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03/05/2019 Mia Couto: os melhores poemas, biografia e obra completa - Cultura Genial https://www.culturagenial.com/mia-couto/ 1/10 Literatura Poesia/ A literatura imperdível de Mia Couto Rebeca Fuks Doutora em Estudos da Cultura Um expoente da literatura africana, Mia Couto nasceu na Beira, em Moçambique, em 1955, e é biólogo de formação. Atualmente é o escritor moçambicano mais traduzido no exterior, as suas obras foram publicadas em 24 países. Premiado internacionalmente, inclusive com o Prêmio Camões (2013) e com o Neustadt Prize (2014), Mia Couto apresenta uma farta produção (o autor já lançou mais de trinta livros entre prosa, poesia e literatura infantil). Seu romance Terra sonâmbula é considerado um dos dez melhores livros africanos do século XX. Conheça agora esse grande nome da literatura e descubra alguns dos seus mais belos poemas. Os melhores poemas de Mia Couto 1. Para ti Foi para tiFoi para ti que desfolhei a chuvaque desfolhei a chuva para ti soltei o perfume da terrapara ti soltei o perfume da terra toquei no nadatoquei no nada e para ti foi tudoe para ti foi tudo Para ti criei todas as palavrasPara ti criei todas as palavras e todas me faltarame todas me faltaram no minuto em que talheino minuto em que talhei o sabor do sempreo sabor do sempre Para ti dei vozPara ti dei voz às minhas mãosàs minhas mãos abri os gomos do tempoabri os gomos do tempo assaltei o mundoassaltei o mundo 03/05/2019 Mia Couto: os melhores poemas, biografia e obra completa - Cultura Genial https://www.culturagenial.com/mia-couto/ 2/10 e pensei que tudo estava em nóse pensei que tudo estava em nós nesse doce enganonesse doce engano de tudo sermos donosde tudo sermos donos sem nada termossem nada termos simplesmente porque era de noitesimplesmente porque era de noite e não dormíamose não dormíamos eu descia em teu peitoeu descia em teu peito para me procurarpara me procurar e antes que a escuridãoe antes que a escuridão nos cingisse a cinturanos cingisse a cintura ficávamos nos olhosficávamos nos olhos vivendo de um sóvivendo de um só amando de uma só vidaamando de uma só vida O poema Para ti, presente no livro Raiz de Orvalho e Outros Poemas, é claramente dedicado à uma mulher amada e tem como protagonista um eu-lírico apaixonado que se entrega de corpo e alma à relação. Os versos se iniciam com elementos muito caros ao poeta Mia Couto: a chuva, a terra, a conexão com o espaço tão presente na composição em prosa ou em verso. O poema se abre com uma descrição de todos os esforços mais que humanos que o eu-lírico fez e faz em nome da sua paixão, e os versos se encerram com a comunhão entre o par, com a tão ansiada partilha posta em prática pelos dois. 2. Saudade Que saudadeQue saudade tenho de nascer.tenho de nascer. NostalgiaNostalgia de esperar por um nomede esperar por um nome como quem voltacomo quem volta à casa que nunca ninguém habitou.à casa que nunca ninguém habitou. Não precisas da vida, poeta.Não precisas da vida, poeta. Assim falava a avó.Assim falava a avó. Deus vive por nós, sentenciava.Deus vive por nós, sentenciava. E regressava às orações.E regressava às orações. A casa voltavaA casa voltava ao ventre do silêncioao ventre do silêncio 03/05/2019 Mia Couto: os melhores poemas, biografia e obra completa - Cultura Genial https://www.culturagenial.com/mia-couto/ 3/10 e dava vontade de nascer.e dava vontade de nascer. Que saudadeQue saudade tenho de Deus.tenho de Deus. O poema Saudade encontra-se no livro Tradutor de Chuvas e tem como tema o sentimento nostálgico causado pela ausência - seja de um lugar, de uma pessoa ou de uma ocasião específica. Nos versos de Mia Couto lê-se a vontade de reviver o passado e até mesmo instantes que a lembrança não é capaz de alcançar (como a experiência de ter saudade de nascer). Nas linhas acima se reconhece também a presença da família, o calor do berço da casa e de instantes vividos com segurança e aconchego. O poema se encerra transparecendo igualmente a falta que o eu-lírico sente de crer em algo maior. 3. Promessa de uma noite cruzo as mãoscruzo as mãos sobre as montanhassobre as montanhas um rio esvai-seum rio esvai-se ao fogo do gestoao fogo do gesto que inflamoque inflamo a lua eleva-sea lua eleva-se na tua frontena tua fronte enquanto tacteias a pedraenquanto tacteias a pedra até ser floraté ser flor Promessa de uma noite pertence ao livro Raiz de orvalho e outros poemas e reúne apenas nove versos todos iniciados por letra minúscula e sem qualquer tipo de pontuação. Sucinto, Mia Couto deixa transparecer aqui a importância daquilo que o rodeia para a sua composição poética. A presença da paisagem natural é uma característica marcante no trabalho do escritor moçambicano, encontramos no poema, por exemplo, os elementos mais importantes da natureza (as montanhas, o rio, a lua, as flores ) e a sua relação que se estabelece com o homem. 03/05/2019 Mia Couto: os melhores poemas, biografia e obra completa - Cultura Genial https://www.culturagenial.com/mia-couto/ 4/10 4. O Espelho Esse que em mim envelheceEsse que em mim envelhece assomou ao espelhoassomou ao espelho a tentar mostrar que sou eu.a tentar mostrar que sou eu. Os outros de mim,Os outros de mim, fingindo desconhecer a imagem,fingindo desconhecer a imagem, deixaram-me a sós, perplexo,deixaram-me a sós, perplexo, com meu súbito reflexo.com meu súbito reflexo. A idade é isto: o peso da luzA idade é isto: o peso da luz com que nos vemos.com que nos vemos. No livro Idades Cidades Divindades encontramos o belíssimo Espelho, poema que retrata a experiência que todos nós alguma vez já tivemos de não nos reconhecermos na imagem projetada a nossa frente. O estranhamento provocado pela imagem devolvida à nós pela superfície refletora é o que move e surpreende o eu-lírico. Também percebemos a partir da leitura dos versos como somos muitos, divergentes, contraditórios, e como a imagem reproduzida no espelho não é capaz de reproduzir a multiplicidade daquilo que somos. 5. A Demora O amor nos condena: O amor nos condena: demoras demoras mesmo quando chegas antes.mesmo quando chegas antes. Porque não é no tempo que eu te espero.Porque não é no tempo que eu te espero. Espero-te antes de haver vidaEspero-te antes de haver vida e és tu quem faz nascer os dias.e és tu quem faz nascer os dias. Quando chegasQuando chegas já não sou senão saudadejá não sou senão saudade e as florese as flores tombam-me dos braçostombam-me dos braços para dar cor ao chão em que te ergues.para dar cor ao chão em que te ergues. 03/05/2019 Mia Couto: os melhores poemas, biografia e obra completa - Cultura Genial https://www.culturagenial.com/mia-couto/ 5/10 Perdido o lugarPerdido o lugar em que te aguardo,em que te aguardo, só me resta água no lábiosó me resta água no lábio para aplacar a tua sede.para aplacar a tua sede. Envelhecida a palavra, Envelhecida a palavra, tomo a lua por minha bocatomo a lua por minha boca e a noite, já sem voze a noite, já sem voz se vai despindo em ti.se vai despindo em ti. O teu vestido tombaO teu vestido tomba e é uma nuvem.e é uma nuvem. O teu corpo se deita no meu,O teu corpo se deita no meu, um rio se vai aguando até ser mar.um rio se vai aguando até ser mar. Idades Cidades Divindades também abriga os versos de A demora. Trata-se de um lindo e sensível poema de amor, dedicado à uma amada que partilha com o eu-lírico a sensação de enamoramento. No poema só há espaço para o casal e para o meio ao redor. É de se sublinhar a importância do espaço para a composição poética, especialmente a presença de elementos cotidianos e naturais (as flores, a nuvem, o mar). Os versos se iniciam com a descriçãodo que é amor, ou melhor, do que o amado sente quando se vê acometido pelo sentimento da paixão. Ao longo das linhas vamos percebendo os efeitos do amor no corpo do eu-lírico, até que, nos dois últimos versos, testemunhamos o encontro com a amada e a união entre o par. Características gerais da escrita de Mia Couto Mia Couto escreve sobre a terra, sobre a sua terra, e tem profunda atenção a fala do seu povo. O autor constrói o seu trabalho a partir de uma prosa poética, motivo que o leva muitas vezes a ser comparado ao escritor brasileiro Guimarães Rosa. A escrita do autor moçambicano ambiciona transpor a oralidade para o papel e muitas vezes transparece um desejo de inovação verbal. Em seus textos vemos, por exemplo, o uso de recursos oriundos do realismo mágico. 03/05/2019 Mia Couto: os melhores poemas, biografia e obra completa - Cultura Genial https://www.culturagenial.com/mia-couto/ 6/10 Mia Couto é um escritor profundamente ligado a região onde nasceu e foi criado (a Beira), é um conhecedor como poucos da cultura local, dos mitos e lendas tradicionais de Moçambique. Seus livros são marcados, portanto, pela arte narrativa tradicional africana. O autor é conhecido, sobretudo, por ser um contador de histórias. A literatura de Mia Couto é profundamente influenciada pela sua origem moçambicana. Biogra�a de Mia Couto Antônio Emílio Leite Couto é conhecido no universo da literatura apenas como Mia Couto. Como gostava muito de gatos quando era criança, Antônio Emílio pediu que os pais o chamassem por Mia e assim o apelido se perpetuou ao longo dos anos. O escritor nasceu no dia 5 de julho de 1955 na cidade da Beira, em Moçambique, filho de emigrantes portugueses. O pai, Fernando Couto, atuou toda a vida como jornalista e poeta. O filho, seguindo os passos do pai, se aventurou no universo das letras desde muito cedo. Aos 14 anos publicou poemas no jornal Notícias da Beira. Aos 17 anos, Mia Couto saiu da Beira e mudou para Lourenço Marques para cursar Medicina. Dois anos mais tarde, no entanto, enveredou para o jornalismo. Foi repórter e diretor da Agência de Informação de Moçambique entre 1976 e 1976, trabalhou na revista semanal Tempo entre 1979 e 1981 e nos quatro anos a seguir atuou no jornal Notícias. Em 1985 Mia Couto abandonou o jornalismo e voltou para a Universidade para cursar biologia. O escritor especializou-se em ecologia e atualmente é professor universitário e 03/05/2019 Mia Couto: os melhores poemas, biografia e obra completa - Cultura Genial https://www.culturagenial.com/mia-couto/ 7/10 diretor da empresa Impacto – Avaliações de Impacto Ambiental. Mia Couto é o único escritor africano membro da Academia Brasileira de Letras, como sócio correspondente, eleito em 1998, sendo o sexto ocupante da cadeira nº 5. Sua obra é a exportada para os quatro cantos do mundo, atualmente Mia Couto é o escritor moçambicano mais traduzido no exterior contando com obras publicadas em 24 países. Retrato do premiado escritor Mia Couto. Prêmios recebidos Prêmio Anual de Jornalismo Areosa Pena (Moçambique) pelo livro Cronicando (1989) Prêmio Vergílio Ferreira, da Universidade de Évora (1990) Prêmio Nacional de Ficção da Associação de Escritores Moçambicanos com o livro Terra Sonâmbula (1995) Prêmio Mário António (Ficção) da Fundação Calouste Gulbenkian com o livro O Último Voo do Flamingo (2001) Prêmio União Latina de Literaturas Românicas (2007) Prêmio Passo Fundo Za�ari e Bourbon de Literatura com o livro O Outro Pé da Sereia (2007) Prêmio Eduardo Lourenço (2011) Prêmio Camões (2013) Prêmio Internacional Literatura Neustadt, da Universidade de Oklahomade (2014) Obra completa 03/05/2019 Mia Couto: os melhores poemas, biografia e obra completa - Cultura Genial https://www.culturagenial.com/mia-couto/ 8/10 Livros de Poesia Raiz de Orvalho, 1983 Raiz de Orvalho e outros poemas, 1999 Idades, Cidades, Divindades, 2007 Tradutor de Chuvas, 2011 Livros de Contos Vozes Anoitecidas,1987 Cada Homem é uma Raça,1990 Estórias Abensonhadas,1994 Contos do Nascer da Terra,1997 Na Berma de Nenhuma Estrada, 1999 O Fio das Missangas, 2003 Livros de Crónicas Cronicando, 1991 O País do Queixa Andar, 2003 Pensatempos. Textos de Opinião, 2005 E se Obama fosse Africano? e Outras Interinvenções, 2009 Romances Terra Sonâmbula, 1992 A Varanda do Frangipani, 1996 Mar Me Quer, 2000 Vinte e Zinco, 1999 O Último Voo do Flamingo, 2000 Um Rio Chamado Tempo, uma Casa Chamada Terra, 2002 O Outro Pé da Sereia, 2006 Venenos de Deus, Remédios do Diabo, 2008 Jesusalém (no Brasil, o título do livro é Antes de nascer o mundo), 2009 Vagas e lumes, 2014 Livros infantis O Gato e o Escuro, 2008 03/05/2019 Mia Couto: os melhores poemas, biografia e obra completa - Cultura Genial https://www.culturagenial.com/mia-couto/ 9/10 A Chuva Pasmada (Ilustrações de Danuta Wojciechowska), 2004 O beijo da palavrinha (Ilustrações de Malangatana), 2006 O Menino no Sapatinho (Ilustrações Danuta Wojciechowska), 2013 Conheça também Os 10 melhores poemas de Hilda Hilst Os 10 melhores poemas de Leminski Os 14 melhores poemas de Vinicius de Moraes Rebeca Fuks Formada em Letras pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2010), mestre em Literatura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013) e doutora em Estudos de Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e pela Universidade Católica Portuguesa de Lisboa (2018). 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