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Resenha do Livro Arbitragem de Consumo no Direito Brasileiro

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE 
FACULDADE DE DIREITO 
DISCIPLINA: ARBITRAGEM NAS RELAÇÕES PRIVADAS 
PROFESSOR: SÉRGIO PAUSEIRO 
ALUNA: JULIANA BATISTA DE VASCONCELOS 
 
RESENHA DO LIVRO “ARBITRAGEM DE CONSUMO NO DIREITO 
BRASILEIRO” DE ELIZABETH DE ALMEIDA ABREU 
 
1. A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E A DEFESA DO CONSUMIDOR 
Observa-se um movimento de constitucionalização do ordenamento jurídico após a 
promulgação da Constituição de 1988 tornando-a o centro de todo o ordenamento antes 
centrado Código Civil de 1916, baseado no princípio da autonomia da vontade, e 
inspirado pelo Código Civil francês napoleônico. 
A Constituição de 1988 permitiu a ampliação dos direitos do consumidor através da 
promoção e defesa do consumidor, inserção da defesa do consumidor como princípio 
geral da atividade econômica e determinação de criação de legislação infraconstitucional 
para proteger o consumidor em todas as esferas de poder do Estado. 
Essa proteção encontra-se positivada nos artigos: 
Art. 5º, inciso XXXII da CRFB/88: Consumidor como titular de direito constitucional 
fundamental; 
Art. 170 inciso V da CRFB/88: Garantia da intervenção estatal nos conflitos para 
assegurar a proteção ao consumidor prevista constitucionalmente; 
Art. 48 das disposições transitórias da CRFB/88: Determinação da criação do Código de 
Defesa do Consumidor. 
A disposição da proteção do consumidor como direito fundamental disposto em cláusula 
pétrea no artigo 5º garante a estabilidade dos direitos e garantias dos consumidores. O 
artigo 60, §4º, inciso IV determina a vedação a reforma constitucional que modifique ou 
extingue direitos fundamentais, dando imutabilidade aos princípios fundamentais e, 
consequentemente, trazendo estabilidade aos direitos dos consumidores. 
A constituição coloca também o direito do consumidor como um direito fundamental de 
ordem econômica, ou seja, cabe ao Estado o dever de proteger o consumidor nas suas 
relações com os agentes econômicos. 
Fazendo um estudo de direito comparado, A Constituição da República Portuguesa, 
promulgada em 1976, garante aos consumidores o direito à qualidade dos bens e serviços 
consumidos, à formação e à informação, à proteção da saúde, da segurança e dos seus 
interesses econômicos, bem como a reparação de danos. 
 
2. ARBITRAGEM NA CONSTITUIÇÃO 
À época da promulgação da constituição de 1988, a arbitragem, como método de 
resolução de conflitos, não tinha expressão no território nacional e, portanto, não foi 
previsto na CRFB/88. A arbitragem só foi introduzida no direito brasileiro com a lei nº 
9.307/96. Entretanto, há divergências na doutrina quanto a constitucionalidade do 
instituto. 
Em Portugal, o instituto foi previsto na Constituição e não há divergências já que a 
doutrina entende o acesso à justiça não se dá somente pela via judicial, mas pela aplicação 
do Direito. Na esfera consumerista, há os Centros de Arbitragem de Conflitos de 
Consumo. 
No Brasil, meio de democratizar o acesso à justiça: Conselhos de Conciliação e 
Arbitramento (RS), sob tutela dos magistrados, atuavam em horário diverso do 
expediente judiciário realizando conciliação entre as partes e arbitramentos. Evoluíram, 
com a lei nº 7.244/84, para os Juizados de Pequenas Causas, tornando-se obrigatórios em 
todos os estados da federação com a CRFB/88 e em 1995 foi revogada pela lei nº 9.099 
dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. Os JEC são demandados, quase na sua 
totalidade, para solução de conflitos de consumo. 
 
3. O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 
O CDC atinge todos os contratos em que há relação de consumo em qualquer área do 
direito. A relação de consumo se configura quando o consumidor adquire bens ou serviços 
de um fornecedor em condição de destinatário final dos bens e serviços. No Brasil, o 
princípio da vulnerabilidade determina a incidência do CDC. É pela vulnerabilidade que 
se definirá quem será o sujeito de direito do consumidor (consumidor ou consumidor por 
equiparação). 
O princípio da vulnerabilidade é o centro da proteção do consumidor. Por ele, os 
consumidores devem ser tratados desigualmente para que alcancem a igualdade. A 
vulnerabilidade por se dar de forma fática, jurídica, socioeconômica e informacional. 
Outros princípios do CDC são: a hipossuficiência (art. 6º, VIII) sendo regra de 
interpretação na análise probatória feita em juízo, o equilíbrio e da boa-fé objetiva (art. 
4º, III) devendo as partes comportar-se honestamente, o dever de informar (art. 6º, III) do 
fornecedor prestando informações claras, adequadas e eficazes sobre o produto e o 
serviço, revisão das cláusulas contratuais (art. 6º, V) quando se tornar excessiva a 
onerosidade, a equivalência (art. 4º, III c.c. art. 6º, II) pela qual o consumidor tem direito 
a revisão de cláusulas contratuais abusivas, a transparência (art. 4º caput) devendo o 
fornecedor prestar informações ao consumidor de forma adequada, e a solidariedade (art. 
7º, parágrafo único) responsabilizando os causadores do dano solidariamente. 
 
4. ARBITRAGEM 
A arbitragem é um meio de resolução de conflitos, alternativo ao meio judicial estatal, 
pelo qual as partes elegem um terceiro, o árbitro, para decidir e resolver a lide. Essa 
decisão tem o efeito de uma decisão judicial. Para que possa resolver conflitos pela via 
arbitral é necessário a capacidade contratual das partes e que o litígio seja sobre direito 
patrimonial disponível (art. 1º da Lei nº 9.307/96 e art. 852 do CC). 
Art. 1º As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem 
para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. 
Baseada na autonomia da vontade, as partes podem escolher as regras a serem aplicadas, 
desde que não viole os bons costumes e a ordem pública e também poderão convencionar 
se a arbitragem será baseada nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas 
regras internacionais de comércio, segundo o artigo 2º §§ 1º e 2º da Lei nº 9.307/96. 
A cláusula arbitral tem autonomia em relação ao contrato. Se o contrato for declarado 
nulo, não anulará a cláusula instituidora da arbitragem. Em contratos de adesão, a lei 
determina que terão eficácia se o aderente instituir a arbitragem ou concordar 
expressamente no próprio contrato ou em anexo. 
Art. 4º A cláusula compromissória é a convenção através da qual as 
partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os 
litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato. 
§ 1º A cláusula compromissória deve ser estipulada por escrito, 
podendo estar inserta no próprio contrato ou em documento apartado 
que a ele se refira. 
§ 2º Nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia 
se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, 
expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em 
documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto 
especialmente para essa cláusula. 
 
A decisão arbitral possui definitividade e, portanto, não cabe recurso. Entretanto, em caso 
de contradição, omissão ou obscuridade da sentença poderá ser interposto um 
requerimento. A decisão arbitral transita em julgado torna-se um título executivo. 
 
5. DIVERGÊNCIAS ENTRE O CDC E A LEI DE ARBITRAGEM 
O CDC, no inciso VII do artigo 51, determina como nulas de pleno direito as cláusulas 
contratuais que determinam a utilização compulsória da arbitragem nos contratos de 
consumo. A existência essa cláusula num contrato pode significar a intenção do 
fornecedor de impedir que o consumidor tenha acesso ao judiciário na busca de resolução 
de uma eventual lide. 
A Lei de arbitragem, porém, determina que a cláusula arbitral nos contratos de adesão, 
maioria doscontratos de consumo, terão eficácia se o aderente instituir a arbitragem ou 
concordar expressamente no próprio contrato ou em anexo. Na opinião de parte da 
doutrina, a lei não impede, que o fornecedor imponha ao consumidor hipossuficiente a 
arbitragem ferindo os princípios da vulnerabilidade e da boa-fé e equidade. 
Parte da doutrina defende o uso da arbitragem nas relações de consumo como uma via 
eficaz alternativa aos juizados argumentando que a proteção ao consumidor não será 
reduzida, visto que, o CDC não poderá ser afastado quando os árbitros estiverem 
apreciando um conflito consumerista. 
Na jurisprudência, o conflito permanece e não entendimento unânime sobre a questão. 
Entendeu o STJ a possibilidade da arbitragem nas relações de consumo porém nula 
quando estabelecida de forma compulsória. Sendo a decisão apenas persuasiva e os 
Tribunais de Justiça ainda apresentam divergências. 
 
6. ANÁLISE 
Tendo em vista o livro estudado o conteúdo ministrado em sala de aula, fica claro a 
possibilidade da legal da arbitragem como meio alternativo a resolução de conflitos 
diverso do meio judicial estatal dos Juizados Especiais os quais hoje sofrem com a enorme 
demanda que compromete a celeridade processual. Parece certo o entendimento do STJ 
quanto a cláusula de compromisso arbitral nos contratos de adesão a qual não será nula 
se o consumidor expressamente concordar com o meio arbitral para resolução de 
eventuais conflitos ou ainda buscar o juízo arbitral para decisão de um conflito. 
Entretanto, a cláusula será nula se estabelecida compulsoriamente pelo fornecedor. Dada 
a situação de vulnerabilidade do consumidor e a presente condição da população 
brasileira, muitos consumidores desconhecem a arbitragem e sua disposição no diploma 
legal e tornam-se alvos fáceis de abusos por parte do fornecedor. Caberá ao Poder 
Judiciário a proteção desses consumidores vulneráveis e hipossuficientes. 
Fica aqui uma dúvida quanto a utilização do meio arbitral para solução de conflitos que 
o livro não se prestou a sanar, focando sua discussão na possibilidade do uso da via 
arbitral e nos conflitos doutrinários e jurisprudenciais quanto a interpretação das normas 
mais, especificamente o aparente conflito entre o Código de Defesa do Consumidor e a 
Lei de Arbitragem de 1996, sem se preocupar em discutir o processo arbitral na resolução 
de conflito consumerista. Dada a proteção do CDC e do princípio da inafastabilidade do 
Poder Judiciário, disposto no artigo 5º, inciso XXXV: 
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer 
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no 
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à 
segurança e à propriedade, nos termos seguintes: 
 
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou 
ameaça a direito; 
 
Fica garantido a proteção do consumidor quanto a execução compulsória da cláusula 
arbitral nos contratos de consumo, em sua maioria, contratos de adesão. Porém, o 
consumidor poderá sofrer abusos se optar pela via arbitral dada a desigualdade econômica 
gritante entre o fornecedor e o consumidor hipossuficiente. 
Ainda que se resolva os problemas em relação ao financiamento da arbitragem, dada a 
sua onerosidade de alto custo, através dos modelos de Third-Party Funding sugeridos em 
aula, não ficou claro como se daria a proteção ao consumidor vulnerável e, muitas vezes, 
leigo em relação ao Direito, no processo de escolha de árbitros e na observância da 
obediência ao devido processo legal. 
A arbitragem se mostra um atrativo meio alternativo a resolução de conflitos, entretanto, 
sua aplicação nas relações de consumo no Brasil ainda apresenta problemas e se mostra 
longe de alcançar o modelo de outros países. 
 
BIBLIOGRAFIA 
ABREU, ELIZABETH DE ALMEIDA. Arbitragem de consumo no direito brasileiro – 
Rio de Janeiro: Ed. Do autor, 2015

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