Sociais foi transformar 
as noções de troca e de reciprocidade como fundamentais para a antropologia social. Para o autor, a 
troca constitui o cerne de um sistema em que a reciprocidade, apesar de gratuita (não comercial), é, na 
prática, obrigatória. Esta ideia torna-se fundamental em diversos trabalhos posteriores na área, tanto da 
Escola Francesa quanto de outras escolas de antropologia. As teorias de Marcel Mauss estão divididas 
em diversas obras, embora se reconheça a importância de Ensaio sobre a Dádiva (1925). 
A dimensão simbólica da experiência é tema central para as Ciências Sociais, dentre elas a antropologia, 
que considera muito interessante que se compreenda e observe, na interação social, os significados 
particulares que o indivíduo traz para as interações e, de modo inverso e concomitante, os significados 
particulares que este interpreta a partir da interação. Assim, é nas relações com outras pessoas que 
construímos os significados das coisas que vemos, pensamos e vivemos, e nossa interpretação dessas 
coisas é, ao mesmo tempo, devolvida para a interação e ajuda a construí-los. Podemos dizer que a 
formação do significado de gestos, gostos, ideias etc. são sempre criados a partir de nossas relações com 
as pessoas.
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TEORIA ANTROPOLÓGICA
Voltando à noção de fatos sociais totais, para Mauss, estes são expressos em todas as dimensões 
da vida social. Por isso, estão relacionadas a eles diversas coisas, como as instituições religiosas, jurídicas, 
morais, econômicas e os fenômenos estéticos e morfológicos. Para o autor, os fatos sociais totais dizem 
respeito a um amplo conjunto de fatos que se relacionam de maneira complexa. Nesses fenômenos, em 
suas palavras, 
[...] tudo se mistura, tudo o que constitui a vida propriamente social das 
sociedades que precederam as nossas – até as da proto-história. Nesses 
fenômenos sociais ‘totais’, como nos propomos chamá-los, exprimem-se, 
ao mesmo tempo e de uma só vez, toda espécie de instituições: religiosas, 
jurídicas e morais – estas políticas e familiais ao mesmo tempo; econômicas 
– supondo formas particulares de produção e de consumo, ou antes, de 
prestação e de distribuição, sem contar os fenômenos estéticos nos quais 
desembocam tais fatos e os fenômenos morfológicos que manifestam estas 
instituições (MAUSS, 1974, p. 41).
Em outras palavras, para o autor, fatos sociais totais são aqueles fenômenos que em sua própria 
estrutura ou em suas relações e determinações acontecem e fazem parte de forma simultânea em vários 
níveis da realidade social. Por exemplo, Mauss pensava o método etnográfico como um “museu de fatos” 
e jamais foi a campo e/ou realizou uma pesquisa que contemplasse a observação participante. Era, pois, 
um “etnógrafo de gabinete”, já que suas análises eram feitas a partir de relatos de outras pessoas – 
informações de viajantes ou missionários, na maior parte dos casos. 
O fato de Mauss não ter coletado ele mesmo seus dados de pesquisa não invalida seu trabalho. Ele 
ainda é reconhecido como pioneiro e tem fundamental importância para o posterior desenvolvimento 
da antropologia. No Instituto de Etnologia, em seu concorrido curso sobre etnografia, o autor recebeu 
como alunos diversos antropólogos, e alguns deles se tornariam proeminentes no campo desta ciência, 
como Roger Bastide, Louis Dumont e Claude Lévi-Strauss, entre outros, formandoos primeiros etnógrafos 
da antropologia francesa.
 Saiba mais
Para saber mais sobre a biografia de Marcel Mauss, leia o artigo: 
FOURNIER, M. Para reescrever a biografia de Marcel Mauss... Revista 
Brasileira de Ciências Sociais, v. 18, n. 52, jun. 2003. Disponível em: <http://
www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010269092003000200
00&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 24 nov. 2014. 
1.3 Marcel Mauss, o simbólico e os fatos sociais totais 
Quando estudamos os conteúdos, preocupações teóricas e metodológicas, conceitos etc. de qualquer 
uma das disciplinas das Ciências Sociais, estamos analisando a vida social e os fenômenos sociais. Isso 
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Unidade I
não quer dizer que outros aspectos da vida das pessoas e da sociedade, como a dimensão biológica ou 
psicológica, sejam descartadas como expressões da realidade de todos nós. 
O que se quer estabelecer aqui é que os fenômenos sociais são o objeto central de análise das Ciências 
Sociais, uma vez que estas estudam todos aqueles fenômenos que são ligados à vida dos indivíduos 
em sociedade. São consideradas disciplinas das Ciências Sociais: Antropologia, Ciências Políticas e a 
Sociologia. Há quem inclua nessa lista a Geografia, a História e a Economia.
Um fenômeno social diz respeito a alguns tipos de fatos que possuem características comuns. O 
conceito de fato social total indica, nesse contexto, que o que caracteriza tais ocorrências é justamente 
a multiplicidade de perspectivas a eles relacionados. Para Mauss, o fato social total diz respeito, portanto, 
às experiências dos atores sociais, e estas não podem ser reduzidas a uma única dimensão do real. Dessa 
forma, suas implicações permeiam os mais diferentes níveis da vida em sociedade. Isso quer dizer que, 
para o autor, o real social é, ao mesmo tempo, único e pluridimensional. 
A noção de fato social total em Mauss parte da concepção de Durkheim, que os interpreta como 
“coisas” (ou seja, objetos a serem estudados). Mauss soma ao conceito de fato social o aspecto simbólico, 
dando a ele maior amplitude. 
Isso significa que, ao analisarmos um fenômeno social e suas causas, devemos estudá-lo de forma 
geral, e não como um fato isolado. Como exemplo, podemos pensar acerca da questão da violência 
urbana, que está no cerne do debate público no Brasil contemporâneo. Podemos destacar nas causas 
imediatas da violência, refletir sobre sua origem como sintomática da “maldade” do outro ou apenas 
em relação ao episódio específico em que se desenrolou. Ou seja, parcialmente, buscar explicações e 
sentidos para ela. 
Contudo, cabe ao cientista social, dentro da proposta de Mauss, ir além de um ou outro fato isolado. 
Nesse contexto, tal profissional deve compreender tal fenômeno em sua totalidade – buscar todas as 
suas origens e causas no interior da vida social – e não apenas a partir de uma única perspectiva para 
analisá-la.
Um dos fatos sociais totais para Mauss é a dádiva. Para o autor, ela é um fator fundamental para 
pensar a aliança entre pessoas e grupos e, por consequência, a formação dos laços sociais.
1.4 O ensaio sobre a dádiva
Marcel Mauss nunca foi a campo. Sua obra Ensaio sobre a Dádiva foi publicada pouco após Malinowski 
lançar Os Argonautas do Pacífico Ocidental, monografia que podemos compreender como pioneira da 
tradição da pesquisa de campo na antropologia. 
A tese central desse ensaio de Mauss defende que a dádiva é fundamento para toda a sociabilidade 
e comunicação humanas. Ele também argumenta que ela está presente nas mais diversas sociedades, 
capitalistas ou não capitalistas. Para o pesquisador, a aliança, na vida social, é dependente da dádiva. 
Assim, das alianças matrimoniais ou aquelas políticas, as religiosas, dentre outras, são marcadas pela 
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TEORIA ANTROPOLÓGICA
dádiva. Podemos elencar ainda as trocas econômicas, jurídicas e diplomáticas. No caso destas últimas, 
podem ser compreendidas na chave da diplomacia internacional e também nas relações pessoais de 
hospitalidade mútua.
No caso das trocas políticas, os apoios para obter cargos ou outros favores oportunos também 
constituem aliança. Se pensarmos no pleito eleitoral, a coligação entre partidos é um ótimo exemplo 
desse processo. No caso religioso, a oferta sacrificial para um deus, ou mesmo a oração, são modos de 
estabelecer relações com a divindade a que se presta tributo. Se considerarmos o matrimônio, podemos 
vislumbrar que, de fato, duas famílias, a partir da troca de seus filhos, formam uma aliança entre si. 
Para prosseguir nosso estudo, é preciso destacar alguns conceitos importantes:
Kula, circuito kula ou intercâmbio kula: é um sistema de trocas tradicional baseado em princípios 
de reciprocidade. Foi estudado por Malinowski quando esteve nas Ilhas Trobriand. Essas trocas, não 
comerciais e de caráter não utilitarista, são sustentadas pelo escambo de conchas. Nelas, cada uma das 
populações envolvidas comuta colares ou braceletes de conchas, que perpassam um extenso sistema 
de trocas entre pessoas e grupos sociais. Esse percurso pode durar até cinco anos. A lógica do sistema 
é simples: os artefatos feitos com conchas são trocados por outros, sempre equivalentes. De qualquer 
modo, vale mencionar que são objetos que não são adquiridos para serem usados. A resposta dada por 
Malinowski vem da comparação com a coroa de reis e rainhas: embora sejam artigos que não tenham 
valor, sejam inúteis do ponto de vista econômico-pragmático, eles revestem-se de valor ao trazerem 
prestígio aos seus donos. Assim, longe de ser uma troca econômica ou comercial, o kula representa um 
sistema de obtenção de status e renome mediado pelas trocas materiais (COELHO, 2006).
Potlach: Marcel Mauss sistematizou a ideia de potlach, conceito oriundo de Ensaio sobre a Dádiva. 
Embora seja uma cerimônia, possui caráter festivo. Nela, um chefe tribal oferece a um rival uma enorme 
quantia de riquezas de forma ostensiva. O intuito é humilhá-lo ou desafiá-lo. O adversário, para apagar 
a afronta e contrariar o desafio, tem a obrigação moral de aceitar o dom. Este ato dá origem a outro 
potlatch, com maior importância que o primeiro, e quem faz a oferta deve fazê-la de forma mais 
generosa do que o desafiante anterior. O potlach pode ser realizado em diversas cerimônias, como 
casamentos e funerais, e assume formas variadas em contextos diferentes e de acordo com o lugar de 
importância daquela pessoa que o organiza. Paradoxalmente, o potlatch é ao mesmo tempo perda e 
aquisição. Por isso, é também percebido como sacrificial, pois em alguns contextos envolve também a 
destruição de muitas coisas. O potlach gera um sistema de obrigações que envolvem sempre o dom de 
dar, a obrigação de receber e a obrigação de retribuir. A retribuição é, ao cabo, uma nova dádiva, que 
gera uma nova obrigação de receber e um novo encargo de retribuir, que vai gerando, sucessivamente, 
novas dádivas e obrigações.
O conceito da dádiva, da troca, parte sempre da ideia contida na sentença: “Um presente dado espera 
sempre um presente de volta”. Nesse sentido, para compreender a dádiva e o sistema de trocas, é preciso 
primeiro compreendê-lo como um complexo sistema de prestação e contraprestação. A dádiva não 
existe apenas como simples comutação de presentes. De fato, o que ocorre é que ela institui uma rede de 
reciprocidade, traduzida nos termos: o dom de dar, a obrigação de receber e a obrigação de retribuir. Esta 
retribuição, por sua vez, gera uma nova necessidade de contraprestação, em que a outra parte também 
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tem a obrigação de receber e retribuir. Por ser um sistema de prestação e contraprestação praticamente 
infindável, acaba por instituir vínculos entre aquelas pessoas que participam desse sistema. Me geral, a 
recusa em continuar a fazer parte desse processo macula a perpetuação da aliança ou, dependendo do 
que está em jogo, gera uma cisão absoluta. Ainda, nessa organização de prestações, o que é retribuído 
deve ter um valor simbólico equivalente ao que foi recebido.
Mesmo que tenha caráter voluntário e aparentemente livre e gratuito, a participação nesse sistema 
de prestações é, na verdade, obrigatório e interessado. 
 Lembrete
Mauss não fala exatamente da noção de reciprocidade, embora seja 
fundante do princípio da troca. Para ele, a dádiva não diz respeito a trocas 
mercantis.
1.5 Princípios da reciprocidade em Claude Levi Strauss
Para Lévi-Strauss, a reciprocidade é uma característica primordial das sociedades primitivas, mas 
não apenas delas. Para o autor, ela também é encontrada nas mais variadas instâncias das sociedades 
ocidentais e contemporâneas, assim como nas demais. A reciprocidade é um dos elementos que 
constituem a troca. Suas leis não se estendem apenas a objetos, mas também aos bens e às mulheres. 
Assim, usa a metáfora do casamento para falar como a comuta de mulheres para este fim cria alianças 
entre as famílias.
Uma das questões inerentes à troca e que permeiam o casamento é a questão do incesto. O tabu 
do incesto, universal na perspectiva do autor, é uma forma de limitar as possibilidades das trocas 
matrimoniais e garantir a exogamia. Ou seja, garante a chance de se casar “para fora” do grupo familiar 
e, com isso, que se cumpra o papel do casamento, que é estabelecer alianças entre grupos familiares 
distintos. É importante destacar que o que define incesto é o parentesco, e não a consanguinidade. Esse 
tabu é muito anterior ao advento da genética e, nesse sentido, extrapola os limites da consanguinidade, 
tanto que filhos adotivos são submetidos às mesmas restrições que os filhos nascidos por meio da 
relação conjugal. 
 Observação
Endogamia é o sistema em que os casamentos ou alianças matrimoniais 
se dão entre indivíduos que são do mesmo grupo familiar, que compartilham 
da mesma ascendência.
De acordo com Lévi-Strauss, a mulher tem papel fundamental na união entre duas linhagens, entre 
duas famílias que não tenham laços entre si. Assim, com o casamento, a criação deste laço social é 
possível, pois há a troca de mulheres. E essa troca tem importância equivalente no casamento/aliança ao 
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da moeda no estabelecimento de trocas comerciais/econômicas. Em vez de perceber a exogamia como 
uma regra negativa, o autor a encara como um reconhecimento da importância de se criar alianças e 
laços com outros grupos para além da própria família. 
Leia o excerto da entrevista com a antropóloga francesa Françoise Héritier, realizada em razão da 
publicação comemorativa do centésimo aniversário de Claude Lévi-Strauss. Héritier foi aluna do autor e 
o sucedeu no Collège de France após sua aposentadoria.
La Lettre: Ao entrar no Collège de France no momento em que Claude Lévi-Strauss saía, 
a senhora de certo modo o sucedeu. Como se deu essa sucessão? Que relações mantinha 
com ele?
Françoise Héritier: Convém falar mais de uma sucessão intelectual, pois, por um lado, 
do ponto de vista institucional, as cadeiras do Collège de France não têm sucessão, e, por 
outro, quando fui eleita para o Collège, em 1981, Lévi-Strauss ainda era o titular da sua.
A passagem se deu bem, primeiro porque, de certo modo, o próprio Lévi-Strauss havia 
me escolhido: entre os pretendentes possíveis, eu era certamente quem melhor correspondia 
às suas preocupações teóricas, sobretudo no domínio do parentesco, que fora o seu grande 
tema de pesquisa. Além disso, tenho muito respeito e admiração pela obra, e, pelo homem, 
uma grande afeição e uma amizade que nunca variaram desde que o conheço.
Isso não quer dizer que mantivéssemos relações privilegiadas ou uma comunicação mais 
íntima: Claude Lévi-Strauss é uma pessoa reservada e mesmo bastante distante, austera 
– pelo menos é a imagem que passa e à qual correspondeu cada vez mais com o avanço 
da idade. Sei que ele apreciava alguns dos meus trabalhos, mas não estou certa de que 
aprovasse do mesmo modo alguns dos mais recentes, em particular sobre a relação de 
gênero e a relação de sexo.
Lévi-Strauss sabia que existe uma desigualdade nas relações entre os sexos e a analisa na 
relação irmão/irmã, mas não fez dela um motor essencial dos modelos que estabeleceu para 
compreender o fato social. Ele mostrou como a criação do social se originou da necessidade, 
para os grupos humanos, de sobreviver, e assim de encontrar modos de coexistência pacífica 
em longo prazo, o que é a condição essencial dos acordos de troca matrimonial com os 
outros grupos. O estabelecimento dessas trocas levou à proibição do incesto, que exige para 
um homem não mais tomar suas esposas no próprio grupo, mas trocar as irmãs ou as filhas 
por mulheres provenientes de outros grupos. Proibição do incesto e exogamia subsequente 
induzem outras obrigações. É necessário, em particular, estabilizar as trocas, o que impõe 
a união institucional entre grupos – que chamamos tradicionalmente o casamento – e 
a repartição sexual das tarefas entre os cônjuges. Esses quatro elementos representam o 
modelo lévi-straussiano da criação do vínculo social. Para Lévi-Strauss, essa repartição 
sexual das tarefas, no interior do casamento que une grupos, é a maneira de consolidar a 
relação de dependência entre um homem e uma mulher unidos por esses laços em razão 
da vontade do seu grupo. Ao fazê-los dependentes um do outro na materialidade da vida 
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doméstica e pela repartição sexual das tarefas, torna-se duradouro o casamento entre 
grupos, que é a marca oficial da exogamia, a qual decorre da proibição do incesto e da 
absoluta necessidade de estabelecer a paz.
Esse modelo possui grande verossimilhança em relação à multiplicidade das sociedades 
humanas. Ele recebeu, porém, objeções: por exemplo, de que o casamento não é uma 
consequência absoluta da exogamia, de que a troca talvez não seja a base do social, mas os 
exemplos fornecidos em apoio a essas críticas nunca foram bastante convincentes. Penso 
numa tribo na China, sobre a qual o próprio Lévi-Strauss (2000) mostrou, num número 
especial de L’Homme dedicado às questões do parentesco, que ela representa apenas um dos 
pontos extremos de um vetor que leva da matrilinearidade mais extrema à patrilinearidade 
mais extrema. Teoricamente, ali o casamento não existe e a paternidade não é reconhecida. 
Mas isso não quer dizer que não haja união estável entre um homem e uma mulher, nem 
mesmo paternidade sensível e ostensiva entre um homem e os filhos. Sobre a população 
em questão, os Na, descobri recentemente uma observação interessante num livro que me 
enviaram. Não é um livro científico, mas a autobiografia de uma cantora de ópera originária 
dessa etnia Na. Ela relata sua infância e juventude nessa sociedade de mulheres, da qual 
os homens partiam para fazer comércio e viagens de longo curso, voltando de tempo em 
tempo. Conta sua alegria de correr ao encontro do “pai” quando ele retornava de viagem 
e a felicidade compartilhada do reencontro. É evidente que ela sabia muito bem que era 
seu pai, mesmo não tendo havido cerimônia “oficial” durante a qual uma mulher teria sido 
dada em casamento a um homem e mesmo não havendo residência comum permanente. 
A mãe mostrava osmesmos sentimentos. Tratava-se de ligações menos formais, mas havia 
algo que correspondia de fato ao resultado da união entre um homem e uma mulher com 
sua descendência.
Apesar disso, as explicações de Lévi-Strauss sobre a repartição sexual das tarefas não me 
pareciam inteiramente satisfatórias. Aos poucos fui vendo que faltava nessa argumentação 
uma peça fundamental. Se, de fato, os grupos eram obrigados a se entender para sobreviver 
e a contrair alianças matrimoniais em vez de se matar entre si, e se isso se traduz em 
toda parte pelo fato de serem os homens que trocam mulheres, e não o inverso, é que já 
havia, desde o início, uma desigualdade e um direito reconhecido a esses pais e a esses 
irmãos de disporem do corpo de suas filhas e de suas irmãs. Vejo aí o quarto pilar das 
sociedades humanas – sendo os outros três, no esquema de Lévi-Strauss, a proibição do 
incesto, a exogamia e a instauração de uma lei oficial que une entre si as famílias e as 
linhagens e a repartição sexual das tarefas. Esse quarto pilar está na origem da repartição 
sexual das tarefas e dá à “valência diferencial dos sexos” uma importância bem maior que 
a que Lévi-Strauss lhe dava. De minha parte, aliás, dou à valência diferencial dos sexos o 
papel decisivo. Sobre esse ponto é provável que estivéssemos em desacordo. Assim, não me 
proíbo de ter um olhar crítico, mas construtivo, sobre a obra de Lévi-Strauss. Considero sua 
obra essencial e nela me apoiei para o meu próprio trabalho. Pode-se debater ao infinito 
sobre o caráter estruturalista, positivista ou humanista da obra, mas não se pode negar a 
fecundidade desse pensamento.
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La Lettre: Essa diferença de sensibilidade às questões ligadas às diferenças dos sexos se 
deve a um efeito de geração?
FH: Certamente. Lévi-Strauss é um homem do seu tempo. De certa maneira, ele considera que 
essa repartição das tarefas é boa e que é normal, já que as mulheres procriam, que elas devam se 
ocupar dos filhos, do lar etc. Isso não coloca problema para ele. Não se trata de cegueira – se há um 
homem de quem não se pode suspeitar de cegueira, é ele. Trata-se antes de ratificar uma situação 
que ele considera como natural. Sobre esse ponto, ele não foi impelido intelectualmente a levar 
adiante a análise como eu fiz. Pode-se dizer que é porque sou mulher, mas acho mais razoável 
pensar que é porque sou de outra época e sensível a situações percebidas mais recentemente. 
Além disso, eu tinha necessidade de uma coerência global e não estava satisfeita com a ideia da 
repartição sexual das tarefas como complemento necessário para tornar os esposos dependentes 
um do outro, obrigando, assim, os casais a ficarem juntos e a não confundirem as linhagens que 
haviam organizado a união sobre a qual repousava a paz entre as tribos. Resolvi então examinar 
um pouco mais longe.
Fonte: Marc Kirsch (2009).
 Observação
Exogamia refere-se ao casamento de um indivíduo com um membro 
de outro grupo, estranho ou diferente, daquele do qual faz parte.
1.6 Antropologia econômica
O diálogo entre economia e antropologia não é simples e sem resistências. Em geral, é comum que 
economistas queiram manter o debate sobre este aspecto da vida em sociedade restrito a esta área. 
De qualquer modo, a antropologia pode contribuir para o debate econômico ofertando à economia 
uma análise mais aprofundada das mudanças culturais e como elas podem impactar as instituições 
econômicas e seus funcionamentos dentro da sociedade em diversos contextos.
De certo modo, podemos dizer que se trata tanto de um ramo da antropologia quanto da economia, 
que busca compreender como funcionam, relacionam-se e evoluem ou mudam (dependendo da 
perspectiva teórica adotada) os sistemas econômicos das sociedades não ocidentais (“primitivas”, no 
caso de análises evolucionistas). Mas não se restringe a pensar as sociedades não ocidentais, uma vez 
que percebe que no capitalismo industrial é possível notar a presença de elementos existentes em 
outros modos de organização cultural. Por outro lado, também objetiva compreender as mudanças que 
os modos de produção e industrialização capitalistas instituem nas mais diversas sociedades existentes 
no mundo. É fato que há uma notória expansão do capitalismo mundo afora. 
Hoje, podemos dizer, é praticamente improvável encontrarmos uma sociedade que não participa 
de trocas econômicas globais ou não consome/produz bens industrializados. Caberia à antropologia, 
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nesse contexto, entender como a economia capitalista afeta e modifica as sociedades não ocidentais 
ao mesmo tempo que incorpora elementos delas; estes, então, são modificados por elementos dessas 
sociedades, adquirindo contornos particulares em sociedades distintas. Ao cabo, permite compreender 
como se estabelecem relações entre centro e periferia, desenvolvimento e subdesenvolvimento e a 
produção de regiões legitimadas e marginalizadas no mundo.
A antropologia tem levantado e organizado dados sobre os modos de produção, das estruturas de 
funcionamento da economia de cada sociedade e das motivações que cada agrupamento tem para este 
funcionamento, passando por motivações de ordens diversas, como as psicológicas, sociais e políticas. 
Faz isso, sobretudo, ao falar sobre as economias das sociedades não capitalistas (caçadores, coletores, 
baseadas na horticultura), passando por aquelas que têm economias agrícolas regulamentadas 
por poderes centrais e atingindo até os agrupamentos industriais e capitalistas. Além disso, fornece 
elementos para a produção de uma compreensão da economia que vá além do sistema de trocas, 
o qual é evidenciado por meio do valor econômico daquilo que se troca. Isso quer dizer que busca 
compreender também as razões pelas quais se estabelece a troca e os significados que ela tem em 
contextos específicos. Podemos dizer, aqui, que vai além de um sentido utilitarista do uso, da troca e da 
economia buscando os valores sociais e culturais subjacentes a cada troca comercial ou não comercial. 
Embasados nessas questões, podemos definir a antropologia econômica como um campo disciplinar 
que importa tanto a economistas quanto a antropólogos. Se aos primeiros oferece diversos dados 
acerca das dimensões econômicas nas diferentes culturas, para os outros apresenta um panorama das 
mudanças culturais e como elas impactam as instituições econômicas. 
1.7 Antropologia do consumo
Atualmente, podemos afirmar que boa parte do que somos é definido pelo nosso potencial de consumo. 
Assim, aquilo que podemos adquirir e exibir define muito de nossas imagens públicas e nossos acessos à vida 
social. Essas afirmações podem ter impactos diversos e causar admiração, mas fazem sentido se pensarmos 
criticamente na sociedade contemporânea. É perceptível que o sistema capitalista introduziu uma nova 
ordem social no mundo atual. Também é notório que todas as pessoas que vivem em sociedades capitalistas, 
de um modo ou de outro, incorporaram o modo de agir e pensar dessa nova ordem.
De qualquer maneira, é preciso evitar uma visão utilitarista do consumo, em que prevalece o viés 
econômico. O diálogo antropológico acerca do consumo busca dar ênfase ao significado cultural 
deste fenômeno e nas práticas de consumo que se constituem na vida em sociedade em diferentes 
agrupamentos humanos. Isso quer dizer que o consumo deve ser interpretado para além da tendência 
da individualidade – traduzida pela ideia de “gosto pessoal” ou “escolha individual” – e deve ser visto 
como algo mais amplo, necessariamente intrincado aos significados estabelecidos no interior da cultura. 
Isso implica observarque ao optarmos pela compra de determinada marca de sabão em pó, por 
exemplo, estamos comprando mais do que um produto de limpeza que tem um efeito específico. 
Estamos adquirindo uma mercadoria que possui uma marca que é legitimada ou não nas relações 
sociais. Muitas vezes o sentido da marca do produto de limpeza que utilizamos é dado pela troca de 
experiências familiares, – a recomendação da mãe ou da avó –, ou pela publicidade do produto, em que 
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se criam artefatos com um significado de maior ou menor qualidade, de acordo com a imagem que 
a peça publicitária consegue comunicar por meio do acionamento de elementos culturais que fazem 
sentido ao grupo social que a assiste. A antropologia do consumo vai, portanto, além do sentido de uma 
escolha racional ao consumirmos; busca compreender as relações sociais e culturais mais amplas que 
estão imbricadas e que são expressas pelo ato de consumir.
Teoria das compras: o que orienta as escolhas dos consumidores
Em sua obra, Daniel Miller se propõe a entender, em primeiro plano, a moralidade 
inscrita no ato de compras relacionadas ao abastecimento dos lares de famílias pertencentes 
a um bairro na zona norte de Londres, até chegar a uma teoria geral da compra como 
sacrifício. Longe da visão do consumo como algo pernicioso, o autor evidenciará, em sua 
análise, a representação do ato de comprar como uma expressão de amor, no sentido de 
fortalecimento dos laços de parentesco, analisando as compras como um rito devocional. 
Miller se oporá, portanto, a teorias do consumo que entendem o comprar como um ato 
centrado no materialismo e no hedonismo.
A primeira parte do livro, intitulada Atos de Amor num Supermercado, apresenta os 
resultados de uma etnografia realizada durante um ano com donas de casa de classe média, 
moradoras de uma rua da zona norte de Londres. No trabalho de campo investigou as 
compras de rotina, especialmente as feitas em supermercados, ligadas ao abastecimento do 
dia a dia dos lares – compras usualmente desprovidas de qualquer glamour ou reflexão por 
parte dos próprios informantes. Baseando-se no estudo dessa modalidade de compras, Miller 
se propôs a desvendar de que modo se constituem e são vivenciados os relacionamentos 
entre as pessoas naquele contexto de consumo tão rotineiro.
As donas de casa mostram, com as compras de abastecimento do lar, um constante 
monitoramento sobre os desejos e preferências dos membros da família. Miller ressalta 
em sua análise o fato de elas verem seu papel de compradoras como moralmente superior, 
já que forneceriam aos outros membros mercadorias que seriam edificantes, pois quando 
consumidas levariam o outro a ser uma pessoa melhor. Miller chama essa intenção educadora 
de um ato de amor – aqui entendido como uma ideologia normativa que se expressa como 
prática em relacionamentos de longo prazo – na medida em que a dona de casa tenta 
aprimorar os gostos e desejos dos outros membros da família, para o bem deles próprios. 
O amor aparece nesse contexto como a base de significação para atos de compras que são 
vivenciados como ritos devocionais, que criam objetos de desejo.
O autor explora um contraponto entre presentinhos comprados durante as compras 
rotineiras, vistos como um ato hedonista, e o ethos normativo de comprar, representado 
pela economia de dinheiro. Miller mostra que, no caso da compra de presentinhos, (coisas 
normalmente não adquiridas, como uma torta de sabor especial que seja do gosto de um 
membro da família), o sentido se volta para o reconhecimento da individualização – um 
agrado para um membro da família ou para a própria compradora – enquanto o sentido 
maior da compra de abastecimento seja determinado pela economia.
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Se o presentinho é visto como algo de menor importância nesse contexto, a atividade 
mais significativa do ato de compras, sugere Miller, é a economia de dinheiro, não como 
um meio para algum outro fim, mas como um fim em si mesma. A economia, ou a ação 
de poupar, é apresentada como a grande preocupação do ato de fazer compras. Miller não 
se refere a uma mensuração instrumental da poupança alcançada, mas sim a uma atitude 
frente ao ato de compras marcada pelos signos da restrição, da modéstia e do comedimento. 
Assim, o autor propõe que se entenda a economia de dinheiro não em termos de orçamento, 
mas como uma preocupação central da experiência do comprar. O abastecimento do lar, 
desta forma, seria um evento que começa pelo ato de gastar para se transformar, por fim, 
em uma experiência de economizar.
Miller prossegue analisando o discurso das compras, quando investiga o que as pessoas 
dizem sobre essa atividade. A visão dominante, nesse caso, é a do ato de comprar como uma 
atividade exagerada, dedicada à autoindulgência. O abastecimento do lar, objeto de estudo 
da etnografia no norte de Londres, não seria visto como a verdadeira atividade de comprar. 
A principal associação feita pelos informantes, em seu discurso, é entre comprar e gastar 
de forma desmedida, o que mostra uma percepção do ato de comprar como uma expressão 
privilegiada do materialismo e do hedonismo.
A relação entre sacrifício e consumo é o tema da segunda parte do livro, 
denominada O comprar como Sacrifício. Miller faz inicialmente uma revisão nas teorias 
antropológicas sobre o ritual do Sacrifício em sociedades antigas e contemporâneas. 
A perspectiva adotada pelo autor tem maior aproximação com o clássico trabalho de 
Hubert e Mauss, que estudaram o ritual do sacrifício dividindo-o em estágios, sem 
se descuidarem de uma consistente análise do todo. Uma maior atenção é dada, no 
entanto, à contribuição para o tema de Georges Bataille, que teria sido o primeiro a 
sugerir uma relação entre sacrifício e consumo. Por fim, Miller apresenta sua reflexão, 
propondo uma teoria das compras como sacrifício dividindo-os em três estágios. 
O primeiro estágio revela que o discurso das compras e do sacrifício apresenta um imaginário 
de extremo dispêndio e o consumo como dissipação. Já no segundo estágio, em que são 
analisados os ritos de compras e sacrifício, se evidencia uma negação desse discurso revelado 
no primeiro momento. No sacrifício, temos um direcionamento do ritual para o alcance de uma 
transcendência, a partir do momento em que se dividem os objetos de sacrifício entre os que serão 
ofertados à divindade e os que ficam retidos para o consumo do grupo. 
No ato das compras, de modo similar, a visão de gasto é transformada em uma 
experiência de poupança: a transcendência aparece aqui na ação de poupar como uma 
expressão de amor e de ênfase nos relacionamentos. No terceiro estágio, por fim, haveria 
um retorno à esfera do profano, por meio da disseminação do que foi santificado nos rituais 
do sacrifício. Nesse momento final do consumo, o poder transcendental confirma e retifica 
as relações sociais do grupo. A ordem social é assim santificada, já que formas de hierarquia 
são restabelecidas ritualmente mediante a separação entre os que podem ou não participar 
do ato sacrificial.
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Miller chama atenção para o papel da mulher como principal agente da concepção 
do consumo como um rito devocional. No caso das compras de abastecimento do lar, a 
economia de dinheiro verificada entre as donas de casa seria transformada em uma 
expressão do amor devocional entre a mulher e os outros membros da família, que recebem 
as sobras do sacrifício sob a forma de compras. Ao comprar determinadamarca para alguém 
da família, a mulher se guia não só pelo que a pessoa quer, mas pelo que ela pensa que 
poderia melhorar essa pessoa: “É essa objetificação do amor como feminino em geral que 
destaca a habilidade que algumas fêmeas têm de transferir o sentido do transcendental 
– a meta da vida que ultrapassa o mero viver – e trazê-lo para a prática diária, em que é 
reconhecido como “devoção”. Haveria, assim, nesse processo de objetificação, uma ênfase 
na hierarquia masculino/feminino, em que os homens vivenciariam uma relação mais 
pragmática e utilitária com as compras, e as mulheres seriam o próprio meio de expressão 
da natureza sagrada do amor enquanto devoção.
Após ter analisado as possibilidades de entendimento do ato de compras como sacrifício, 
Miller se detém nas consequências dessa justaposição na terceira parte do livro, intitulada 
“Sujeitos e Objetos de Devoção”. Nessa última etapa do trabalho, acompanha as mudanças 
histórico-culturais relativas a sujeitos e objetos de devoção: de como a devoção religiosa, 
após o processo de secularização, é substituída pelo ideal do amor romântico, chegando até 
os dias atuais, quando o objeto de devoção feminina vai se deslocando da figura masculina 
para o culto à criança.
O autor conclui seu paralelo entre compras e sacrifício mostrando que ambos são 
práticas cujo sentido fundamental seria “a criação de um sujeito que deseja”. No sacrifício, 
existe o sentimento de que os deuses desejam o sacrifício a ser ofertado; da mesma forma, 
no ato das compras, o comprador espera influenciar os outros para que estes se tornem 
beneficiários do que for consumido e passem a desejar o objeto oferecido: “O propósito do 
comprar não é tanto comprar as coisas que as pessoas querem, mas lutar para continuar se 
relacionando com os sujeitos que querem essas coisas”.
A Teoria das Compras proposta por Miller mostra como em nossas sociedades os 
objetos de consumo ganham seu significado de acordo com sua capacidade de objetificar 
valores pessoais e sociais. As mercadorias têm importância, nesse contexto, como um 
meio para constituir pessoas que importam e seu processo de escolha revela, da parte 
do comprador, uma habilidade em lidar com as ambivalências dos relacionamentos 
sociais. A área de antropologia do consumo, tardiamente constituída dentro do campo 
de saber antropológico, tem em Teoria das Compras uma importante contribuição para 
o entendimento do consumo como meio fundamental de constituição expressiva das 
sociedades contemporâneas. 
Fonte: Miller (2002).
O consumo também expressa status social. O que se consome produz lugares diferenciados para as 
pessoas. Por meio do consumo, adquirimos não apenas coisas, mas produzimos um fenômeno social 
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constitutivo de uma estrutura de diferenças e diferenciações entre os indivíduos. E, como em geral se 
processa na vida social, por vezes essas diferenças são hierarquizadas e resultam em desvantagens para 
alguns indivíduos e vantagens para outros. Isso quer dizer que o consumo também nos posiciona em 
patamares distintos na estrutura social e nos realoca dentro dos sistemas de classificação inerentes à 
vida social. Assim, por meio do consumo, articulam-se coisas, gostos, pessoas, grupos sociais, modos e 
estilos de vida, desejos, acessos e perspectivas que comunicam de modo complexo lugares sociais de 
poder e prestígio (ou a exclusão deles) na vida em sociedade. 
2 RITUAL E SIMBOLISMO 
Desenvolveremos neste capítulo as noções de ritual e simbolismo para a antropologia. Para tanto, 
colocaremos em diálogo as teorias de drama oriundas do trabalho de Victor Turner e Susanne Langer, 
com o intuito de pensá-las como ferramenta útil de análise para gêneros de performances dentre 
diversos povos, incluindo as atuações mais atuais, contemporâneas. Para tanto, trataremos primeiro 
da noção de ritual e de simbolismo e, mais adiante, partiremos da discussão acerca da noção de drama 
social e drama, assim como do conceito de performance em Turner.
2.1 Rituais
Em suma, os rituais são eventos que fogem ao cotidiano. Desde o início, até por seu caráter 
extraordinário, vem sendo objeto de análise fundamental na produção do conhecimento em 
antropologia. Quando falamos em rituais, logo nos vem à mente algo fora do dia a dia, seja em 
culturas distantes da nossa, – como os rituais indígenas –, seja mesmo na nossa própria cultura, 
como um casamento ou um batizado. De fato, inúmeros são os rituais de que participamos ao 
longo da vida: formaturas, casamentos, eventos religiosos, dentre outros. Essas ocasiões expressam 
nossos sistemas de crenças, visões de mundo, noções de sagrado e profano e várias outras, que 
fazem parte de uma dinâmica cultural única.
Figura 1 – Dança dos Índios Tupinambás, de Jean de Léry (1592) 
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Em geral, rituais ocorrem em um tempo diferente do usual. Por vezes o espaço utilizado para realizá-
lo também é divergente. Contudo, tendemos a naturalizá-lo, por mais atípico que seja. Quando isso 
ocorre, este se torna então parte da vida social de um povo e praticado fora de racionalidade aparente, 
ou seja, entendemos como algo que “faz parte” e que “é assim mesmo”.
Essa ambiguidade entre natural e excepcional é constituinte do ritual, que sempre possui uma aura 
“mágica”. Incorporamos seus signos ao longo de nossas vivências em sociedade, o que faz com que 
possamos, a partir da linguagem, interpretá-lo. Essa decodificação, por sua vez, empresta sentido ao 
ritual e à vida social, à realidade. Pode-se dizer, então, que o conjunto de símbolos que acionamos nos 
rituais nos auxilia a nos comunicar socialmente e dão sentido à realidade. 
Figura 2 – Batismo de Cristo – Leonardo da Vinci (1475)
Ao antropólogo cabe, nesse sentido, investigar o que é transmitido por meio desses signos que são 
comunicados em um ritual. O pesquisador também deve perscrutar que informação é transmitida, de que 
forma, em que momento, para quem e por quem, seus significados e impactos sociais etc. O ritual serve tanto 
à sociedade, ao passar adiante seus símbolos e sistemas de crenças, quanto serve ao pesquisador, ao se tornar 
em categoria de análise sociológica. Isso porque, a partir da observação dos rituais de um povo, o profissional 
pode compreender suas regras sociais, modos de vida e sistemas de crenças.
 Saiba mais
Para saber mais sobre o ritual como tema de pesquisa, instrumento analítico 
e seu desdobramento nos estudos de performance, leia: PEIRANO, M. Temas 
ou teorias? O estatuto das noções de ritual e de performance. Disponível em: 
<http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/campos/article/viewFile/7321/5248>. 
Acesso em: 2 dez. 2014.
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2.2 Simbolismo
Para Leslie White, o símbolo é a unidade básica de qualquer comportamento humano. É justamente 
em razão do comportamento simbólico, característica das pessoas, que a civilização tornou-se possível. 
Para o autor, a diferença entre os seres humanos e outras espécies de animais não era uma diferença 
quantitativa, mas qualitativa. 
Todos nós utilizamos símbolos para existir e viver. O que nos difere de outras espécies seria o fato de 
que estes símbolos são criados ou inventados por nós mesmos. Animais podem ser condicionados por 
símbolos, mas não os produzem ou criam. Assim, elaborar símbolos é uma característica especificamente 
humana, atividade que não é realizada por outros seres nem de forma parcial.
Os símbolos estabelecem uma relação entre signo e objeto. Suaprincipal característica é a 
sua multiplicidade de interpretações. Estão presentes na vida cotidiana de todos nós e, em termos 
sociológicos, constituem nossos modos de viver a vida. Diferenciam-se do signo por sua capacidade 
de evocar sentimentos. Guiam nossas ações ao evocarem essas emoções e/ou sentimentos. Dizem 
respeito a atos, objetos, formas linguísticas, conceitos etc. que sejam portadores de vários significados 
diferentes entre si. Para além de compreendermos as coisas pelo que expressam na superfície, buscamos 
aprofundamento por meio de interpretações que constituem sentidos para tudo o que experienciamos. 
Exemplo de símbolo: a linguagem humana.
E os signos são expressivos. Sua expressão só diz algo se conseguimos escutá-los, entendê-los e 
interpretá-los. O sentido de um signo é estabelecido na relação com outros signos, que fazem parte de 
um sistema de significação. Portanto, dependem desse sistema para comunicar também. Exemplo de 
signo: a “@”, que nos remete à ideia de endereço eletrônico. Em outros contextos, contudo, o mesmo 
signo pode remeter a outros significados.
Segundo Edmund R. Leach (1976, p. 20): a comunicação humana concretiza-se “por meio de ações 
expressivas, que funcionam como sinais, signos e símbolos e que comunicamos uns com os outros 
de modos e por canais muito diferentes e muito complexos”. São os usuários que atribuem o valor 
e o significado de um símbolo. Seu estabelecimento é sempre arbitrário. Mas se torna convencional. 
Também é sua característica que seja imaterial e parte da valoração coletiva sobre alguma coisa. Não 
tem relação com as características físicas de um objeto, ou seja, de suas propriedades intrínsecas. De 
qualquer modo, depende sempre que algo físico, concreto, represente este sentido, que é perpassado 
por nossas experiências. 
2.3 A noção de drama social em Victor Turner
Segundo Turner (1981), dramas sociais são “dramas do viver”. O autor desenvolve a noção de drama 
social quando pesquisa as relações de rompimento e continuidade das aldeias Ndembu (Zambia), assim 
como as lógicas de conflito e as resoluções de conflitos inerentes à estrutura daquela sociedade. A 
própria noção de drama social, dentre os Ndembu, é exemplificada pela ideia de conflito. Ela também 
está enraizada numa crise de modelos ligados à estrutura social, pois o drama social envolve a noção 
de pertencimento a um grupo e conhecimento de suas regras estruturais. As pessoas que integram 
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tais comunidades precisam ter ou ter tido alguma coisa em comum em suas histórias e, de modo 
geral, os atores centrais do drama em andamento têm um grande apreço pelo seu povo de origem. 
Todas as pessoas, em todas as culturas, são obrigadas a pertencer a algumas sociedades (normalmente 
institucionalizados), mas que elas não necessariamente sejam seus conjuntos preferenciais. As narrativas 
que são contadas pelo grupo, que revelam o drama social, têm relação com esses conjuntos. De acordo 
com Turner, “[...] um drama social se manifesta primeiramente como a quebra de uma norma, a infração 
de uma regra de moralidade, lei, costume ou etiqueta na arena pública” (1981, p. 70).
Os conflitos também envolvem atributos psicobiológicos dos indivíduos, assim como coisas que lhe 
moldaram durante seu processo de socialização inicial. De qualquer maneira, os conflitos só acontecem 
porque esses indivíduos ocupam uma posição dentro de seu grupo e é ela que os envolve nessa situação 
de disputa. O drama social 
nos mostra como o conflito entre pessoas ou grupos em termos de uma 
norma comum ou em termos de normas contraditórias podem ser resolvidos 
num conjunto de circunstâncias particulares. No “drama social”, conflitos 
latentes de interesse tornam-se manifestos, e laços de parentesco, cuja 
significância não se encontra óbvia nas genealogias, emergem com uma 
importância fundamental (TURNER, 1957, p. 93).
O drama social é uma ferramenta analítica útil quando usada em conjunto com técnicas mais 
ortodoxas, como a genealogia de parentesco, o censo e o diagrama da aldeia. Para o autor, ele desenvolve-
se dentro de um padrão de conflitos que pode ser dividido em quatro fases: 1) quebra/ruptura, 2) crise, 
3) reparação e 4) fechamento. Dependendo do contexto, os estágios não se desenvolvem da mesma 
forma, pois, para alguns grupos, a fase de ruptura pode levar a uma divisão imediata e irreversível. 
A fase de quebra/ruptura ocorre entre pessoas pertencentes a um mesmo sistema de relações sociais. 
O ponto principal envolve a quebra de uma norma estabelecida por uma das partes (o não cumprimento 
de alguma obrigação) ou um rompimento público na relação delas. 
Na fase de crise, os grupos (sociais relevantes) das partes envolvidas no conflito envolvem-se na 
querela. Nesse estágio, expõe-se o grau de relevância que a crise tem para o grupo social ao qual 
pertencem as partes, assim como se revelarão as diferentes facções existentes nele. Essa etapa revela 
também o aspecto menos plástico e mais durável das relações sociais, mas que, apesar disso, provoca 
mudanças graduais na estrutura social, mudanças essas feitas por relações que são constantes e 
consistentes. 
A fase de reparação é aquela em que uma série de mecanismos formais e informais é utilizada 
pelo grupo para amenizar o conflito e impedir que este tome grande proporção. Os mecanismos de 
reparação empregados variam de acordo com a intensidade e importância daquele conflito, assim como 
as especificidades de cada um em relação à autonomia individual frente às redes sociais mais amplas. 
O fechamento ou reparação, a última fase do drama social, implica a reorganização das relações do 
grupo ou no rompimento daqueles envolvidos. O significado tem papel fundamental nessa etapa, pois 
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permite aos sujeitos criarem laços entre os eventos que acontecem ao longo da vida ou do desenrolar 
de um drama social. Por meio do significado é possível reinscrever as coisas dentro de um determinado 
contexto, e é ele que une as partes ao todo na vida e, por ter valor afetivo, pertence à experiência e ao 
presente. “O significado de cada parte do processo é calculado por sua contribuição no resultado total” 
(TURNER, 1981, p. 76).
Figura 3 – Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (2014) 
São os significados dados aos dramas sociais que vão eleger o que e como vão ser contadas as 
narrativas. Para Turner (1981), a vida social é indeterminada, e seu fluxo é contínuo. A narrativa seria 
uma forma de dar um início, um meio e um fim à vida real, que não os têm por si só. Os desejos fazem 
parte da vida social (assim como os estados de incerteza e intenções que podem envolvê-los), e analisá-
los pode romper com os modelos estáticos de descrição da sociedade. 
Para Turner (1981), o drama social, nesse contexto, é a matriz experiencial em que são gerados 
vários gêneros de performance cultural (como os procedimentos jurídicos e os rituais de reparação). 
Quebra, crise e reintegração/rompimento dão conteúdo a esses gêneros, enquanto os procedimentos de 
reparação lhes dão forma. 
Para entender melhor o tema, o autor destaca que o pesquisador deve pegar os “fios” que ligam o 
evento que deve ser explicado a diferentes áreas do contexto em que este ocorre. Essas relações são 
mapeadas no contexto em que o evento acontece, por vezes de forma retrospectiva, para que se possa 
entender de onde ele se originou e também para se adiantar, a fim de prever os possíveis impactos e 
influências deste evento em outros futuros. O detalhamento desses “fios” se extingue na medida em que 
desaparecem no contexto de algum outro evento ou convergemde modo a causar o acontecimento 
de um novo evento. A ideia não seria integrar todos os casos e tendências, mas ligá-los numa cadeia 
de caracterizações provisórias e restritas de ramos finitos de ocorrência manifestamente significativa. 
O Carnaval, festa popular em diversos lugares do mundo e que adquire contornos particulares no 
Brasil, é percebido nas Ciências Sociais como um “ritual de inversão”. Nessa análise, além de uma festa, ele 
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é um ritual que envolve a contestação das normas sociais estabelecidas e do statu quo. Um argumento 
que ilustra isso é o uso reiterado de fantasias com máscaras de políticos do cenário nacional como 
forma de crítica sua atuação enquanto gestores públicos. Para uma avaliação dessa festa no contexto 
brasileiro, a matéria a seguir expõe uma visão interessante:
O que diz o Carnaval?
Todo brasileiro nasce num Brasil que tem Carnaval. Sabemos que o Brasil é Brasil por 
causa do Carnaval. Dizer isso parece trivial, mas não é. Nem todo mundo conheceu o Brasil 
dos imperadores, dos escravos e das ditaduras. Quantos de vocês, leitores, andaram de 
bonde? Ou viveram numa São Paulo sem crimes e engarrafamentos colossais e num Rio de 
Janeiro com a Baía de Guanabara despoluída? 
Se a sociedade pode ser comparada a um teatro, então existem coisas passageiras e 
dramas permanentes que nos dão a certeza de estar vivendo num mesmo lugar. Mudou o 
estilo de se vestir, de comer e de morar; as cidades ficaram enormes, chegamos à era dos 
computadores e dos telefones celulares; trocamos a moeda e o mundo globalizou-se. E o 
Carnaval continua.
Ele tem sido uma das poucas coisas permanentemente nacionais. A repetição festiva, 
como disse Thomas Mann, é a abolição da diferença entre o ser e o ter sido. Todo ano tem 
Carnaval – e todo ano é o Carnaval que, talvez mais do que qualquer outra instituição 
nacional, nos certifica da continuidade do Brasil. Apesar de todas as mudanças, inclusive as 
que ocorreram no próprio Carnaval. Imaginar um Brasil sem Carnaval seria como imaginar 
uma noite sem lua ou um arroz sem feijão. Existem planos para acabar com tudo no Brasil, 
menos para proibir o Carnaval.
Claro que existem Carnavais em outros lugares – senão em todos os lugares. Mas há um 
“Carnaval brasileiro”. Tem muita gente que jura que ele só existe no Brasil. Daí a necessidade 
de qualificá-lo – de saber o que ele diz do Brasil.
Outro dia me perguntaram sobre suas origens. Não teria o nosso Carnaval nascido na 
Índia, nos festivais nos quais as castas se misturam? Na Grécia de Dionísio ou na Roma de 
Saturno? Respondi observando se ele não teria também nascido na Idade Média, quando 
Deus brigava diariamente com o Diabo – esse patrão dos excessos, do luxo e da libertinagem, 
marcas do nosso festejo.
Se, entretanto, passarmos das origens para o significado, compreenderemos por que o 
Carnaval tem essa centralidade no Brasil. Uma importância inexistente em outros lugares, 
como Estados Unidos, Itália ou Alemanha, onde ele não é nacional, mas local. Os estudiosos 
das festas e dos rituais classificam essas ocasiões em que as rotinas são provisoriamente 
abandonadas em dois tipos. Existem as celebrações da ordem (chamadas de solenidades) 
e as da desordem (os bailes, as festas, as folias). Há encontros que salientam o sério e o 
sagrado, em que não se pode rir, como as procissões ligadas à Igreja, ou as paradas militares, 
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ligadas ao governo; e as festas do riso e da desordem, sempre relacionadas ao “povo” e aos 
“pobres”. Nas primeiras, usamos uniformes; nas segundas, máscaras e fantasias. As primeiras 
são rezadas e faladas; nas outras, o modo de comunicação é a dança e o canto.
Não há dúvida de que, na ordem capitalista hoje dominante – este mundo baseado na 
economia e no equilíbrio das contas –, as festas que celebram o excesso, a nudez, o canto, a 
dança, a rua, o riso, o uso de máscaras, a bebida e a sensualidade (sem suas consequências) 
são mais raras. Daí o lugar especial do Carnaval brasileiro. Mas elas existem também 
em outras sociedades. Mais que isso, todas as festas combinam ordem com desordem, 
formalidade com informalidade.
Um bom exemplo é um casamento que começa na igreja, no templo ou no cartório, 
debaixo do olho e da voz de um celebrante oficial (um padre, pastor ou juiz). E, depois 
da formalidade, vêm os esperados “comes e bebes”. O sermão que ainda está em nossos 
ouvidos é substituído pela estrondosa música para dançar e juntar o que estava separado: 
as famílias e os convidados dos nubentes e, simbolicamente, o noivo e a noiva que, depois 
da cerimônia, estão livres para se unir amorosamente.
Carnavais e carnavalizações servem para legitimar uniões ou entrelaçamentos entre os 
diferentes por meio do canto, da música e da dança e, acima de tudo, do riso que dissolve 
barreiras; ao passo que as festividades da ordem reforçam a autoridade e as diferenças. 
Nos Carnavais, há uma licença para o abuso – para o que ocorre abaixo da cintura –, que 
acaba ficando normal e até mesmo obrigatório. Nas solenidades, salientam-se as mãos e 
o que fica no hemisfério superior do corpo. Mas, notem bem, toda desordem é seguida de 
ordem, e toda ordem de desordem. Por isso, o Carnaval termina nas cinzas da Quarta-Feira, 
que marcam o início da Quaresma – um tempo que anuncia o suplício de Cristo; e os 
casamentos e as formaturas (e muitos funerais) terminam em orgias e grandes bebedeiras. 
Antes da disciplina rígida que manda “abandonar a carne” (carne levare), a orgia.
Como seres sociais, fabricantes involuntários e colaboradores de um teatro para o qual 
não pedimos para entrar, precisamos tanto do controle que norteia o mundo do trabalho 
quanto do descontrole que faz a festa – e, num sentido inconfundível, é a própria festa.
“Já se observou muitas vezes que uma comunidade se retrata tão bem por meio de 
seus divertimentos como por meio de suas maneiras de pensar e agir sério”, escreveu o 
comerciante inglês John Luccock, em seu livro Notas sobre o Rio de Janeiro, publicado em 
1829. Ele falava do entrudo – uma forma que antecedeu o Carnaval – e arrematava: “No 
entrudo ficamos todos bobos!”. A festa desloca as razões e a lógica do bom-senso vigente 
no mundo diário, abandonando, reforçando ou invertendo rotinas. Um sujeito vai a um 
restaurante e gasta numa refeição todo o dinheiro do mês. No Carnaval, um conhecido se 
fantasia de palhaço, outro de mulher, outro passa horas tocando na bateria de sua escola. 
Estão “brincando” ou “trabalhando”? A mãe que passa horas fazendo o bolo do aniversário 
do filho está na mesma situação. Como disse o viajante inglês, os divertimentos nos levam 
às estruturas mais profundas da vida social. Celebrar é um modo de fazer, mas fazer sendo 
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alguma coisa. Ora, fazer de um jeito ou de outro é o que permite saber quem somos e 
quem são os estrangeiros. Sabemos que somos brasileiros porque, numa época do ano, 
“brincamos” e “pulamos” Carnaval!
O que seria de nossas vidas sem esses significados extrarracionais de viver em sociedade? 
Essa é a pergunta que levantei em meu livro Carnavais, Malandros e Heróis, publicado em 
1979. Nele, eu falava precisamente desse imenso custo para celebrar algo tão vago quanto a 
alegria e a sensualidade. O contraste com outros festejos nacionais – uma festa em honra de 
Nossa Senhora de Nazareth ou a Independência do Brasil – é enorme. Num caso, há motivo 
e lógica; no outro, do Carnaval, há apenas a celebração

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