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Unidade II PENSAMENTO SOCIAL BRASILEIRO Profa. Neusa Meirelles Tendências do pensamento social brasileiro e a sociologia O pensamento social brasileiro abrange distintas tendências de reflexão sobre a realidade brasileira, sobre o poder, cotidiano e formas de sociabilidade, formando um conjunto de modalidades de problematização da vida social, e respostas ancoradas na ciência e filosofia, daí sua afinidade com o pensamento sociológico: ambos problematizam as condições sociais presentes no ambiente em que foram produzidos e buscam respostas pertinentes. Pensando o Brasil, integralistas e comunistas dos anos 20 e 30 Nos anos 20 e 30 do século XX, duas modalidades de construção teórica da realidade brasileira estavam em confronto no ambiente político brasileiro, refletindo posições ideológicas radicalmente distintas: de um lado o fascismo, de outro, o comunismo vitorioso desde 1917 na Rússia; As duas tendências vinculadas à expressão política de contingentes de trabalhadores do capitalismo industrial urbano, apesar de a economia brasileira ser agroexportadora, iniciando a substituição de importações e sofrendo efeitos da crise econômica de 1929. A Semana de Arte Moderna As mudanças que viriam no panorama político e intelectual brasileiro, e de São Paulo em particular, já se faziam anunciar no âmbito cultural pela Semana de Arte Moderna, evento que marcou o movimento modernista em São Paulo, cuja dimensão estética, de relacionamento entre o popular e o erudito, de maior relevância para a cultura brasileira, acrescentava-se o nacionalismo estético de Mario de Andrade e o antropofagismo de Oswald de Andrade. Modernismo Havia no intelectualismo modernista de 22 uma dimensão reacionária, representada por vários intelectuais que integraram o movimento integralista; As ideias fascistas no Brasil representavam a expressão extremada da praxis conservadora; O discurso integralista não era de fundamental importância, porque nasceu vazio, embora reacionário extremado, e inserido na história brasileira. Integralismo O Integralismo propunha a utopia nacionalista da autonomia econômica (quando o capitalismo se fortalecia na expansão internacional) além do desejo das elites brasileiras por uma ordem social conseguida de cima para baixo (democradura) ou uma democracia à brasileira. A Ação Integralista, fundada em outubro de 1932, depois da chamada “revolução constitucionalista”, explicitava o caráter conservador, religioso do movimento, atraiu intelectuais, juristas de renome, despertando certo envolvimento patriótico e intervencionista do qual também participavam os militares. Militantes fardados marchavam vestindo camisas verdes, com bandeiras, símbolos, erguendo o braço na saudação: Anauê! Marxismo A crítica marxista à sociedade burguesa confirmava a visão que muitos intelectuais já haviam elaborado sobre essa mesma sociedade, com suas contradições, injustiças e problemas. O Partido Comunista, pela direção da III Internacional, assumiu uma linha francamente proletária, promovendo a exclusão dos intelectuais da direção, embora tais medidas não impedissem que intelectuais e artistas de todas as áreas fossem simpatizantes e militantes do Partido. Nas publicações do partido havia discussões teóricas em torno de questões ideológicas, como as questões políticas, aliás, uma tradição que continua nos dias atuais; apesar de existir a maior parte do tempo na clandestinidade. Os anos 30 Os anos 30 sinalizaram mudanças sensíveis no ambiente político e econômico brasileiro; Boris Fausto (1978) comenta que os “barões do café”, dominantes na política, não tinham como opositores uma burguesia industrial, mas havia uma “complementaridade básica entre interesses agrários e industriais, temperada pelas limitadas fricções”; No equilíbrio instável formado, apareciam duas forças políticas: classe média, associada aos militares, e a classe operária, em parte politizada, e alvo da articulação do poder do estatal. Em São Paulo, esse cenário é francamente hostil aos interesses de setores da oligarquia cafeeira, que lideraram o movimento de 32. Estado Novo O Estado Novo foi uma ditadura que instituiu um sistema de “compromisso” entre segmentos das elites e os populares, afastou de vez a oligarquia cafeeira do poder, cooptando alguns na qualidade de interventores; as novas configurações remetem para o rearranjo dos dispositivos de poder, para os quais figuraram como forças externas: a II Guerra que levou o Brasil de Vargas a fechar acordo com os EUA, para permanência das tropas americanas em Natal, e mais empréstimos, em perfeito entendimento, posteriormente reafirmado pela “política da boa vizinhança” e como forças internas, a desarticulação da república oligárquica paulistana, em uma articulação de compromissos personalistas, um traço que seria reforçado mesmo durante o Estado Novo, e no populismo que viria a seguir. Criação da Escola de Sociologia e da FFCLH da USP Quando a elite paulista ainda amargava as derrotas de 30 e 32, e identificava fatores de seu insucesso, deu-se a criação de uma instituição privada destinada a ampliar e reforçar a competência política e administrativa da elite paulista: a Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo, fundada em 27 de abril de 1933; a ELSP tinha finalidade elitista declarada, enquanto a FFCLH da USP, criada em 1934, também a tinha, mas não a declarava. Os professores das duas instituições mantinham relações estreitas, caracterizando um convívio acadêmico singular. Antropologia e Sociologia, figuras centrais Emilio Willems, alemão imigrante, formado em Economia pela Universidade de Berlim, e que lecionava no Paraná e Santa Catarina. Egon Schaden, brasileiro, neto de alemães, assistente de Emilio Willems, (Antropologia, Etnografia e Etnologia voltadas para o estudo das populações indígenas brasileiras). Herbert Baldus, diretor do Museu Paulista e ELSP, etnógrafo e etnólogo, teórico e empírico. Orientador de Florestan Fernandes, mestrado na ELSP (1949) em Antropologia, com Organização social dos Tupinambá, seguindo-se a Tese de Doutorado em 1951, Função Social da Guerra entre os Tupinambá. Caio Prado Júnior Caio Prado Júnior, paulista de família tradicional, intelectual, foi empresário de sucesso e militante comunista, teórico heterodoxo e marxista; sua posição de método, o materialismo histórico dialético, com variações, conduz a construção do objeto de conhecimento pelo sujeito, mas por um processo de tecedura entre as condições materiais objetivas (selecionadas como significantes pelo sujeito, e tomadas a partir de dados de natureza empírica) e as ideias e conceitos que municiam o sujeito para tratamento da relevância desses dados na construção do objeto. A relação (dialética) entre o empírico e o conceitual com a intermediação do sujeito é, portanto, central ao método. Interatividade Qual das alternativas abaixo está errada sobre as relações entre Brasil e EUA no quadro da II Guerra? a) A primeira estratégia foi a política de “boa vizinhança”. b) Aumento das vantagens comparativas do capital nacional no processo de expansão multinacional. c) A ideia de progresso foi sendo substituída pela ideia de desenvolvimento. d) O papel do Estado, como promotor e agente da economia, foi sendo identificado na figura do governante. e) A propaganda criou a imagem positiva do american way of life, e negativa, de pobreza e de sacrifício, associada à URSS, ao seu povo, e modo de vida. Pensando o Brasil com as obras de Caio Prado Jr., Gilberto Freyre, SergioBuarque Do ponto de vista metodológico, Caio Prado se valeu do materialismo histórico dialético, mas com adaptações às condições brasileiras. Gilberto Freyre, conforme ele mesmo, desenvolveu o “método do ensaio de sociologia genética e de história social, pretendendo fixar e às vezes interpretar alguns dos aspectos mais significativos da formação da família brasileira” (1948: 50). Sergio Buarque se municiou de um fazer weberiano para construir uma história cultural do Brasil, sem comparações nem construção de tipologias, procurando captar, na figura de personagens típicas, o “espírito” de um período. Gilberto Freyre e Sergio Buarque Gilberto Freyre focalizou a articulação peculiar, escravista em terras brasileiras, entre dois universos culturais distintos: o do europeu português, da Casa Grande e o do escravo africano, notadamente aquele do serviçal, descendo a detalhes minuciosos e significativos das práticas sociais, surpreendendo na intimidade das casas grandes, relações confessadas e ocultadas com as senzalas, para entender e interpretar as complexas relações de arrogância e submissão existentes. Em contrapartida, Sergio Buarque metaforicamente buscou as raízes do Brasil, uma aproximação poética entre uma realidade vivida, na experiência dos cotidianos da história, e as profundas raízes das grandes árvores nacionais. Caio Prado Jr. Caio Prado se colocou na tarefa de traçar linhas mestras da evolução política, e depois da formação econômica do Brasil. Parece significativa a substituição de uma palavra “evolução” por “formação”: evolução dizendo respeito à política, enquanto formação dizendo respeito à economia. Para Caio Prado, os fatos da economia devem ser compreendidos na sua peculiaridade de realidades nacionais; embora possa haver semelhanças entre realidades, por exemplo, brasileiras e europeias, não se pode admitir a priori um curso assemelhado. Por isso o autor questiona e desacredita algumas das teses de marxistas brasileiros (alguns) que insistiam em priorizar a teoria em detrimento da evidência empírica, a exemplo da debatida questão dos “restos feudais” de um feudalismo que não existiu em terras brasileiras. Liberal e autoritário, um discurso conservador Esse discurso “liberal democrático autoritário” predominou na Constituinte de 1946, e permaneceu tendência ideológica, sendo repetido na história política brasileira. Uma variação desse discurso, constituindo uma tendência, residiu em colocar no Estado a realização do futuro desejado para o “bem do povo e progresso da nação”. Por decorrência, na medida em que cabia ao Estado, e não à sociedade, concretizar no futuro esse “progresso”, cumpria eleger um governo que tivesse o mesmo compromisso, que defendesse todo o povo, protegendo a todos de eles mesmos, ou “dos que perturbam a ordem com ideias estranhas ao caráter brasileiro”. Em linhas gerais, esse raciocínio constituiu a base do populismo. Panorama político populista Com a IIª Guerra o Brasil entrou na área de influência dos EUA, iniciado com a política de “boa vizinhança”, e que se consolidou na história política e econômica do Brasil; a ideia de progresso, (positivista) foi sendo substituída pela ideia de desenvolvimento associada à industrialização e ao papel do Estado, e ao american way of life. Os partidos políticos PSD, PSP, PTB e UDN eram controlados pelos “nomes” da política populista, mas Vargas venceu a eleição presidencial de 1950 com a coligação PTB e PSP. Quanto ao PCB, condenado à ilegalidade, vivia a clandestinidade, mas no ambiente eleitoral populista, “votos são votos”. Ambiente político populista no governo Vargas Confronto entre interesses do capital nacional (Petrobrás, CSN) e os do capital externo, norte-americano (nacionalismo X imperialismo). Oposição moralista (corrupção) que levou ao suicídio de Vargas. No meio urbano – a industrialização com a participação do Estado expandiu a economia, estimulou a urbanização acelerada. No meio rural – a ordem tradicional patrimonial mantinha privilégios, nas grandes fazendas de pecuária e latifúndios improdutivos, avanço sobre terras tidas como devolutas, um processo considerado “normal” na ordem tradicional. Anos JK (1955-1960), modernização conservadora e populismo bossa nova Nacionalismo “parceiro” das multinacionais: montadoras no ABC, urbanização, Brasília, aumento da dívida externa. Liberdade política: o PCB gozava de “clandestinidade autorizada” (posição que somente um presidente bossa-nova poderia permitir); o partido admitia que setores ligados ao imperialismo econômico e político dos EUA não teriam interesse em golpes ou ditaduras (a história desmentiu). Oposição militar: Aeronáutica (Aragarças) e Marinha. Ambiente intelectual: construção teórica e política da formação social brasileira em distintas elaborações teóricas; nacional e desenvolvimento, palavras empregadas como categorias de análise e expressão de realidades históricas, sociais. Ambiente político e “neutralidade” das ciências sociais Influência do ambiente político na trajetória do pensamento social brasileiro e no ambiente universitário da USP: Florestan Fernandes: a “sociologia paulista”, pesquisa e produção teórica sobre transformação social no Brasil; Ruy Coelho, Maria Isaura Pereira de Queiroz, Antonio Candido, Asis Simão, pesquisa das questões culturais emergentes nas novas condições históricas. Os efeitos do “desenvolvimentismo brasileiro”, segundo Bosi (1977: VIII): “no plano macroeconômico: o triunfo das multinacionais; no plano social: a reprodução acelerada da divisão de classes; no plano político: o governo autoritário, a tecnocracia; no plano cultural: a mass comunication e a repressão”. Pensar o desenvolvimento é refletir sobre a dimensão política Entender a integração da economia nacional ao contexto dinâmico da economia internacional sob a hegemonia do capitalismo monopolista dos USA. O pensamento social brasileiro colocava como seu objeto de estudo as potencialidades e possibilidades de mudança social e econômica. Aos sociólogos cabia o exame crítico da metodologia, os aspectos relevantes como objetos de pesquisa e a dimensão política do fazer sociológico. Novos temas e áreas de pesquisa em Sociologia Resultado da aproximação entre campos das ciências sociais: a. Sociologia e Economia: Sociologia do Desenvolvimento; b. Sociologia e Filosofia: Sociologia do Conhecimento, Sociologia Política e Sociologia da Comunicação; c. Sociologia e Direito: Sociologia Jurídica e Sociologia Política, favorecendo exame crítico da ordem social em sua dimensão normativa, e a análise crítica das práticas normativas operantes em seu avesso; d. Sociologia e História: favoreceu a crítica a alguns modelos importados de interpretação da sociedade brasileira. Sociologia e mudança social Dos anos 50 em diante a sociologia passou a analisar o processo de mudança social que o Brasil passava, identificar, ou mesmo antecipar os problemas eventuais que tais mudanças propiciariam, bem como fundamentar a elaboração de políticas adequadas para diminuir os custos, ampliando os efeitos positivos; Nesses tempos de mudança o diagnóstico sociológico adquiriu importância para “clarificação do horizonte cultural dos grupos empenhados nos processos de mudança e na influência construtiva que exerce na precipitação das polarizações ideológicas, variavelmente ignoradas, esquecidas ou encobertas”, como afirmou Florestan Fernandes (1962: 5). Ambiente político e ideologização O processo de ideologização do pensamento social brasileiroabrangeu a dimensão teórica das tendências dos partidos políticos. A reflexão sobre distintas concepções acerca do papel do Estado, sentido e conteúdo das alternativas de política econômica; concepções presentes e de futuro. A esquerda elaborou contribuição original com incorporação seletiva do pensamento teórico de base marxista. A direita desenvolveu programas assistencialistas, com apoio dos EUA, de caráter político ideológico (Peace Corps), e IPES e IBAD atuavam no meio político, financiando campanhas eleitorais e outras de claro teor ideológico (Guerra Fria). Interatividade Qual das proposições está incorreta sobre tendências do pensamento social acadêmico entre 1950 e 1960? a) As ciências sociais passavam por aproximação entre os campos, dando origem a novos temas e linhas de pesquisa. b) As tendências de direita e esquerda, clássicas ao campo político burguês, influíam no pensamento social brasileiro. c) O pensamento social brasileiro abrangia a expressão política de distintas “versões” para o desenvolvimento. d) A Sociologia garantia a objetividade e mantinha a neutralidade do conhecimento científico elaborado. e) Nacionalismo e desenvolvimento eram temas centrais ao pensamento social. Sociologia: Florestan Fernandes Em 1959 Florestan Fernandes lançava uma obra clássica na sociologia brasileira: Fundamentos Empíricos da Explicação Sociológica. Seu propósito à época era discutir metodologia em sociologia ao longo de um percurso em três etapas, todas com foco em sociologia: de uma introdução ao raciocínio científico na sociologia, o livro continua para a reconstrução da realidade (parte I), avança para discutir os problemas da indução (parte II), e finalmente (parte III) entra na discussão do método de interpretação funcionalista. A questão central da obra reside em discutir o que significa reconstruir a realidade nas ciências sociais. Florestan, abordagem crítica Octavio Ianni (1996: 25) ressalta duas características da sociologia de Florestan Fernandes: a) Acompanha a trajetória de lutas do povo brasileiro desde as lutas dos povos indígenas, a inserção do negro na sociedade de classes, as lutas de trabalhadores do campo e da cidade pela conquista de direitos sociais; b) Constrói uma abordagem crítica na análise da dinâmica das estruturas sociais, discutindo aspectos teóricos avançando na análise e interpretação das condições e possibilidades de transformação social, valendo-se da produção da sociologia clássica e contemporânea, além do marxismo. Florestan, relações de sentido, mediação: o fazer sociológico Trabalhar as relações de sentido entre o “momento teórico” e o “momento prático”, o que se explicita como “momento político”: as noções de burguês e de burguesia entendidas como categorias histórico-sociais e “como meios heurísticos legítimos da análise do desenvolvimento do capitalismo no Brasil” (FERNANDES,1976: 20); mas a especificidade brasileira implica em relacionar dois modelos, o de sociedade burguesa e o patrimonialista desenvolvido no Brasil. É essa relação que Florestan focaliza quando afirma que “era preciso extrair o ethos burguês do cosmos patrimonialista em que fora inscrito, graças a quase quatro séculos de tradição escravista e de um tosco capitalismo comercial” (FERNANDES, op. cit.: 310). O fazer sociológico: mediação entre o fato empírico, recortado pela observação e sua construção articulada pela teoria. Dois dos sociólogos formados por Florestan, FHC FHC, como ficou conhecido depois que deixou de ser sociólogo para ser presidente da república, defendeu seu doutoramento em 1961, com a tese “Capitalismo e Escravidão do Brasil Meridional”. Na obra mostrou a precariedade da ordem democrática supostamente instalada com a abolição, o preconceito que apareceu como “técnica de ajustamento” em face das desigualdades sociais, e o “ideal de branqueamento” ratificado pelos negros. Em 1963, FHC defendeu sua livre docência com a tese “Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil”. O trabalho focalizou um “tipo social”, embora não tenha mantido uma análise weberiana. FHC conclui que a modernização da economia brasileira se fez pelo “aproveitamento e redefinição paulatina de formas tradicionais”. Dois dos sociólogos formados por Florestan, Ianni Octavio Ianni defendeu seu doutoramento em 1962, com a tese “As Metamorfoses do Escravo, apogeu e crise da escravatura no Brasil Meridional”. O trabalho mostrou que quando se esgotam as possibilidades da sociedade baseada no trabalho escravo, instauram-se as condições geradoras da demanda pelo trabalho livre, e o negro ainda está em processo de absorção do novo, assim como também ele é um “novo” agente de produção, que vai ser incorporado abaixo das categorias criadas pelo branco para descrevê-lo a si mesmo. Em 1965 Ianni publicou “Estado e Capitalismo” sua tese de livre docência, examinando a participação do Estado na economia; Ianni não aceita a tese da neutralidade do Estado, nem pressupõe nele um papel além da condição necessariamente burguesa, associada à origem. Democracia à brasileira Entre os anos 50 e 60 formou-se uma oposição política civil e golpista, mas sustentada pelas armas e ideias militares. Quando em 1960 a sucessão presidencial tirou Minas Gerais do poder, o apoio de JK trouxe para o Planalto um São Paulo de raízes pantaneiras (Jânio), cabelos revoltos, discursos inflamados, diretos, talvez radicais: outro modelo de populismo? Com certeza, mas o regime da democracia à brasileira logo revelou seu avesso, fazendo lembrar a sabedoria de outro mineiro: “uma eleição é feita para corrigir o erro da eleição anterior, mesmo que o agrave” (Drummond, 1990). A eleição colocou na Presidência uma figura carismática (Jânio), não disposta a cumprir “as regras” do acordo, e na Vice-Presidência (Jango) um estancieiro do PTB, acusado de pretender reformas de base, inclusive a agrária. Democracia à brasileira e o golpismo Quando o Presidente carismático intempestivamente renunciou ao poder, o Congresso e militares aceitaram a renúncia, e se recusaram a dar posse ao Vice-Presidente, considerado um esquerdista e risco para a democracia. A crise política foi “resolvida” com a mudança às pressas para o regime parlamentar (Tancredo Neves, Primeiro Ministro), e com o plebiscito retornou o Presidencialismo. Os anos entre 1961 e 1964 foram caracterizados pela discussão da política nacional e internacional, discursos radicais a favor e contra as reformas, sobretudo a agrária. As reformas eram necessárias e foram realizadas durante a ditadura, mas favorecendo interesses das elites e da classe média. Pensar o Brasil, enfrentar as contradições Pensar o Brasil a partir dos anos 50 era reconhecer a contradição entre pobreza e modernidade, tema discutido por Jacques Lambert em “Os Dois Brasís”, (e de outros autores, Roger Bastide e Pierre Monbeig, sem a mesma popularidade). Oposições entre tradicional e moderno, desenvolvimento e subdesenvolvimento etc. escamoteiam a dimensão histórica e estrutural dos processos econômicos e sociais dos quais emergem tais realidades, resultantes da expansão do capitalismo internacional, em posição dependente e retardatária. Raul Prebisch na direção da CEPAL contemplou esse tema, explorando as possibilidades com originalidade teórica, dando origem a uma “tradição cepalina”. A influência cepalina Em 1953, Ignácio Rangel publicou “Dualidade básica da economia brasileira”, obra também baseada nas teses da CEPAL, discute especificidades da economia brasileira; Celso Furtado também foi influenciado pela CEPAL, explorou as condições históricas estruturaisda sociedade e economia brasileiras; segundo Colistete (2001) decorrem: a Teoria da Dependência (FHC e Enzo Falleto nos anos 70), e a Teoria do Capitalismo Tardio (João Manuel Cardoso de Melo, 1975). Francisco de Oliveira em “Economia Brasileira: Crítica da Razão Dualista” (1972) mostra que “subdesenvolvimento é precisamente uma ‘produção’ da expansão do capitalismo”. Pensamento político, a memória dos anos JK Durante o período JK (1955-1960) toda uma geração viveu a sensação de se sentir parte da sociedade brasileira e da sua história, acreditando na democracia, e “acreditando que o país podia sair do atraso, podia se livrar dos latifúndios e dos latifundiários, podia sair da ignorância e do analfabetismo, podia superar o grau quase insuportável de miséria da maioria de nosso povo. [...] O povo aparecia, finalmente o povo, com o qual nós, jovens intelectuais, poderíamos realizar nossos projetos de futuro para a sociedade brasileira, afastando a velha imagem do país atrasado e inerme”. Depoimento de João Batista de Andrade à Revista Estudos Avançados (2002). Da teoria à prática, a ideologia: ISEB Na medida em que a elaboração teórica passa a fundamentar a intervenção política, registra-se a convergência de dois modos de pensar: aquele que seria o científico, que investiga e questiona, com aquele que busca estabelecer as finalidades e objetivos para a ação política e cultural ancorada na ciência, esse modo de pensar se alimenta e exercita o espírito crítico em relação ao que é revelado pela ciência, opera com valores e ideias, buscando a transformação da realidade, esse modo de pensar é caracterizado pela dimensão ideológica. Esse foi o papel assumido pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) a levar a nação ao reconhecimento do subdesenvolvimento e ao esforço de superação dessa condição, por meio de uma prática política de desenvolvimento. ISEB e o pensamento crítico Esse foi o papel assumido pelo Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), órgão sediado no Rio de Janeiro, elaborar e de “lançar as bases de um pensamento brasileiro (autêntico ou não alienado) através de um projeto teórico-ideológico de natureza totalizante onde confluiriam disciplinas e ciências diversas: Sociologia, História, Política, Economia e Filosofia”, conforme aponta Toledo em seu trabalho denominado “ISEB: Fabrica de Ideologias” (1978: 17). Os conhecimentos elaborados nos campos dessas disciplinas convergiriam no esforço de levar a nação ao reconhecimento do subdesenvolvimento e ao esforço de superação dessa condição, por meio de uma prática política de desenvolvimento; nesse sentido o trabalho de Toledo desvenda a ideologização do pensamento isebiano. Interatividade Nas alternativas abaixo, qual não correspondeu às linhas de trabalho do ISEB? a) Desenvolver estudos e análises de cunho funcionalista da realidade brasileira, visando controle da inflação e elevação da renda. b) Elaboração de uma política de desenvolvimento nacional. c) Desenvolver uma ideologia do nacionalismo desenvolvimentista. d) Desenvolver estudos de reflexão teórica e epistemológica. e) Desenvolver estudos focados na ação política, de uma política de mobilização ideológica dirigida para o desenvolvimento nacional. Golpe Militar Civil O Golpe militar civil de 1964 representou ruptura com as concepções elaboradas pelo ISEB: os militares e civis que assumiram o poder se consideravam nacionalistas, mas de um nacionalismo tutelado, favorável ao desenvolvimento econômico integrado no “bloco do ocidente”. O Golpe instaurou um regime de exceção e supressão de direitos civis por 24 anos. O movimento vinha de longa data, tinha participação de organismos como IPES, IBAD, CONCLAP e outros. ESG (Escola Superior de Guerra) ocupava lugar de centro intelectual na elaboração de uma “política nacional de segurança”, interna e externa. Civis e militares, dispositivos de poder No que diz respeito aos dispositivos de poder, a convivência entre militares e civis na condução da política apresentava uma dinâmica peculiar, na qual militares, conquanto heterogêneos, deveriam ser politizados, os civis os reconheciam na condução da política, na arbitragem pela intervenção em situações mais complexas. Stepan (1975: 51) denominou essa aliança de “coalizão golpista vencedora”, por ela militares cooptaram civis para liderança política, e civis recorreram aos militares para condução de ações repressivas na manutenção da ordem. Esse jogo foi um fator na manutenção da ditadura por 24 anos. Forjando uma dada “legitimidade”, a estratégia psicossocial Obter a adesão permanente nos âmbitos objetivo e subjetivo a uma ordem social construída a partir de um processo de sondagem, para “detectar os sentimentos, a mentalidade, as atitudes, as aspirações, os sonhos, os desejos, os ideais, enfim, todos os valores que moviam e organizavam a vida social brasileira” (REZENDE, 2013: 43). Admitindo que os valores encontrados na sondagem fossem “preservação da família, da moral, dos costumes, da pátria, do patriotismo e da propriedade” (REZENDE, op. cit., p. 48) toda e qualquer oposição não poderia ser tolerada. O Gal. Golbery do Couto e Silva se dedicou à construção dessa weltanshauugen como base (ideológica) da segurança nacional. O autoritarismo e a “engenharia” do milagre brasileiro O Estado passou a ser representado por um sistema de planejamento pragmático, instrumentalizando atribuições e objetivos do Estado. O grupo no poder “retirou sua legalidade do próprio estado, mas não tem força social em que se apoiar para buscar legitimidade de sua dominação” (FERREIRA, 2004: 56-57). Povo e sociedade civil não são sujeitos nesse modelo político, figuram como objeto do discurso (tecnocrático) que pretensamente o justifica. O modelo de economia excludente instaurado (milagre econômico) manteve os privilégios (fazer crescer o bolo, para depois dividir) agravando as diferenças sociais. O campo “de fora” do autoritarismo (crítica intelectual e artística) e o campo da resistência ao golpe e à ditadura O campo "de fora" dessa ordem contava com o poder do pensamento crítico dos intelectuais de todos os setores; com o poder dos artistas, dos não cooptados, e explicitamente com o pensamento crítico das ciências sociais; As formas de resistência política, os núcleos e organizações de militância e os movimentos de guerrilha, integravam desde o início do golpe, o campo mais explícito e consequente de oposição e de resistência, ao modelo autoritário instalado. Nesse campo, tanto homens quanto mulheres se construíam como sujeitos na disposição de fazer história, por isso não podem ser considerados como “de fora”, nem mesmo como a outra face do modelo instaurado, mas como sua radical alternativa (e subversão). A restauração da democracia à brasileira Depois da luta por eleições diretas, conversas mineiras e paulistas em tons diferentes, figuras que defendiam a chamada “Revolução” estavam agora nos comícios, tornaram-se arautos, menestréis da democracia etc. Passado o luto pela morte de Tancredo Neves, assumiu a Presidência José Sarney, em 1985, dono de longa carreira política, um maranhense, ex-presidente da Arena, depois membro do PMDB e membro da ABL. Seguiu-se um curto período de campanha para eleição à Assembleia Nacional Constituinte, que iniciou os trabalhos em 1987 e concluiu em 1988, ano de promulgação da nova Constituição. Do neoliberalismo ao pós-neoliberalismo O Brasil adotou o neoliberalismo como linha de política econômica, processo planejado e implantado por FHC (PSDB)desde antes de seu primeiro mandato em 1995. Segundo Bresser Pereira (2002) essa adoção desconsiderou o interesse nacional e as diferenciações sociais. Em 2003, FHC foi substituído por Luís Inácio Lula da Silva, do PT. O desafio enfrentado pelo novo presidente residia em desenvolver uma política pós-neoliberal. Para Emir Sader (2013: 139) a chave do enigma Lula residiu em: estabilidade monetária, retomada do desenvolvimento econômico e políticas de distribuição de renda. Uma síntese, direções principais Na trajetória do pensamento social brasileiro é possível distinguir duas direções principais: a. O pensamento engajado em um processo de mudança social, compreendendo tendências ideológicas diferenciadas, mas ainda assim, mais reformista que revolucionário; um divisor nessas tendências reside na contradição entre soberania nacional e modernidade, (como se para atingir a modernidade fosse necessário abrir mão do conceito considerado “antiquado” de soberania nacional); b. O pensamento voltado para o próprio modo de pensar e de agir do brasileiro, por isso ele se faz irônico, explora as contradições presentes no cotidiano, abrangendo obras da literatura, teatro, cinema, televisão e da cultura midiática. Interatividade Qual das alternativas abaixo está incorreta no tocante às tendências de pensamento social brasileiro? a) Como pensamento engajado em um processo de mudança social, abrange tendências ideológicas diferenciadas. b) Como pensamento engajado, inclui apenas as vertentes revolucionárias. c) Como pensamento engajado, inclui a discussão sobre a abolição do conceito soberania nacional. d) Como pensamento engajado, inclui a reflexão sobre identidade cultural brasileira. e) Como pensamento engajado, inclui a reflexão sobre a produção brasileira nas artes plásticas, na mídia e música popular. ATÉ A PRÓXIMA! Slide Number 1 Tendências do pensamento social brasileiro e a sociologia Pensando o Brasil, integralistas e comunistas dos anos 20 e 30 A Semana de Arte Moderna Modernismo Integralismo Marxismo Os anos 30 Estado Novo Criação da Escola de Sociologia e da FFCLH da USP Antropologia e Sociologia, figuras centrais Caio Prado Júnior Interatividade Resposta Pensando o Brasil com as obras de Caio Prado Jr.,�Gilberto Freyre, Sergio Buarque Gilberto Freyre e Sergio Buarque Caio Prado Jr. Liberal e autoritário, um discurso conservador Panorama político populista � Ambiente político populista no governo Vargas� �Anos JK (1955-1960), modernização conservadora e populismo bossa nova� Ambiente político e “neutralidade” das ciências sociais Pensar o desenvolvimento é refletir sobre a dimensão política � Novos temas e áreas de pesquisa em Sociologia� Sociologia e mudança social Ambiente político e ideologização Interatividade Resposta Sociologia: Florestan Fernandes Florestan, abordagem crítica Florestan, relações de sentido, mediação: o fazer sociológico Dois dos sociólogos formados por Florestan, FHC Dois dos sociólogos formados por Florestan, Ianni Democracia à brasileira Democracia à brasileira e o golpismo Pensar o Brasil, enfrentar as contradições A influência cepalina Pensamento político, a memória dos anos JK Da teoria à prática, a ideologia: ISEB ISEB e o pensamento crítico Interatividade Resposta Golpe Militar Civil Civis e militares, dispositivos de poder Forjando uma dada “legitimidade”, a estratégia psicossocial O autoritarismo e a “engenharia” do milagre brasileiro O campo “de fora” do autoritarismo (crítica intelectual e artística) e o campo da resistência ao golpe e à ditadura A restauração da democracia à brasileira Do neoliberalismo ao pós-neoliberalismo Uma síntese, direções principais Interatividade Resposta Slide Number 53
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